Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0647256
Nº Convencional: JTRP00040470
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: DEPOIMENTO INDIRECTO
Nº do Documento: RP200707040647256
Data do Acordão: 07/04/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 273 - FLS 119.
Área Temática: .
Sumário: As declarações de uma testemunha relatando a conversa que manteve com a arguida não constituem depoimento indirecto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto:

No Tribunal Judicial da Comarca de Oliveira de Azeméis, foi decidido:
1. Condenar a arguida B………. pela prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º 1 b) e n.º 3 do CP, na pena de 280 dias multa à taxa diária de 6,00€, num total de 1.680,00€.
2. Condenar a arguida C………. pela prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º 1 c) e n.º 3 do CP, na pena de 280 dias multa à taxa diária de 5,00€, num total de 1.400,00€.

Inconformada recorre a arguida B………. rematando a pertinente motivação com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1. – A sentença recorrida, na parte em que se recorre, deve ser revogada e substituída por outra que absolva a arguida/recorrente, B………., do crime de falsificação de documento, e, consequentemente, a absolva do pagamento da multa e custas processuais penais em que foi condenada, porquanto;
2. – A arguida, ora recorrente, prestou depoimento, bem como a co-arguida, e arrolou testemunhas presenciais dos factos, testemunhas por razões profissionais, com razão de ciência quanto aos factos e testemunhas abonatórias.
3. – No exame crítico da prova, o Tribunal “a quo” não procedeu a um exame crítico dessa prova produzida pela arguida, não se descortinando que razões determinaram que fosse conferida credibilidade à prova da acusação e não à prova da defesa.
4. - O Tribunal “a quo” fez tábua rasa da prova da defesa e das declarações das arguidas.
5. – O exame crítico da prova exigido pelo n.º 2 do artigo 374º do C.P.P., pressupõe e exige que sejam suficientemente evidenciados na sentença, as razões que levaram o Tribunal a decidir num sentido e não noutro, a valorizar determinada prova e a desvalorizar outra.
6. – O Tribunal “a quo” nem considerou a prova da defesa.
7. – A omissão do referido exame crítico da prova de defesa constitui, nas circunstâncias referidas, a nulidade da sentença prevista na al. a) do n.º 1 do artigo 379º do C.P.P.. Acresce que,
8. – A sentença recorrida é ainda nula nos termos do disposto no art.º 410º/2, al. a) e c) do C.P.P., pois que,
9. – Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
10. – Do depoimento das testemunhas de acusação e concomitantemente da matéria dada como provada, com base em tais depoimentos transcritos no corpo desta motivação de recurso, não resulta provado nem indiciado as circunstâncias de tempo, lugar e modo capazes de integrar a conduta da arguida B………. num crime de falsificação de documento. Com efeito,
11. – Do depoimento de tais testemunhas, da matéria de facto provada e da motivação da sentença, não resulta o conhecimento volitivo da arguida B………. para apor no documento em apreço nos autos um facto falso.
12. – Não resulta que com a aposição da data de 20 de Junho, a mesma impedisse a autuação contra-ordenacional da co-arguida.
13. – Não resulta que o elemento da data do CPSA fosse juridicamente relevante; resultando, pelo contrário, que era a data proposta de constituição do seguro ab initio.
14. – Não resultou o “conluio” entre as co-arguidas; ou as circunstâncias de tempo, lugar e modo em que o mesmo se concretizou. De igual modo,
15. – Constitui erro notório na apreciação da prova, por contrariar as regras da experiência comum, reconhecendo-se como se fez na sentença recorrida que com a aposição da data no CPSA, pela recorrente, com data anterior à da fiscalização à co-arguida não seria autuada.
16. – De igual modo, atentas as regras da experiência comum, não se pode crer que a recorrente agisse, na qualidade de profissional de seguros, saber que passando um CPSA com data anterior do da entrega do novo livro no seu escritório, facilmente iludiria a companhia de seguros.
17. – Nem que tal conduta fosse demonstrativa e capaz de basear a condenação da arguida/recorrente, pois que para a companhia de seguros seria tão facilmente detectável tal situação, como detectável se a recorrente passasse um CPSA com data de 20 de Junho, após emitir outros com datas posteriores.
18. – Na verdade, concluindo-se que no livro anterior “antigo” haviam certificados por preencher, e o último preenchido tinha data de 26 de Junho – dia anterior à fiscalização – não se percebe, atenta a experiência comum e a lógica, ou falta dela na sentença recorrida, como se a recorrente quisesse efectivamente praticar o crime de falsificação de documento, não tivesse utilizado tal livro, emitindo um certificado com data de 26 de Junho ou mesmo 27 de Junho, como lhe era possível.
19. – Não é por isso aceitável que a sentença recorrida baseasse a condenação da recorrente, tal como faz, pela situação na mesma descrita ser “uma situação normal não detectável”.
20. – Tais insuficiências de prova e erro notório da apreciação da mesma acarreta a nulidade da sentença ou, pelo menos, a eliminação dos pontos b) quando refere “... contactou a arguida B………. (...) e solicitou-lhe a emissão de certificado de seguro com data anterior à da fiscalização.”; c), quando refere “...a arguida B………., de comum acordo com a arguida C………. e na sequência do referido plano previamente combinado (...)”; e); f) e g) da matéria de facto provada,
