Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0817271
Nº Convencional: JTRP00043324
Relator: JOAQUIM GOMES
Descritores: ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
Nº do Documento: RP201001060817271
Data do Acordão: 01/06/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 609 - FLS 200.
Área Temática: .
Sumário: I - No crime de abuso de confiança (art. 205º, 1 e 4 do CP) pretende-se tutelar a propriedade, mas a actuação tipificada deve revestir-se de dois momentos distintos: a entrega e um abuso da posse de outrem.
II - No crime de burla (artigos 217º, n.º 1 e 218º, 2, a) do CP) o bem jurídico tutelado é o património globalmente considerado, entendido este como qualquer bem, interesse ou direito economicamente relevante. A conduta deste crime deverá ser astuciosa de modo a induzir em erro ou enganar outra pessoa, podendo tanto consistir na afirmação de factos falsos, como numa simulação ou deturpação dos verdadeiros.
III - Se o arguido praticou factos que integram o crime de abuso de confiança e tais factos foram qualificados na sentença condenatória como um crime de burla, deverá a sentença ser revogada, por se tratar de uma alteração substancial, sem prejuízo do subsequente procedimento criminal que o MP venha a instaurar (art. 359º, 2 do CPP).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 7271.08-1
Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunta: Paula Guerreiro.

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.- RELATÓRIO

1. No PCC n.º 425/03.0TAOAZ do ..º Juízo Criminal do Tribunal de Oliveira de Azeméis, em que são:

Recorrentes/Arguidos: B………. e C………. .

Recorridos: Ministério Público.
Recorridos/Assistentes/Demandantes: D………. e E………. .



foi proferido acórdão em 2008/Mai./07 a fls. 1265-1315 que condenou ambos os arguidos pela prática, como autores materiais, de um crime de burla qualificada dos art. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. a) do Código Penal, sendo o arguido B………. numa pena de 6 anos de prisão e o arguido C………. numa pena de 4 anos de prisão, suspensa por igual período de 4 anos, mediante a condição de, nesse prazo, pagar aos assistentes a quantia de € 250.000.
2. Ambos os arguidos interpuseram recurso em que pugnam pela revogação deste acórdão e pela sua absolvição.
2.1 No recurso formulado pelo arguido C………. em 2008/Jun./03 a fls. 1323-1327V, o mesmo apresentou, em suam, as seguintes conclusões:
1.º) O Falecido F………. deu o dinheiro aqui em causa ao recorrente e ao seu filho B………., com a condição de consigo o utilizar, se necessário até à morte e ainda enquanto vivesse a G………. em Portugal, não se visionando porque foi desvalorizado o seu depoimento;
2.º) O tribunal não trouxe a G………. a depor nem os funcionários do H………., que o recorrente não conhece, sendo certo que era o arguido B………. quem, em exclusivo, tratava dos assuntos do F……….;
3.º) A prova testemunhal não permite a convicção do Tribunal de que o recorrente, de comum acordo com o seu filho e na sequência de um plano previamente combinado, disponibilizaram-se para auxiliar o F………. a gerir a sua fortuna e passaram a partir do início de 2001 a movimentar os seus valores, acabando por ficar com eles e usando-o em proveito próprio;
4.º) Pois as testemunhas não só nunca referem o C………. como tendo praticado qualquer crime, como também referem o contrário, nomeadamente a que é considerada pelo Tribunal de “credibilidade total”, o I………., isto é, o C………. nunca falou consigo sobre contas, era o B………. quem tratava de tudo o que se relacionava com a situação financeira do F……….;
5.º) Também não se pode dar como provado que os movimentos da conta do H………. de ………. foram, por ordem do recorrente, pois igualmente não há prova testemunhal que a tal se refira e os documentos não o relevam, não se sabendo inclusive como foi ordenado (se por escrito ou telefone, etc.) e por quem (tem de admitir-se até a co-titular G……….);
6.º) É contraditória essa prova com a consideração efectuada pelo tribunal recorrido de “pelo menos desde a entrada de F………. no Hospital ………. da Feira, pela primeira vez passou a ser o arguido B………. a tratar, EM EXCLUSIVO, dos assuntos bancários do F……….”;
7.º) Igualmente a contraprova de que a doença do F………. não era impeditiva de saber o que se passava não pode deixar de ser considerada face ao depoimento científico, objectivo e desinteressado do Dr. J……….;
8.º) Caso não se entenda que o recorrente seja absolvido, deve a pena ser a do limite mínimo da moldura penal;
9.º) E face à sua situação económica e social nunca a pena deve ser condicionada ao pagamento de tão avultada quantia (250.000 €), por lhe faltar razoabilidade na exigência, traduzindo-se em obrigação impossível e condenação em prisão efectiva, o que seria inconstitucional por violação dos art. 27.º, 32.º, 202.º e 205.º da C. Rep.;
10.º) Foram violados os art. 26.º, 40.º, 50.º, 51.º, 52.º, 53.º, 71.º, 217.º, 218.º, do Código Penal e os art. 124.º, 128.º, 410.º, do Código de Processo Penal e 27.º, 32.º e 205.º da C. Rep..
2.2 O arguido B………. apresentou o seu recurso em 2008/Jun./05, a fls. 1330-1402, onde reitera a pretensão, ainda que de uma forma enviesada[(1)], de ver conhecidos os recursos intercalares, formulando as conclusões que se resumem no seguinte:
1.º) O acórdão recorrido é nulo porquanto não contém um exame crítico da prova, faz meras referências genéricas e não, como se impunha, a competente motivação da matéria de facto assente, não revelando o caminho seguido para dar os factos como provados, não indicando o sentido das declarações dos vários intervenientes processuais, os motivos da sua valoração, não indicando quais os concretos meios de prova utilizados, não esclarecendo quais os concretos meios de prova que serviram para demonstrar os diferentes pontos da matéria de facto, não efectuando uma análise comparativa e crítica das diferentes provas (oral, documental) [1-4];
2.º) O acórdão recorrido parte de uma valoração negativa e meramente conclusiva dos depoimentos dos arguidos para daí tornar verosímil a tese da acusação, confundindo o princípio da livre apreciação da prova (127.º. C. P. P.) com uma apreciação arbitrária dessa mesma prova, não explicitando os esforços comuns dos arguidos no intuito de convencerem o F………. a entregar-lhes os montantes aí referidos nem de que forma os arguidos tinham o propósito de ludibriá-lo, acabando por condenar sem provas [5-10];
3.º) Desta forma inviabilizou-se qualquer sindicância que se queira efectuar à decisão final, violando-se os 32.º, n.º 1, 205.º, n.º 1, da C. Rep., art. 97.º, n.º 5, 127.º, 374.º, n.º 2 do C. P. P., conduzindo à nulidade do acórdão recorrido nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a) do C. P. P. [11];
4.º) Foram erradamente julgados como provados os pontos 2.1.1, 2.1.2, 2.1.3. 2.1.4, 2.1.5 e 2.1.6 da matéria de facto que deviam ter sido julgados como não provados [12-14];
5.º) O tribunal “a quo” impôs aos arguidos um dever de falar, valorando negativamente as suas declarações, apreciando prova que não é legalmente admissível, violando-se o art. 61.º, al. d), 133.º, n.º 1, al. a), 124.º, n.º 1, 125, 343.º, n.º 1 e 345.º, n.º 4, todos do C. P. P. [15-19];
6.º) Não foram correctamente valorados os documentos médicos de fls. 601 a 603, 701 a 713 nem os pareceres do Prof. Pinto da Costa de fls. 539 e 679, mesmo se comparados com o constante no Relatório de fls. 50 [20-21];
