Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0842841
Nº Convencional: JTRP00041496
Relator: ARTUR OLIVEIRA
Descritores: JOGO DE FORTUNA E AZAR
Nº do Documento: RP200807020842841
Data do Acordão: 07/02/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 324 - FLS 143.
Área Temática: .
Sumário: Jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente, por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, têm exploração autorizada nos casinos e estão tipificados, de modo exemplificativo, no nº 1 do art. 4º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA)
- no processo n.º 2841/08
- com os juízes Artur Oliveira [relator] e Maria Elisa Marques,
- após conferência, profere, em 2 de Julho de 2008, o seguinte
Acórdão
I - RELATÓRIO
1. No processo comum (tribunal singular) n.º …./99.6PEGDM, do .º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, em que é arguido B………. e OUTROS, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos [fls. 1412]:
«(…) 6.3.1. Absolvo o arguido B………. da prática, como co-autor material, de um crime de jogo fraudulento um crime de jogo fraudulento p. e p. pelo art 113°, n° 1, da Lei do Jogo
6.3.2. Julgo o arguido B………. como co-autor material de um crime de material de jogo, p. e p. pelo artº 115° do DL n° 422/89, de 2 de Dezembro, com a redacção introduzida pelo DL n° 10/95, de 19 de Janeiro e condeno-o na pena de sete meses de prisão, que se substitui por igual tempo de multa, à razão diária de € 3 (três euros) e na pena de multa de 110 (cento e dez dias de multa, à razão diária de € 3 (três euros)
6.3.3. Em cúmulo material, condeno o arguido na pena única de 320 (trezentos e vinte) dias de multa, à razão diária de € 3 (três euros), no total de € 960 (novecentos e sessenta euros).
(…)»
2. Inconformado, o arguido recorre, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões [fls. 1464-1470]:
A. Atendendo a toda uma série de Jurisprudência, onde se insere o muito recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.11.2007 (proferido no Proc. n.º 3186/07-3), que vem entendendo material similar ao aqui em causa como desenvolvendo jogos que assumem a natureza de modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, e já não dos próprios jogos de fortuna ou azar em si mesmos, permite-se o Recorrente discordar com o enquadramento jurídico efectuado pelo Digníssimo Tribunal “a quo”, no que se refere ao material cuja disponibilidade lhe é imputada na douta sentença recorrida.
B. Com efeito, a distinção entre jogos de fortuna ou azar e modalidades afins desses jogos não poderá colher no factor ou critério do bem jurídico protegido, entenda-se «jogos em que o prémios são dinheiro», devendo, ao invés, atender-se aos diversos critérios presentes na nossa Jurisprudência, sendo que, todos os mais recentes, sempre impedem que se chegue a conclusão similar à que chegou o Digníssimo Tribunal “a quo”, como seja, o entendimento expresso no Acórdão desta Relação, de 26.04.2000, segundo o qual a linha de fronteira entre estas figuras jurídicas estaria demarcada pelo simples facto de, nas modalidades afins, as promotoras oferecerem os jogos ao público, enquanto que nos jogos de fortuna ou azar elas se limitam a colocá-los em estabelecimentos, aos quais o público se dirige para os praticar.
C. Mais, entendeu este Venerando Tribunal da Relação do Porto, no seu douto Aresto de 14.07.1999, proferido no Proc. 9910385 – acessível in www.dgsi.pt - que «O que distingue o jogo de fortuna ou azar das modalidades afins é o facto de, no primeiro, o jogador poder auferir uma vantagem de valor indeterminado, em função da “aposta”, que pode multiplicar de uma única vez, por forma a que entra num certo “risco”, auferindo uma vantagem em proporção não controlável por si, enquanto no jogo afim o jogador praticamente nada arrisca. A sua “entrada” não se reveste da característica da “aposta”, mas apenas do “preço” da jogada, que é simples, sem possibilidade de ela mesmo multiplicar-se, e o prémio que pode obter é fixo e pré-determinado.» (negrito e sublinhado nossos).
D. A que acresce o consagrado pela Relação de Lisboa, no seu douto Aresto de 14.03.2000 onde se refere que, «fundamentalmente, o que caracteriza as operações oferecidas ao público são duas coisas incompatíveis com o jogo de fortuna ou azar: os prémios fixados previamente, como assim, a participação, à partida, de um número de pessoas indeterminado. Realmente, nos jogos de fortuna ou azar, os prémios não são fixados previamente, além de que só pode jogar um número determinado de pessoas, de cada vez» (negrito e sublinhado nossos).
E. De modo que, o elemento balizador corporiza-se no facto de nas modalidades afins, existirem um ou vários prémios previamente definidos, determinados ou “oferecidos”, enquanto nos jogos de fortuna ou azar, em antinomia, não tem de haver, e em regra não há, um prémio fixado. (Cfr. Douto Acórdão da Relação de Évora de 06/11/90, in CJ., XV, T.V, pg. 277), pelo que, é de afirmar que, no caso sub judice não estamos perante um qualquer jogo de fortuna ou azar, mas sim, perante uma modalidade afim desses jogos de fortuna ou azar, pois, os prémios a atribuir estavam previamente fixados e o número de jogadores podia ser indeterminado, não relevando, de forma alguma, o facto de poderem, ou não, ser atribuídos prémios em dinheiro (sendo certo que tal facto nem resulta devidamente comprovado nos presentes autos) para que se conclua estarmos perante um jogo de fortuna ou azar e já não perante uma modalidade afim desses jogos de fortuna ou azar.
F. Além do que, os jogos desenvolvidos pelo material em causa serão sempre de ser considerados como “operação” no sentido que a essa expressão é atribuída na nossa Jurisprudência, pois que, têm sempre uma vida útil limitada, uma vez que se encontra limitada pelo número de apostas possíveis, limitada ao número de senhas existentes, bem como, se encontra limitada pelo número de prémios a atribuir, que, como referido, se encontram previamente definidos.
G. Haverá, por isso, que se atender a toda uma série de Jurisprudência, onde se inserem os doutos Arestos desta Relação do Porto de 14.07.1999 e 28.03.2001, e da Relação de Lisboa de 08.10.1996, sendo de concluir que, “in casu”, estaremos perante jogos com todas as características referidas no n.º 1 e n.º 2 do art. 159º do D.L. 422/89, com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. 10/95, de 19 de Janeiro, sendo que tais jogos sempre deveriam ser classificados como jogos de rifas.
H. Não sendo, naturalmente, de descurar a Jurisprudência mais recente, onde se inserem os doutos arestos da Relação de Lisboa de 26.10.2005 e 05.04.2006, da Relação de Évora de 23.05.2006 e 11.07.2006, e desta Relação do Porto de 21/11/2007 (proferido pela1ª Secção no âmbito do Proc. n.º 4144/07-1) o que sempre permitirá afirmar estarmos claramente perante uma situação que não se poderá enquadrar na previsão do artigo 115º. do D.L. 422/89, de 02 de Dezembro, pois que, ainda que a esperança de ganho resida única e exclusivamente na sorte, de forma alguma o material apreendido desenvolve um qualquer tipo de jogo tipificado na lei como sendo de fortuna ou azar.
I. Assim, e uma vez que no caso concreto não estamos perante um qualquer jogo de fortuna ou azar, conforme descritos no artigo 4.º do diploma legal supra referido, até porque, não se verifica em tais jogos uma qualquer potencialidade de viciação/apostas compulsivas, que entendeu o Dign.º Tribunal “a quo” ser o critério a considerar para a determinação do conceito de jogo de fortuna ou azar, visto que, pelas suas características, a sua utilização é sempre imediata e instantânea, esgotando-se a cada “jogada”, não se propiciando de forma alguma a que o seu utilizador se sinta preso, com a ânsia de por novamente em jogo a sua sorte, pois, não é de forma alguma possível uma qualquer duplicação de apostas, ou mesmo fazer depender o prémio a receber do montante efectivamente gasto, será de concluir que nunca a conduta do ora Recorrente poderia ser criminalmente punível, pois que, não estaríamos perante um qualquer crime de material de jogo, mas sim já, perante uma mera contra-ordenação.
J. Além de tudo o exposto, sempre será de referir a posição muito recentemente explanada pelo Egrégio Supremo Tribunal de Justiça, no seu douto Aresto de 28.11.2007 (proferido no Proc. n.º 3186/07-3), relativamente ao correcto enquadramento jurídico a dar a material similar ao aqui em causa, no sentido de se poder determinar se o mesmo apresentava “uma ligação instrumental directa, imediata e inequívoca («caracterizadamente») entre o «material e utensílios» e a prática de jogos de fortuna ou azar”, pois que, a infracção penal em apreço, nesse douto Aresto, art. 115º, assim o exigia, como elemento essencial.
K. Nesse douto Acórdão, após uma análise rigorosa do que será de ter, ou não, por jogo de fortuna ou azar, e na aplicação das disposições legais ao caso concreto, dispõe o Supremo Tribunal de Justiça: «Verifica-se, assim, que os jogos que as referidas máquinas proporcionavam, embora os resultados dependessem da sorte e não da perícia do utilizador, não exploravam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, nem pagavam directamente prémios em fichas ou moedas. Faltam, deste modo, as características essenciais que permitam qualificar um jogo como sendo de fortuna ou azar, nos termos descritos e definidos no artigo 4º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro. Tanto basta para que as referidas máquinas não possam ser consideradas como «material ou utensílios» «caracterizadamente» destinados à prática de jogos de fortuna ou azar.» (negrito e sublinhado nossos).
L. Pelo que, concluiu, relativamente aos jogos aí em causa (em tudo similares aos ora em apreço) «As características e os elementos dos jogos proporcionados revertem antes para as modalidades afins referidas no artigo 159º do referido diploma; no rigor, constituem uma espécie de sorteio por meio de rifas ou tômbolas mecânicas com o sentido e a natureza de modalidades afins de jogos de fortuna ou azar. Mesmo a circunstância de no jogo “Titanic” os prémios serem em dinheiro ou em coisas com valor económico, não lhe retira a natureza de modalidade afim, uma vez que a atribuição de prémios em dinheiro, por si só, se não é permitida nos termos do artigo 161º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 422/89, também não integra a específica configuração em que está definido o pagamento de prémios (pagamento directo em fichas ou moedas) nos jogos de fortuna ou azar. Os factos provados não integram, pois, o crime p. no art. 115º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro. O recurso merece, assim, provimento.» (negrito e sublinhado nossos).