21. – Porque incorrectamente julgados os depoimentos referidos.
22. – Impondo as provas decisão diversa da fundamentada e ora recorrida.
23. – Devendo ser renovada toda a prova da acusação e defesa, quanto aos pontos referidos em 20º das presentes conclusões. Acresce que,
24. – O depoimento das testemunhas da acusação, D………. e E………., são testemunhos indirectos.
25. – Por tais, inadmissíveis de valoração, pois que,
26. – Tendo a recorrente negado os factos da acusação, e estando, por isso em contradição as suas declarações com o depoimento das testemunhas, designadamente, da testemunha D………., o Tribunal “a quo” ao contrário do por si referido não pode fazer uso das mesmas.
27. – Não sendo de aplicar o artigo 129º/1 do C.P.P..
28. – Não podendo o Tribunal “a quo” basear a condenação em “confissão” feita pela ora recorrente a terceiro, quando a mesma negou os factos perante o mesmo Tribunal.
29. – Neste sentido é dominante a jurisprudência e doutrina portuguesas. Acresce que,
30. – E é, ainda revelador, da insuficiência de prova e erro de apreciação da mesma considerar a conversa que a recorrente teve com a testemunha como de confissão, pois que,
31. – Cabia ao Ministério Público averiguar ao que se referia a testemunha D………. ao falar em “favor”; em “favor prestado a uma segurada”; circunstâncias de tempo, lugar e modo, em que tal “favor foi prestado”.
32. – Não o tendo feito nem sequer o Tribunal oficiosamente, o relato da testemunha não é suficiente para basear a condenação da recorrente.
33. – Tal relato não foi confirmado por qualquer outro meio de prova.
34. – Sendo que o contraditório da recorrente só podia ser realizado sobre prova legalmente admissível, o que não é o caso.
35. – Neste sentido, entre outros, citados em sede de motivação, Ac. STJ de 22/10/98.
36. – Tal depoimento não vale, ainda, por violar o disposto no artigo 32º da CRP, relativo às garantias da defesa do arguido.
37. – Acresce que, no mínimo e em obediência ao principio in dubio pro reo, persistiria dúvida legítima sobre os factos provados e supra referidos em 20º das presentes conclusões de recurso, que também por esta razão não deveriam ter sido dadas como provadas.
38. – Padece, assim, a sentença dos vícios referidos nas als. a) e c) do n.º 2 do artigo 410º do C.P.P., o que acarreta nulidade da sentença.
39. – A fixação da matéria de facto quanto aos factos insertos nas als. b); c); e); f) e g) dos factos provados não tomou na devida conta a prova produzida nem a proibição de valoração de depoimentos indirectos nem o princípio probatório do in dubio pro reo.
40. – Devendo, tal como já referido ser renovada, pois que,
41. – Os depoimentos das testemunhas de acusação, pois que das de defesa se fez tábua rasa, não eram suficientes à condenação da recorrente.
42. – As declarações da co-arguida constituem também meio admissível de prova não considerado pelo Tribunal “a quo”.
43. – Devendo o Tribunal voltar a pronunciar-se sobre a valoração do depoimento da co-arguida C………., pois que esta foi peremptória ao excluir todo e qualquer conhecimento da recorrente nos factos descritos na acusação.
44. – Dos depoimentos das testemunhas de acusação, não resulta, tal como já referido supra, sem subsistência de dúvida e sem contradição insuperável, o acordo pré-combinado entre ambas as arguidas, dado e considerado provado em sede de sentença.
45. – Bem como o modus operandi da arguida B………., que permita concluir, tal como também acima se expõe, que para a mesma fosse mais fácil utilizar um livro novo de certificados do que um antigo.
46. – Pois que, tal como ficou provado, a companhia de seguros F………., S.A. conferia todos os livros.
47. – À sentença recorrida exigia-se fundamentação mais objectiva e directa.
48. – Já assim a data de início de validade do seguro não foi aferida.
49 – Sendo esta a fundamental para definir qual o elemento juridicamente relevante falsificado pela arguida.
50. – Devendo, também por isso, ser novamente apreciada a prova, quer da acusação, quer da defesa em relação aos pontos b), c) e), f) e g) da matéria de facto provada.
51. – Sempre se dirá ainda que, a arguida não praticou o crime pelo qual foi acusada e condenada.
52. – Não ficou demonstrado, sem a mínima dúvida, a intenção dolosa da arguida; o seu dolo específico; a sua intenção inequívoca em causar prejuízo ou em obter benefício.
53. – Pois que não resultou provado que tivesse conhecimento da autuação da co-arguida pela PSP de Santa Maria da Feira.
54. – Nem a relevância jurídica da dada aposta no certificado provisório de seguro de responsabilidade civil foi demonstrada.
55. – Pelo contrário, da prova da acusação resultou que o mesmo nada vale sem a proposta de seguro.
56. – Daí que, a co-arguida C………. teria e iria sempre ser autuada por não possuir seguro válido à data da sua autuação.
57. – Não acarretando a conduta da arguida qualquer prejuízo para o estado.
58. – Pois que o certificado provisório não produz, atento o acima exposto, efeitos jurídicos.
59. – A admitir-se o que não se concede que a arguida praticou o crime de falsificação de documento, a inexistência de antecedentes criminais e as circunstâncias apreciadas em sede de prova e também aqui omitidas em motivação de sentença, da arguida ser profissional competente e séria, impunham que, com proporcionalidade se lhe aplicasse pena de multa mais reduzida.
60. – A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 127º; 129º; 374º; 379º e 410º/2, todos do C.P.P. e, ainda os artigos 256º do C.Penal e 32º da CRP.

