Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0324476
Nº Convencional: JTRP00036555
Relator: DURVAL MORAIS
Descritores: DESTITUIÇÃO
GERENTE
INDEMNIZAÇÃO
DANO
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
Nº do Documento: RP200311110324476
Data do Acordão: 11/11/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: T J OLIVEIRA AZEMÉIS
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Área Temática: .
Sumário: I - A indemnização ao gerente destituído sem justa causa deriva dos prejuízos concretos provados.
II - Não é suficiente a alegação do vencimento que estava a receber, de acordo com o n.7 do artigo 257 do Código das Sociedades Comerciais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO.

I – FRANCLIM....., residente no Lugar do....., freguesia de....., concelho de....., intentou contra C....., LDª, com sede no mesmo lugar do....., a presente acção de condenação com processo ordinário, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 55.865,36, acrescida de juros à taxa legal desde a citação.
Alega, em síntese, que, tendo sido sócio-gerente da Ré, foi deliberada em assembleia-geral da mesma a sua destituição do seu cargo, deliberação que, judicialmente impugnada, foi entendido pelo S.T.J. ter havido destituição sem justa causa.
O A. tem direito a ser indemnizado pelos prejuízos causados pela Ré com a destituição , indemnização correspondente ao rendimento que receberia da Ré pelo período de 4 anos, ou seja, 11.200.000$00 (200.000$00 x 14 meses x 4 anos), nos termos do artº 257º, nº 7 do Cód. Soc.Com..

A Ré, contestou, excepcionando excepção de caso julgado e impugnando os fundamentos da acção.

Houve réplica do autor.

Foi proferido despacho saneador - no qual se julgou improcedente a excepção de caso julgado – e foi elaborada a condensação, sem reclamação.

A fls 155 foi interposto recurso da decisão que conheceu da excepção de caso julgado, o qual foi admitido como agravo a subir em separado.

Procedeu-se a julgamento na forma legal.