M. De modo que, atento tudo o exposto, e principalmente, a posição do Egrégio Supremo Tribunal de Justiça, explanada no Acórdão supra referido (de realçar ser este o único Acórdão do STJ que nestes últimos anos se debruça sobre tal matéria, atenta a especificidade e as molduras penais aplicáveis à mesma), está em crer o Recorrente que será de concluir que todo o material apreendido cuja disponibilidade/exploração lhe foi atribuída na douta sentença ora recorrida deverá ser considerado como servindo para a disponibilização/prática das denominadas modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, impondo-se, por isso, a sua absolvição do crime de material de jogo, p. e p. pelo artigo 115.º do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, com a redacção dada pelo D.L. n.º 10/95 de 19 de Janeiro, pelo qual foi condenado.
N. O douto Acórdão recorrido violou os artigos 1º, 3º, 4º, 115º, 159º e 163º, todos do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, com a redacção dada pelo D.L. n.º 10/95 de 19 de Janeiro.
Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., sopesadas as conclusões acabadas de exarar, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser revogada a douta sentença ora recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que absolva o Recorrente da prática do crime pelo qual foi condenado, com o que V. Exas. farão, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA.
(…)»
3. Na resposta, o Ministério Público refuta todos os argumentos do recurso, pugnando pela manutenção do decidido [fls. 1480-1484].
4. Nesta instância, o Exmo. procurador da República emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso [fls. 1500-1504]. Na resposta, o recorrente reitera o que havia alegado na motivação do recurso, adicionando a indicação de novos e recentes acórdãos que tratam a questão suscitada [fls. 1516-1520].
5. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
6. A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação [excertos] [fls. ]:
«(…) 2. Dos Factos
§1. Provados
Com relevância para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:
(…)
2.9. No dia 8 de Março de 2000, pelas 23H15, foi efectuada nova acção de fiscalização ao mencionado estabelecimento comercial, tendo sido encontrada exposta para ser utilizada pelo público, uma máquina de cor verde, em forma de globo, contendo várias bolas e, junto à mesma, encontrava-se um expositor (placard) com vários artigos.
2.10. A referida máquina é constituída por um expositor de forma oval, de pequenas dimensões, com estrutura plástica, de cor verde e parede em fibra de vidro acrílico transparente, contendo no seu interior um número indeterminado de cápsulas ovais em plástico, de cor vermelha.
2.11. O expositor contém na parte frontal inferior um dispositivo para a introdução de moedas de 100$00 e um manípulo rotativo que é desbloqueado para uma só volta após a introdução da respectiva moeda, libertando uma cápsula.
2.12. Na estrutura acrílica encontram-se colados dois papéis, um com a indicação de que sai sempre prémio e que às senhas com os números 0001 a 0050 corresponde os prémios do placard e um outro autocolante que enumera os prémios de menor valor que correspondem às senhas numeradas de 00051 a 1030.
2.13. O placard que se encontrava junto ao expositor era de cartão vermelho com diversos prémios identificados com os números de quatro dígitos (de 00001 a 0050), designadamente isqueiros com diversas formas e relógios de pulso.
2.14. As várias senhas que vêm acondicionadas dentro das cápsulas (uma por cápsula), dobradas em três partes, com o n° de série de "757" e um número de quatro dígitos, sendo certo que a maioria é desprovida de qualquer número premiado.
2.15. O jogo em questão funciona através da aquisição de uma cápsula pela quantia de 100$00. Após a sua aquisição retira e desdobra a senha, sendo confrontado com uma de duas situações:
2.15.1. Se a senha tiver um dos números afixados nos prémios que se encontram no placard (0001 a 0050), ganha o respectivo prémio;
2.15.2. Se a senha coincidir com algum dos números que se encontram inscritos no autocolante (0051 a 1030), o jogador ganha um desses prémios de menor valor, prémios esses que, como já mencionado, não foram apreendidos.
2.16. O arguido C………. e D………. mantinham em funcionamento e exposta ao público aquela máquina para obtenção dos lucros que a mesma lhes pudesse dar, tendo sido encontrado no seu interior a quantia de esc. 1.000$00.
2.17. Tais jogos conduzem a resultados que dependem única e exclusivamente da sorte e consistem na atribuição aleatória de prémios a quem arrisca dinheiro na esperança de ganhar mais dinheiro.
2.18. Os aludidos jogos estavam expostos para serem utilizados pelo público, sem que houvesse sido concedido ao arguido qualquer autorização para o efeito, sendo que o estabelecimento denominado "E……….", não é um estabelecimento de casino e Gondomar não está abrangido por qualquer zona de jogo.
2.19. O arguido D………. previu e quis explorar os descritos jogos no local acima referenciado com o intuito de obterem os lucros que tal exploração lhes proporcionasse, bem sabendo que o mesmo levava a resultados que não assentavam no cálculo, na perícia ou na destreza do jogador, mas tão-só na sorte e no acaso e que não estavam autorizados a desenvolver tal actividade.
2.20. O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e penalmente punidas e ainda assim quis realizá-las.
2.21. O material de jogo apreendido em 08/03/2000 no estabelecimento dos arguidos C………. e D………. foi-lhes vendido pelo arguido B………., conforme resulta da factura de fls. 31.
2.22. Os arguidos B………. e F………. dedicam-se ao fabrico e comercialização de diverso material de jogo, o qual é fabricado na empresa "G………., Lda.", da qual é sócio-gerente H………. e no armazém/gráfica denominado "I……….", pertencente aos arguidos F………. e B………., sito na Rua ………., n° …, em ………., Gondomar.
2.23. Em 21 de Novembro de 2001, pelas 18HI0, nas instalações da firma “G………., Lda.", sitas na Rua ………., n° …., em ………., Porto, encontrava-se o seguinte material:
(…)
2.24. Em 21 de Novembro de 2001, pelas 15H30, no armazém/gráfica pertencente aos arguidos F………. e B………., sito na Rua ………., n° …, em …………., Gondomar, encontravam-se quatro máquinas de impressão, duas das quais em plena laboração, imprimindo material de jogo bem assim:
(…)
2.24. O material apreendido tinha o valor global de cerca de 12.000.000$00.
2.25. As máquinas apreendidas foram seladas, tendo sido constituída como fiel depositária das mesmas a arguida F………. .
2.26. Em 21 de Novembro de 2001, pelas 17H15, foi ainda efectuada uma busca ao armazém sito na Rua ………., n° .. e .., ………., Vila Nova de Gaia, pertencente aos arguidos B………. e F………., tendo aí sido encontrado e apreendido o seguinte material:
- uma disquete ZIP contendo diversos ficheiros com desenhos de jogos existentes num computador, os quais foram feitos em fotolitos, através do fornecimento dos respectivos filmes ou películas pelos arguidos F………. e B……….;
- uma folha de obra n° …., de 26/10/01, com a designação de cliente I……. da firma “G………., Lda/Porto”;
- um cartaz (fotocópia) com a designação de "Tiros de Sorte"/todos os números terminados em 07;
- um cartaz com a designação de "Divertimentos Dinâmico";
- Uma folha A4 impressa designada "Merry Christmas";
- Uma folha A4 impressa designada "Contra Ataque";
- Uma folha A4 impressa designada "Novo ABC";
- Duas folhas A4 impressas designadas senhas, com a inscrição de SCR T; e
- Uma folha A4 impressa com uma senha, com a designação "J……….".
2.24. Em 21 de Novembro de 2001, pelas 15H30, no armazém/gráfica pertencente aos arguidos F………. e B………., sito na Rua ………., n° …, em ………., Gondomar, encontravam-se quatro máquinas de impressão, duas das quais em plena laboração, imprimindo material de jogo bem assim:
- Uma impressora (off set) da marca "Poligraph Planeta", n° de série …..;
- Uma máquina de impressão (tipográfica) da marca "Original Heidelberg", sem qualquer referência;
- 9.000 folhas que depois de cortadas dariam 100 senhas cada;
- 3.500 folhas em branco 50 x 70;
- 150 cartazes "Novo ABC".
- 530.000 senhas numeradas;
- 4.500 tampos com letras e números para cartazes;
- 3.500 folhas 50 x 70 brancas que se encontravam na máquina de "Off Set" para efectuar a impressão;
- 43 chapas de fotolitos para efectuar cartazes de jogo diverso;
- 11 películas de fotolitos para efectuar cartazes de jogo diverso
- 1 envelope com diversas películas de fotolitos para efectuar os cartazes “Romana" "123" "Natal" "Contra-Ataque" e "ABC".
- 2 chapas de fotolitos para efectuar cartazes "Contra-Ataque" e "ABC"; - 1 bloco numerado de 50.364 a 50.396 denominado "STOP", com os números de totoloto;
- 30 cartazes "Cabaz do Natal";
- 30 cartazes autocolantes para máquinas de jogo;
- um livro de recibos de salários;
- 1 cheque do K………., com o n° ………., no valor de € 1.873,00;
- 1 cheque do K………., com o n° ………., no valor de € 329,00;
- Diversos papeis com diversas quantias referentes a cartazes;
- 2 talões de depósito do L……….;
- 1 fotocópia de dois cheques do M……….;
- 2 ordens de serviço;
- 2 facturas, sendo uma emitida ao sr. N………. com 500 cartazes de Natal e outra ao sr. O………. com 200 cartazes de Natal;
- 50 cartazes "Estrela".