Admitido o recurso o Ministério Público respondeu pugnando pela sua improcedência. Já neste Tribunal o Ex.mo Procurador Geral Adjunto, foi de parecer que o recurso não merece provimento.
Cumpriu-se o disposto no art.º 417º n.º 2 do CPPenal e após os vistos realizou-se audiência.

Factos provados:
a) No dia 27 de Junho de 2003, a arguida C………. conduzia o veículo automóvel com a matrícula ..-..-EG na área da comarca de Santa Maria da Feira, sendo então sujeita a uma acção de fiscalização por parte da PSP de Santa Maria da Feira, através da qual foi apurado que aquela não possuía o certificado de seguro obrigatório válido, antes possuía apenas um certificado já caducado desde o dia 27 de Janeiro de 2003.
b) Em consequência de tal situação, a arguida, com vista a evitar o pagamento da coima devida por circular na via pública com um automóvel sem ter o seguro obrigatório válido, contactou a arguida B………., mediadora de seguros da empresa de seguros Companhia de Seguros F………., S.A., e solicitou-lhe a emissão de um certificado de seguro com data anterior à da fiscalização.
c) Assim, a arguida B………., de comum acordo com a arguida C………. e na sequência do referido plano previamente combinado, em data não concretamente apurada, mas certamente entre o dia 27 de Junho e o dia 09 de Julho de 2003, preencheu e assinou um certificado provisório de seguro de responsabilidade civil automóvel, emitido pela Companhia de Seguros F………., S.A., sob o n.º …/………, escrevendo-lhe como data de emissão 20 de Junho de 2003 e entregou-o à arguida C………. .
d) Munida desse certificado provisório, a arguida C………. dirigiu-se no dia 09 de Julho de 2003 à Esquadra da PSP de Santa Maria da Feira, onde o exibiu de modo a obstar ao preenchimento do auto de contra-ordenação pela circulação na via pública com um automóvel sem ter seguro obrigatório válido.
e) As arguidas agiram deliberada e conscientemente, em conjugação de esforços e de comum acordo, bem sabendo que a data aposta no certificado provisório de seguro de responsabilidade civil automóvel não correspondia à verdade e que tal facto era juridicamente relevante, nomeadamente para evitar que a arguida C………. pagasse a coima devida por circular na via pública com um veículo automóvel que não possuía seguro de responsabilidade civil válido e aquela pudesse exibir o certificado às autoridades policiais, tal como efectivamente fez.
f) Ambas as arguidas tiveram o propósito de obter um benefício que sabiam não lhes ser devido, bem como de enganar o Estado e de atentar contra a credibilidade que os documentos merecem, prejudicando dessa forma o interesse do Estado na fé pública inerente aos mesmos.
g) Sabiam as arguidas que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente puníveis.
h) A arguida C………. é sócia gerente de uma sociedade que tem por objecto a documentação automobilística, imobiliária, auferindo 1000,00€ por mês.

i) Da Sua actividade como mediadora de seguros retira ainda a quantia de 300,00€ por mês.
j) Vive em casa própria, pagando uma prestação mensal de 312,00€ devida por força de um crédito à habitação que contraiu para a sua aquisição.
m) É divorciada e tem uma filha de 22 anos de idade, enfermeira, que vive consigo.
n) Nunca respondeu em Tribunal.
o) A arguida C………. é sócia juntamente com o seu marido da Sociedade G………., L.da., que se dedica à reparação de veículos automóveis.
p) Trabalha nessa sociedade, na parte administrativa, auferindo um vencimento de 450,00€.
q) Vive em casa própria para cuja aquisição contraiu um empréstimo e suporta uma prestação mensal, juntamente com o seu marido de 480,00’€.
r) É casada e tem um filho de 4 anos.
s) O seu marido trabalha também na sociedade acima referida tendo um vencimento de 450,00€.
t) Usa um de dois veículos, ou um citroen ………. ou um citroen ………., propriedade da dita sociedade comercial.
u) A sociedade tem actualmente quatro funcionários, para além da arguida e do seu marido.
v) A arguida C………. nunca respondeu em Tribunal.

