Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0635865
Nº Convencional: JTRP00039688
Relator: SALEIRO DE ABREU
Descritores: RESOLUÇÃO
REDUÇÃO DO NEGÓCIO
Nº do Documento: RP200611090635865
Data do Acordão: 11/09/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 690 - FLS 111.
Área Temática: .
Sumário: I - O comprador (na compra e venda), ou o dono da obra (na empreitada) terá de optar entre resolver o contrato, extraindo daí todas as suas consequências jurídicas (arts. 433º e segs. e 289º do CC), ou - pretendendo ficar com a coisa defeituosa - manter o contrato e exigir a redução do preço.
II - As duas coisas são, obviamente, incompatíveis. Pedir a resolução do contrato e, simultaneamente, a redução do seu preço (admitindo, portanto, a sua subsistência e validade) constitui uma verdadeira contraditio in terminis.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
B………. e mulher C………. intentaram acção declarativa, com processo sumário, contra D………, LDA, alegando, l em síntese, que:
- Em 26 de Outubro de 2001, AA. e Ré acordaram em que esta forneceria e instalaria na casa dos AA. um conjunto de móveis de cozinha, pelo preço de € 10.225,36 (2.050.000$00);
- Foi ainda acordado que a cozinha seria instalada até 25 de Dezembro de 2001; porém,
- Nessa data apenas estava iniciada a montagem dos móveis, e com defeitos;
- Só em Agosto de 2002 é que a Ré deu a obra por concluída. Todavia,
- Esta apresenta diversos defeitos, que os AA. haviam denunciado, e para cuja reparação terão de despender o total de € 2450,04;
- Os AA. pagaram integralmente a cozinha.

Concluíram pedindo que a Ré seja condenada a:
A - Ver declarada a resolução do contrato e reconhecer isso mesmo;
B – Ver reduzido o valor contratual no valor de 2450,04 euros e, consequentemente, a Ré condenada a restituir aos AA. a referida soma de 2.450,04 euros;
C – A pagar aos AA. a quantia de 1.312,50 euros, a título de indemnização por danos.
A Ré contestou, invocando, além do mais, a nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial, decorrente da incompatibilidade substancial entre o pedido de resolução e o de redução do valor do contrato.

E, no despacho saneador, foi proferida decisão em que se julgou procedente aquela excepção dilatória e, em consequência, se absolveu a R. da instância.

Inconformados, os AA. interpuseram o presente recurso de agravo, tendo terminado a respectiva alegação com as seguintes conclusões:
1. A douta decisão do Tribunal "a quo" considera que os pedidos dos AA são substancialmente incompatíveis e a petição inepta absolvendo da instância a Ré.
2. Com o primeiro pedido, resolução contratual, pretende-se ver reconhecido o direito dos AA. acabarem com a relação contratual.
3. Com o segundo pedido, pretende-se que o valor dos serviços prestados no contrato seja reduzido para um valor menor para se formular num terceiro pedido a indemnização correspondente.
4. Para solicitar a indemnização pela diferença entre o que os AA pagaram e o que deviam pagar pelos serviços prestados tem de se determinar o valor dos serviços prestados no referido contrato resolvido, tal é o que se pretende com o segundo pedido de redução do preço do contrato.
5. Porém, se a formulação do segundo pedido deixava dúvidas, salvo melhor opinião, deveria o Meritíssimo Juiz convidar os AA. a reformular o articulado ou providenciar pelo suprimento das excepções dilatórias ao abrigo do art°. 508, nº 1 em conjugação com o 273º do C. P. Civil, como sustenta António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma P. Civil, Vol. ll, pág. 85 e seguintes e A. Reis, Comentário C. P. Civil, Vol. llI, pag. 96 e C. P. Civil Anotado Abílio Neto, pág. 387 , 16ª edição.
6. Com efeito, com o despacho de aperfeiçoamento tal pedido podia ser corrigido, clarificado, desistir-se parcialmente ou totalmente, colocado em alternativa ou subsidiariamente, de forma a que a p.i. permitisse a discussão da causa, maior celeridade processual e definição mais rápida dos direitos substantivos.
7. Salvo melhor opinião, o Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" violou por erro de interpretação e aplicação os art.(s ) 193°,n 2, al. c), 273° e 508, n° 1 do C.P.Civil.

Pedem que se revogue a decisão recorrida e se ordene o prosseguimento da acção, quer porque se considere apta a p.i., quer mandando proferir despacho de aperfeiçoamento para corrigir o pedido dos AA.

Contra-alegou a Ré, pugnando pela confirmação daquela decisão.