- 3 sacos pretos contendo no seu interior cerca de 1.500 bolas com três senhas no seu interior, cada e contendo prémios em separado; 1 cartaz de prémios, constituído por uma bicicleta, uma pistola e diversos isqueiros
- 1 cartaz de prémios com diversos relógios
- 2 pastas A4 com os dizeres na lombada "Junho a Dezembro de 1999" e "Junho a Dezembro de 2000'"
- 1 folha A4 com a discriminação das vendas de sacos de bolas no mês de Outubro, totalizando 624.600$00;
- 1 livro de cheques do P………. do n° ………. a ………., todos utilizados, com o canhoto respectivo;
- Diversos talões de depósito do P……….;
- 1 orçamento de 3.000 bolas vazias 0,60 coloridas;
- 1 folha A4 com a discriminação das vendas de sacos de bolas no mês de Maio, totalizando 367.500$00;
- 2 cartazes "Romana'"
- 2 cartazes "Merry Christmas";
- 1 chapa de fotolito para efectuar o cartaz "Cabaz de Natal";
- 1 viatura ligeira de mercadorias da marca Renault ………., de cor branca, com a matrícula ..-..-PX, que no seu interior continha: 3.000 cartazes "ABC" Diversas folhas de talões de depósito, extracto de conta e consulta de movimentos do L………., em nome de B……….
- 1 viatura ligeira de mercadorias da marca Seat ………., de cor branca, com a matrícula ..-..-LD, contendo no seu interior: 50 cartazes "Novo ABC", 3 sacos pretos contendo no seu interior cerca de 1.500 bolas com três senhas no seu interior, cada e contendo prémios em separado;
- 1 cartaz de prémios, constituído por uma bicicleta, uma pistola e diversos isqueiros
- 1 cartaz de prémios com diversos relógios
- 2 pastas A4 com os dizeres na lombada "Junho a Dezembro de 1999" e "Junho a Dezembro de 2000";
- 1 folha A4 com a discriminação das vendas de sacos de bolas no mês de Outubro, totalizando 624.600$00;
- 1 livro de cheques do P……… do n° ………. a ………., todos utilizados, com o canhoto respectivo;
- Diversos talões de depósito do P……….;
- 1 factura em nome de B………. com 440 cápsulas para brindes;
- Fotocópias autenticadas, com registo da propriedade e livrete da viatura;
- 1 guia de transporte em nome de Q………., com um molde de injecção de bolas;
- 1 filofax contendo no seu interior inúmeros cartões de visita referentes a pessoas ligadas a máquinas e jogos de diversão, brindes e novidades;
- 1 guia de transporte da empresa "S……….", com remetente de Málaga;
- 1 nota de encomenda sem número, com mil rádios;
- 1 factura espanhola com a compra de diversa mercadoria, no valor de € 6.631,51;
- 1 viatura ligeira de passageiros, de cor cinzenta, da marca BMW, com a matrícula ..-..-JB, contendo no seu interior: 1 folha A4 com a discriminação das vendas de sacos de bolas no mês de Julho, totalizando 500.300$00.
- 1 viatura ligeira de mercadorias, de cor branca, da marca Fiat, com a matrícula ..-..-PA.
2.24. o material apreendido tinha o valor global de cerca de 12.000.000$00.
2.25. As máquinas apreendidas foram seladas, tendo sido constituída como fiel depositária das mesmas a arguida F………. .
2.26. Em 21 de Novembro de 2001, pelas 17H15, foi ainda efectuada uma busca ao armazém sito na Rua ………., n° .. e .., ………., Vila Nova de Gaia, pertencente aos arguidos B………. e F………., tendo aí sido encontrado e apreendido o seguinte material:
- 1 saco contendo cápsulas vazias;
- 1 cartaz da marca "Dinâmico";
- 1 cartaz da marca "Pinos'",
- 4 embalagens contendo alguns milhares de bilhetes numerados. O material de jogo apreendido funcionava do seguinte modo:
- Sacos com bolas de plástico
Tais sacos contêm um número indeterminado de bolas de plástico fechadas e com senhas no seu interior. Um dos sacos não apresentava qualquer identificação, um outro tinha um autocolante onde se podia ler "Milénio" e um terceiro também tinha um autocolante mencionando "Romana".
2.27. Abertas as bolas de plástico do saco sem qualquer identificação, encontraram-se três senhas, tendo cada uma delas desenhado a figura de uma bola, um número de 4 dígitos e o número de série 012.
2.28. Abertas as bolas de plástico do saco identificado como "Milénio", encontraram-se três senhas, tendo cada uma delas desenhado a figura de um futebolista ou de uma taça, um número de 4 dígitos e o número de série 028.
2.29. Abertas as bolas de plástico do saco identificado como "Romana", encontraram-se três senhas, tendo cada uma delas desenhado a figura de um futebolista, um número de 4 dígitos e o número de série 016.
2.30. No interior dos referidos sacos verificou-se a existência de mais um saco de plástico transparente, contendo 7 bolas, 13 bolas e 6 bolas, respectivamente, contendo também 3 senhas.
2.31. Os números das senhas dos sacos coincidem com os números que constam no cartaz denominado "Romana" e correspondem aos prémios maiores do jogo.
2.32. Tais bolas com senhas destinavam-se a ser colocadas em expositores que conjuntamente com um cartaz de prémios, igual ou semelhante aos apreendidos, um cartaz expositor de prémios em espécie, formam um jogo.
2.33. Fotolitos: O acetato é o material utilizado para fazer os fotolitos. Neles estão compostas as linhas que irão dar forma ao desenho que se pretende reproduzir, neste caso as linhas que darão origem aos cartazes "Romana", "123", "Merry Christmas" e as tampas que serão coladas nos cartazes denominados "Novo ABC", Romana e "123".
2.34. O alumínio é o material utilizado nas chapas que posteriormente permitem a impressão do que se pretender. Com as chapas apreendidas imprimiam-se o cartaz "Cabaz de Natal" e as tampas para os cartazes "Contra Ataque" e "ABC".
2.35. Para o fabrico de um único cartaz podem ser necessários vários fotolitos, por exemplo para o cartaz "Romana" foram necessários quatro, depois de prontos, o desenho destes é passado para as chapas de alumínio por método fotográfico que, por sua vez, servirão para a impressão em série dos cartazes. No fundo, todo este processo é o que é utilizado para a impressão de jornais e revistas.
2.36. Foram apreendidas Tampas, que têm o formato de um rectângulo contendo 60 quadrados picotados com letras do alfabeto e um outro rectângulo dividido também em 40 quadrados picotados com números salteados de O 125 a 6985.
2.37. Estas duas tampas tinham como destino final a colagem no cartaz denominado "Novo ABC".
2.38. As Folhas brancas são folhas de papel e as cartolinas são em formato A 1.
2.39. Nas folhas de papel são impressas as senhas que se colocam nas bolas de plástico e nas folhas de cartolina são impressos os cartazes utilizados para Jogar.
2.40. As senhas são constituídas por folhas de papel cor de rosa, onde estão impressas figuras de vários futebolistas, bolas e taças, um número de quatro dígitos e um número de série.
2.41. Estas folhas, depois de cortadas e divididas por figuras, seriam posteriormente dobradas e colocadas no interior de bolas de plástico que, por sua vez seriam introduzidas em expositores ou em sacos para, conjuntamente com um cartaz, formar um jogo.
2.42. Quanto aos cartazes
2.42.1. Cartaz "Novo ABC":
Tal jogo é constituído por um expositor onde são colocadas as bolas com senhas e por um cartaz de prémios.
O referido cartaz, ao centro menciona do lado esquerdo "Série nº", do lado direito "PREÇO", mais abaixo e ao centro "Tiros de Sorte - Todos Os Números Terminados em 07" e "Remate Final 10.000 (49.88)". Apresenta ainda mais dois rectângulos picotados, um contendo 60 letras do alfabeto e um outro rectângulo dividido em 40 quadrados com números salteados de O 125 a 6985. Por baixo desses números está impresso o prémio a atribuir.
Dos cartazes apreendidos que se encontram incompletos, em alguns, falta ser coloca do, por cima dos rectângulos com os prémios, uma capa constituída por uma folha ou tampa com números de quatro dígitos ou letras do alfabeto, contidos em pequenos rectângulos destacáveis através de um picotado. Noutros cartazes falta ainda ser carimbado cada quadrado com um número que corresponderá ao valor do prémio que o jogador terá direito.
O plano de prémios impresso no cartaz correspondem aos prémios a atribuir aos números mencionados no picotado:
2 x 20.000 (99,76 euros)
1 x 15.000 (74,82 euros) 1 x 10.000 (49,88 euros) 1 x 7.500 (37,41 euros)
7 x 5.000 (29,94 euros) 11 x 1.000 (4,99 euros) 77 x 500 (2,49 euros)
Este plano corresponde, por convenção, a 2 prémios de 20.000$00 (99,76 euros), 1 prémio de 15.000$00 (74,82 euros); 1 prémio de 10.000$00 (48,88 euros); 1 prémio de 7.500$00 (37,41 euros); 7 prémios de 5.000$00 (29,94 euros); 11 prémios de 1.000$00 (4,99 euros) e 77 prémios de 500$00 (2,49 euros).
O expositor que geralmente é utilizado neste jogo contém um manípulo na parte da frente com uma ranhura onde o jogador introduz uma moeda para obter as bolas de plástico, abertas as bolas encontram-se três senhas tendo cada uma delas uma figura, o número de série e um outro número constituído por 4 dígitos.
Abertas as senhas existem três resultados possíveis:
- o número da senha não coincide com qualquer um dos números do cartaz de prémio e o jogador não tem direito ao prémio;
- o número da senha termina em 07 e o jogador terá direito a um tiro de sorte, podendo escolher no rectângulo superior uma das letras dos quadrados, retira-se o picotado ficando a descoberto o prémio a que o jogador terá direito, este prémio pode ir de um valor mínimo de 500 (equivale a 500$00 - 2,49 euros) a um valor máximo de 20.000 (equivale a 20.000$00 - 99,76 euros);
- o número da senha coincide com um dos números do segundo rectângulo, retira- se o picotado, ficando a descoberto um outro número que irá corresponder ao prémio ganho pelo jogador, este prémio pode ir de um valor mínimo de 500 (equivale a 500$00 - 2,49 euros) a um máximo de 20.000 (equivale a 20.000$00 - 99,76 euros).
E ainda existe um outro prémio denominado "Remate final 10.000 (49,88), que, por convenção, corresponde a 10.000$00 (49,88 euros) para o jogador que adquirir as últimas senhas.
2.42.2. Cartaz "Estrela":
Este jogo é constituído por um cartaz de prémios em espécie, por um expositor onde são colocadas as bolas com senhas e por um cartaz de prémios.