Factos não provados:

Não se demonstraram quaisquer outros factos, designadamente outros factos relativos á situação económica da arguida C………. e designadamente a situação económica da sociedade de que é sócia.

Motivação:
A convicção do Tribunal formou-se, no que aos factos provados respeita, com base
a) Certificado de registo criminal junto aos autos;
b) Declarações das arguidas quanto á sua situação económica.
c) No depoimento esclarecedor da testemunha D………. que era à data o técnico comercial responsável perante a Companhia de Seguros F………., S.A., na zona de Aveiro, e com funções na área de trabalho da arguida B………. .
Esclareceu esta testemunha ter tido conhecimento inicial dos factos através de um E- mail provindo da Companhia de Seguros F………., S.A. e depois ter contactado a arguida B………. primeiro pelo telefone (cujo conteúdo da conversa referiu não se recordar) e após pessoalmente, relatando com seriedade e credibilidade que logo então a arguida B………. lhe disse que por uma questão de amizade para com uma segurada, para lhe tentar resolver um assunto – o facto de ter sido sujeita a uma operação Stop e ter de apresentar um documento válido - lhe emitiu um certificado de seguro com data anterior, nunca tendo chegado a emitir a respectiva proposta. Este depoimento apesar de indirecto, porque foi produzido na presença da arguida e pode por esta ser contraditado poderá ser livremente valorado[1]
Referiu ainda no seu depoimento, com conhecimento directo, que ao que se recordava havia ainda um certificado num livro entregue com data anterior por preencher e que o em causa seria o primeiro do livro novo que havia entregue no escritório da arguida B………. em 27.06.2003.
Esclareceu quando questionado que a utilização do livro com data posterior, e após a entrega do mesmo seria, numa situação normal não detectável, já que, nesses casos não iriam confirmar a data da entrega do livro, sendo que no livro anterior como haviam já dois certificados emitidos com datas posteriores a 20.06, sendo emitido um com essa data, seria logo detectado, porque os certificados são confirmados quando da entrega do respectivo livro. Referiu ainda nunca ter chegado aos escritórios da Companhia de Seguros F………., S.A. qualquer proposta relativa a este certificado, ou qualquer fax a ele relativo.
d) O depoimento da testemunha H………. – agente da PSP de Santa Maria da Feira, que depôs de forma aparentemente séria e coerente, no sentido de se recordar de ter fiscalizado a arguida C………., por ter desobedecido a um sinal de sentido proibido, altura em que esta, apesar de lhe referir ter um certificado de seguro válido, apenas lhe exibiu uma carta verde caducada a 27-01-2003.
Esclareceu ainda que como o certificado em causa lhe foi apresentado já após os 8 dias que havia fixado para a sua apresentação e com uma data muito anterior, estranhou tal facto, tendo então encetados diligências com vistas a apurar da validade do mencionado certificado.
e) O testemunho de E………. do departamento jurídico da Companhia de Seguros F………., S.A., que relatou com sinceridade e credibilidade as diligências feitas com vista a apurar da validade do certificado em causa, confirmando também que o certificado era o primeiro de um livro novo entregue à arguida B………. . Mais relatou de forma coerente com a testemunha D………. que não lhe chegou ao conhecimento a existência de qualquer proposta relativa ao certificado em causa.

O Direito.
Questões a decidir:
a) Falta de exame crítico;
b) Nulidade da sentença por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
c) Erro notório na apreciação da prova;
d) Valoração de depoimentos indirectos;
e) Violação do princípio in dubio pro reo;
f) Medida da pena.

A - Falta de exame crítico da prova na sentença recorrida.
Cabe averiguar se o tribunal recorrido fundamentou correctamente e examinou criticamente os pontos de facto.
A recorrente nas suas conclusões 1 a 7 imputa à sentença o vício de nulidade porque, no seu entendimento, no exame crítico da prova o tribunal não procedeu a um exame crítico da prova produzida pela arguida não se descortinando que razões determinaram que fosse conferida credibilidade à prova da acusação e não à prova da defesa, concluindo que o Tribunal “a quo” fez tábua rasa da prova da defesa e das declarações das arguidas

