Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0532778
Nº Convencional: JTRP00038170
Relator: MÁRIO FERNANDES
Descritores: JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL
JUSTIFICAÇÃO NOTARIAL
Nº do Documento: RP200506090532778
Data do Acordão: 06/09/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: A competência material para o processo de justificação de registo, a partir de Janeiro de 2002, passou a competir em exclusivo e não em alternativa, ao Conservador do Registo Predial, devendo seguir os termos que contemplados vêm, nomeadamente, nos arts. 117-A a 119 do citado código.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

1. RELATÓRIO.

B.......... e mulher C.........., residentes no .........., .........., ...........,
vieram intentar acção sumária que denominaram de justificação judicial (art. 116 do Cód. Reg. Predial) contra

Ministério Público e Interessados Desconhecidos,

pretendendo lhes fosse reconhecido o direito de propriedade sobre o prédio urbano identificado no art. 1.º da petição inicial, prédio esse não descrito na Conservatória, mas já inscrito na respectiva matriz sob o art. 818.

De essencial, para justificarem o pedido em causa, alegaram os Autores serem os donos do mencionado prédio, invocando a sua aquisição por via originária (usucapião), posto que o vinham possuindo há mais de 30 anos, ininterruptamente, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, posse essa que passaram a exercer após doação verbal que lhes foi feita por B.........., portanto sem que tivesse sido celebrada a competente escritura, assim não dispondo de título bastante a justificar o seu direito de propriedade sobre tal imóvel.

Veio a ser proferido despacho a ordenar a citação do M.º P.º e dos interessados desconhecidos, estes através de éditos, invocando-se o disposto no art. 2, do DL n.º 284/84, de 22.8., sem que, cumpridas as formalidades inerentes a tal citação, tenha sido deduzida oposição.

Subsequentemente, veio a designar-se audiência para audição da prova testemunhal oferecida pelos Autores, após o que se proferiu despacho em que, como questão prévia, se considerou o tribunal incompetente em razão da matéria para preparar e julgar a presente acção, antes cabendo essa competência ao respectivo Conservador, nessa medida se absolvendo os Réus da instância.

Inconformados com o assim decidido, interpuseram recurso de agravo os Autores, tendo apresentado alegações em que concluíram pela revogação do aludido despacho, devendo considerar-se o tribunal comum competente para a apreciação do pedido formulado, com o consequente prosseguimento do processo para julgamento do seu mérito.

O M.º P.º respondeu, pugnando pela manutenção do julgado.

Corridos os vistos legais, cumpre tomar conhecimento do mérito do agravo, sendo que a instância mantém a sua validade.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

A materialidade a reter, em ordem a cumprir a tarefa encerrada no presente recurso, tem a ver com o que alegado foi no articulado inicial pelos agravantes, já suficientemente explanado no relatório supra, assim nos dispensando de aqui a repetir.

Deixa-se ainda registado que a acção deu entrada em juízo em 30.3.04.

Posto isto, cumprirá clarificar que o objecto do agravo, face às conclusões formuladas, se encontra circunscrito à questão única de curar de saber se o tribunal comum é o competente em razão da matéria para conhecer da pretensão que vem deduzida pelos agravantes na acção.

Já vimos que o tribunal “a quo” concedeu uma resposta negativa a tal problemática, defendendo que essa competência cabe ao “foro registral”, querendo referir-se, segundo se depreende da fundamentação adiantada, ao respectivo Conservador do Registo Predial, atento o disposto no art. 116 do CRP, com a redacção que lhe foi dada pelo art. 3, do DL n.º 273/01, de 13.10.

Já os agravantes pugnam pela competência nesse âmbito do tribunal comum, posto do citado normativo não resultar uma imposição de, para a situação em análise, ser necessária o recurso ao tipo de processo regulamentado nos arts. 116 a 119 do CRP, portanto a exigir a intervenção do respectivo Conservador, já que aquele primeiro artigo alude a uma mera faculdade no uso de tal processo, mas sem postergar ao respectivo interessado o deitar mão de acção judicial.
Estaria, assim, na disponibilidade do interessado optar por um ou outro dos falados meios para alcançar o mencionado objectivo.

