Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0541909
Nº Convencional: JTRP00037857
Relator: ISABEL PAIS MARTINS
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
Nº do Documento: RP200503300541909
Data do Acordão: 03/30/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: .
Sumário: A decisão que impõe a prisão preventiva, apesar de não ser definitiva, é intocável e imodificável enquanto subsistirem inalterados os pressupostos da sua aplicação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL (2.ª)
DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I

1. B....................., preventivamente preso à ordem do processo de inquérito n.º ...../02.2SMPRT (entretanto já remetido para julgamento encontrando-se o processo pendente, com o mesmo número, na 4.ª Vara Criminal do Porto), requereu, em 5 de Janeiro de 2005, ao Juiz de Instrução Criminal, a substituição da medida de coacção de prisão preventiva a que se encontrava sujeito por outra medida menos gravosa, nomeadamente, a obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância electrónica.
2. Sobre esse requerimento recaiu despacho de indeferimento do requerido.
3. Inconformado, o arguido interpôs recurso desse despacho e rematou a motivação com a formulação das seguintes conclusões:
«1 - O arguido encontra-se sujeito à medida de coacção de prisão preventiva desde 26 de Agosto de 2004.
«2 - Ora, a prisão preventiva é uma medida de excepção e só pode ser aplicada ou mantida se as finalidades que se pretendem atingir com as mesmas não puderem ser conseguidas com outras medidas mais favoráveis previstas na lei.
«3 - Diz o art.º 193.º /1 e 2 do CPP que as medidas de coacção e garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
«4 - A prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelem inadequadas ou insuficientes ou (sic) outras medidas de coacção e mediante as situações elencadas no artigo 204.º do CPP.
«5 - O art.º 193.º /1 e 2 (supre citado) é a explicitação, a nível de medidas de coacção no CPP, dos princípios constitucionais da adequação e da proporcionalidade consagradas no art.º 18.º, n.º 2, da Constituição.
«6 - O arguido em liberdade teria residência fixa em casa dos pais.
«7 - O arguido sempre trabalhou (mais de oito horas por dia) como assistente de saúde.
«8 - Por outro lado, assim que deu entrada no Estabelecimento Prisional, o arguido começou, de imediato, a trabalhar na Secção Eléctrica.
«9 - Afastou-se do mundo da toxicodependência (que a tão maus caminhos o conduziu), frequentando o Grupo de Abstinentes do Estabelecimento Prisional.
«10 - Denota, pois, o arguido firme vontade em não delinquir e, por outro lado, nada nos autos (actualmente) nos pode inculcar a ideia de que o possa fazer (querendo até, antes de mais, colaborar).
«11 - Estão, assim, afastados os pressupostos referidos nos pontos 4.º a 8.º desta peça.
«12 - Colocado em liberdade, o arguido não fugiria.
«13 - E o controlo da sua liberdade poderia ser feito através da Obrigação de Permanência na Habitação com recurso a Vigilância Electrónica (artigo 201.º do CPP e Lei n.º 122/99, de 20 de Agosto).
«14 - Não nos podemos esquecer que poder-se-ão fazer face a todos os perigos com o recurso à medida de coacção requerida pelo arguido B................ - Obrigação de Permanência na Habitação com recurso a Vigilância Electrónica -, uma vez que sujeito a tal medida, só violando a mesma, poder-se-á movimentar por forma a cometer eventuais ilícitos.
«15 - O arguido nunca esteve sujeito ao sistema de vigilância electrónica.
«16 - Afastado da toxicodependência (como já está) não violará a obrigação de permanência na habitação.
«17 - Assim, e porque a prisão preventiva só pode ser aplicada, como se disse, quando se revelem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção e garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente vierem a ser aplicadas (sic) (art.º 193.º / 1 e 2 do CPP), dever-se-á entender que o arguido deverá aguardar a ulterior tramitação processual com obrigação de permanência na habitação, com recurso à vigilância electrónica.
«18 - Nesta fase, e atento o seu esforçado e louvável percurso no Estabelecimento Prisional, seria adequado aplicar ao arguido uma medida de coacção (tendo, de qualquer forma, carácter detentivo).
«19 - A vida no seio de uma família estruturada e com valores, como é a sua, não é de todo incompatível com as exigências cautelares que o caso requer.
«20 - Não foi pedido pelo tribunal a quo qualquer relatório social, conforme foi expressamente requerido.
«21 - Assim, não poderá o tribunal ter conhecimento do percurso do arguido, nestes cinco meses, no interior do Estabelecimento Prisional e tomar uma decisão adequada.
«22 - Conclui-se que não se encontram preenchidos quaisquer dos requisitos previstos no artigo 204.º do C. P. Penal e que a decisão recorrida violou os artigos 28.º, n.º 2, da C. R. Portuguesa, artigos 193.º, 200.º, 201.º, 204.º e 212.º, todos do C. P. Penal, pelo que se deverá proceder à substituição da medida de coacção de prisão preventiva por outra medida menos gravosa, nomeadamente a Obrigação de Permanência na Habitação com recurso a Vigilância Electrónica (artigo 201.º do CPP e Lei n.º 122/99, de 20 de Agosto), caso o Relatório Social do IRS permita concluir que se reúnem as condições para tal, assim se fazendo JUSTIÇA.»
4. Admitido o recurso e efectuadas as legais notificações, respondeu o Ministério Público no sentido de lhe ser negado provimento.
5. Nesta instância, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto, sobre o mérito do recurso, apôs o seu visto.
6. Efectuado exame preliminar e colhidos os visto, realizou-se a conferência.
II