O cartaz de prémios menciona no canto superior esquerdo "Preço" e um pouco mais abaixo menciona ainda "Série" e no final do cartaz pode ler-se "Remate Final 10.000 Estrelas Ou". Apresenta ainda dois rectângulos, um contendo 20 números salteados entre 0025 e 4775 e um outro rectângulo dividido em 30 quadrados picotados com um número e por baixo desse número está impresso o prémio a atribuir.
Os números do primeiro rectângulo correspondem, por convenção, aos objectos a atribuir constantes de um cartaz de prémios.
Os cartazes apreendidos encontravam-se incompletos faltando colocar, por cima do rectângulo com os prémios, uma capa constituída por uma folha ou tampa com números de quatro dígitos contidos em pequenos rectângulos destacáveis através de um picotado.
No cartaz tem ainda impressos os prémios a atribuir aos números mencionados no picotado:
1 x 10.000 estrelas 4 x 5.000 estrelas
2 x 4.000 estrelas 14 x 2.000 estrelas
9 x 1.000 estrelas
Este plano corresponde, por convenção, a 1 prémio de 10.000$00 (50 euros), 4 prémios de 5.000$00 (25 euros); 2 prémios de 4.000$00 (20 euros); 14 prémios de 2.000$00 (lO euros) e 9 prémios de 1.000$00 (5 euros).
O expositor que é utilizado neste jogo contém um manípulo na parte da frente com uma ranhura onde o jogador introduz uma moeda para obter as bolas de plástico, abertas as bolas encontram-se três senhas tendo cada uma delas uma figura, o número de série e um outro número constituído por 4 dígitos.
Abertas as senhas existem três resultados possíveis:
- o número da senha não coincide com qualquer um dos números do cartaz de prémio e o jogador não tem direito ao prémio;
- o número da senha coincide com um dos números do rectângulo sem picotado, terá direito ao prémio identificado com o mesmo número que se encontra no expositor de prémios;
- o número da senha coincide com um dos números do segundo rectângulo, retira-se o picotado, ficando a descoberto um outro número que irá corresponder ao prémio ganho pelo jogador, este prémio pode ir de um valor mínimo de 1.000 (equivale a 1.000$00 - 5 euros) a um máximo de 10.000 (equivale a 10.000$00 - 50 euros).
E ainda existe um outro prémio denominado "Remate final 10.000 Estrelas ou", que, por convenção, corresponde a 10.000$00 (50 euros) ou um outro prémio, mas terá de ser mencionado no cartaz para o jogador que adquirir as últimas senhas.
2.42.3.Cartaz "ROMANA":
Este jogo é constituído por um expositor onde são colocadas as bolas com senhas e por um cartaz de prémios.
O cartaz de prémios, no canto superior esquerdo, menciona "Série N" e no canto superior direito "PREÇO", mais abaixo e ao centro pode-se ler "Remate Final 10.000". Apresenta ainda dois rectângulos picotados, um contendo 60 quadrados em branco e um outro rectângulo dividido em 40 quadrados com números salteados de 0007 a 6997. Por baixo desses números está impresso o prémio a atribuir.
Os cartazes apreendidos encontram-se incompletos, ou seja, falta ser colocado por cima dos rectângulos com os prémios uma capa constituída por uma folha ou tampa com números de quatro dígitos ou letras do alfabeto, contidos em pequenos rectângulos destacáveis através de um picotado semelhante ao descrito para o cartaz "Novo ABC". Noutros cartazes inacabados falta ser carimbado cada quadrado com um número que corresponderá ao valor do prémio que o jogador terá direito.
O plano de prémios impresso no cartaz correspondem aos prémios a atribuir mencionados no picotado:
3 x 20.000 (100 euros) 1 x 15.000 (75 euros) 1 x 10.000 (50 euros) 1 x 7.500 (37,5 euros)
6 x 5.000 (25 euros) 11 x 1.000 (5 euros) 67 x 500 (2,5 euros) Este plano corresponde, por convenção, a 3 prémio de 20.000$00 (100 euros), 1 prémios de 7.500$00 (37,5 euros); 6 prémios de 5.000$00 (25 euros); 11 prémios de 1.000$00 (5 euros) e 67 prémios de 500$00 (2,5 euros).
O expositor que é utilizado neste jogo contém um manípulo na parte da frente com uma ranhura onde o jogador introduz uma moeda para obter as bolas de plástico, abertas as bolas encontram-se três senhas tendo cada uma delas uma figura, o número de série e um outro número constituído por 4 dígitos.
Abertas as senhas existem três resultados possíveis:
- o número da senha não coincide com qualquer um dos números do cartaz de prémio e o jogador não tem direito ao prémio;
- o número da senha não coincide com um dos números do segundo rectângulo, mas tem mencionado "TIRO DE SORTE" e o jogador terá direito a um tiro de sorte, podendo escolher no rectângulo superior uma das letras ou números dos quadrados (se for o caso da tampa conter números), retira-se o picotado, ficando a descoberto o prémio a que o jogador terá direito, este prémio pode ir de um valor mínimo de 500 (equivale a 500$00 - 2,5 euros) a um valor máximo de 20.000 (equivale a 20.000$00 - 100 euros);
- o número da senha coincide com um dos números do segundo rectângulo, retira-se o picotado, ficando a descoberto um outro número que irá corresponder ao prémio ganho pelo jogador, este prémio pode ir de um valor mínimo de 500 (equivale a 500$00 - 2,5 euros) a um máximo de 20.000 (equivale a 20.000$00 - 100 euros).
E ainda existe um outro prémio denominado "Remate final 10.000", que, por convenção, corresponde a 10.000$00 (50 euros) para o jogador que adquirir as últimas senhas.
(…)
2.43. Todo o material apreendido destinava-se para a prática de jogos cujo resultado assenta única e exclusivamente na sorte, pois o jogador aposta dinheiro na esperança aleatória de ganhar um prémio maior, em dinheiro ou espécie, sendo o resultado contingente e dependente apenas da sorte, cuja exploração é apenas permitida em estabelecimentos de casino.
2.44. O fabrico e comercialização do referido material de jogo apenas poderá ser realizado mediante autorização da Inspecção Geral de Jogos, sendo que os arguidos F………. e B………. procederam ao fabrico e comercialização de tal material sem estarem autorizados pela Inspecção Geral de Jogos.
2.45. Os arguidos F………. e B………. previram e quiseram fabricar e comercializar o descrito material de jogo, bem sabendo que tais jogos levavam a resultados que não assentavam no cálculo, na perícia ou na destreza do jogador, mas tão-só na sorte e no acaso e que não estavam autorizados a desenvolver tal actividade.
2.46. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e penalmente punidas e ainda assim quiseram realizá-las.
(…)
2.58. O arguido B………. exerce a profissão de vendedor, auferindo mensalmente cerca de € 650.
2.59. A mulher é doméstica
2.60. Tem um filho a cargo
2.61. Vive em casa arrendada pela qual paga mensalmente cerca de € 417
2.62. Tem como habilitações literárias a 4ª classe
2.63. Ao arguido B………. não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
*
Com relevância para a decisão da causa não se provou:
1. O material a que se faz referência em 2.26. destinava-se a ser comercializado pelos arguidos B………. e F……….
2. As senhas premiadas com os prémios mais elevados encontravam-se ocultas e fora de jogo, evitaria que aos potenciais jogadores pudessem sair estes prémios, sem que para o efeito houvesse intervenção do explorador.
3. Os arguidos F………. e B………. previram e quiseram, ocultar as senhas premiadas com os prémios mais altos, a fim de evitar que aos jogadores pudessem sair tais prémios.
*
3. Da Convicção
O Tribunal alicerçou a convicção positiva sobre os factos provados no conjunto da prova produzida em audiência, designadamente
- Relatórios de exame pericial de fls. 103 a 105, 551 a 577 e 578 a 581, em face dos quais se conclui como se desenvolvia cada um dos temas dos cartazes, máquinas e expositores
- Documentos contabilísticos constantes de duas pastas anexa aos presentes autos
- Autos de apreensão de fls. 4, 33, 132 a 135, 149 a 153 e 185 a 187
- Facturas de fls. 31, 146 e 147
- Documentos de fls. 247 a 249, 251 a 254, 265 a 267, 274 a 302 e 433
- CRCs de fls. 1166,1167, 1174
Valoraram-se, ainda, as declarações das testemunhas:
- T………. agente da PSP, de forma vaga recordava-se que um dia ao passar no E………. ali viu uma máquina de jogo, confirmando, depois o teor de fls. 3 a 6, em face do qual se conclui qual o material apreendido no E……….;
- U………., agente da PSP, recordava-se de ter tido mais do que uma intervenção no E………., confirmando, ainda, o teor de fls. 3 a 6. Não se recordava do proprietário
- V………., agente da PSP, recordava-se de ter tido uma intervenção no E………., confirmando, ainda, o teor de fls. 30; tem a ideia de que o jogo conferia prémios em dinheiro
Não se recorda como lhe chegou às mãos a factura de fls. 31, da qual resulta que o arguido B………. fornecia material ao E………. .
Confirmou, ainda, o teor de fls. 33 (objectos apreendidos), reconhecendo como senso brindes do expositor encontrado no café os constantes de fls. 31.
- W………., agente da Brigada Fiscal de Vila Nova de Gaia, confirmou ter tido intervenção na busca efectuada na G……., Lda, referindo que pese embora não tenha sido quem primeiro assinou o auto de busca, foi quem o lavrou. Não soube esclarecer quais os trabalhos que ali se encontravam a realizar e se destinavam aos arguidos F……… e B……….
- X……., Major da GNR, à data em exercício de funções em Vila Nova de Gaia confirmou ter participado na busca de 4 de Novembro de 2001 realizada na gráfica da arguido F………., que se identificou como proprietária (mal se compreenderia que se não assumisse aquela qualidade, de facto, assim se identificasse. Qual a razão para nesse momento contornar a realidade? Perante a surpresa, o inesperado, as pessoas tem tendência a verbalizar a realidade), sendo identificada com recurso ao BI; efectuou croqui de localização das máquinas; confirmou teor de fls. 149 a 153. Ainda segundo este o arguido B……… chegou já após o início da diligência
Apreenderam veículos por nos mesmos se encontrar material de jogo; no BMW encontraram uma lista discriminativa do material já vendido.