7.º) É inaceitável a fundamentação do tribunal “a quo” para desvalorizar por completo o depoimento da testemunha J………., constante no CD 1 (00:33:19) a (01:58:20), da audiência de 2008/02/14, médico no Hospital ………., que assistiu o referido F………. desde o seu internamento até à sua morte [22-23];
8.º) Todos os depoimentos das testemunhas da acusação e ainda os depoimentos dos assistentes impõem um julgamento diverso nos concretos pontos de facto assinalados, uma vez que não permitem a convicção positiva dos mesmos, para lá da dúvida razoável [24];
9.º) Dos demais factos impugnados não foi produzida qualquer prova em concreto, que de resto o tribunal não indica, limitando-se a presumir [25-30];
10.º) O depoimento da testemunha I………., com o documento de fls. 116 permite concluir que a transferência de 2001/Jul./31 do K………. de ……… para a conta de G………. para o H………. de ………. foi ordenada pelo F………. [31-32]
11.º) Deve merecer credibilidade o depoimento da testemunha J………., constante na cassete n.º 1, lado A (000-2425) e cassete n.º 1 lado B (000-1235), não podendo ser liminarmente desvalorizados os depoimentos das testemunhas de defesa, ofendendo-se o disposto nos art. 125.º, 127.º, 133.º, 140.º, n.º 3 e 340.º, do C. P. P. [33-37];
12.º) Há insuficiência para a decisão da matéria de facto (410.º, n.º 2, al. a) C. P. P.), quando da factualidade vertida na decisão verifica-se que faltaram elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição [38-39];
13.º) Existe uma contradição e erro na apreciação da prova quando se conclui na fundamentação dos factos provados que os assistentes e grande parte das testemunhas da acusação sabiam perfeitamente que o dinheiro estava nas mãos do arguido B………., como sempre lhes referiu F………. e se dá como provado que os arguidos urdiram um plano mediante o qual induziram em erro e enganaram o mesmo F………., no sentido de colocar o dinheiro nas suas mãos [40-41];
14.º) Os art. 97.º, n.º 5 e 374.º, n.º 2, ambos do C. P. P., violam o disposto no art. 205.º, n.º 1 da CRep. se interpretados no sentido de que, podendo a decisão conter uma exposição dos motivos, de facto e de direito, que a fundamentam, a mesma não contiver uma indicação e, sobretudo, um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, para além de eventuais elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, podem constituir o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num determinado sentido, não permitindo perceber os diversos e concretos meios de prova apresentados em audiência, consideradas analiticamente nas suas possíveis combinações [42];
15.º) E ainda se interpretados no sentido de tal fundamentação não impõe o dever de valorar os resultados do confronto entre afirmações probatórias;
16.º) O disposto nos art. 61.º, al. d), 124.º, n.º 1, 125.º, 133.º, n.º 1, al. a) e 140.º, n.º 3, todos do C. P. P. quando interpretados no sentido de que é permitido ao tribunal, partindo duma interpretação ou valoração negativa às declarações dos arguidos, não aceitar a sua versão sobre a forma como o dinheiro entrou na sua posse e concluir que se apresenta “…como mais verosímil o aproveitamento da doença de F……….”, na medida em que tal segmento normativo viola o princípio da presunção da inocência do arguido consagrado no art. 32.º, n.º 1, da C. Rep. [43];
17.º) O disposto no art. 340.º, n.º 1 do C. P. P. é inconstitucional quando interpretado no sentido de que o princípio geral aí consagrado de que o tribunal ordena oficiosamente a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, não impõe ao tribunal que ordene essa produção de prova, sobretudo quando o tribunal entende que o depoimento duma pessoa pode ser crucial para demonstrar a versão dos factos, considerando que no processo penal rege o princípio da verdade material e que, quando está em jogo a liberdade do cidadão cuja inocência é protegida constitucionalmente até ao trânsito em julgado da condenação, não há que impor entraves formais para evitar o erro judiciário, para evitar, por violador do disposto no art. 32.º, n.º 1 e 2 da C. Rep. [44];
18.º) O disposto no art. 127.º, do C. P. P. é inconstitucional quando interpretado no sentido de que o princípio da livre apreciação da prova não se encontra limitado normativamente por imposição constitucional, por força do princípio “in dubio pro reo”, que ordena que a dúvida razoável do tribunal sobre determinado facto seja valorada a favor do arguido e que no caso de dúvida razoável sobre eles, se considerem como provados os factos que lhe são favoráveis e como não provados os factos que lhe são desfavoráveis [45];
19.º) No caso em apreço não se deu como provado o elemento subjectivo do tipo: o dolo; nem o elemento objectivo: - existência de erro ou engano sobre os factos que o arguido tenha astuciosamente provocado [46-49, 51];
20.º) O Código Penal apenas incrimina a burla por acção e não por omissão [50]
21.º) O arguido não usou de qualquer astúcia nem invocou factos falsos a que tenha dado a aparência de verdadeiros nem alterou ou dissimulou os factos verdadeiros [51-53];
22.º) Dos autos não resulta que o F………. tenha sido induzido em erro e que tenha tomado uma coisa por outra ou qualquer procedimento astucioso por parte do arguido B………. para convencer o mesmo F………. a passar-lhe o dinheiro, não se verificando, por isso mesmo, o exigido duplo nexo de causalidade [54-56];
23.º) O acórdão recorrido ao condenar o recorrente com fundamento na convicção íntima do julgador e com base em meras conjunturas, sem qualquer suporte fáctico, ignorando a prova documental, atribuindo conclusão valorativa a depoimentos que não a suportam e desvalorizando depoimentos merecedores de credibilidade, inverteu as regras processuais penais relativamente à prova, impondo um verdadeiro ónus de prova aos arguidos, violando o princípio “in dubio pro reo” e o princípio da presunção da inocência [57-67];
24.º) E também ignorou o disposto no art. 340.º, do C. P. P. na medida em que perante as dúvidas que aí manifesta e entendo que o depoimento da G………. se poderia revelar essencial para a descoberta da verdade, deveria ordenar oficiosamente o seu depoimento [68];
25.º) A pena de seis anos de prisão a que o arguido B………. foi condenado, muito acima do limite mínimo é exagerada, sendo violadora do princípio da proporcionalidade, não se mostrando necessária para a protecção dos bens jurídicos violados, para além de não atender às necessidades de prevenção especial que são médias, dado que o arguido é primário e tem a sua vida estruturada, trabalho estável, família constituída, boa inserção na comunidade, sendo respeitador e respeitado [69-75];
26.º) Os assistentes não intervêm enquanto herdeiros e em representação da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de F………., sendo apenas esta que têm personalidade judiciária para defender os seus interesses patrimoniais, não tendo os demandantes legitimidade para o fazê-lo [76-78];
27.º) O tribunal devia ter conhecido oficiosamente desta excepção dilatória, pelo que ao não fazê-lo violou-se os art. 5.º, n.º 1, 6.º, al. a), 493.º, n.º 1, 2, 494.º, al. e) e 495.º, do C. P. C. [79.º, 80.º].
2.3 O arguido B………. por correio electrónico expedido em 2005/Dez./05 a fls. 563-578 interpôs recurso do despacho em 2005/Nov./21 a fls. 549-550 que, nos termos do art. 316.º, do C. P. P., indeferiu a indicação de novas testemunhas requeridas em 2005/Nov./10, a fls. 519-521, em virtude das mesmas não serem residentes na comarca e o arguido não se ter prontificado em apresentá-las.