A decisão recorrida está correctamente fundamentada, aprofundando as razões que determinaram a formação da convicção do tribunal acerca do acervo fáctico que acolheu como assente. A motivação não se limita a enunciar e elencar os meios de prova relevantes e decisivos, antes procedeu a uma análise crítica dessas provas, de modo que possibilita, agora, um olhar retrospectivo, que reconstitua o iter percorrido na decisão recorrida. A decisão recorrida analisou e reputou relevantes os depoimentos das testemunhas D………. que era à data o técnico comercial responsável perante a Companhia de Seguros F………., S.A., na zona de Aveiro, e com funções na área de trabalho da arguida B………., H………. – agente da PSP de Santa Maria da Feira, e E………. do departamento jurídico da Companhia de Seguros F………., S.A..
Da motivação resulta, e por aí fica a recorrente a saber, quais os factos provados, as razões pelas quais o tribunal os deu como provados permitindo-lhe todos os meios de defesa.
O exame crítico basta-se com o fornecimento das informações suficientes a permitir perceber o processo lógico que subjaz a formulação da convicção do julgador, deixando ver a razão do apreço que cada um desses meios de prova mereceu. No caso a Ex.ma juíza motivou correctamente a sua decisão, retirando-se no essencial que determinante para o seu convencimento foram os depoimentos das preditas testemunhas.
Este exame crítico é suficiente para se concluir que a decisão recorrida assentou na prova produzida e não é fruto de qualquer discricionariedade, arbitrariedade ou de uma leitura caprichosa da prova por parte do julgador.
Tem a recorrente um entendimento de exame crítico que não encontra suporte no Código Processo Penal. A fundamentação e exame crítico não tem de ser uma espécie de assentada, em que o tribunal reproduza os depoimentos de todas as pessoas ouvidas[2], para isso existe hoje a gravação! Por outro lado não impõe a Constituição nem o Código Processo Penal que no exame crítico se faça menção de todos os depoimentos apresentados no julgamento, ou a menção do conteúdo de cada um deles. Estes depoimentos, mesmo quando são depoimentos da arguida e das testemunhas de defesa, podem, com efeito, não ter sido decisivos para a formação da convicção do tribunal, podendo então bastar que o tribunal indique aqueles que o foram. Isto, sendo certo que, por um lado, o que está em causa em sede de fundamentação das sentenças não é um princípio de paridade de consideração e explicitação da prova produzida por todos os sujeitos processuais, mas antes de explicitação do juízo decisório e das provas em que este se baseou, como recentemente concluiu o Tribunal Constitucional[3]. E tal resulta da lei processual que exige uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, art.º 374º n.º 2 do Código Processo Penal.
Donde se conclui que não foram assim violados os artºs 374º e 379° do Código Processo Penal.

B – Nas conclusões 8 a 14 desenvolve a recorrente a argumentação de que a sentença padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto.
Ocorre o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, art.º 410º n.º2 al. a) do Código Processo Penal, quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito, ou quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria com interesse para a decisão final[4].
A matéria de facto apurada preenche, sem controvérsia, o tipo de ilícito pelo qual a recorrente foi condenada. Bem vistas as coisas, o que a recorrente põe em causa não é insuficiência dos factos provados para o preenchimento do crime por que foi condenada, mas antes os próprios factos dados como provados, já que discorda da fundamentação da sentença relativamente aos factos dados como provados. Esta é outra questão, diversa da enunciada. Mas como já vimos também não ocorre a alegada falta de fundamentação e exame crítico da prova na sentença recorrida. Conclui-se assim que não foi violado o art.º 410º n.º2 al. a) do Código Processo Penal.