Encontram dezenas de bolas.
NOS sacos estavam à parte as senhas que correspondem aos prémios de maior valor, não introduzidas em ovos.
Ora, se é certo que nesses sacos não foram encontrados ovos vazios que permitissem a colocação das senhas, o que poderia indiciar a manipulação do resultado do jogo, pois assim os exploradores poderiam introduzir aquelas senhas no momento que julgassem mais oportuno, até para que os jogadores não perdessem o interesse em jogar por no início da exploração poder logo ter saído os prémios de maior valor, certo é que se desconhece se poderiam ou não ser fornecidos ovos vazios aos exploradores e se de facto o resultado, a dinâmica do jogo, era manipulada. Não nos podemos esquecer que os arguidos B………. e F………. não foram reputados como exploradores de jogo, antes como seus fabricantes, operação prévia à exploração. Se a exploração era manipulada ou não, é algo que não foi possível apurar, nem há memória de em qualquer julgamento neste tribunal de pessoas que de facto exploravam jogo ilícitos manipularem por esta forma o resultado. Daí que não se possa concluir, sem qualquer dúvida, por fraude imputável, objectivamente, aos arguidos.
Esta testemunha confirmou, ainda, que além de material de jogo na gráfica dos arguidos produzia-se outro tipo de material como, por exemplo, facturas.
Relativamente ao teor de fls. 151, esclareceu que não foi encontrado qualquer documento de venda a terceiros. Não foi capaz de associar os sacos de bolas apreendidos aos cartazes de jogo, desconhecendo-se, assim, como se processava e que prémios era possível obter com aqueles ovos. A ligação que fez entre os sacos de bolas e os cartazes derivou da sua experiência.
Porém, não podemos olvidar os relatórios, os exames periciais juntos aos autos, que em face de cada cartaz apreendido estabeleceu a ponte entre os prémios conferidos e o modo como se desenvolvia o jogo.
Neste domínio do jogo tudo é muito volátil, no sentido em que, tal como resulta das regras da experiência judiciária, se conclui que o modus operandi dos fabricantes vai no sentido de evitar colocar no mesmo saco bolas e cartazes de forma a iludir a actividade das autoridades. Porém, não podemos esquecer que, in casu, foram encontrados cartazes e bolas, determinados cartazes, iguais a tantos outros já encontrados pelos agentes em cafés e submetidos a exame pela entidade competente, e todos funcionam do mesmo modo, do modo por que conclui cada relatório pericial. Nada indica, no caso dos autos, que o funcionamento dos cartazes apreendidos fosse diverso. Aliás, se assim não sucedesse porque teriam os ovos senhas, com 3 números? Todos os números davam prémios? Mal se compreenderia que de um só ovo pudesse resultar a atribuição de três prémios com uma aposta de cerca de Es. 50$00 ou 100$00, em voga àquela data.
O direito, a justiça, não se podem alhear da realidade da vida, das regras do senso comum, sob pena muitas condutas delituosas permanecerem impunes. É certo que vigora no nosso ordenamento jurídico o princípio de presunção de inocência, mas este não impõe que o julgador não se socorra das regras da experiência comum que sustentam, fundamentam, a verificação de determinado facto, desde que por elas se conclua que nenhum outro facto poderia ocorrer que conduzisse àquele resultado; os arguidos B………. e F………., de modo legítimo, remeteram-se ao silêncio. Tal não os pode prejudicar, é óbvio, mas também não podem desse direito retirar um amplo benefício que impeça o recurso às regras da experiência comum, não contraditadas por qualquer forma
- Y………., que participou na acção de fiscalização ao arguido B………. nas instalações em Vila Nova de Gaia, de forma coerente referiu que àquela data as instalações já não pertenciam ao arguido B………., com excepção de uns anexos, os quais seriam abertos com uma chave que o arguido apresentou no local; ali apenas encontraram resíduos, restos, sem qualquer valor comercial
Todos estes agentes depuseram de forma coerente, sincera, sem denotar qualquer ressentimento para com os arguidos, que nem sequer conheciam se não fossem as diversas intervenções nos estabelecimentos, convencendo, por isso, o Tribunal da verdade do seu depoimento. Acresce que algumas falhas de memória são perfeitamente compreensíveis em face do tempo decorrido desde as intervenções,
- Z………., gráfico reformado, de forma peremptória, sem hesitações reputou a arguida F………. como Proprietária da gráfica para quem angariava clientes. Foi peremptório em referir que viu imprimir na gráfica cartazes de jogo iguais aos que vulgarmente se vêem no café e que pressupõem a introdução de moedas para obtenção de ovos que no interior tem senhas que podem habilitar a prémios– ora, se o material ali produzido corresponde, era igual ao explorado em cafés, temos por bons os relatórios periciais que concluem pelo modo de funcionamento do material apreendido
Angariava clientes para os mais diversos tipos de trabalho – facturas e outros.
Ainda segundo este, foi a arguida F………. quem o contratou; também dava ordens, ainda que estivesse mais vocacionada para o escritório. Ora se foi contratado pela arguida F………., se esta lhe dava ordens, se a gráfica estava em seu nome, como se pode pretender afirmar que ela não era de facto proprietária nem tinha quaisquer poderes de gestão? E, estando diariamente na gráfica, como poderia desconhecer qual o material produzido? Na verdade, a testemunha não afirmou que a arguida F………. nunca saía do escritório. Se saía, se entrava na zona de laboração, como podia não saber?
Esclareceu, ainda, que o serviço de off set não pode ser efectuado com luz (“não pode apanhar claridade”) o que justifica que as janelas estivessem tapadas e do exterior, como referiram em julgamento, não fosse possível visualizar o que se passava no interior
Quanto á quantidade de material de jogo produzido na gráfica, não se valorou o seu depoimento uma vez que refere que estava na gráfica apenas d aparte de tarde e mal se compreende que estivesse sempre atento ao que era produzido nas máquinas de off set e à produção horária
- a testemunha AB………., empresário de máquinas de diversão, de forma pouco confortável, esclareceu conhecer os arguidos B………. e F………. por ser cliente daqueles, quer por executarem trabalhos gráficos - facturas, guias de remessa - quer por lhe comprar brindes para torneios de setas; máquinas de bolas; expositores, cabazes de natal
Confirmou o teor das facturas juntas a fls. 547, 532, 533, que reporta a material adquirido aos arguidos, pois tanto se relacionava comercialmente com a D. F………. como com o Sr. B………. .
Deste depoimento conclui-se que quer a arguida F………. quer o arguido B………. geriam a gráfica; por outro lado, vendiam cartazes. Se estes não se destinavam á prática de jogo, para que precisavam de ovos contendo senhas? A única resposta possível é a de que se destinavam.
- AC………., agente da GNR que participou em busca efectuada à G………., Lda, confirmou o teor de fls. 135, no sentido de ter a ideia de lhe ter sido referido que o material fora comercializado pelo arguido B………. . No disco Rígido do computador encontraram imagens de cartazes, senhas.
Ora, se aliarmos os cartazes ás senhas, que necessitam de ovos para serem introduzidas, podemos relacionar, como sucedeu com os peritos, as senhas aos cartazes e conjugar estes elementos com as regras da experiência comum para concluirmos como se conclui nos relatórios periciais
- AD………., agente principal da PSP, recordava-se de ter efectuado uma busca numa gráfica, cujo nome não se recorda, onde se apresentou como proprietária uma D. F………., que acompanhou a diligência. Confirmou a apreensão de disquetes contendo esquemas de jogos, e que no momento estavam a produzir material de jogo, bem como facturas. Tentaram que quem estava a laborar dissimulasse os trabalhos que estavam a ser produzidos (o que apenas se compreende que tinham a noção clara da ilicitude da conduta)
Confirmou a assinatura aposta a fls. 164, como sendo sua
- AE………., cabo Chefe da Brigada fiscal, confirmou ter participado na busca efectuada às instalações da gráfica dos arguidos B………. e F………. em Vila Nova de Gaia em Novembro de 2001
Confirmou que no local já laborava outra empresa e apenas uns anexos se mantinham na disponibilidade do arguido B………. que foi quem abriu as portas. Ali apenas existia vestígios de material relacionado com o jogo, como cartazes com grelhas típicas de jogos ilícitos
Confirmou auto de fls. 185/186
- AF………. depôs de forma coerente, serena, e por isso credível.
Segundo este apenas trabalhou na G………., Lda cerca de uma semana, onde chegou a imprimir cartas, livros de facturas (nas máquinas de off set). Reputava os arguidos F………. e B………. como seus patrões.
Pese embora tenha referido que nunca viu imprimir material de jogo, do seu depoimento, uma vez mais, se reforça a convicção de que ambos os arguidos presidiam ao destino da empresa e a exploravam, tanto assim que afirma que foi apresentado à D. F………. por um outro funcionário da empresa de nome AG………., que a apresentou como patroa
A testemunha AG………. Então empregado da empresa G………., Lda, depôs de forma coerente, serena e convincente, refira-se até que sendo actualmente companheiro da arguida F………., dum ponto de vista da lógica da vida seria até “compreensível” que a tentasse proteger, o que de facto não sucedeu, o que até torna mais credível o depoimento
Para si ambos os arguidos eram os patrões; quando apareceu a polícia a testemunha estava a imprimir cartaz com jogadores- por baixo dos quais estava aposto um número, todos diferentes, desconhecendo qual a sua finalidade. Não teve dúvidas em afirmar que os cartazes que estava a imprimir eram iguais a tantos outros que viu colocados em estabelecimento de cafés. Imprimiu também cartazes de Novo ABC, Romana; merry Christmas (aqueles, ou pelo menos iguais, aos que foram objecto de relatório pericial que confirma o modo de execução do jogo)
Era a F………. quem lhe dava instruções do que era para fazer e como, mesmo em relação aos referidos cartazes. Como podia, então desconhecer? Como podia, então, não gerir a empresa se determinava as tarefas a executar?
Confirmou ter executado trabalhos iguais aos de fls. 292, 293, 295, 296, 297 299.