Para o efeito e resumidamente apresentou as seguintes conclusões:
1.º) À data em que o arguido requereu a inquirição de mais cinco testemunhas por carta rogatória a enviar ao Brasil, ainda o tribunal não se tinha pronunciado pelo sobre a admissibilidade da inquirição da testemunha G……….;
2.º) O princípio da imediação e oralidade cede perante a necessidade e essencialidade do facto a apurar, sempre tendo em vista o apuramento da verdade material;
3.º) É manifesta a verificação cumulativa dos requisitos das três alíneas do art. 318.º, n.º 1 do C. P. P.;
4.º) Ao indeferir a inquirição de tais testemunhas por carta rogatória a enviar ao Brasil, resultou, na prática, a impossibilidade ou acrescida dificuldade do arguido provar o que alega na sua contestação, essencial à descoberta da verdade, praticando-se um acto nulo nos termos da segunda parte da al. d) do n.º 2, do art. 120.º do C. P. P.;
5.º) Violou-se assim o princípio da verdade material e o dever de fundamentação das decisões;
6.º) É materialmente inconstitucional o constante no art. 316.º, n.º 2 do C. P. P. interpretado no sentido de que, verificados todos os requisitos fixados pelos art. 230.º, 3e 318.º, do C. P. P. para expedição de carta rogatória e as novas testemunhas oferecidas residam fora da comarca, inclua-se as residentes no Brasil, por violação do art. 32.º, n.º 1 da C. Rep., ao consagrar-se que se asseguram todas as garantias de defesa, bem como o princípio da igualdade do art. 13.º, da C. Rep., por comparação com os meios de defesa do processo civil; o princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto no art. 20.º, n.º 4 e 5, para além da violação do art. 18.º, n.º 2 e 3, art. 202.º, 204.º e 205.º, n.º 1, todos da C. Rep.;
7.º) Violou-se ainda os art. 230.º, 315.º, 316.º e 318.º do C. P. P.
2.4 O arguido B………… por correio electrónico expedido em 2007/Jun./18, a fls. 908-930, interpôs recurso do despacho proferido em 2007/Jun./04 a fls. 882-884 que indeferiu a invocada nulidade em virtude do Colectivo ter uma composição distinta da audiência de 2005/Nov./21 a fls. 546 e s.., que não realizou a produção de qualquer prova, alegando em suma que:
1.º) É inconstitucional o art. 407.º, n.º 2 do C. P. P. quando interpretado no sentido de reter os recursos que invoquem nulidade por violação do princípio da plenitude da assistência dos julgadores;
2.º) Em processo penal vigora o princípio da plenitude da audiência por analogia com o art. 654.º, do C. P. Civil;
3.º) Dispõe o art. 122.º que as nulidade tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e afectarem.
2.5 O arguido B………. neste mesmo recurso impugnou a decisão que indeferiu a inquirição, por carta rogatória a expedir para o Brasil, da testemunha G………., por não se verificar o requisito enunciado no art. 318.º, n.º 1, al. c) do C. P. P., por não se vislumbrarem especiais dificuldades para a mesma deslocar-se a Portugal, por ter 40 anos de idade.
Para o efeito e em muito resumidamente concluiu que:
1.º) O princípio da imediação e oralidade cede perante a necessidade e essencialidade do facto a apurar, sempre tendo em vista o apuramento da verdade material;
2.º) É manifesta a verificação cumulativa dos requisitos das três alíneas do art. 318.º, n.º 1 do C. P. P.;
3.º) Ao indeferir a inquirição de tal testemunha por carta rogatória a enviar ao Brasil, resultou, na prática, a impossibilidade ou acrescida dificuldade do arguido provar o que alega na sua contestação, essencial à descoberta da verdade, praticando-se um acto nulo nos termos da segunda parte da al. d) do n.º 2, do art. 120.º do C. P. P.;
4.º) Violou-se assim o princípio da verdade material, da tutela jurisdional efectiva, as garantias de defesa em processo penal e o dever de fundamentação das decisões;
5.º) É materialmente inconstitucional o constante no art. 318.º, n.º 1, al. c) do C. P. P. interpretado no sentido de que não é de prever grave dificuldade ou inconveniente, quer funcional, quer pessoal, da deslocação de uma testemunha do Brasil a Portugal e de que assim não se verificam todos os requisitos fixados no art. 318.º, do C. P. P. para expedição de carta rogatória, por violação do art. 32.º, n.º 1 da C. Rep., ao consagrar-se que se asseguram todas as garantias de defesa, bem como o princípio da igualdade do art. 13.º, da C. Rep., por comparação com os meios de defesa do processo civil; o princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto no art. 20.º, n.º 4 e 5, para além da violação do art. 18.º, n.º 2 e 3, art. 202.º, 204.º e 205.º, n.º 1, todos da C. Rep.;
7.º) Violou-se ainda os art. 230.º, 315.º, 316.º e 318.º do C. P. P.
3. O Ministério Público respondeu em 2009/Jul./17, a fls. 1407-1418 e 1419-1456, sustentando:
3.1 Em relação ao recurso do arguido C………. sustenta que o mesmo deve ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, por não obedecer minimamente aos requisitos dos art. 412.º, n.º 3 e 4, do C. P. P., e no demais insurge-se que o acórdão recorrido não padeça de qualquer dos vícios do art. 410.º, n.º 2 do mesmo Código, para além de que a pena que foi fixada a este arguido mostra-se adequada e justa, não correspondendo a condição imposta para a sua suspensão a qualquer sacrifício, pois mostra-se equilibrada.
3.3 No que concerne ao recurso do arguido B………. pugna igualmente pela sua improcedência, na medida em que:
1.º) A exigência legal da fundamentação decisória não vai tão longe quanto o recorrente supõe ou pretende, bastando-se com o exame crítico dos próprios meios de prova, designadamente da sua razão de ciência e credibilidade por forma a explicitar o processo de convicção do tribunal, o que foi feito pelo acórdão recorrido, não sendo por isso o mesmo nulo;
2.º) As declarações prestadas pelo arguido em audiência podem ser livremente valoradas, seja positiva, seja negativamente, apenas o seu silêncio é que não pode prejudicá-lo (345.º, n.º 4; 141.º, n.º 5 e 344.º, todos do C. P. P.);
3.º) O recorrente ao impugnar a matéria de facto o que pretende é, ao contrário do que chega a afirmar, um novo julgamento de toda a matéria de facto;
4.º) Por outro lado, o recorrente não respeitou os requisitos enunciados no art. 412.º, n.º 3 e 4, do C. P. P., designadamente, não concretizou os locais onde, nos suportes técnicos da gravação, se encontram as provas, pelo que tal recurso deve ser rejeitado;
5.º) Quanto ao parecer do Prof. Pinto da Costa o que se infere é que o referido F………. não esteve ininterruptamente confuso e desorientado, nunca estando em causa a capacidade deste para gerir a sua pessoa e bens;
6.º) A testemunha Dr. J………., mesmo perante a evidência de alguns documentos por si subscritos, chegou a negar qualquer hipótese de confusão ou perturbação da mente do falecido F……….;
7.º) O recorrente não pode é ir ao inquérito “repescar” declarações de uma testemunha para, com elas, tentar abalar a convicção do tribunal;
8.º) O recorrente faz colagens cirúrgicas de depoimentos, como sucedeu com a testemunha I………., sem atender ao sentido global dos mesmos;
9.º) O recorrente ao invocar os vícios do art. 410.º, n.º 2 do C. P. P. não faz apelo ao texto da decisão recorrida mas à “matéria carreada para os autos, em contestação pelo arguido B………., e as suas declarações …”;
10.º) Não existe qualquer interpretação desconforme à Constituição;
11.º) No enquadramento jurídico-penal da sua conduta, o recorrente entre em considerações sobre a matéria de facto, o que não é admissível;
12.º) Não existe qualquer violação do princípio “in dubio pro reo”, pois este só deve ser aplicado numa situação de “non liquet”, pois esta dúvida não existiu, nem do princípio da presunção da inocência;
13.º) A pena de 6 anos de prisão que foi aplicada é adequada à culpa do recorrente e condizente com as necessidades de prevenção especial e, sobretudo, geral, de modo a concluir-se que o crime não compensa;
4. Os assistentes responderam mediante correio electrónico expedido em 2008/Jul./21 a fls. 1462-1485 e 1489-1511, sustentando igualmente a improcedência dos recursos.
4.1 No que concerne ao recurso do arguido B………. sustentaram em suma que:
1.º) O acórdão encontra-se motivado, tendo uma exposição tanto quanto possível, ainda que concisa dos motivos;
2.º) Não resulta das provas invocadas em recurso que o Colectivo devia ter julgado a factualidade de outro modo;
3.º) Inexiste qualquer das inconstitucionalidades invocadas;
4.º) A decisão recorrida é sage e justa, correspondendo ao mérito dos arguidos e às expectativas sociais.