Na sentença o M.Juiz julgou a acção improcedente, dela absolvendo a Ré.
Inconformado, o A. apelou, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1 - O recorrente intentou acção para que lhe fosse arbitrada indemnização por termos de contrato, nos termos do artigo 257º do CSC, decorrente do facto de ter sido destituído de gerente da R./recorrida, sem justa causa. (Conforme Ac. do STJ junto aos autos).
2 – Da matéria dada por provada nos autos (cfr. nomeadamente, nºs 7, 8, 9 e 10) retira-se que o recorrente fazia face às despesas pessoais e familiares, ou seja, despesas inerentes e indispensáveis à subsistência, designadamente alimentação, vestuário e habitação, com o rendimento que auferia como gerente, e que deixou de auferir em consequência da sua destituição.
3 – Assim, o recorrente sofreu um prejuízo equivalente ao que, mensalmente, auferia no exercício das funções de gerente.
4 - De facto, ao deixar de auferir tal rendimento viu-se obrigado ou a baixar o seu nível e qualidade de vida ou, na tentativa de o manter, lançar mão de outros (eventuais) rendimentos, nomeadamente poupanças - o que, em qualquer das alternativas, representa um prejuízo.
5 – Deste modo, a matéria dada por provada revela-se suficiente para a procedência da presente acção, porquanto não havendo indemnização contratual estipulada, o gerente destituído sem justa causa tem, em conformidade com os princípios gerais da responsabilidade civil, o direito a ser indemnizado pelos prejuízos correspondentes aos proventos esperados e aos danos morais. (Ac. STJ in BMJ nº 483, ano 1999, p. 176).
6 - Ora, no caso sub judice, por força dos artigos 257º do CSC e 562º do CC, o recorrente tem direito a ser indemnizado de forma a ver reconstituída a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, o que significa a reposição dos proventos que o recorrente auferia como gerente, com o limite imposto pelo citado artigo 257º do CSC.
7 - De facto, a indemnização atribuída a gerente destituído sem justa causa deve compreender os resultados da perda de proventos do gerente, abrangendo não só o ordenado base, mas também as várias regalias, como o pagamento de combustíveis e alimentação (Ac.da R.C.de 09/02/1999, proferido no processo 1862/98, in Grande Enciclopédia da Jurisprudência - M....., Lda.)
8 - No mesmo sentido, o Prof. Raul Ventura (Sociedades por Quotas, III, 119), tal como consta na previsão do artigo 257º do CSC, os prejuízos indemnizáveis são os resultados da perda de proventos do gerente, nessa qualidade, durante um certo tempo, consistindo a indemnização na quantia correspondente aos proventos esperados. É que o direito a indemnização é uma consequência directa da destituição sem justa causa. Por outro lado,
9 - O Mº Juiz a quo julgou improcedente a acção, considerando que o A/recorrente apenas invocou a perda de remuneração pelo exercício da gerência, não alegando factos suficientes para a prova de prejuízos materiais.
10 - Ora, nos presentes autos:
- As partes apresentaram os respectivos articulados, a saber: petição inicial, contestação e réplica. A R/recorrida não excepcionou a insuficiência ou incorrecção dos factos alegados pelo A/recorrente, e compreendeu o alegado por este, contestando a matéria da p.i. de forma directa e objectiva;
- O juiz a quo proferiu despacho saneador, sem que tenha observado qualquer irregularidade na instância, nomeadamente quanto aos pressupostos processuais.
11 – Nos termos do n° 2 do artigo 265º do CPC, o juiz providenciará, mesmo oficiosamente, pelo suprimento da falta de pressupostos susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando estiver em causa alguma modificação subjectiva da instância, convidando as partes a praticá-los. O Meritíssimo Juiz não deu cumprimento a este preceito.
12 - Acresce que, também não deu cumprimento ao disposto ao n° 2 do artº 508, do CPC que estatui O juiz convidará as partes a suprir as irregularidades dos articulados apresentados, fixando o prazo para o suprimento ou correcção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais...
13 - Ao não cumprir estes normativos legais, considerando, em sede de decisão final, que o A./recorrente, não alegou matéria suficiente para a procedência da acção, violou, para, além das citadas disposições, o princípio da cooperação inserto no artº 266º do CPC.
14 - Na verdade, o dever de cooperação constitui um dever funcional que se desdobra no dever de prevenção ou de informação, ou seja, o dever de o Tribunal prevenir as partes sobre as eventuais deficiências ou insuficiências das suas alegações ou pedidos e de as informar sobre aspectos de direito ou de facto que por elas não foram considerados... Refira-se que ouso desses poderes funcionais pelo Tribunal pode chegar, até, à sugestão da modificação do objecto ou das partes da acção ou da formulação de um novo pedido... (Prof. M. Teixeira de Sousa, in ROA, 1995, II, p. 362 e segs).
15 - Assim, sem a violação pelo Tribunal a quo das supra referidas disposições, sempre haveria despacho de aperfeiçoamento, quando o Juiz entender que a petição apresenta certas irregularidades e a deficiência não conduz ao seu indeferimento liminar, mas à possível improcedência da acção (Ac. da R. C. de 05/03/1996, in BMJ, 455º, p.580).
16 - Consequentemente, por violação das disposições acima citadas, mostra-se nulo o processado, desde a prolação do Despacho Saneador e elaboração dos Factos Assentes e Base Instrutória, sendo que tal nulidade não se mostra sanada, porquanto a mesma é apenas revelada com a prolação da sentença.