C. Nas conclusões 15 a 19 sustenta a recorrente que na apreciação da prova a Ex.ma juíza incorreu em erro notório na apreciação da prova ao entender que com a aposição da data no CPSA, pela recorrente, com data anterior à da fiscalização à co-arguida não seria autuada.
Consubstancia erro notório na apreciação da prova, a falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, talvez melhor por um juiz normal[5], com a cultura e experiência da vida e dos homens, que deve pressupor-se num juiz chamado a apreciar a actividade e os resultados probatórios, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si. Há um tal vício quando um homem médio, rectius, um juiz normal, perante o que consta do texto da decisão, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova ou das leges artis.
Ora lida a decisão recorrida, os factos assentes, os não provados e a motivação não se descortina que o tribunal tenha decidido ao arrepio das regras da experiência ou violado as disposições legais relativas à produção e valoração da prova. Não se verifica o apontado vício. Analisando o primeiro dos pontos em questão diremos que a recorrente não prestou a devida atenção aos factos provados. Assim e para o que aqui releva apurou-se que «a) ...a arguida C………. conduzia o veículo automóvel .... e...não possuía o certificado de seguro obrigatório válido, antes possuía apenas um certificado já caducado desde o dia 27 de Janeiro de 2003. b) ... com vista a evitar o pagamento da coima devida por circular na via pública com um automóvel sem ter o seguro obrigatório válido.... d) Munida desse certificado provisório, a arguida C………. dirigiu-se no dia 09 de Julho de 2003 à Esquadra da PSP de Santa Maria da Feira, onde o exibiu de modo a obstar ao preenchimento do auto de contra-ordenação pela circulação na via pública com um automóvel sem ter seguro obrigatório válido. e) As arguidas agiram deliberada e conscientemente, em conjugação de esforços e de comum acordo, bem sabendo que a data aposta no certificado provisório de seguro de responsabilidade civil automóvel não correspondia à verdade e que tal facto era juridicamente relevante, nomeadamente para evitar que a arguida C………. pagasse a coima devida por circular na via pública com um veículo automóvel que não possuía seguro de responsabilidade civil válido e aquela pudesse exibir o certificado às autoridades policiais, tal como efectivamente fez. Apesar de maçadora a repetição da factualidade assente na parte relevante permite afirmar que não se diz que, com o apurado comportamento, a recorrente não seria autuada, mas algo de diverso, não seria autuada por falta de seguro. Como deve saber a recorrente são duas realidades diferentes: uma, o condutor de um veículo automóvel não ser portador do certificado de seguro, porque v.g. o tem em casa; outra não ser portador do certificado de seguro, porque não existe seguro. São realidades diversas com sanções também diversas, como resulta do art.º 85º do Código da Estrada vigente à data dos factos e art.º 32º do Decreto Lei n.º 522/85. Ora essa destrinça está feita na sentença e só a recorrente é que parece não querer ver.
Sustenta a recorrente viola as regras da experiência comum, afirmar que passando um CPSA com data anterior do da entrega do novo livro no seu escritório, facilmente iludiria a companhia de seguros (...) argumentando em contrário que, para a companhia de seguros, seria tão facilmente detectável tal situação, como detectável se a recorrente passasse um CPSA com data de 20 de Junho, após emitir outros com datas posteriores.
Não nos parece. Como explica a testemunha D………., à data o técnico comercial responsável perante a Companhia de Seguros F………., S.A., na zona de Aveiro, e com funções na área de trabalho da arguida B………., a utilização do livro com data posterior, e após a entrega do mesmo seria, numa situação normal não detectável, já que, nesses casos não iriam confirmar a data da entrega do livro, sendo que no livro anterior como haviam já dois certificados emitidos com datas posteriores a 20.06, sendo emitido um com essa data, seria logo detectado, porque os certificados são confirmados quando da entrega do respectivo livro. Como diz alguém muito conhecido óbvio...