4.2 Relativamente ao recurso do arguido C………., disseram resumidamente o seguinte:
1.º) O mesmo deve ser rejeitado por ser extemporâneo, pois ao não respeitar o disposto no art. 411.º, n.º 4, do C. P. P., uma vez que não teve por base a reapreciação da prova gravada, não pode beneficiar do prazo de 30 dias;
2.º) Resulta evidente das próprias declarações dos arguidos que os mesmos não conseguem sustentar uma afirmação coerente sobre a identidade do donatário;
3.º) As declarações dos arguidos ganham coerência com a restante prova documental, como os documentos do H………. de ………. de fls. 320, 321, 322, 323 e 325, onde se refere expressamente o nome do arguido C………., e testemunhal que foi produzida;
4.º) A falta de credibilidade da testemunha Dr. M………. está bem expressa no acórdão recorrido;
5.º) Não resulta que o arguido C………. esteja impossibilitado de satisfazer a condição que lhe foi imposta para suspender a pena de prisão a que foi condenado, porquanto o pagamento de € 250.000 pode muito bem ser retirado dos € 1.500.000 que fizeram seus;
4.3 Os assistentes por correio electrónico expedido em 2006/Jan./09, a fls. 640-649 responderam ao recurso do arguido B………. de 2005/Dez./05 a fls. 563-578, porquanto e em suma:
1.º) O recorrente sempre tinha que se prontificar as tais testemunhas em audiência, conforme dispõe o art. 316.º, n.º 2, do C. P. P., o que não fez;
2.º) O mesmo teria que indicar os factos ou circunstâncias sobre os quais deviriam recair as declarações (318.º, n.º 3 do C. P. P.), o que também não cumpriu;
3.º) Não deu o mínimo de consistência factual, face ao já adquirido nos autos, à totalidade dos requisitos do art. 318.º, n.º 1, al. b) do C. P. P.;
5. O Ministério Público nesta Relação emitiu parecer em 2008/Nov./28 a fls. 1558-1561, aderindo no essencial às respostas anteriores.
6. O arguido C………. replicou a esta parecer em 2009/Jan./06 a fls. 1565, invocando que o seu recurso foi tempestivo, não tendo qualquer obrigação na transcrição dos depoimentos testemunhais, tendo indicado a mesma, para além de que se alguma falta houvesse deveria ter sido convidado a aperfeiçoar as suas conclusões nos termos do art. 417.º, n.º 3, do C. P. P.
7. Foi proferido acórdão dando conta do sentido da alteração dos factos provados e que os mesmos eram susceptíveis de integrar um crime de abuso de confiança da previsão do art. 205.º, n.º 1 e n.º 4 do C. P., concedendo prazo para as defesas e as acusações responderem.
8. O arguido B………. respondeu em 2009/Mai./26 sustentando que se trata de uma alteração substancial, não dando o seu acordo à continuação do julgamento pelos novos factos e que, caso assim se entenda, se conceda um prazo de dez dias para apresentação de contestação e novos meios de prova.
9. Cumpriram-se os vistos legais, havendo que começar por conhecer da questão prévia da rejeição do recurso do arguido C………. .
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i) Questão prévia da extemporaneidade do recurso.
O Ministério Público, tanto no tribunal recorrido, como nesta Relação e os assistentes, suscitaram que não tendo o recorrente C………. se apoiado na prova gravada para impugnar a matéria de facto, não deve o mesmo beneficiar do prazo alargado contemplado no art. 411.º, n.º 4, do Código Processo Penal[(2)], sujeitando-se ao prazo geral do antecedente n.º 1, que é de 20 dias, pelo que o recurso em causa seria extemporâneo.
A concessão deste prazo de 30 dias resultou da Revisão de 2007[(3)], mediante a qual se ultrapassou, na prática, a jurisprudência fixada pelo Ac. Uniformizador do STJ de 2005/Out./11, segundo o qual “Quando o recorrente impugne a decisão em matéria de facto e as provas tenham sido gravadas, o recurso deve ser interposto no prazo de quinze dias, fixado no artigo 411º, nº 1 do Código de Processo Penal, não sendo subsidiariamente aplicável em processo penal o disposto no artigo 698º, nº 6 do Código de Processo Civil”.
Este último segmento normativo concedia um prazo suplementar de 10 dias ao prazo geral para interpor recurso ou para responder, quando estes tenham por objecto a reapreciação da prova gravada, o que sucede actualmente com o art. 685.º, n.º 7.
Muito embora seja discutível a opção legislativa de conceder um prazo diferenciado, consoante se impugne a matéria de direito ou a matéria de facto, mediante recurso aos depoimentos gravados, conduzindo muitas vezes a impugnações fictícias da factualidade, sendo antes preferível a existência de um prazo único,[(4)] o certo é que a lei fixou esse prazo distinto.
O fundamento deste diferenciação residirá na maior dificuldade temporal na impugnação da matéria de facto, quando esteja em causa a invocação da prova gravada, o que implica, como é óbvio, a disponibilização dos seus suportes áudio ou visuais, que será no prazo de 48 horas depois de requerido [101.º, n.º 3] e a sua subsequente audição ou visualização.
E isto porque preceitua-se um autêntico ónus de impugnação a que deve obedecer o reexame da matéria de facto, o qual encontra-se regulado no art. 412.º, n.º 3, que passa pela indicação dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados impugnados [a)], as concretas provas que impõe um julgamento distinto [b)] e as provas que devem ser renovadas [c)].
Mais se acrescenta no n.º 4 deste art. 412.º, que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.” – este último segmento normativo reporta-se ao consignado na acta quanto ao início e termo da gravação.
Será de referir que a identificação do que se encontra consignado em acta visa permitir que o tribunal de recurso tenha desde logo acesso à identificação da passagem do depoimento em causa, designadamente o momento da gravação magnetofónica ou audiovisual [364.º, n.º 1] em que a mesma ficou registada, de modo a ter-se uma percepção célere e imediata do que foi relatado por esse depoente.
Daí que a reforma do processo civil introduzida pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24/Ag. tenha sido mais feliz do que a do processo penal, ao aditar o art. 685.º-B, n.º 2, que na sua parte final estipula que “incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição”.
Aliás e segundo o n.º 4 deste mesmo art. 685.º-B, “Quando a gravação da audiência for efectuada através de meio que não permita a identificação precisa e separada dos depoimentos, as partes devem proceder às transcrições previstas nos números anteriores”.
Assim, torna-se claro que a par do disposto no citado art. 412.º, que impõe um preciso ónus de especificação das conclusões de recurso, tanto versando a matéria de direito [n.º 2], como a matéria de facto [n.º 3], nesta última existe ainda um ónus de discriminação das passagens de gravação, de modo que, com o primeiro, se perceba claramente qual o sentido das pretensões do recorrente e, com o segundo, se identifique a passagem da gravação do depoimento que se pretende fazer valer no reexame dos factos.
Porém, tal exigência legal não pode ser tão implacável ou inflexível que conduza a uma quase impossibilidade de recurso, o qual acabaria por redundar numa preterição do princípio constitucional de acesso ao direito, decorrente do art. 20.º, n.º 1 da C. Rep. – aí se alude que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
Diga-se, no entanto, que a Constituição da República não contém um preceito expresso, mediante o qual se consagre um intangível direito ao recurso.
O que se tem entendido, designadamente ao nível da jurisprudência do Tribunal Constitucional, é que o legislador não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer[(5)].
Porém, no que concerne ao arguido em processo penal e de modo a assegurar-lhe uma plena garantia de defesa, como se encontra consagrado, a partir da Lei Constitucional de 1/97, de 20/Set., no art. 32.º, n.º 1, parte final, deve-se-lhe garantir um efectivo direito ao recurso, mormente quando está em causa a sua condenação numa reacção penal.