Não houve contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II – É a seguinte matéria de facto considerada provada na 1ª instância:
1- A A. é uma sociedade comercial por quotas, com o capital social de € 53.871,00, dividido em três quotas de € 17.957,00;
2- O A. é sócio da R. e nesta possui uma das quotas, pertencendo as outras duas a José..... e Emiliano.....;
3- No dia 30/9/1994, em assembleia-geral da R., foi deliberada a destituição de gerente do A., com os votos favoráveis de José..... e Emiliano.....;
4- Correu termos no Tribunal de Círculo de....., acção ordinária instaurada pelo A. contra a R., de impugnação da deliberação referida em 3, a qual foi julgada improcedente, tendo o Supremo Tribunal de Justiça julgado que a destituição de gerente do A., constituindo uma deliberação válida da assembleia geral da R., o foi sem prova de justa causa;
5- No pacto social da R. não há expressa qualquer cláusula garantindo uma indemnização certa, em caso de destituição de gerente sem justa causa;
6- O A. recebia, à data da destituição, o rendimento mensal de Esc.200.000$00, durante 14 meses no ano;
7- O A. exerceu as funções de gerente na R., ininterruptamente, desde 1972/73 até ao fim do mês de Junho de 1995;
8- O A. fazia face às suas despesas pessoais e familiares, nomeadamente com o rendimento que mensalmente auferia da R., nas funções de gerente;
9- O qual deixou de auferir desde Julho de 1995, na sequência da sua destituição em 30/9/1994;
10- O A., desde a data referida em 9 (Julho de 1995), deixou igualmente de prestar trabalho na R.

III – Duas são as questões a conhecer no âmbito do presente recurso – artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil:
1º - Substituição da decisão em crise por outra que determine o aperfeiçoamento da petição inicial;
2º - Saber se o Autor tem direito à indemnização peticionada.
1ª QUESTÃO:
Escreveu-se na sentença em crise, aliás, acertadamente, a nosso ver:
O A. não fez prova de prejuízos materiais. Deixou de auferir a remuneração relativa ao cargo de gerente, mas também deixou de prestar o respectivo trabalho e daí não se pode extrair que teve um prejuízo equivalente ao valor dessa retribuição. Desconhecemos se o A. não logrou arranjar emprego ou outra actividade remunerada equivalente, apesar do seu esforço em obtê-la; em que momento é que a obteve, e se daí lhe passou a advir remuneração de valor inferior àquela de que beneficiava na R. Dele era o ónus da prova dos prejuízos (artº 342°, n° 1, do Código Civil).
Da simples invocação da perda da remuneração pelo exercício da gerência não se pode concluir que o A. tenha sofrido necessariamente prejuízos. Estes só se terão verificado se ele não teve a oportunidade de exercer outra actividade, remunerada a idêntico nível económico, social e profissional, o que, no caso, se ignora.
Assim, não tendo o A. alegado na petição inicial, como cumpria, nem demonstrado quaisquer factos indispensáveis à fixação do quantum indemnizatório, designadamente prejuízos efectivos, não pode a R. ser condenada no pagamento da indemnização peticionada.
Que dizer?

Está em causa, o aperfeiçoamento da petição inicial quanto à concretização da matéria de facto pertinente aos danos sofridos pelo A.
Mas se é assim, como é, o que estaria em causa é o nº 3 do artº 508º do C.P.C., que reza assim:
Pode ainda o juiz convidar qualquer das partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixado prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
Deve, porém, dizer-se que o M.Juiz não era obrigado a determinar o aperfeiçoamento da petição inicial, contrariamente ao sustentado pelo recorrente.
Na verdade, o despacho judicial previsto no texto daquele nº 3 do artº 508º - despacho de convite às partes para suprirem as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto – é um despacho não vinculado.
O poder aí atribuído ao juiz é discricionária, como resulta, aliás, da própria redacção do preceito “Pode ainda o juiz…”.
Daí que não seja recorrível o despacho mediante o qual o magistrado exerce tal poder, nem gerador de nulidade processual a sua inércia a tal respeito (cfr. Ac. STJ de 11/5/99, BMJ, 487-244).
Improcedem, nesta parte, as respectivas conclusões.
2ª QUESTÃO:
Sustenta o recorrente que os prejuízos indemnizáveis são os resultantes da perda de proventos do gerente, nessa qualidade, durante um certo tempo, consistindo a indemnização na quantia correspondente aos proventos esperados.
Que dizer?