D - Valoração de depoimentos indirectos.
Na óptica da recorrente o depoimento das testemunhas da acusação, D………. e E………., são testemunhos indirectos, pois tendo a recorrente negado os factos da acusação, e estando, por isso em contradição as suas declarações com o depoimento das testemunhas, designadamente, da testemunha D………., o Tribunal “a quo” não pode fazer uso das mesmas, não sendo de aplicar o artigo 129º/1 do C.P.P. Não pode o Tribunal “a quo” basear a condenação em “confissão” feita pela ora recorrente a terceiro, quando a mesma negou os factos perante o mesmo Tribunal.
Do art.º 128º n.º1 e 129º n.º1 resulta que embora o testemunho directo seja a regra, o depoimento indirecto não é, em absoluto, proibido. Como se disse no Acórdão n.º 440/99 do Tribunal Constitucional não existe, entre nós, uma proibição absoluta do testemunho de ouvir dizer [hearsay evidence rule]. O princípio hearsy is no evidence [ouvir dizer não constitui prova] sofre, assim limitações, compatíveis com a estrutura acusatória do processo e sem violar o princípio do contraditório. Assim as pessoas fonte serão chamadas a depor. Só assim não será, como se constata da 2ª parte do n.º 1 do art.º 129º do Código Processo Penal, quando a inquirição não for possível «por morte, anomalia psíquica superveniente, ou impossibilidade de serem encontradas». Nestes casos de impossibilidade de interrogar as fontes, afigurou-se ao legislador razoável e proporcionada a limitação introduzida à proibição de depoimento indirecto. Tanto mais que o tribunal terá isso em conta na sua apreciação segundo as regras da experiência e o princípio da livre convicção, art.º 127º do Código Processo Penal.
Liminarmente se dirá que a recorrente parte de um conceito de depoimento indirecto que não tem qualquer base legal. Na lógica argumentativa da recorrente todo o depoimento de uma qualquer testemunha que não se limitasse a falar sobre si própria era depoimento indirecto, o que não é sequer logicamente razoável nem juridicamente aceitável face ao conteúdo do art.º 129º do Código Processo Penal. Assim, o depoimento de uma testemunha que relata a conversa que manteve com a arguida não deriva de conhecimento indirecto, mas de conhecimento directo, pelo que não pode ser considerado depoimento indirecto. Daí que, contrariamente ao que sustenta a arguida, resulta do art.º 129º n.º1 em conjugação com o art.º 128º do Código Processo Penal, que o depoimento de uma testemunha que em audiência relata factos que a arguida lhe confessou, não é um depoimento indirecto, pois versa sobre factos de que directamente teve conhecimento na conversa que estabeleceu com a arguida.
Questão diversa é a de saber se esse depoimento é proibido por outra norma do Código Processo Penal ou se viola algum princípio do Código Processo Penal.
Não releva no caso o disposto no art.º 356º n.º 7 do Código Processo Penal que dispõe: os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quais quer pessoas que, a qualquer título tiveram participado na sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas. As referidas testemunhas não pertencem a órgão de polícia criminal, nem nessa veste receberam declarações; são simples particulares, que nem mesmo nessa veste participaram na recolha das declarações da arguida.
Depois a questão pode ser avaliada noutra dimensão que a recorrente não aborda que é a da eventual violação do contraditório. Diga-se desde já que tal não ocorre. O princípio do contraditório comporta, no que ao arguido respeita, o direito de «intervir no processo e de se pronunciar e contradizer todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo. Ora a arguida que até prestou declarações, quando podia ter optado pelo silêncio, art.º 343º do Código Processo Penal, teve a oportunidade de estabelecer um contraditório directo rebater o depoimento das testemunhas, pois a arguida mantinha o direito de prestar declarações em qualquer momento, art.º 343º n.º1 do Código Processo Penal, acrescendo o direito do seu mandatário de proceder a contra interrogatório dessas testemunhas, art.º 348º n.º4 do Código Processo Penal. Não vislumbramos violação do seu direito de defesa; no caso concreto foram asseguradas todas as garantias de defesa, o processo foi a due process of law.
Em conclusão nesta parte diremos que mesmo que a arguida negue a prática dos factos em julgamento é valido e sujeito à livre apreciação do tribunal, art.º 127 do Código Processo Penal, o depoimento de uma testemunha que fora da previsão do art.º 356º n.º 7 do Código Processo Penal, relata uma simples conversa com a arguida onde esta confessou os factos e o condicionalismo em que os praticou; esse depoimento assume maior relevo quando a arguida em audiência presta declarações pois assim tem a possibilidade de um contraditório total e directo. Aliás o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de ir mais longe admitindo a possibilidade de o tribunal valorar livremente mesmo um depoimento indirecto de uma testemunha que relatou conversas com um co-arguido, que chamado a depor, se recusou a prestar declarações, no exercício do seu direito ao silêncio[6].
Numa argumentação subsidiária, para melhor convencimento da recorrente, sempre se dirá que, na base da convicção, não está só, o depoimento da testemunha D………., na parte em que relatou o que lhe transmitiu a arguida. Mesmo desconsiderando essa parte do depoimento da testemunha, a decisão recorrida ancorou-se no depoimento da testemunha D………. na parte em que referiu que se recordava que havia ainda um certificado num livro entregue com data anterior por preencher e que o em causa seria o primeiro do livro novo que havia entregue no escritório da arguida B………. em 27.06.2003. Trocando por miúdos a recorrente emitiu o certificado provisório de seguro automóvel com data de 20.6, mas o livro onde foi escrito o certificado só lhe foi entregue pela seguradora em 27.6. Isto são documentos... Ora a «operação Stop» onde a recorrente foi «apanhada» sem seguro ocorreu no dia 27 de Junho de 2003. Eloquente e esclarecedor...

E - Violação do princípio in dubio pro reo.
Censura a recorrente a desconsideração do princípio probatório in dubio pro reo, sendo essa alegação o remate das precedentes criticas de falta de exame crítico, de nulidade da sentença por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, de erro notório na apreciação da prova e de valoração de depoimentos indirectos. Neste contexto de improcedência das analisadas críticas retira-se que também esta última está votada ao insucesso.
Vejamos com mais detalhe.
Correndo o risco de repetição enfadonha diremos que da motivação e do exame crítico da prova resultam as razões pelas quais o tribunal deu como provados determinados factos, permitindo à arguida [em recurso] todos os meios de defesa, e ao tribunal de recurso, assim como a qualquer cidadão, reconstruir retrospectivamente o iter percorrido na decisão recorrida. Neste contexto, devendo a violação do princípio in dubio pro reo ser tratada como erro notório na apreciação da prova como pacificamente vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça, não se vislumbra onde é que o tribunal na dúvida decidiu contra a recorrente. Ora no caso, quanto aos factos dados como provados, conforme resulta da decisão recorrida, não se lhe colocou qualquer dúvida e os elementos disponíveis nos autos não permitem censurar essa opção.
Não lobrigamos a dúvida – uma dúvida final resistente à apreciação crítica da prova acerca da prática pela arguida dos factos delituosos - que o tribunal tenha desconsiderado não a dirimindo pro reo, conforme impõem a constituição a lei e os princípios. Para tal não basta a negativa da arguida num contexto de fortes e avassaladoras evidências de que faltava à verdade.
O princípio in dubio pro reo([7]), como regra de decisão da prova, é solução que resulta de um conjunto de factores em verificação cumulativa:
- Necessidade de pôr fim ao processo, com decisão definitiva que não represente, do ponto de vista da paz jurídica do arguido, uma demora intolerável;
- A inadmissibilidade da pena de suspeição;
- A opção pelo modus probandi de livre apreciação da prova ou livre convicção do tribunal, necessariamente objectivável e motivável.
- A possibilidade do surgimento de dúvidas, resistentes à prova e impeditivas da tal convicção, na verificação dos enunciados factuais abrangidos pelo objecto do processo;
- A consciência da diferença entre o processo criminal e a lide civilística, que impede a transferência para o primeiro da solução do ónus de prova, típica de um processo de partes;
- A convicção de que o Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente.
Daí que, o princípio in dubio pro reo, deve ser perspectivado e entendido, como remate da prova irredutivelmente dúbia, destinado a salvaguardar a legitimidade da intervenção criminal do poder público. O Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente. Consequentemente, só releva e restringe o seu âmbito de aplicação à questão de facto, é mais do que o equivalente processual do princípio da culpa, desligando-se, quanto ao fundamento, da presunção de inocência e abarcando, quer as dúvidas sobre o facto crime, quer a incerteza quanto à perseguibilidade do agente. E finalmente o controle da sua efectiva boa ou má aplicação está dependente de os tribunais cumprirem a obrigação de fundamentarem a sua convicção.
No nosso caso não se invocou a sua aplicação, como princípio relativo à prova, aquando da decisão da matéria de facto. E muito bem quanto a nós, pois a prova produzida em audiência foi inequívoca no sentido de que a arguida foi autora dos factos delituosos apesar da sua negação em audiência de julgamento. Foi produzida prova suficiente para se concluir que foi ela autora da acção delituosa, não pairando a mais leve incerteza quanto a autoria dos factos. Como ensina F. Dias, só um nom liquet na questão da prova é que tem de ser sempre valorado a favor do arguido, e tal não ocorre quando a arguida contra todas as evidências mantém uma versão inverossímil desmentida quer por prova documental quer pela prova testemunhal.