Aliás, a CEDH, no seu Protocolo n.º 7, mediante o seu art. 2.º, n.º 1, veio estabelecer o comando geral que “Qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a sua declaração de culpabilidade ou condenação. …” – as excepções estão elencadas no subsequente n.º 2.
Daí que não sejam admissíveis, numa perspectiva dos direitos de defesa, as rejeições formais que limitem intoleravelmente[(6)], dificultem excessivamente[(7)], imponham entraves burocráticos[(8)] ou restringem desproporcionalmente tal direito.[(9)]
Por isso e em sede interpretativa do citado art. 412.º, n.º 2 e n.º 3, afigura-se-nos que está vedado um entendimento mediante o qual se fixem requisitos tão pesados e extensos que, na prática, suprimem esse direito de recurso, quando essa faculdade está legalmente prevista, mormente quando se pretende assegura de modo pleno as garantias de defesa do arguido.
Assim, quando se percebe efectivamente a norma tida por violada ou a matéria de facto impugnada, mediante uma remissão, expressa ou implícita, para o corpo das alegações ou quando a mesma esteja, de tal modo claro e sem margem para dúvidas, subjacente nas conclusões de recurso, devemos dar por cumprido o correspondente ónus de alegação e de formulação de conclusões.
Aliás, foi este o posicionamento que o STJ chegou já em tempos a consagrar no seu Acórdão de 2005/Jun./16.[(10)].
Convém também ter presente que as actuais gravações em CD identificam desde logo o início e o fim de quem presta o seu depoimento, mediante a identificação deste, sendo muito mais perceptível agora dar conta de quem presta o seu depoimento do que com as anteriores gravações em cassete.
Nesta conformidade, caso o recorrente junte com a motivação do recurso ou efectue nesta as transcrições dos depoimentos que sustentam a impugnação da matéria de facto, identificando o respectivo depoente, não carece o mesmo de referenciar as especificações constantes na acta de julgamento, porquanto a partir daquelas transcrições são perceptíveis as passagens da gravação, constantes da documentação da prova, em que se funda a sua impugnação.
Por isso, nestes casos não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento, por se tratar de acto manifestamente inútil [147.º, C. P. Civil] e muito menos à rejeição do seu recurso, por ser notoriamente desrazoável tal consequência.
O arguido C………. ao impugnar a matéria de facto na sua motivação identificou duas testemunhas de que se pretende fazer valer para o efeito (N……….; Dr. J……….), mas em relação a uma delas, mais concretamente a segunda, chega a identificar que o seu depoimento consta no CD 1, 00:33:19 a 01:58:20.
Assim e no que concerne a esta última testemunha e apenas esta, o recorrente teve o cuidado de precisar, por referência aos minutos, o registo da respectiva gravação, pelo que temos como cumprido o respectivo ónus de especificação imposto pelo art. 412.º, n.º 4.
Daqui também resulta que o mesmo suscitou o reexame da matéria de facto, mediante a reapreciação da prova gravada, sendo de indeferir a questão prévia suscitada.
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O objecto do recurso passa pelo conhecimento dos recursos intercalares [a)], tanto da inquirição das testemunhas por carta rogatória (i), como da preterição da constituição do Colectivo inicialmente constituído (ii), da nulidade do acórdão [b)], o reexame da matéria de facto [c)] e caso esta proceda se se trata ou não de uma alteração substancial [d)], da existência dos vícios do art. 410.º, n.º 2 [e)], das apontadas inconstitucionalidade [f)], da violação dos princípios “in dubio pro reo” e da presunção da inocência [g)], da medida da pena [f)] e do pedido cível [g)]
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II.- FUNDAMENTAÇÃO.
1.- O acórdão recorrido.
Na parte que aqui releva, transcrevem-se as seguintes passagens:
2.1. Os factos.
2.1.1. Os arguidos eram parentes de F………., falecido no dia 12/7/02.
No período entre 28/1 e 5/2/01, F………. esteve internado pela primeira vez no Hospital ………., em Santa Maria da Feira, por ter sido acometido de hemorragia digestiva alta, secundária a varizes esofágicas, devendo-se este quadro clínico a uma doença hepática crónica, cirrose hepática.
Em consequência desta doença, F………. passou a sofrer, a partir daquele período, perturbações do estado de consciência, interpretados pelos leigos como “desatino” e cientificamente como “encefalopatia Hepática”, ou seja, perturbação das funções superiores por acção tóxica da “amónia”.
A partir dessa altura, os arguidos, conhecedores do estado de saúde de F………. e da fortuna que aquele tinha conseguido poupar durante toda a sua vida, e que atingia cerca de um milhão e quinhentos mil euros, decidiram de comum acordo e na sequência de um plano previamente combinado, disponibilizar-se para o auxiliarem a gerir a fortuna, garantindo-lhe com isso que conseguiriam um rendimento superior àquele que antes era por si obtido.
Face a tal atitude e devido ao estado debilitado em que o falecido F………. se encontrava, este aceitou a ajuda que aqueles lhe ofereceram e, por isso, os arguidos passaram então, a partir do início do ano de 2001, a tomar conhecimento de todos os valores que aquele tinha depositados, passando a movimentá-los como bem entendiam, informando sempre F………. de que o seu património estava a ser bem investido e que não precisava por isso de se preocupar com esse assunto.
2.1.2. Na sequência desse plano, no dia 31/7/01, o arguido B………. convenceu o falecido F……… a transferir da conta nº …/….../….., que aquele possuía no K………. de ………., a quantia de USD 354.466,60 (81.108.276$00), para a conta nº …………, da agência de ……… do H………. a qual era titulada pelo arguido C………. e por G………., companheira do falecido, que foi aí creditada, a 8/8/01, sendo transferida no dia 28 do mesmo mês, por ordem do arguido C………., para a conta nº ………, do O………., a qual era igualmente titulada pelo arguido C………. e por G………. .
Ainda no mesmo dia 28, o arguido constituiu dois depósitos a prazo nessa conta com a referida quantia, sendo um de €41.011.875,00 e o outro de €40.096.400,00.
2.1.3. No dia 11/9/01, o arguido B………. solicitou ao falecido F………. que lhe assinasse e preenchesse o cheque com o nº ………, com o valor de 200.000.000$00, existentes em depósito a prazo que naquela data tinha o seu vencimento, na conta nº …/…../….., titulada pelo falecido F………. e pela filha D………., na agência de ………. do K……….., e depositou-o, em 12/9/01, na referida conta nº ………….., da agência de ………. do H………. .
No dia 14/9 do mesmo ano, o arguido C………., de comum acordo com o arguido B………., deu ordem para que transferissem aquela mesma quantia (200.482.000$00) para a conta nº ………, do O………., titulada pelo arguido C………. e por G………., tendo nessa mesma data constituído um depósito a prazo na referida conta com tal quantia.
2.1.4. No sentido de dar maior credibilidade à sua conduta, sabendo o arguido B………. que o falecido não conseguia discernir o valor real da nova moeda que tinha passado a circular no princípio do ano, o euro, no dia 30/11/01, transferiu €259.375,00 da conta nº ………….., da agência de ………. do H………., para a conta nº ……., que abriu em seu nome e no do falecido, na mesma agência de ………. do H………., de modo a demonstrar-lhe que aquele valor correspondia aos 200.000.000$00, acrescidos já de uma boa quantia correspondente a juros.
No mesmo dia, essa mesma quantia, €259.375,00, foi novamente transferida, por ordem do arguido B………., para a conta nº ………, do O………., titulada pelo falecido e pelo arguido B………., vindo depois, no dia 2/12/02, por ordem do arguido B………., a ser transferida a quantia de €250.000,00 para a conta nº ………, do O………., co-titulada por este arguido e pela mulher, e a quantia de €21.866,43 para a conta nº ………….., da agência de ………. do H………., igualmente titulada pelo arguido B………. e por P………. .
2.1.5. Os arguidos actuaram em comunhão de esforços, com o intuito de convencerem o falecido F………. a entregar-lhes todos os montantes acima referidos para que estes os aplicassem em títulos que lhe permitissem obter maior rentabilidade, acabando por ficar com o dinheiro em seu poder e usando-o em proveito próprio.