Cumpre decidir.
1. O recurso aos meios de coacção em processo penal respeita os princípios da legalidade, necessidade, adequação e proporcionalidade como emanação do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, contido no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição.
O artigo 191.º, n.º 1, do CPP, ao mesmo tempo que consagra o princípio da legalidade ou da tipicidade das medidas, afirma o princípio da sua necessidade ao estatuir que «a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar».
Os princípios constitucionais da excepcionalidade e da necessidade da prisão preventiva (artigos 27.º, n.º 3, e 28.º, n.º 2) conferem à mais gravosa das medidas de coacção uma natureza excepcional, não obrigatória e subsidiária, consagrada no n.º 2 do artigo 193.º do CPP.
Esta natureza significa que a aplicabilidade da prisão preventiva se restringe aos casos em que, verificados qualquer dos requisitos gerais do artigo 204.º e o requisito especial do artigo 202.º, ambos do CPP, as restantes medidas de coacção se mostram inadequadas ou insuficientes.
O juiz, face ao caso concreto, tem de decidir, em prudente critério, sobre a necessidade da prisão preventiva, impondo-se a «necessidade da injustiça de uma prisão antes do julgamento quando se mostrem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção, quando não baste a imposição ao arguido de outro tipo de restrições à sua liberdade ou à sua esfera jurídica» [João Castro e Sousa, «Os meios de coacção no novo Código de Processo Penal», Jornadas de Direito Processual Penal, Livraria Almedina, Coimbra, 1988, p. 152].
2. As medidas de coacção só devem manter-se enquanto necessárias para a realização dos fins processuais que, observados os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, legitimam a sua aplicação ao arguido e, por isso, devem ser revogadas ou substituídas por outras menos graves sempre que se verifique a insubsistência das circunstâncias que justificaram a sua aplicação ou uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua aplicação (artigo 212.º do CPP).
A revogação ou substituição pode ter lugar a requerimento do arguido, do Ministério Público ou oficiosamente (artigo 212.º, n.º 4).
Embora a revogação ou substituição das medidas de coacção possa/deva ter lugar oficiosamente e a todo o tempo, em consideração da natureza excepcional e subsidiária da prisão preventiva, constitucionalmente afirmada (artigo 28.º, n.º 2, da Constituição), o legislador impõe o reexame oficioso, de três em três meses, da subsistência dos pressupostos da prisão preventiva, decidindo então o juiz se ela é de manter ou deve ser substituída ou revogada (artigo 213.º do CPP).
O artigo 213.º, ao acentuar a oficiosidade e ao instituir a obrigatoriedade de reexame, com uma periodicidade trimestral, pelo juiz, dos pressupostos da prisão preventiva, impondo um controlo jurisdicional, especialmente aturado das exigências dessa medida em cada momento, atento o seu carácter de medida de coacção extrema [Gil Moreira dos Santos, O Direito Processual Penal, Edições Asa, 2002, p. 301], assume, claramente, uma finalidade de reforço das garantias de defesa do arguido.
Visa evitar a manutenção da privação da liberdade do arguido por inércia, nomeadamente do próprio arguido [Gil Moreira dos Santos, ob. e loc. cit., na nota 376 informa que o prazo de reapreciação é igual ao do direito alemão, mas só se o arguido não tiver advogado], não obstante o mecanismo de controlo constituído e garantido pelo artigo 212
3. Todavia, estando as medidas de coacção sujeitas à condição rebus sic stantibus, a substituição de uma medida de coacção por outra menos grave apenas se justifica quando se verifique uma atenuação das exigências cautelares que tenham determinado a sua aplicação.
Como tem sido entendimento constante, a decisão que impõe a prisão preventiva, apesar de não ser definitiva, é intocável e imodificável enquanto não se verificar uma alteração, em termos atenuativos, das circunstâncias que a fundamentaram, ou seja, enquanto subsistirem inalterados os pressupostos da sua aplicação.
4. Postos estes subsídios, passemos à análise particular do caso.
4.1. Muito embora este apenso de recurso se mostre deficientemente instruído, das peças processuais que contém pode extrair-se com a necessária segurança o seguinte:
O recorrente foi indiciado por vário crimes de furto, p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 1, alínea h), do Código Penal.
Por despacho de 30 de Julho de 2004 foi sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação [Decorre, até, da resposta do Ministério Público que o recorrente anteriormente tinha sido sujeito à obrigação de apresentações periódicas, por despacho de 13-09-2002 e que, por agravamento das exigências cautelares, é que lhe foi aplicada a obrigação de permanência na habitação.]