F - Medida da pena.
Segundo a arguida, a inexistência de antecedentes criminais e as circunstâncias apreciadas em sede de prova e também aqui omitidas em motivação de sentença, de ser profissional competente e séria, impunham que, com proporcionalidade se lhe aplicasse pena de multa mais reduzida.
Lembremos que a arguida B………. foi condenada pela prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º 1 b) e n.º 3 do CP, na pena de 280 dias multa à taxa diária de 6,00€. A moldura penal abstracta cominada para este ilícito é prisão de 6 meses a 5 anos ou multa de 60 a 600 dias.
A decisão recorrida depois de, muito justamente, ter optada pela pena não detentiva, realidade que a recorrente desconsidera, passou à determinação da medida concreta da pena de multa a aplicar à arguida, para o que atendeu à culpa do agente e às exigências de prevenção - art.º 71.º, n.º 1, do Código Penal -, sendo, nomeadamente, as circunstâncias gerais enunciadas no n.º 2, deste artigo, relevantes, quer para a culpa quer para a prevenção (art.º 47.º, nº1, do Código Penal).(...).
Depois atendeu a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, relevam a favor do agente ou contra ele elegendo como factores de graduação da pena a considerar no caso concreto, os seguintes:
- A arguida não tem antecedentes criminais;
- Agiu com dolo directo.
- As circunstâncias do crime nomeadamente o fim específico visado pela arguida, auxiliar uma amiga a furtar-se á acção sancionatória do Estado, demonstrando um já acentuado grau de ilicitude.
- As suas condições de vida na medida do conhecido.
Daqui deriva que, ao contrário do reclamado pela recorrente, foi expressamente considerada a sua falta de antecedentes, o que pouco releva, atendendo ao dever que sobre a arguida e qualquer cidadão impende de não praticar ilícitos e à circunstância de a mesma ser ainda relativamente jovem. Depois, não se percebe onde a recorrente foi buscar suporte para a afirmação de que é profissional competente e séria, quando tal não consta dos factos assentes e os presentes autos são o desmentido dessa auto proclamada seriedade. Donde, e sem necessidade de outros considerandos, se conclui, também nesta parte, pela improcedência do recurso.

Decisão:
Na improcedência do recurso mantém-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em 10 UC.
Honorários da tabela.

Porto, 4 de Julho de 2007.
António Gama Ferreira Ramos
Luís Eduardo Branco de Almeida Gominho
Custódio Abel Ferreira de Sousa Silva

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[1] Cfr. AC STJ nº convencional JSTJ00034867 e AC RL nº convencional mJTRL00027571, ambos in www.dgsi.pt.
[2] Acórdão do Tribunal Constitucional 258/2001 disponível no sitio da internet deste tribunal.
[3] Acórdão n.º 27/2007 de 17 de Janeiro.
[4] S Santos e Leal Henriques, Recursos..., 5ª ed. pág. 62.
[5] Na sugestão de Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, 1968, pág. 50-1.
[6] Acórdão n.º 440/99 do Tribunal Constitucional
[7] Seguimos, de muito perto, a síntese conclusiva de Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, pág. 165 e segts.