Ambos se aproveitaram da relação de confiança que criaram com falecido, assim como da doença de que aquele padecia, a qual o debilitava física e psicologicamente e agiram com o propósito de ludibriá-lo e levá-lo a entregar-lhes, como entregou, a quantia global de €1.404.566,38.
Mais sabiam ser as suas condutas proibidas e punidas por lei.
2.1.6. Mais se provou:
O arguido B………. conhecia o falecido F………. desde criança.
Já o pai deste, Q………., que também era conhecido por Q1………., era emigrante no Brasil.
Este Q………. faleceu e deixou como herdeiros sete filhos, entre os quais o F………. .
Era o arguido B………. e o seu pai, arguido C………., quem tratavam, em Portugal, dos assuntos relativos a Q………. .
Na sequência do falecimento de Q………., foi o arguido C………. que distribuiu o dinheiro que este havia deixado por entre os seus sete filhos, entre os quais o F……….. .
O F………. foi casado com S………. .
O casal teve dois filhos, os aqui assistentes D………., casada com T………., e E.........., casado com V………. .
A assistente D………. tem dois filhos, W………. e X………. .
A X………. é casada com Y………. .
S………. faleceu, há cerca de 9 anos (à data da contestação), em Portugal, vítima de doença cancerosa.
Nestes últimos dez anos (reportados à data da contestação), F………. passou grande parte do seu tempo em Portugal.
A esposa de F………. pretendia morrer, e ser sepultada, em Portugal.
Por força da sua doença, a S………. e o F………. vieram, vários meses antes do falecimento daquela, residir para Portugal.
Desde aí e até ao falecimento da S………., não mais voltaram ao Brasil.
O filho U………. não veio ao funeral da mãe.
Numa primeira fase, o casal viveu em casa própria que, para o efeito, tinham adquirido junto ao mercado de ………. .
Posteriormente, venderam-na e compraram um apartamento em Oliveira de Azeméis, no ………. .
Foi neste apartamento que S………. veio a falecer.
De 1996 e até ao seu falecimento, F………., apesar de se deslocar com regularidade ao Brasil, passou bastante mais tempo em Portugal do que no Brasil.
Quem no Brasil tratava de todos os negócios do F………., nomeadamente quando este se encontrava em Portugal, era um tal de Z………., que lidava com muito do dinheiro que o F………. tinha no Brasil.
O F………. tinha más relações com o genro AB………., com quem se incompatibilizou.
Corre, ou pelo menos correu, processo judicial de inventário, nº ………..-. na .ª Vara das Sucessões e Registos Públicos da Comarca do Recife, Brasil, relativo ao inventário aberto por morte da referida S………. .
Algum tempo após a morte da esposa, o F………. conheceu G………., de nacionalidade brasileira, com quem começou a viver em união de facto a partir, pelo menos, de fins de 1998.
Os filhos do F………. sabiam que este tinha passado a viver em união de facto com esta G………. .
Não havia qualquer contacto entre esta e os assistentes.
Os primeiros sintomas da cirrose hepática que afectava F………. ter-se-ão começado a manifestar quando este se encontrava no Brasil, já com a G………., entre 1999 e 2000.
Nessa altura, o F………. tinha dois veículos automóveis em Portugal: um Mercedes … descapotável e um Mercedes … .
Após o diagnóstico da doença o F………., porque no Brasil os exames que lhe foram sendo feitos não revelavam alterações significativas, decide vir morar e tratar-se em Portugal.
O arguido foi procurador do F……….
O F………., faz muitos anos, que confiava quer no arguido B………., quer no seu pai, o co-arguido C………. .
Fazia vários anos que era o arguido B………., ou seu pai, mas sobretudo o arguido B………., quem, em Portugal, tratava de muitos dos assuntos que ao F………. dissessem respeito.
O F………. vem, em fins de 2000, na sequência dos exames médicos feitos no Brasil, com a G………., viver para Portugal.
Numa fase inicial instalaram-se na casa do ………., em Oliveira de Azeméis, e já acima referida.
Nessa casa, e desde 1997, residia já o seu neto W………., que tinha vinda estudar para Portugal.
O neto W………., pouco tempo depois, desistiu de estudar, não tinha qualquer emprego, e vivia às custas do avô, que, em fins de 1998, inícios de 1999, decidiu cortar-lhe com tais benesses.
No entanto, e apesar disso, o neto W………. continuou a habitar o apartamento.
Este apartamento não tinha aquecimento central.
O F………., que chegara a Portugal em finais de 2000, no Inverno, começa a queixar-se que sentia o apartamento muito frio, e pensou, por tal motivo, vender o apartamento.
Como necessitava do consentimento dos filhos, por força do óbito de S………., sua mulher, contactou coma filha D………., para o Brasil, no sentido de esta autorizar a venda, tendo-lhe manifestado que, após isso, compraria dois: uma para ele habitar com a G………. e outro, mais pequeno, para o W………. .
A filha não concordou.
F………. ficou agastado com a decisão da filha.
Nesta altura que o F………. pede duas coisas ao arguido B……….: uma que inicie diligências no sentido de comprar um apartamento, que iria ser colocado em nome da G………., e para onde, ambos iriam passar a residir; outra, que inicie, com a maior celeridade possível todo o processo necessário à regularização e legalização da G………. em Portugal.
Em 28/1/01, o arguido B………. recebeu uma comunicação por parte da G………. relativa ao estado de saúde do F………. .
É o arguido B………. que transporta o F………., a quem tratava por tio, para o Hospital de ………., em Santa Maria da Feira.
Chegados ao Hospital de ………., e após análises a F………., este foi transferido para o Hospital de ………., no Porto, tendo regressado, pouco depois, para o de Santa Maria da Feira.
Aí iria ficar internado.
F………. pretendia ficar nesse Hospital e num quarto privado.
Para o efeito foi fornecido como seu endereço na Feira o da testemunha I…….... .
Na Segunda-feira seguinte o F………. é transferido para um quarto privado no referido Hospital da Feira, onde esteve até 5/2/01.
Após o que teve alta e veio para casa dos arguidos.
Desde aí em diante o F………., em Portugal, apenas foi acompanhado pelo médico Dr. J………., desse Hospital.
Deslocando-se a esse Hospital para consultas de rotina com o referido Dr. J………. e também em episódios de urgência relacionados com a doença de que padecia.
No Brasil, e entre outras contas bancárias, o F………. tinha a conta nº ….. na agência de ………. do “AC……….”, da qual era co-titular a G………. .
Em Portugal, e de acordo com as instruções que tinha recebido de F………., o arguido B………. começou a tratar da aquisição dum apartamento, em nome da G………., para onde aquele e esta fossem residir.
F………. acompanhou a escolha do apartamento, e opinou sobre a mesma, já que queria um apartamento com bom aquecimento.
Neste seguimento, foi celebrado o contrato-promessa e respectivo aditamento, de fls. 464 a 469, bem como a escritura de compra e venda de fls. 471, e emitidos pela empresa “AD………., Ldª”, figurando como subscritor o arguido B………., os cheques cujas cópias constam de fls. 469, 470 e 478, dando-se todos esses documentos aqui por integralmente reproduzidos.
A escritura de compra e venda foi celebrada no dia 27/3/01, no Cartório Notarial de Oliveira de Azeméis, a fls. 120 do Livro 85-E.
O F………. e a G………. passaram a habitar nesse apartamento.
A partir de fins de 2000, F………., quer do arguido B………., quer do arguido C………., começou a solicitar, cada vez com mais frequência, todo o tipo de ajuda, sendo que, muito tempo antes, o F………. se fazia acompanhar do arguido B………. algumas vezes.
F………. decidiu ir ao Brasil para, duma conta que aí tinha no “AC……….”, transferir esse dinheiro para Portugal.