Foi proferido tabelar despacho de sustentação.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

II.
Face às conclusões do recurso – delimitativas, como é sabido, do âmbito do seu objecto – são duas as questões que importa conhecer:
- saber se ocorre a arguida nulidade de todo o processo;
- concluindo-se pela afirmativa, se é caso para prolação de despacho de convite ao suprimento dessa excepção ou de aperfeiçoamento da petição inicial.
Vejamos:

1) Quanto à primeira questão:
Foi plenamente acertada a decisão proferida a quo ao concluir pela ineptidão da petição e consequente nulidade de todo o processo.

Dispõe o nº 1 do art. 470º do CPC que “pode o autor deduzir cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação”.
Quando se cumulem pedidos substancialmente incompatíveis, a petição diz-se inepta (art. 193º, nº 2, c) do mesmo Código. O que conduz à nulidade de todo o processo (nº 1 do mesmo artigo).

Como ensinam A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2º ed., p.246, nota 4, “devem considerar-se incompatíveis não só os pedidos que mutuamente se excluem, mas também os que assentam em causas de pedir inconciliáveis”. E apontam como exemplo o caso em que o autor, depois de arguir a anulabilidade do contrato, peça a anulação deste e, ao mesmo tempo, a condenação do réu na principal prestação nascida do contrato (como se este permanecesse válido).
Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, I, 2ª ed, p. 131, escreve (citando Rodrigues Bastos, “Notas ao CPC”, vol. I, pág.388) que a expressão “pedidos incompatíveis” tem o significado de não poderem ser ambos acolhidos sem admitir uma contradição interna na ordem jurídica.

No caso sub judice, os AA. formulam (além do pedido de indemnização por danos, cuja causa de pedir, designadamente para o montante peticionado, não se vê alegada...) um pedido de resolução do contrato celebrado entre as partes (contrato que deverá qualificar-se como sendo de empreitada – art. 1207º do CC), e um pedido de redução do preço do mesmo contrato.
Ora, tais pedidos são manifestamente incompatíveis.
Como escreveu A. Varela, Das Obrigações em Geral, II, 7ª ed., 275, “a resolução é a destruição da resolução contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato” e visa fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam, se o contrato não tivesse sido celebrado (vd. arts. 433º e 434º do CC).
Pelo contrário, a redução do preço (prevista no art. 911º do CC para a compra e venda e no art. 1222º para a empreitada) pressupõe a existência e subsistência do contrato e “encontra o seu fundamento numa equivalência de prestações e, com ela, pretende-se tão-só estabelecer um reajustamento do preço” (Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso ..., p. 405).
O comprador (na compra e venda), ou o dono da obra (na empreitada) terá de optar entre resolver o contrato, extraindo daí todas as suas consequências jurídicas (arts. 433º e segs. e 289º do CC), ou - pretendendo ficar com a coisa defeituosa - manter o contrato e exigir a redução do preço. As duas coisas são, obviamente, incompatíveis. Pedir a resolução do contrato e, simultaneamente, a redução do seu preço (admitindo, portanto, a sua subsistência e validade) constitui uma verdadeira contraditio in terminis.
Há que concluir, assim, que a petição é inepta, vício que, como já se disse, acarreta a nulidade de todo o processo, excepção dilatória que dá lugar à absolvição da instância (arts. 193º, nº 1 e 2. al. c), 493, nº2, 494, al. b) e 495, todos do C.P.C.).

B) Quanto à segunda questão:

Dispõe o art. 508º, nº 1, al. a) do CPC, que “Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho destinado a providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, nos termos do nº 2 do artigo 265º”.
Acontece que a nulidade decorrente da ineptidão por cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis não é susceptível de sanação.
Como escreve A. Geraldes, ob. cit, II, 67, “(...) para além da solução emergente do referido Assento do STJ (nº 12/94, que não vem ao caso), a única situação de ineptidão que é passível de superação através de actuações processuais deriva expressamente do art. 193º, nº 3.
No que concerne às demais situações de ineptidão são insanáveis, não cabendo, pois, ao juiz empreender qualquer diligência nesse sentido, face ao disposto no art. 265º, nº 2”.

Também Lebre de Freitas (CPC anotado, 1º, 327 e 470, e 2º, 348) defende que, salvo quanto à al. a) do nº 1 do art. 193º, em que o nº 3 é expresso em consignar uma situação de sanação, a ineptidão gera nulidade que deve ser considerada insanável.

Diga-se, por último, que, embora se nos afigure que a petição inicial de modo algum prime pela perfeição, o convite ao seu aperfeiçoamento (al. b) do nº 1 e nº 3 do art. 508º), sugerido pelos recorrentes, traduzir-se-ia, de todo, em acto inútil, face à referida nulidade, insanável.

O despacho recorrido não merece, portanto, qualquer reparo.

III.
Nestes termos, e sem necessidade de mais considerações, nega-se provimento ao agravo, mantendo-se aquele despacho.
Custas pelos agravantes.

Porto, 9 de Novembro de 2006
Estevão Vaz Saleiro de Abreu
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
Gonçalo Xavier Silvano