Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0755028
Nº Convencional: JTRP00040728
Relator: PAULO BRANDÃO
Descritores: ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Nº do Documento: RP200711050755028
Data do Acordão: 11/05/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 317 - FLS 226.
Área Temática: .
Sumário: A providência cautelar de arbitramento de reparação provisória não se aplica só nos casos de morte ou lesão corporal. Abrange também as situações provocadas por ilícito extracontratual, se o lesado ficar em situação de grave dificuldade de prover ao seu sustento ou habitação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Agravo nº 5028/07-5
Providência Cautelar de arbitramento de Reparação Provisória
.ª Vara Cível do Porto (.ª Secção)

Relator: Paulo Brandão
1º Adjunto: Juiza-Desembargadora Drª. Isoleta Costa
2º Adjunto: Juiz-Desembargador Dr. Abílio Costa
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

B………. deduziu a presente providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, a que alude os artºs 403º, nº 4, e 405º do Código de Processo Civil, contra o “C………., SA”, pedindo que fosse atribuída a seu favor a quantia mensal de 6.000,00 € até decisão final na acção declarativa a intentada contra a requerida.
Alegou em fundamento que por via de uma comunicação do Banco de Portugal veio a tomar conhecimento de um débito perante a requerida de 3.143,00 €, emergente de um crédito contraído pelo seu marido em 03.12.97, em incumprimento em 30.10.01, tendo casado com aquele sob o regime de separação de bens e do qual encontra-se separada desde 2001 e divorciada desde 15.02.02.
Não obstante as diligências desenvolvidas junto àquelas instituições, não logrou que fosse retirado o seu nome da lista dos clientes que oferecem risco do Banco de Portugal, situação que a impediu de abrir uma conta bancária e acarretou-lhe prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, decorrentes do malogro de uma empresa que deveria iniciar actividade em finais de 2005 e impedido a abertura de uma outra posteriormente, ficando doente, sem trabalho e impossibilitada de obter qualquer auxílio ou apoio social, de obter crédito, perdeu a sua viatura pessoal e da empresa bem a possibilidade de executar dois projectos, com repercussão na relação com filho e outros familiares, tendo sido difamada e enxovalhada por tal situação, estando privada de meios que lhe permitam fazer face às necessidades de subsistência e custear o apoio médico de que carece, que não podem ser satisfeitas com a necessária urgência na acção declarativa.
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Foi então proferido o despacho de fls 10, no qual o Sr. Juiz entendeu que a presente providência cautelar só é aplicável quando a acção principal vise a indemnização por morte ou lesão corporal (nº 1 do artº 403º do CPC), e uma vez que na acção principal reclama-se a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais de um alegado acto ilícito que não produziu qualquer morte ou lesão corporal, ocorre a nulidade do erro na forma do processo a que aludem os artºs 199º e 206º do CPC, absolvendo por isso o requerido da instância.
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Inconformada, veio a requerente a interpor o recurso de agravo, tendo apresentado as respectivas alegações depois de admitido, concluindo da seguinte maneira;
1. O douto despacho não faz a correcta aplicação do direito aos factos.
2. A sentença foi proferida tendo na sua base o facto da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória só se aplicar quando a acção principal visa a indemnização por morte ou lesão corporal, o que não corresponde à verdade.
3. Sucede, porém que o nº 4 do artº 403º do CPC admite que o direito de indemnização seja fundado em qualquer outro dano, desde que seja susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou a habitação do lesado.
4. É exactamente isso que acontece no caso concreto: O recorrido com a sua conduta causou grave dano à recorrente, dano esse que pôs seriamente em causa o sustento da recorrente, que acabou também por perder a sua casa, encontrando-se actualmente a viver de favor em casa dos pais.
5. O douto despacho recorrido, viola por errada interpretação a aplicação do disposto no artº 403º do CPC.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Juntos as peças processuais indicadas, foi proferido a fls 48 um despacho no qual declara o Sr. Juiz sustentar o anteriormente decidido.
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Corridos os vistos legais, cumpre-nos então apreciar e decidir, tendo em atenção que seremos balizados pelas respectivas conclusões das alegações, sem prejuízo naturalmente daquelas outras cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no disposto nos artºs 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, e 690º, todos do CPC (Código de Processo Civil)[1], diploma de que serão os demais preceitos mencionados sem indicação de origem.
A questão trazida pelo presente agravo e que importa dar resposta é a de saber se um lesado pode recorrer à providência cautelar de reparação provisória ainda que na acção principal de que depende e em relação à qual é instrumental, seja reclamada indemnização que não decorrente de acto que tenha causa a morte ou lesão corporal, tal como dispõe o artº 403º, nº 1, cujo teor é o seguinte:
“Como dependência da acção de indemnização fundada em morte ou lesão corporal, podem os lesados, bem como os titulares do direito a que se refere o nº 3 do artº 495º do Código Civil”, requerer o arbitramento de quantia certa sob a forma de renda mensal, como reparação provisória do dano”.
Este procedimento nominado foi criado pelo DL nº 329/A/95, de 12.12, e a ele referiu-se especificamente o legislador no respectivo preâmbulo nos seguintes termos, “quanto às providências cautelares especificadas … merece especial referência a instituição da inovadora providência de arbitramento de reparação provisória, ampliada em termos de abranger não apenas os casos em que se trata de reparar provisoriamente o dano decorrente de morte ou lesão corporal como também aqueles em que a pretensão indemnizatória se funde em dano susceptível de por seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado.”
Houve posteriormente uma alteração introduzida pelo DL nº 180/96, de 25.09, que tendo atingido um segmento do nº 2, é de todo irrelevante para a apreciação que agora nos propomos, sendo portanto de reter desde já que o legislador pretendeu conceder a tutela antecipatória através da presente providência cautelar às situações em que estando em causa um direito de indemnização do lesado estivesse ele numa situação de carência, sem portanto fazer qualquer distinção entre responsabilidade civil contratual ou extracontratual, a natureza ou origem do acto ilícito.
Pode pois o lesado obter o pagamento de uma renda mensal a título de reparação provisória até ao trânsito da decisão final, quando em consequência do facto ilícito tenha ocorrido a morte ou lesão corporal, ou ainda, quando tenha ocorrido dano susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou a habitação do lesado, sempre no pressuposto de colmatar uma situação de premente necessidade em que se encontre[2].
É nesse sentido que surge o nº 4 do mesmo artº 403º, que alarga essa tutela cautelar a outras pretensões indemnizatórias que não tenham subjacente a ocorrência de morte ou lesão corporal, e que dispõe por sua vez que;
“O disposto nos números anteriores é também aplicável aos casos em que a pretensão indemnizatória se funde em dano susceptível de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado.”
Podendo ser o dano causado pelo acto ilícito de qualquer natureza, contratual ou extracontratual, tendo havido morte ou lesão corporal pode ser objecto da reparação antecipada qualquer dano patrimonial, tratando-se de dano emergente de qualquer outro ilícito, só poderão ser atendidos aqui os suceptíveis de pôr seriamente em causa o sustento ou habitação do lesado, ou seja, “o nº 4 tem, em face em do nº 1, um âmbito de previsão simultaneamente mais amplo, no que respeita ao tipo de dano causado, e mais restrito, no que respeita ao tipo de necessidade a considerar”. [3]
Não fazia com efeito sentido fazer qualquer outra distinção perante o artº 381º, nº 1, que prevendo genericamente a tutela antecipatória sem restrições quanto à natureza ou origem, dispõe por seu lado que;
“Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.”
Assim, para além das situações asseguradas pelo nº 1 do artº 403º, podem ainda dela beneficiar os titulares do direito de indemnização que resulte de evento ilícito extracontratual, o qual, não afectando a vida ou a integridade física do lesado, o tenha deixado em situação de grave dificuldade de prover ao seu sustento ou habitação, bem como o evento que no âmbito de relação contratual, por incumprimento ou cumprimento defeituoso tenha afectado os mesmos bens fundamentais[4].
Não existe pois o erro na forma de processo apontado pela decisão anterior, sendo a adequada a escolhida pela agravante.
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Face ao exposto, acordam pois os Juízes que compõem a 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente o agravo deduzido, e, consequentemente, revogar o despacho proferido que deve ser substituído por outro que faça prosseguir a presente providência cautelar.
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Custas pela recorrente.
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Porto, 05 de Novembro de 2007
Paulo Neto da Silveira Brandão
Maria Isoleta de Almeida Costa
Abílio Sá Gonçalves Costa


[1] Cf. Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pg 358 e sgs; Aníbal de Castro, “Impugnação das Decisões Judiciais”, Petrony, 1981, pg 30; Manuel de Oliveira Leal Henriques, “Recursos Em Processo Civil”, Almedina, 1984, pg 28 e sgs
[2] Cf. José Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, pg 109; Ac. Rl Porto, Procº nº 0731630, de 03.05.07, cujo sumário atraiçoa a decisão; Procº nº 0555805, de 16.01.06.
[3] Cf. Lebre de Freitas ob. cit., pg 111; Célia S. Pereira “Arbitramento de Reparação Provisória”, pg 141, para quem a indemnização funda-se em danos ligados à vida e à integridade física e que o decretamento da providência visa satisfazer necessidades básicas, e por isso ela não podem rcorrer as pessoas colectivas.
[4] Cf. António Santos Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil - Procedimentos Cautelares Especificados”, IV Vol, 3ª ed., pg 154155; Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, pg 242.