O recorrente violou essa medida, ausentando-se por diversas vezes, da residência, havendo indícios de que, nessas ausências, praticou crimes de furto. No interrogatório judicial a que foi submetido, no dia 25-08-20004, e que precedeu a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, o recorrente confessou que saiu, pelos menos quatro vezes da residência, nos dias 31 de Julho (tendo cometido um furto), nos dias 1 e 2 de Agosto (com a finalidade de cometer furtos) e no dia 23 de Agosto (com o propósito de ir ao TIC). No despacho que o sujeitou à medida de coacção de prisão preventiva, consta que o recorrente se ausentou da habitação, nos dias 31-07, 1-08 e 23-08, para perpetrar furtos, e que o IRS teve de fazer várias tentativas para conseguir contactar o recorrente.
No despacho que sujeitou o recorrente à medida de coacção de prisão preventiva ponderou-se, designadamente:
«Acontece que no caso concreto as exigências cautelares não se mostram asseguradas pois o arguido violou reiteradamente a medida de coacção que lhe foi imposta e o Instituto de Reinserção Social levanta reservas à colocação de pulseira electrónica no relatório.
«Acresce que o arguido ao praticar outros ilícitos criminais, veio reforçar a existência de real perigo de fuga e de continuação de actividade criminosa por parte do mesmo.»
Entendeu-se, por isso, ao abrigo dos «artigos 191.º a 196.º, 202.º, n.º 1, alínea a), 203.º, 204.º, alíneas a) e c) e 212.º, alínea b), todos do CPP» revogar a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação e sujeitar o recorrente à medida de coacção de prisão preventiva.
Este despacho transitou.
O despacho que recaiu sobre o requerimento apresentado pelo recorrente, no sentido da substituição da medida de coacção de prisão preventiva pela obrigação de permanência na habitação, com recurso a vigilância electrónica, fundamenta o indeferimento, nos termos seguintes:
«Com efeito, compulsados os autos, verifica-se que o arguido, enquanto esteve sujeito à obrigação de permanência na habitação, violou por diversas vezes tal medida, tendo sido essa a razão que levou à decretação da prisão preventiva.
«Assim, não existe alteração de pressupostos que levem a colocar, de novo, o arguido em casa, face até à gravidade dos crimes indiciados.»
4.2. Perante o quadro descrito, é manifesto que o despacho recorrido não merece censura.
Ao recorrente só veio a ser aplicada a medida de coacção de prisão preventiva após grave violação da obrigação de permanência na habitação e de um sensível agravamento das exigências cautelares, consubstanciado no facto de o recorrente ter violado a medida de coacção a que se encontrava sujeito, justamente, para prosseguir na prática de crimes da mesma natureza daqueles que tinham determinado a sua sujeição à obrigação de permanência na habitação.
O percurso do recorrente no meio prisional, que, afinal, é o único facto novo que o recorrente vem alegar, não conforma uma atenuação das exigências cautelares que determinaram que lhe fosse aplicada a medida de prisão preventiva. Afinal, o que é conhecido é que sem as limitações da detenção institucional o recorrente não foi capaz de manter uma conduta adequada à obrigação que lhe foi fixada e conforme ao direito.
O recorrente não foi capaz de cumprir a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação e não só não a cumpriu como ainda se ausentou da habitação para praticar furtos, revelando-se, por aí, a verificação, em concreto e com intensidade acrescida do perigo de continuação de actividade criminosa (artigo 204.º, alínea c), do CPP).
A alegada boa adaptação do recorrente ao sistema prisional, ainda que se aceite que pode revelar o empenhamento pessoal do recorrente na sua reinserção social, não conforma uma alteração fundamental da situação existente à data da decisão que determinou a sua submissão à medida de coacção de prisão preventiva. Ou seja, o comportamento prisional do recorrente não constitui um motivo superveniente que fundamente legalmente um nova tomada de posição.
Ora, sem se verificar uma alteração, em termos atenuativos, das circunstâncias que fundamentaram a sujeição do recorrente à medida de coacção de prisão preventiva, o despacho recorrido não podia deixar de acatar a decisão que impôs ao recorrente essa medida de coacção.
Não se verificando uma atenuação das exigências cautelares, no que toca ao requisito geral da alínea c) do artigo 204.º do CPP, que determinaram que o recorrente fosse sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, não se mostra fundada a sua pretensão, onde se manifesta a incongruência de reclamar a sua sujeição a uma medida de coacção e alegar que não se verificam os requisitos que autorizariam que lhe fosse aplicada [Não se encontrando preenchidos quaisquer dos requisitos previstos no artigo 204.º do CPP o recorrente apenas poderia ser sujeito à medida contida no artigo 196.º do CPP].
III

Termos em que, acordamos em negar provimento ao recurso, confirmando, nos termos expostos, o despacho recorrido.
Por ter decaído, vai o recorrente condenado em 3 UC de taxa de justiça.

Porto, 30 de Março de 2005
Isabel Celeste Alves Pais Martins
David Pinto Monteiro
Agostinho Tavares de Freitas