Deste depoimento conclui-se, de forma inequívoca, que a arguida F………. tinha o “domínio do facto” e que o material ali fabricado se destinava a proporcionar a exploração de jogo ilícito
- H………., de forma serena, coerente e convincente, pela postura assumida em julgamento, referiu ter efectuado serviços para a G………., Lda na I………., onde trabalhava, onde apenas efectuou jogo de furos. Não obstante, nunca contactou directamente com a arguida F……… ou com o arguido B………., donde não se pode concluir nada quanto aos arguidos deste depoimento
- AI………., gráfico de profissão, de forma afirmativa, coerente, imparcial, esclareceu que reputava quer a arguida F………. quer o arguido B………. como patrões (se a arguida F………. não dirigisse a empresa porque havia de assim ser reputada por todos?). Trabalhava na I………., onde efectuou serviços para a G………., Lda, como os expositores do J………. .
Confirmou teor de fls. 291 a 302., como retratando serviços efectuados para a G………., Lda.
- a testemunha AJ………., apenas conhecia o arguido B………. por este ser seu cliente, pois que lhe comprava diversos artigos que podiam ser utilizados como brindes
Não soube esclarecer a que objectos em concreto se reporta a factura de fls. 421
- AK………. não conhecia qualquer um dos arguidos; apenas sabia que lhe foi colocado material de jogo no seu café, em ………., dividindo com a pessoa que ali colocou o equipamento os lucros da exploração na proporção de 50%. Foi-lhe entregue a factura de fls 456
- a testemunha C…….., que foi constituída nestes autos como arguida e quanto a si foi proferido despacho de não pronuncia, nada tendo a perder pois que ainda que o seu depoimento a pudesse de alguma forma incriminar, não poderia ser objecto de novo procedimento criminal atento aquele despacho, assim se afigurando credível o seu depoimento, de forma peremptória referiu não ser quem explorava o E………., mas antes o arguido D………., que muitas vezes estava ausente do café. Nunca autorizou a colocação de quaisquer máquinas no café
Ora, se era a única trabalhadora e o proprietário era o arguido D………., apenas este pode ter autorizado tal colocação pois não se vislumbra que qualquer outra pessoa pudesse ter relação com o café e autorizado tal colocação. Aliás, como resulta das regras da experiência comum, nestas situações ou são os proprietários quem autoriza tal colocação ou funcionários com poderes de gestão e o arguido D………. em momento algum referiu que a testemunha tinha poderes de gestão por si conferidos.
Confrontada com o teor de fls. 31, nega que alguma vez ali tenha visto tal equipamento
- AL………., amiga dos arguidos F………. e B………. não se revelou credível. Ao arrepio de todos os depoimentos prestados até então referiu que a arguida F………. ficou surpreendida com a apreensão. Ao mesmo tempo que ambos julgavam que era legal, embora a arguida F………. culpasse o B………. do sucedido, que saberia que era ilícito. Mas então o arguido B………. sabia ou confiava na licitude?
O seu depoimento foi demasiado tendencioso no sentido de proteger a arguida F………. e apenas imputar responsabilidades ao então marido, o aqui arguido B………., chamando até à colação situações pessoais de ambos de forma gratuita (como seja o facto do arguido B………. bater na arguida F………., o que em nada releva para estes autos). Todavia, sempre do mesmo se conclui que ambos os arguidos laboravam e geriam a G………., Lda
Reputa a arguida como honesta, boa pessoa, trabalhadora
*
Regra geral, e como resulta dos depoimentos a que se fez referência, as pessoas reputam terceiros como “gerentes”, “administradores” quando em contacto com determinada empresa vislumbram actos próprios de quem assume esse qualidade ou quando os mesmos assim se intitulam. Nada resulta dos autos que permita concluir de forma diversa àquela que resulta do senso comum, da experiência da vida, pelo que temos de concluir em conformidade com a mesma, ou seja, que ambos os arguidos –F……….. e B………., até porque então eram casados- geriam de facto a empresa e controlavam o que ali era produzido.
No que se refere ao arguido D………., ressalvado o sempre devido respeito por opinião contrária, mal se compreenderia que sendo licenciado e por isso uma pessoa mais esclarecida, mais avisada, desconhecesse o carácter ilícito da sua conduta; aliás, uma vez que o jogo conferia prémios em dinheiro, como resulta das regras do senso comum, o homem médio tem a noção de que esse tipo de jogo, com tais prémios, é proibido, não se vislumbrando qualquer razão que impedisse o arguido de alcançar o que é do senso comum.
Refira-se que pese embora afirme que a exploração estava a cargo de alguém que tinha sido sua funcionária, a testemunha C………. cuja inquirição foi determinada pelo tribunal, esta de forma peremptória esclareceu que na data das apreensões não explorava o estabelecimento, era mera funcionária do arguido B………., anotando o que faltava para depois aquele encomendar ou, na falta do arguido, comunicava as faltas de bens aos fornecedores, mas era o arguido quem auferia os rendimentos provenientes da exploração do café. Se assim sucedia, como se pode falar em exploração comercial por parte da testemunha? Não se pode, mesmo porque da circunstância de ser um funcionário a efectuar encomendas aos fornecedores não se pode concluir que assume a responsabilidade de gestão do estabelecimento, sendo seu explorador, pois quantas vezes os proprietários dos estabelecimentos tem actividades paralelas, como é o caso do arguido que era professor, sem que as suas ausências possam por isso significar que não são os exploradores,
Relativamente às facturas, é certo que das mesmas não se conclui, pela sua simples leitura, que o arguido B………. comercializava material destinado a desenvolver jogo ilícito, é certo, mas refere-se a venda de cartazes, cabaz de natal, entre outros, negócio esses que nada tinham a ver com a actividade da G………., Lda, ou com a sua, pois à data exercia funções na G………., Lda. Porém, sabendo-se que na G………., Lda se imprimia material destinado também a jogos ilícitos e outros a modalidades afins, pode concluir-se que essas facturas titulam a venda daquele material, mesmo porque não era de esperar que sabendo o arguido estar a desenvolver actividade ilícita discriminasse o material por nome, abrindo, assim o “flanco” a eventual acção inspectiva, pois a denominação do material é de tal forma genérica que poderia indicar a venda de material para brindes. Se à data a sua actividade se resumia à gráfica, com impressão de cartazes, tais facturas apenas podem ter aquela justificação.
Por exemplo, a fls. 421, 465, 466, 467 encontram-se juntas facturas que atestam que o arguido B………. ou alguém em seu nome procedeu à venda de máquinas globo, que como resulta das regras da experiência comum quantas vezes se destinam a suportar os ovos com as senhas que habilitam a prémios; também de fls. 444 se conclui que o arguido B………., ou alguém em seu nome vendia os denominados “Cabaz de Natal”, cujos cartazes foram apreendidos nas instalações da G………., Lda (como se pode não concluir que também ele tinha poderes de gestão?)
Acresce que se encontram juntas aos autos folhas de obra, como a confirmada pela testemunha AG………. que corroboram que ali era efectuado material destinado a jogo ilícito.
No que se refere ao modo de operar das máquinas, valoraram-se os depoimentos dos gráficos inquiridos em sede de audiência, que foram unânimes em referir que funcionam tal qual se encontra descrito na factualidade provada
A convicção quanto à gerência de facto da G………., Lda pelos arguidos F………. e B………. saiu reforçada das declarações que o arguido B………. acabou por decidir prestar.
Na verdade, solicitou que o tribunal lhe tomasse declarações, referindo, porém, que aquele pedido apenas se prendia com a questão da tipografia que em tempos laborou em Vila Nova de Gaia. Porém, ainda, assim, concluiria que em ambas as situações, em ambos os locais –Gondomar e Gaia- ambos presidiam aos destinos das empresas, ambos as geriam e ambos conheciam tudo o que se passava na mesma. Concluímos, assim, sem quaisquer dúvidas que ambos tinham de ter conhecimento do que era produzido e a produção do material de jogo ali apreendido estava na disponibilidade dos dois.
Acresce que pese embora referir que à data das buscas efectuadas em Vila Nova de Gaia já não era arrendatário e que solicitou a chave ao senhorio, como já se deixou dito, quando solicitaram a sua presença apresentou-se com a chave dos anexos; ali ainda tinha material seu. Se já não era arrendatário, porque se apresentou, logo, com a chave? E porque estava lá material? Como resulta do senso comum, os prédios quando terminam os arrendamentos são devolvidos devolutos de pessoas e bens. E, se já não era arrendatário dos anexos, porque é que a pessoa que explorava o estabelecimento principal não tinha a disponibilidade daqueles? Apenas uma resposta é possível: porque mantinha aquela disponibilidade, de outro modo, quando ligaram a pedir a presença para abrir as portas o normal seria que referisse nada ter a ver com o espaço e remetesse o assunto para quem tinha, então, a sua disponibilidade.
Quanto aos não provados
Relativamente ao constante do ponto 1.os agentes que efectuaram a busca, como já referido reputaram os objectos ali encontrados como resíduos, sem qualquer interesse comercial
No que se refere à segunda das buscas efectuadas no E………., uma vez que apenas foi encontrado o cartaz de senhas, sem se saber a que tipo de jogo se referem, insusceptível se torna de concluir que desenvolveriam, sem qualquer dúvida, jogo ilícito.
(…)»
* * *

II – APRECIAÇÃO
7. Face às conclusões apresentadas (que delimitam o objecto do recurso), importa conhecer e decidir uma questão: saber se os factos provados são susceptíveis de integrar a prática do crime de material de jogo, previsto e punido pelo art. 115.°, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro [adiante Lei do Jogo], pelo qual o recorrente vem condenado.