Por nossa parte, cremos que o tribunal recorrido ajuizou bem esta problemática da competência em razão da matéria, ao concluir que numa primeira fase a apreciação da pretensão deduzida pelos recorrentes se encontra atribuída pelo legislador ao respectivo Conservador.
Demonstremos.

É sabido que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional – arts. 66 do CPC e 18, n.º 1, da LOFTJ.

E, para a aquilatar em cada caso dessa competência, necessário se torna ponderar a pretensão deduzida, recorrendo-se, se necessário, ao fundamento em que aquela se sustenta.

No caso em presença, pretendem os Autores o reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel identificado no articulado inicial, por o terem adquirido por usucapião, sendo que o vêm possuindo há mais de 30 anos, desde a altura em que o mesmo lhes foi doado verbalmente por um tal B.........., sendo que não dispõem assim de título formalmente válido a comprovar esse seu invocado direito.

Como se depreende da motivação que está na base da instauração da acção pelos agravantes, almejam estes o estabelecimento do trato sucessivo quanto ao identificado imóvel, por forma poderem obter título bastante que comprove esse invocado direito de propriedade e assim obterem a competente inscrição registral, tudo nos termos do art. 116 do CRP.

Só nesta base se entende a instauração da presente acção, tanto mais que não lhe subjaz um concreto litígio que importe dirimir, antes a obtenção do falado título que comprove o direito de propriedade sobre o identificado prédio e legitime a primeira inscrição registral.

Sendo assim, parece manifesto estarmos diante duma acção de justificação, aliás encoberta pela capa de acção declarativa, o que, aliás, nem parece vir posto em causa pelos impugnantes nas suas alegações, já que, no fundo, a sua confessa pretensão é almejar o aludido título para após obterem o competente registo, ou seja, o estabelecimento do trato sucessivo quanto ao dito imóvel, nos termos do art. 116, n.º 1, do CRP.

Porque assim é, não existindo um verdadeiro litígio e estando nós diante de uma verdadeira acção de justificação (acção registral), a competência para a apreciação da mesma – suprimento da falta de título de propriedade sobre imóvel – é deferida legalmente ao Conservador, que não em alternativa aos tribunais judiciais em 1.ª instância.

É esta constatação que necessariamente se impõe retirar do comando do citado art. 116, n.º 1, do CRP, reforçada com a intenção tida em vista pelo legislador, ao introduzir as alterações aos arts. 116 a 118 do referido Código, através do DL n.º 273/01, de 13.10.

Com efeito, consta da exposição de motivos vertidos no preâmbulo do referido DL operar “a transferência de competências em processos de carácter eminentemente registral dos tribunais judiciais para os próprios conservadores de registo, inserindo-se numa estratégia de desjudicialização de matérias que não consubstanciam verdadeiro litígio”;
adiantando-se que “passa a ser objecto de decisão por parte do conservador o processo de justificação judicial, aplicável à maioria das situações de suprimento de omissão de registo não oportunamente lavrado …”.

Decorre do que se vem expendendo que a competência material para o processo de justificação de registo, a partir de Janeiro de 2002, passou a competir em exclusivo e não em alternativa, como defendem os impugnantes, ao Conservador do Registo Predial, devendo seguir os termos que contemplados vêm, nomeadamente, nos arts. 117-A a 119 do citado código – esta sendo também, segundo cremos, a posição defendida, para situações como a que vimos analisando, do nosso mais Alto Tribunal, como disso são exemplos recentes os Acs. de 25.11.04 (Moitinho de Almeida) e de 3.3.05 (Faria Antunes), in base de dados do MJ.

Confrontados com a pretensão deduzida pelos agravantes através da presente acção de justificação e fundamentos que a sustentam, fez juízo correcto a decisão impugnada, ao declarar o tribunal comum incompetente em razão da matéria para daquela conhecer, por tal competência competir ao respectivo Conservador do Registo Predial, assim aqui também merecendo o nosso acolhimento.

3. CONCLUSÃO.

Em face de todo o exposto, decide-se negar provimento ao agravo, nessa medida se mantendo o despacho recorrido.

Custas a cargo dos recorrentes.

Porto, 9 de Junho de 2005
Mário Manuel Baptista Fernandes
Fernando Baptista Oliveira
José Manuel Carvalho Ferraz