Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0644697
Nº Convencional: JTRP00039833
Relator: PINTO MONTEIRO
Descritores: NULIDADE
ACUSAÇÃO
Nº do Documento: RP200612060644697
Data do Acordão: 12/06/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: .
Área Temática: .
Sumário: A nulidade prevista no nº 3 do artº 283 do CPP98 não é insanável.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

Inconformado com o despacho da senhora juíza de instrução criminal do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim que lhe rejeitou uma acusação com fundamento na sua nulidade, ordenando o arquivamento dos autos, dele recorreu o M.º P.º, tendo concluído a motivação nos termos seguintes:
1 – A nulidade em causa não é insanável, por não estar abrangida na enumeração taxativa do art.º 119.º do C. P. P..
2 – Por isso não pode ser declarada oficiosamente, mas apenas arguida nos termos do art.º 120.º do C. P. P..
3 – A decisão recorrida violou os arts. 119.º, 120.º e 283.º, n.º3, todos do C. P. P..
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Terminou pedindo a revogação do despacho recorrido e que, como consequência, os autos sigam os seus trâmites normais.
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Na 1.ª instância responderam os arguidos B………. e C………., pronunciando-se ambos pelo não provimento do recurso.
Neste tribunal, o Ex.mº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.
Cumprido o disposto no n.º2 do art. 417.º do C. P. Penal, não houve resposta.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
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Dos autos, com interesse para a decisão, constam os seguintes elementos: findo o inquérito, pelo M.º P.º foi deduzida acusação contra os arguidos acima identificados, na qual lhes imputou factos que qualificou como constituindo a prática de um crime de usurpação p.p. nos termos dos arts. 195.º e 197.º do Código do Direito de Autor, e do art. 10.º do D/L n.º39/88, de 6/2; pelo arguido C………. foi requerida a abertura de instrução, tendo alegado, em síntese, que o inquérito não contém indícios suficientes da prática de qualquer crime e, nomeadamente, que tenha cometido o crime que lhe foi imputado na acusação; finda a realização das diligências de prova requeridas, pela senhora juíza de instrução criminal foi proferida decisão instrutória na qual ordenou o arquivamento dos autos com o fundamento de que a acusação enferma da nulidade prevista na al. c) do n.º3 do art. 283.º do C. P. Penal
Assentou a decisão recorrida na circunstância de no art. 195.º do Código do Direito de Autor estarem tipificadas várias condutas consubstanciadoras do crime de usurpação imputado aos arguidos, mormente as previstas nos n.ºs 1, 2, als. a), b) e c), e 3, de os factos constantes da acusação não coincidirem na sua totalidade quanto a ambos os arguidos e na consideração de que a nulidade prevista na al c) do n.º3 do art. 283.º do C. P. Penal é de conhecimento oficioso.
Na motivação do recurso o M.º P.º concorda com o despacho recorrido na parte em que nele foi decidido que na acusação devia ter sido feita a indicação dos números e alíneas do art. 195.º do Código do Direito de Autor em que se enquadra a conduta de cada um dos arguidos. Do que discorda é do facto de, em tal despacho, ter sido decidido que a referida nulidade é de conhecimento oficioso.
Nos números 1, 2, als. a), b) e c), e 3, do art. 195.º do Código do Direito de Autor, estão descritas várias condutas, não coincidentes, todas elas integradoras do crime de usurpação. O M.º P.º devia, pois, na acusação, indicar em qual daqueles números ou alíneas se enquadra a actuação de cada um dos arguidos, o que não fez. Assim, embora na acusação se refira que os factos imputados aos arguidos integram a prática de um crime p.p. nos termos dos artigos 195.º e 197.º do Código do Direito de Autor, e do art. 10.º do D/L n.º39/88, dando-se formalmente cumprimento ao disposto na al. c) do n.º3 do art. 283.º do C. P. Penal, o certo é que, na prática, a referência a tais disposições legais é como se não existisse, impossibilitando assim os arguidos de fazerem uma defesa eficaz, por desconhecimento do número ou alínea em que se integram os factos que lhes foram imputados. A acusação enferma, assim, da nulidade prevista na al. c) do n.º3 do art. 283.º do C. P. Penal, facto com o qual, de forma implícita, o M.º P.º concorda.
Importa, pois, decidir se tal nulidade é insanável e, consequentemente, de conhecimento oficioso, ou se se trata de uma nulidade relativa, dependente de arguição.
Estabelece o n.º3, al. c), do art. 283.º do Código de Processo Penal, que a acusação contém, sob pena de nulidade, a indicação das disposições legais aplicáveis.
Não nos diz esta disposição legal se a nulidade nela prevista é absoluta ou relativa. Assim, para se decidir esta questão há que recorrer ao art. 119.º do mesmo código. Estabelece esta disposição legal que constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais (…). Tendo em conta a letra desta disposição legal e não cominando expressamente o art. 283.º do C. P. Penal a nulidade prevista na al. c) do seu número 3 como insanável, a conclusão que se retira da mesma só pode ser a de que se trata de uma nulidade relativa, dependente de arguição. Para além do mais porque se fosse intenção do legislador que tal nulidade devia ser insanável tê-lo-ia dito de forma expressa, como aconteceu, aliás, em relação a outras, nomeadamente à prevista no n.º1 do art. 321.º do mesmo código, o qual estabelece que “A audiência de julgamento é pública, sob pena de nulidade insanável (…). Não faria sentido que o legislador, cominando expressamente determinadas nulidades como insanáveis, não o fizesse expressamente em relação a outras se fosse sua intenção cominá-las também como insanáveis.
Como refere o Prof. Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, 2.ª edição, vol. II, págs. 74 e 75, “Se para que o acto possa ser declarado nulo é necessário que a lei expressamente comine a nulidade, também para que a nulidade seja considerada insanável importa que a lei expressamente o preveja.” E mais: Se a lei cominar simplesmente a nulidade, trata-se de nulidade dependente de arguição (relativa).
A nulidade prevista na al. c) do n.º3 do art. 283.º do C. P. Penal não é cominada expressamente como insanável nesta disposição legal nem em qualquer outra, tratando-se, portanto, de uma nulidade relativa, dependente de arguição.
No sentido de que a nulidade em causa não é insanável, Maia Gonçalves, no Código de Processo Penal Anotado, 9.ª edição, pág. 533, em anotação ao art. 283.º, segundo o qual “A nulidade, porém, não é insanável, pois não está abrangida na enumeração taxativa do art. 119.º. Assim, para que seja decretada, deve ser arguida, nos termos do art. 120.º”.
No mesmo sentido, Leal-Henriques e Simas Santos no Código de Processo Penal Anotado, 2.ª edição, vol. II, pág. 139, em anotação ao art. 283.º, segundo os quais “A acusação deve conter as indicações e obedecer às determinantes enunciadas nas várias alíneas do n.º3, sob pena de nulidade (sanável, e, portanto, sujeita à arguição – art.ºs 119.º e 120.º).”
A referida nulidade não foi invocada por qualquer dos arguidos ou pelo M.º P.º, tendo sido conhecida oficiosamente pela senhora juíza de instrução, quando, pelos fundamentos acima aduzidos, o não podia fazer.
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Deste modo, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que tenha em conta esta decisão.
Sem tributação.
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Porto, 06 de Dezembro de 2006
David Pinto Monteiro
José João Teixeira Coelho Vieira
António Gama Ferreira Ramos