8. A sentença recorrida cita o critério do “bem jurídico protegido” para firmar uma possível distinção entre jogos de fortuna ou azar e modalidades afins: «(…) tendo por referência o bem jurídico protegido pela incriminação e o fundamento para a sua protecção -aliciamento capaz de motivar uma compulsividade para o jogo capaz de pôr em perigo a integridade do património do jogador- afigura-se que qualquer jogo que possa atribuir prémios em dinheiro é passível de pôr em crim[s]e aquela integridade, se tivermos por referência o cidadão médio (…). Isto posto, temos por assente que qualquer jogo que confira prémios em espécie e não seja dos tipicamente descritos como jogos de fortuna ou azar, são de subsumir à noção de modalidades afins o que apenas não sucederá se os objectos que constituem o prémio tiverem representação económica que possa levar a apostas compulsivas. E mais à frente: Ora, no caso dos autos resultou provado que dos cinco tipo de cartazes apreendidos, apenas três conferiam a possibilidade de obtenção de um prémio em dinheiro, como sejam o Cartaz Romana, Estrela e Novo ABC, e, por essa razão, apenas estes à luz do entendimento sufragado sobre a noção/distinção de jogos de fortuna ou azar ou modalidades afins, se podem ter por material caracterizadamente destinados à prática de jogos de fortuna ou azar.» [pp. 31 e 33]
9. A condenação do recorrente resulta, assim, do facto de este, sem estarem autorizados pela Inspecção-Geral de Jogos “fabricar e comercializar material de jogo” para os jogos que têm a designação de “Romana”, “Estrela” e “Nova ABC” [pontos 2.21, 2.22, 2.44 e 2.45].
10. O recorrente, por seu lado, apoiado em jurisprudência recente, considera que a situação dos autos integra um caso de “modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo”, previsto e punido pelo art. 156.º, da Lei do Jogo; pelo que a sentença deve ser revogada e substituída por outra que o absolva do crime de que vem acusado.
11. Realmente, tem sido abundante a produção jurisprudencial tacteando fundamentos [“critérios”] para a incriminação de condutas ligadas à exploração e comercialização de “jogos”, entre uma definição legal considerada pouco explícita e sentimentos apriorísticos desvaliosos fundeados numa poderosa imagem histórica e cultural do jogo [Ver resenha no acórdão desta Relação, de 21.05.2008 [Relator: Joaquim Gomes], processo 0812492, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/Pesquisa+Campo?OpenForm, acedido em Junho de 2008.
A Lei e os seus fundamentos.
12. I. – O referido Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro [Lei do Jogo], no Capítulo I – “Disposições Gerais”, começa por definir jogos de fortuna e azar como sendo “aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte” [artigo 1.º]. De seguida, estabelece que “A tutela dos jogos de fortuna ou azar compete ao membro do Governo responsável pelo sector do turismo”, decretando que “A exploração e a prática dos jogos de fortuna ou azar só são permitidas nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário criadas por decreto-lei ou, fora daqueles, nos casos excepcionados nos artigos 6.º a 8.º” [artigo 2.º, n.º 1, com negrito nosso]. Manifestando sempre uma forte presença tutelar do Estado, a Lei elenca, sem preocupação de esgotar [“nomeadamente”] os tipos de jogos de fortuna ou azar cuja exploração é autorizada nos casinos [artigo 4.º, n.º 1, alíneas a) a g)]; e prevê que “As regras de execução para a prática dos jogos de fortuna ou azar serão aprovadas por portaria do membro do Governo da tutela” [artigo 5.º].
13. A Secção “Dos Crimes”, do Capítulo IX - Ilícitos e Sanções, abre com o crime de exploração ilícita de jogo que centra a actividade delituosa na exploração dos referidos jogos de fortuna ou azar fora das zonas de jogo definidas: “1 - Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido” [artigo 108.º]. O mesmo se passa com o crime de prática ilícita de jogo: “Quem for encontrado a praticar jogo de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até 6 meses e multa até 50 dias” [artigo 110.º]. É ainda a mesma identidade conceptual de jogos de fortuna ou azar e a mesma preocupação da presença reguladora do Estado que encontramos na previsão dos crimes seguintes [artigos 111.º a 114.º], e particularmente no crime pelo qual o recorrente vem condenado — Material de jogo: “Quem, sem autorização da Inspecção-Geral de Jogos, fabricar, publicitar, importar, transportar, transaccionar, expuser ou divulgar material e utensílios que sejam caracterizadamente destinados à prática dos jogos de fortuna ou azar será punido…” [artigo 115.º].
14. Perante este quadro legislativo, é legítimo concluir que o objectivo do legislador foi o de criar e regulamentar “zonas de jogo” que o Estado controla e fiscaliza de perto, estabelecendo uma censura criminal para a exploração, prática e presença fora dos locais legalmente autorizados [casinos], bem como para a coacção, fraude, usura e a conexão com material de jogo relacionado com os jogos de fortuna ou azar [artigos 108.º a 115.º]. O jogo de fortuna ou azar não é, em si mesmo, uma actividade ilícita: a ilicitude criminal revela-se apenas quando a exploração, a prática e demais actividades referidas, como o apoio com material de jogo, se realizam fora das zonas autorizadas ou das regras estabelecidas [ver tb n.º 3 do artigo 4.º].
15. O legislador estabeleceu um sistema de autorização regulamentada [Carlos Alberto da Mota Pinto, António Pinto Monteiro e João Calvão da Silva, Jogo e Aposta – Subsídios de Fundamentação Ética e Histórico-Jurídica, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, 1982, p. 47, citado pelo Acórdão n.º 99/02, do Tribunal Constitucional] para o exercício dos jogos de fortuna ou azar de forma a garantir a prática e a exploração desses jogos em determinados espaços e mediante determinadas regras previamente concertadas [artigo 4.º, n.º 3]. Com isto, o Estado exerce um controlo efectivo sobre os limites dessa actividade, arrecadando importantes receitas fiscais e criando condições para evitar alguns dos piores malefícios associados à prática desses jogos [v.g. a dissipação de bens e a empobrecimento do jogador, a mentalidade de fácil conquista de riqueza em detrimento do trabalho operoso, a subserviência e a dependência que limitam a capacidade crítica do jogador, o florescimento de actividades reprováveis como usuras, burlas, fraudes, bem como de litígios e violências que facilitam o alastramento do crime organizado, a possibilidade de incidência negativa no domínio das relações laborais, económicas e familiares dos jogadores, etc.].
16. Assim, podemos afirmar, com o acórdão nº 93/01 do Tribunal Constitucional, que a previsão legal do artigo 108.º, da Lei do Jogo, integrada pela definição de jogos de fortuna ou azar dada pelo artigo 1.º, não obstante a expressão adverbial fundamentalmente “respeita os parâmetros constitucionais do princípio da tipicidade, não se surpreendendo, (...) qualquer imprevisibilidade, verificando-se uma subsunção à previsão normativa que retira sentido seja a uma interpretação extensiva, seja, muito menos, a uma integração analógica. Com efeito, a exemplificação do artigo 4.º integra a definição do tipo [do artigo 108.º], apenas na medida em que os jogos referidos nas suas alíneas são, todos eles, subsumíveis ao conceito de jogos de fortuna ou azar, sem pôr em questão a determinação do tipo” – in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/, acedido em Junho de 2008, [sublinhado nossos].
17. Desta forma, definem-se como jogos de fortuna ou azar aqueles [e só estes] cujo resultado é contingente por assentar exclusivamente ou fundamentalmente na sorte [artigo 1.º], com exploração autorizada nos casinos e que estão tipificados, de modo exemplificativo, na lei [artigo 4.º, n.º 1].
18. É este o conceito que forma o núcleo essencial do crime de exploração ilícita de jogo [artigo 108.º]: a acção punida abrange a exploração de jogos que, fora dos locais legalmente autorizados [casinos], desenvolvem temas próprios dos jogos tipificados, de modo exemplificativo, na lei [artigo 4.º, n.º 1] e cujo resultado é contingente por assentar exclusivamente ou fundamentalmente na sorte [artigo 1.º].
19. E está presente, por remissão integrada, na estrutura dos tipos-de-ilícito seguintes, designadamente no crime que nos interessa, o crime de material de jogo [artigo 115.º]: pressupõe que as actividades nele consignadas [“fabricar, publicitar, importar, transportar, transaccionar, expor ou divulgar…”] tenham uma ligação directa, imediata e inequívoca [“caracterizadamente”] com material e utensílios destinados à prática dos jogos de fortuna ou azar [i.é., jogos cujo resultado é contingente por assentar exclusivamente ou fundamentalmente na sorte, com exploração autorizada nos casinos e que estão tipificados, de modo exemplificativo, na lei].
20. II. – Para além de condutas que integram a prática de crimes, o Capítulo XI – “Das modalidades afins dos jogos de fortuna e azar e outras formas de crime” prevê e pune infracções de natureza contra-ordenacional que integram actividades próximas mas residuais daqueles.
21. Estão em causa “operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico” [artigo 159.º, n.º 1] dependentes de “autorização do membro do Governo responsável” [artigo 160.º, n.º 1], sendo certo que “não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, nomeadamente o póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola e totoloto, nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos” [artigo 161.º, n.º 3].
22. Este recorte punitivo tem o mérito de reforçar os objectivos e a motivação subjacente à incriminação antes aludida – como sejam, os de confinar os jogos de fortuna e azar a espaços definidos sobre os quais o Estado exerce uma fiscalização constante, espaços esses [casinos] a quem, concomitantemente, são atribuídas concessões geográficas exclusivas para a exploração desses jogos.
23. O detalhe da previsão e da regulamentação da Lei do Jogo no domínio das contra-ordenações é uma matéria que extravasa o objecto do nosso conhecimento nos presentes autos: na verdade, o que o recurso questiona é a condenação que o recorrente sofreu, importando apenas saber se a actividade por si desenvolvida configura ou não a prática do crime de material de jogo previsto e punido pelo artigo 115.º, por que foi condenado. É disso que continuaremos a tratar.
Os Factos concretos da situação real sob apreciação.
24. Está provado que o recorrente [e outra arguida], sem estarem autorizados pela Inspecção-Geral de Jogos, se dedicou ao fabrico e comercialização de diverso material de jogo, designadamente material correspondente aos jogos com a designação de “Romana”, “Estrela” e “Nova ABC”, [pontos 2.21, 2.22, 2.44 e 2.45].
25. Estes jogos têm um funcionamento idêntico:
. o jogo contém um manípulo na parte da frente com uma ranhura onde o jogador introduz uma moeda para obter as bolas de plástico;
. abertas as bolas encontram-se três senhas;
. abertas as senhas existem três resultados possíveis:
- o número da senha não coincide com qualquer um dos números do cartaz de prémio e o jogador não tem direito ao prémio;
- o número da senha não coincide com uma segunda selecção de números [inscritos em um rectângulo ou número terminado em 7, no caso do “Novo ABC”] e o jogador terá direito [ou poderá ter, no caso do “Romana”] a um prémio em dinheiro;
- o número da senha coincide com um dos números do segundo rectângulo e o jogador terá direito a um prémio em dinheiro;
. existe um outro prémio denominado "Remate final 10.000", que, por convenção, corresponde a 10.000$00 (50 euros) para o jogador que adquirir as últimas senhas.