Vejamos.
Dispõe o nº 7 do artº 257º do Cód.Soc.Comerciais :
Não havendo indemnização contratual estipulada, o gerente destituído sem justa causa tem direito a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos, entendendo-se, porém, que ele não se manteria no cargo ainda por mais de quatro anos ou do tempo que faltar para perfazer o prazo por que fora designado.
Mas tal indemnização devida a gerente destituído sem justa causa terá de ter a sua origem na existência de prejuízos. Tal resulta dos princípios gerais em matéria de responsabilidade civil e decorre também da própria letra do citado nº 7 do artº 257º: «o gerente destituído sem justa causa tem direito a ser indemnizado».
Segundo este preceito, não havendo indemnização contratual estipulada, o gerente destituído sem justa causa tem direito a ser indemnizado dos prejuízos sofridos, entendendo-se, porém, que ele não se manteria no cargo ainda por mais de quatro anos ou do tempo que faltar para perfazer o prazo por que fora designado.
Como já se escreveu no acórdão de 27 de Outubro de 1994 (Col.Juris.-STJ, 1994, Tomo III, pág.112), não havendo indemnização contratual estipulada, o gerente destituído sem ocorrência de justa causa tem, em conformidade com os princípios gerais da responsabilidade civil, o direito a ser indemnizado pelos prejuízos correspondentes aos proventos esperados e aos danos morais, em particular quando seja atingido na sua dignidade pessoal e profissional.
Mas, provada a falta de justa causa, terá ainda o autor de alegar e provar ter sofrido prejuízos com a destituição.
Com efeito, a indemnização requer a existência de danos. Assim, não temos dúvidas de que a prova dos mesmos cabe a quem invoca o correspondente direito a indemnização, segunda a regra do artigo 342º, nº 1, do Código Civil.
Como se escreveu no citado acórdão de 27 de Outubro de 1994, é certo que o gerente destituído perdeu o vencimento, mas também deixou de prestar trabalho, pelo que pode entender-se que esta consequência representa um efeito natural, sem haver verdadeiro prejuízo. Deixou de prestar trabalho e, consequentemente, perde o direito à retribuição. O dano não é necessário.
Da simples invocação da perda da remuneração pelo exercício da gerência não se pode concluir que o autor tenha sofrido necessariamente prejuízos. Estes só se terão verificado se ele não teve a oportunidade de exercer outra actividade, remunerada a idêntico nível económico, social e profissional, o que, in casu, se ignora.
Porém, acrescenta-se, a perda do posto de trabalho, quando importe quebra de lucros e de prestígio profissional e social, pode constituir fonte de danos, quer patrimoniais, quer não patrimoniais, ainda que a sua existência não seja necessária.
Estando excluída a reposição natural (artigo 562.° do Código Civil), a qual, implicando a recolocação do gerente, representaria a frustração da regra da livre destituição, deve a indemnização tomar a forma subsidiária de indemnização em dinheiro - artigo 566º do Código Civil.
Como explicam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. I, pág. 582), «o montante da indemnização pecuniária mede-se pela diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra e a situação (hipotética) em que ele se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano».
De onde resulta o ónus, a cargo do lesado, de se alegarem e provarem os factos que permitam utilizar este processo na avaliação comparativa.
O incumprimento pelo autor desse ónus inviabiliza o seu pedido de indemnização.
Aliás, o quantitativo relativo a quatro anuidades funciona apenas como limite máximo no cálculo da indemnização, que poderia ter, eventualmente, outro valor inferior.
Assim, não tendo o autor alegado os factos indispensáveis à fixação do quantum indemnizatório, não pode a ré ser condenada no pagamento da indemnização peticionada.
No caso sujeito, não tendo o autor alegado nem provado os factos indispensáveis à fixação do quantum indemnizatório em causa, não poderia a Ré ser condenada, como não foi, no pagamento da indemnização peticionada, pelo que bem foi absolvida do pedido.
Improcedem, desta sorte, as conclusões da alegação do recorrente.

IV – Pelo exposto, acordam em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
- Custas pelo recorrente.
Porto, 11 de Novembro de 2003
Durval dos Anjos Morais
Mário de Sousa Cruz
Augusto José Baptista Marques de Castilho