Assim foi que, devidamente autorizado pelo médico, o F………., acompanhado da G………., deslocou-se, em 31/5/01, ao Brasil, onde esteve até 15/7/01, altura em que, sempre com a G………., regressa a Portugal.
No Brasil tratou de assuntos que tinha pendentes e transferiu, em três tranches, e da referida conta do “AC……….”, de que era co-titular com a G………., a quantia global de 354.466,60 USD, para a conta nº …/…../….., quantia que nunca teve aplicada financeiramente.
Os arguidos sempre souberam, até porque o F………. nunca lhes ocultou, das quantias em dinheiro que possuía em Portugal e dos métodos que utilizava para transferir tais quantias do Brasil para Portugal.
Aquando do regresso do Brasil para Portugal, em 15/7/01, e juntamente com o F………., a G………. trouxe consigo os seus dois filhos: um rapaz com cerca de 15 anos e uma rapariga com cerca de 10 anos.
Destes dois o rapaz, porque não se adaptou a Portugal, voltou pouco tempo depois para o Brasil.
A menina matriculou-se numa escola e ficou a estudar em Portugal.
O F………. volta ao Brasil, em 29/6/02, com a G………. .
Em 12/7/02, faleceu, após hospitalização nesse país.
Pelo menos desde a entrada de F………. no Hospital de ………., da Feira, pela primeira vez, passou a ser o arguido B……… a tratar, em exclusivo, dos assuntos bancários de F………. .
2.1.7. Provou-se também:
A favor do arguido B………. foram outorgadas pelos assistentes as procurações de fls. 6 a 8 dos autos, as quais aqui se consideram reproduzidas na íntegra, o que ocorreu após o falecimento de F………. .
Os assistentes sabiam que o seu pai era possuidor de várias centenas de milhares de contos, para cima de um milhão e quinhentos mil euros, grande parte investida em Off Shore, por intermédio de bancos portugueses, de uma colecção de moedas em ouro, viaturas automóveis e etc.
Quando falaram ao arguido B………. nisto, nomeadamente no dinheiro e nas moedas de ouro, este disse-lhes que estivessem descansados, que estava a tratar de tudo, mas que demoraria bastante tempo, por causa da burocracia vigente em Portugal.
Confiando nele, os assistentes mantiveram-se convictos da veracidade das suas afirmações durante bastante tempo.
De vez em quando faziam perguntas, mas acreditavam na história da burocracia, das Finanças, do Banco de Portugal, etc.
Até que, em 2003, começaram a insistir pela apresentação de documentos e a estranhar a atitude evasiva e recalcitrante do arguido B………. .
Ao mesmo tempo, começaram também a aperceber-se de que o arguido B………., industrial de calçado, dava sinais bem evidentes de ter superado, de um momento para o outro, a crise em que estivera afundado nos últimos temos, tendo ampliado a fábrica e adquirido carros novos.
Sabendo os assistentes, através dos arguidos, pelas suas lamúrias, e por este ou aquele conhecido ou familiar comum, através de comentários incidentais, a situação de dificuldade em que o arguido B………. se encontrava.
Realizada a Habilitação de Herdeiros, confiada ao arguido B………, apenas em 5/2/03, e por muita insistência dos assistentes, estes começaram à procura de extractos das contas do pai, tendo descoberto que o arguido B………. os fizera desaparecer todos.
Começando a aperceber-se de que as intenções do demandando não seriam as melhores, os assistentes passaram a exigir-lhes a apresentação dos documentos e a prestação de contas.
Nessa altura, o arguido B………. recusou-se a apresentar quaisquer extractos de conta, disse que o dinheiro do pai dos assistentes estava em contas conjuntas com ele e que, por isso, o dinheiro lhe pertencia por lei, que por bondade, e apenas por isso, estava na disposição de dar a cada um deles cerca de €100.000,00, mas, como os tinha aplicado, teriam de o reembolsar das despesas do levantamento antecipado, que a colecção de moedas em ouro já não existia, pois que o pai deles a tinha derretido.
Depois disto, o arguido B………. acabou por entregar a cada um deles a quantia de noventa e poucos mil euros.
O que sucedeu porque os assistentes, tendo descoberto um extracto da conta nº …/…../….., sobre o K………. de ………., de onde, em 3/8/01, haviam sido sacados 354.466,60 USD, o confrontaram com o dito extracto, tendo aqueles cento e pouco mil euros, com a dedução supra referida, sido o resultado de uma divisão por três dos referidos dólares.
A partir daqui, o arguido B………. foi prometendo que lhes ia dar mais algum dinheiro, para os tentar manter calados.
Ao mesmo tempo que, com esse mesmo objectivo, os ameaçava do pagamento de mais 40% de impostos se dissessem ou fizessem alguma coisa, no processo de imposto sucessório que ele próprio e exclusivamente tratara, na qualidade de procurador dos assistentes.
Com esta actuação os arguidos causaram aos assistentes danos iguais às quantias de que se apropriaram e respectivos rendimentos financeiros de que os assistentes disporiam caso as tivessem na sua posse.
2.1.8. Está ainda provado:
O arguido B………. é casado, empresário do ramo do calçado, sendo bem conceituado na zona em que reside e tido como pessoa séria.
Não tem antecedentes criminais.
O arguido C………. é casado, reformado, é bem conceituado na zona em que vive e tido como pessoa séria.
Não tem antecedentes criminais.

Factos não provados.
Não se provou:
Que, aquando da vinda de S………. e F………. para Portugal já era diminuto, ou praticamente inexistente o relacionamento entre o casal e os seus dois filhos;
Que o casal raramente falava nos seus filhos e, quando o faziam, era apenas no sentido de lamentarem a falta de sorte que tinham tido com os filhos;
Que quando se deslocava ao Brasil o F………. não ficava com qualquer um dos filhos;
Que, mesmo no Brasil raramente qualquer um dos seus filhos contactava com este;
Que o filho E………., que o pai soubesse, nunca tinha trabalhado, nem nunca exerceu qualquer profissão ou actividade que lhe proporcionasse rendimentos;
Que tem, ou, pelo menos na altura, tinha, vários problemas, nomeadamente decorrentes da sua grande dependência do álcool.