26. Em bom rigor, constituem uma espécie de sorteio por meio de senhas/rifas, ou mesmo directamente sorteio (cápsulas no interior de expositor), em que a expectativa de ganho é muito limitada e predefinida, e em que se exige a renovação da vontade em cada acto de aquisição [ver acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, citados infra] – portanto, um funcionamento incapaz de suscitar grandes e legítimas apreensões por parte da comunidade e [lendo-as] do legislador, a ponto de as integrar no núcleo principal dos valores éticos tutelados pelo direito penal.
Aplicação da lei e dos seus fundamentos aos factos concretos.
27. Como referimos, a sentença recorrida fundamenta-se naquilo que designa como critério do “bem jurídico protegido” e que identifica com a necessidade de proteger [os jogadores] do “aliciamento capaz de motivar uma compulsividade para o jogo capaz de pôr em perigo a integridade do património do jogador” – a ponto de, segundo afirma, “qualquer jogo que possa atribuir prémios em dinheiro é passível de pôr em crim[s]e aquela integridade, se tivermos por referência o cidadão médio [ver supra 8.].
28. Ora, nada na Lei do Jogo autoriza a consagração de tal “critério” – nem a sentença recorrida, em boa verdade, especifica a sua ancoramento legal. Podemos até afirmar que a Lei dá, isso sim, indicações claras no sentido de afastar tal pressuposto fundante: por um lado, de entre as modalidades de jogos de fortuna ou azar especificamente previstas no artigo 4.°, há algumas em que os prémios podem consistir, pelo menos imediatamente, em fichas e o resultado ser apresentado como pontuações; por outro lado, no campo das contra-ordenações prevê-se e sanciona-se com uma coima quem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos [artigos 161.º, n.º 3 e 163.º, n.º 1].
29. Não tem, pois, acolhimento legal o “critério” que fundamentou a condenação do recorrente, segundo o qual qualquer jogo que possa atribuir prémios em dinheiro [e seja explorado fora dos locais autorizados… subentende-se] é passível de constituir crime.
30. Como refere o acórdão da Relação de Lisboa, de 26.10.2005 [Relator: Carlos de Almeida]: “I – Actualmente, não existe qualquer distinção material entre os conceitos de jogo de fortuna ou azar e de modalidades afins. II – Por isso, o tribunal, para a delimitação dos tipos descritos nos artigos 108º a 111º e 115º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, tem de partir de um conceito formal de jogo de fortuna ou azar, considerando como tal apenas aqueles jogos cuja prática, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 4º daquele diploma, é autorizada nos casinos” – processo 7610/2005-3, in www.dgsi.pt, acedido em Julho de 2008.
31. Na verdade, vimos de dizer [item 17.] que a actual Lei do Jogo apenas consente uma definição legal de jogos de fortuna ou azar: aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusivamente ou fundamentalmente na sorte [artigo 1.º], têm exploração autorizada nos casinos e estão tipificados, de modo exemplificativo, na lei [artigo 4.º, n.º 1].
32. Fora desta descrição, modalidades de jogos cujos resultados também dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte não constituem, na disciplina da lei, jogos de fortuna ou azar, mas modalidades afins com regulamentação e consequências próprias. E mesmo a circunstância de os prémios serem em dinheiro não lhes retira a natureza de modalidade afim, uma vez que a atribuição de prémios em dinheiro, por si só, apesar de não permitida, não basta para integrar a específica configuração em que está definido o pagamento de prémios (pagamento directo em fichas ou moedas) nos jogos de fortuna ou azar, de modo a transformar a proibição do artigo 161.º, n.º 3, em infracção penal [ver acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.11.2007, processo 07P3186 e de 27.02.2008, processo 08P293, ambos relatados pelo Cons. Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt., acedidos em Julho de 2008].
33. Por isso, o crime de material de jogo [artigo 115.º] pelo qual o recorrente vem condenado exige, como elemento primário, uma ligação instrumental directa, imediata e inequívoca entre o «material e utensílios» intervencionados e a prática de jogos de fortuna ou azar – na asserção legal definida pelos artigos 1.º e 4.º, n.º 1, da Lei do Jogo.
34. nNo caso presente, embora os resultados dos jogos proporcionados pelas referidas máquinas dependessem da sorte e não da perícia do utilizador, o certo é que elas não exploravam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, nem pagavam directamente prémios em fichas ou moedas [alíneas f) e g) do n.º 1 do artigo 4.º, as únicas relativas a máquinas de jogos].
35. A circunstância de nos referidos jogos os prémios poderem ser substituídos por dinheiro é relevante na configuração do tipo contra-ordenacional [artigo 161.º, n.º 3] mas não integra a específica configuração em que está definido o pagamento de prémios (pagamento directo em fichas ou moedas) nos jogos de fortuna ou azar [alíneas f) e g) citadas]. Pelo que, concluímos, faltam as características essenciais que permitem qualificar o jogo como sendo de fortuna ou azar, nos termos descritos e definidos nos artigos 1.º e 4.º, n.º 1, da Lei do Jogo.
36. Faz sentido a gravidade objectiva reservada à configuração das condutas que integram a prática dos crimes previstos nos artigos 108.º a 115.º e em especial deste: estão em causa jogos em que é superiormente exposta a previsão dos ganhos directos em moedas ou fichas, exercidos em regime de exclusividade pelos casinos conforme regulamentação que o Estado pretende ver cumprida pelas razões [altruístas umas, egoístas outras] que antes referimos [item 15.].
37. Assim, de acordo com a Lei do Jogo, as infracções susceptíveis de constituir crime [artigos 108.º a 115.º] são todas elas reportadas a jogos de fortuna ou azar, ou seja, aqueles que, segundo a sua própria definição, cujo resultado é contingente por assentar exclusivamente ou fundamentalmente na sorte [artigo 1.º], têm exploração autorizada nos casinos e estão tipificados, de modo exemplificativo, na lei [artigo 4.º, n.º 1]. Os jogos em máquinas cujo material o recorrente fabricou e comercializou sem estar autorizado pela Inspecção-Geral de Jogos, não pagavam directamente prémios em fichas ou moedas nem desenvolviam temas próprios dos jogos de fortuna e azar [alíneas f) e g)], pelo que, excluídos da tipologia própria dos jogos de fortuna ou azar, não preenchem a conduta criminosa prevista pelo artigo 115.º, da Lei do Jogo.
Conclusão
38. “O direito penal deve sempre actuar como ultima ratio” – n.º 25, do preâmbulo do Código Penal. Jogar corresponde a um desejo natural do homem [o Homo ludens - de Johan Huizinga], seja na forma de simples passatempo praticado por puro prazer e distensão [“E que fizeram os soldados? Tomaram os dados e puseram-se a jogar” – Padre António Vieira, Sermões, XII, 2, § 3º, n.º 41, p. 35], seja como íntimo e absorvente desafio sensorial que antevê leituras e combinações de sorte, códigos surpreendentes de oportunidades ditados pela mais estranha lógica que, ainda assim, o jogador saberá perscrutar e aplicar [“Naturalmente, essas ‘lotarias’ fracassaram. A sua virtude moral era nula. Não se dirigiam a todas as faculdades do homem: unicamente à sua esperança” - Jorge Luís Borges, A lotaria da Babilónia, Ficções].
39. Longe vai o tempo em que a lei proibia a prática do jogo a coberto da protecção da integridade do património do jogador e/ou dos perigos de desestruturação pessoal, familiar e social associados ao jogo: D. Afonso IV foi quem primeiro proibiu as casas de jogo ou tavolagem, antes publicamente toleradas – sendo certo que já nessa altura os “donos delas pagavam por isso grossas somas a el-rei e aos senhores das terras onde estavam estabelecidas”.
40. De então para cá, o âmbito da proibição tem variado em função da relevância social dada a certos malefícios objectivamente associados ao jogo. Parece claro que, nos tempos presentes, não é função do Estado purificar tendências, inclinações ou vícios ligados ao jogo. A expressão da plena liberdade do hsocialmente comprometido e a afirmação laica do Estado-de-direito apontam para que a sua intervenção neste domínio se restrinja a uma função eminentemente reguladora com a qual não só assegura a recolha de importantes receitas fiscais como também, ao circunscrever a prática dos jogos de fortuna ou azar a determinadas zonas, garante a transparência do seu exercício, protege o domínio exclusivo das entidades que a ele se dedicam e, com tudo isso, cria uma disciplina preventiva de segurança pública.
41. Há mesmo quem questione, com algum substrato, a constitucionalidade das incriminações vigentes [ver Rui Pinto Duarte, O Jogo e o Direito, Themis, II, 3 (2001), p. 69, que o já citado Acórdão n.º 99/02 do Tribunal Constitucional não acompanha].
42. A situação dos autos por ser relativa a material de jogos que opera em máquinas em que, apesar do resultado assentar exclusivamente na sorte, o prémio não é pago directamente em fichas ou moedas e nem o tema desenvolvido é próprio dos jogos de fortuna ou azar não integra a tipologia prevista pelo artigo 4.º, pelo que o jogo não pode ser classificado como de fortuna ou azar; consequentemente, a conduta descrita não preenche o crime previsto no artigo 115.º, da Lei do Jogo, pelo qual o recorrente vinha condenado.
43. Com a procedência do recurso, impõe-se a absolvição do recorrente. O procedimento contra-ordenacional mostra-se prescrito – artigos 160.º e 163.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro [Lei do Jogo] e artigos 27.º, alínea c) e 28.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.

III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, os juízes acordam em:
• Conceder provimento ao recurso interposto pelo recorrente B………., revogando a sentença recorrida e absolvendo-o do crime de material de jogo [artigo 115.º, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 19 de Janeiro] por que vinha condenado.
Sem tributação.
[Elaborado e revisto pelo relator]

Porto, 2 de Julho de 2008
Artur Manuel da Silva Oliveira
Maria Elisa da Silva Marques Mota Silva