Que F………. sempre achou que este filho não tinha grande capacidade ou competência para tratar de qualquer negócio dos muitos que tinha no Brasil;
Que o referido Z………. apenas estava autorizado pelo F………. a dar a “feira” aos filhos, isto é, a pagar-lhes as compras da semana no supermercado;
Que tinha igualmente autorização para pagar os estudos dos netos, o que regularmente, fazia;
Que F………. apelidasse o genro T………. de “cabra safado”;
Que entendia que o genro, o que por várias vezes afirmou, o tinha roubado em negócios que tinha com ele no Brasil, nomeadamente relativos à exploração conjunta de umas bombas de gasolina;
Que F………. chegou mesmo a referir que tinha razão quando “obrigou” a sua filha a casar com separação de bens, sendo por isso até que eram raros, muito raros, mesmo no Brasil, mas sobretudo aquando do F………. em Portugal, qualquer contacto deste com a filha;
Que, desde que se incompatibilizou, definitivamente, com o genro T………., que o F………. deixou de contar com os filhos, ou de quem lhes fosse próximo, mesmo no Brasil, relativamente aos seus negócios;
Que para isso apenas confiava no já referido Z……….;
Que, aquando do diagnóstico da doença de F………. o seu genro T………. tenha andado a informar-se no sentido de saber o que era necessário fazer para que tais veículos fossem enviados de Portugal para o Brasil;
Que o F………., que referia sempre que os filhos “valiam pouco” e o genro era “um cabra safado” (expressões que era frequente serem ouvidas da boca do F……….) chegou a admitir que iria conseguir fazer do neto W………. “um homem”;
Que, por isso, o incentivou a vir estudar para Portugal;
Que, passado cerca de meio ano, o F………. apercebeu-se, e comentava com frequência, que “nem o neto W………. ia lá”, uma vez que tinha conhecimento que o neto era pouco aplicado nos estudos, levantava-se normalmente, muito tarde, e só andava em noitadas;
Que, após recusa da filha em vender o apartamento em que o pai residiu com a mãe, começassem a ser cada vez mais frequentes as referências pouco elogiosas e pouco abonatórias do F………. em relação aos filhos;
Que, após a alta do Hospital da Feira, F………. continue a fazer a sua vida diária como até aí, sem qualquer sinal de desatino, continuando a fazer a sua vida normal e diária com a G………., regendo sozinho a sua vida, e socorrendo-se do arguido B………. quando entendia;
Que, após 5/2/01, continuou a conduzir veículos automóveis, seja sozinho ou acompanhado da G………. e continuou a tratar dos seus negócios no Brasil, nomeadamente por contactos telefónicos que manteve com o referido Z……….;
Que o F………. queria que o apartamento ficasse em nome da G………., porque, dessa forma, contribuía para a sua legalização em Portugal;
Que o arguido B………. tenha pago através de cheques seus o sinal acordado para a compra do apartamento para a G………., a quantia acordada pagar pela compra do mesmo, os emolumentos Notariais devidos pela realização da escritura, a Sisa respectiva e o recheio dessa habitação;
Que a cópia, dita de uma fotografia, de fls. 480 tenha sido tirada, em 1995, na inauguração do AE………., em Oliveira de Azeméis, para que o F………. fora convidado, e no que fez questão que o arguido B………. o acompanhasse;
Que F………. tenha transferido o dinheiro que estava depositado no “AC……….”, no Brasil, no sentido de ajudar à legalização da G………. em Portugal;
Que o acima referido apartamento, o F……… queria que ficasse em nome do arguido B………., uma vez que, no futuro, iria ficar com ele;
Que foi o arguido B………. que sugeriu a F………. que ficasse em nome da G………. para facilitar a sua legalização;
Que, após o regresso do Brasil, F………. referiu ao arguido B……… que lhe dava, a si e ao seu pai, o dinheiro que tinha cá em Portugal;
Que lhe impôs como condição que, ambos, tinham de tratar dele até à sua morte, bem como da G………. enquanto esta vivesse cá em Portugal, tanto mais que, no Brasil, já lhe teria, ou iria deixar, rendimentos suficientes a acautelar o futuro desta;
Que o F………., conduzindo o seu carro, e após 15/7/01, várias vezes foi buscar a filha da G………. à escola;
Que, após o seu regresso do Brasil, em Julho de 2001, o F………. sempre referiu que tinha dado todo o dinheiro que tinha em Portugal aos arguidos;
Que o F………. deu conhecimento desta sua decisão a, pelo menos, algumas pessoas;
Que a I………., do K………., lhe referiu que daí em diante quem trataria de tudo relacionado com o dinheiro que até aí tivera depositado, passava a ser o “B1……….”) arguido B……….);
Que o que toda a gente sabia e toda a gente dizia, na terra do F………, ………., é que o “velho” tinha dado o seu dinheiro ao “B2……….”;
Que na sequência do acima decidido, o arguido B………. comunicou ao F………. que iria proceder à abertura de uma conta, onde apareceria a G………., por forma a que esta, com uma declaração do banco em como tinha cartão de crédito, cheques, e que, daí, auferia rendimentos, mais facilmente conseguia uma autorização de residência desta em Portugal;
Que o arguido B………., nesta altura, e visando transferir todo o dinheiro, contacta a administração do H……….;
Que na sequência desses contactos, foi o Vice-Presidente deste banco, Dr. AF………., quem sugeriu ao arguido que abrisse tal conta no H……… de ……….;
Que ninguém teria necessidade de se deslocar a ………., uma vez que seria o gerente dessa agência, um tal AG………., que o arguido B………. nem conhecia, quem se deslocaria a Oliveira de Azeméis e, junto dos interessados, trataria de tudo o que fosse necessário;
Que as condições que eram oferecidas pelo H………. eram bastante mais favoráveis do que as que podiam ser oferecidas pelo K……….;
Que tenha sido neste descrito contexto que F………. ordenou a transferência a que se reportam os documentos de fls. 116 e 117 dos autos;
Que foi solicitação e no interesse do arguido B………. que o arguido C……… acedeu a figurar como co-titular dessa conta do H………. de ……….;
Que a transferência de 11/9/01, do K………. de ………. para o H………. de ………., só aconteceu nessa altura porque, ao contrário da vontade do F………. o arguido B………. lhe disse ser preferível esperar pelo vencimento da aplicação financeira que dele tinha sido efectuada;
Que o cheque nº ………, no valor de 200.000.000$00 foi preenchido e assinado pelo F………. em sua casa, na presença do AG………., a quem o F………. o entregou para levar para a agência do H………., em ………., para ser depositado na respectiva conta nº …………..;
Que o F………. esteve sempre ao corrente de tudo;
Que antes da deslocação de 29/6/02, ao Brasil, o F………. disse, por várias vezes, a pessoas que lhe eram próximas, que, entre outras coisas, ia fazer um testamento, e que neste iria privilegiar não só o arguido B………., a quem iria deixar mais bens no Brasil, como o referido Z………., a quem dizia, iria deixar, como rendimento, as rendas da exploração das bombas de gasolina que lá possuía;
Que referia ainda que nesse testamento também iria beneficiar uma governanta de uma das suas casas no Brasil;
Que, no Brasil, após a morte de F………., os assistentes tenham obrigado a G………. a repartir com eles o dinheiro que existia nas contas conjuntas que esta detinha com aquele;
Que, em relação à governanta, e contra o que era vontade do pai, avançaram para Tribunal e deixaram-na sem nada;
Que foi o arguido B………. que tratou de tudo relativo ao funeral de F……….;
Que os assistentes sempre souberam que p pai tinha dado o dinheiro que tinha em Portugal ao arguido B………. e ao seu pai;
Que sabiam que apesar de existirem dinheiros em contas abertas também no nome do pai, como era o caso dos cerca de €64.000,00 que existiam na conta do AE………., que o pai tinha dado tal dinheiro ao arguido, e que F………. apenas não tinha passado um cheque ao arguido B………. com tal quantia porque fora este arguido quem lhe dissera para só o fazer em Setembro de 2002, quando se vencia a sua aplicação financeira;
Que apenas para evitar qualquer problema, o arguido B………. anuiu a repartir tais quantias pelos assistentes.

Motivação.
A convicção do Tribunal, formada com base na livre apreciação da prova e tendo presente as regras da experiência de vida, alicerçou-se na apreciação crítica e conjugada dos seguintes meios de prova:
Declarações dos arguidos.
Os arguidos sustentaram na audiência basicamente a versão dos factos que o arguido B………. carreou para os autos na sua longa contestação.
E que se resume a isto: o falecido F………. deu-lhes o dinheiro em causa porque não gostava dos filhos nem dos netos.
Por isto, e só por isto, e mediante mera doação verbal, colocou-lhes nas mãos quase um milhão e meio de euros.
Esta versão, que não era impossível de acontecer, veio a mostrar-se eivada de contradições, lacunas, omissões, lapsos de memória e desfasamentos com a normal realidade das coisas.
Assim sucedendo, por um lado, porque a prova da acusação demonstrou os factos provados e contrariou aqueles que estão dados por não provados, por outro lado, a proba da defesa mostrou-se tendenciosa, equívoca, muito próxima dos arguidos e dos seus núcleos de interesses empresariais e sociais e mostrou estar a faltar à verdade em muitos aspectos.
De reter que, em todos esses depoimentos, o foco principal consistia em dizer que ouviram o falecido F………. dizer que o dinheiro era para o “B2……….”.
O que sucedia em “churrascadas”, nos escritórios da fábrica dos arguidos, enfim, por tudo e por nada.
É consabido que as pessoas que dispõem de avultadas quantias em dinheiro, por norma, não fazem muito alarde disso, acrescendo que não se revela muito compaginável com uma real doação desse dinheiro que o doador andasse por todo o lado a apregoar a doação que tinha feito.
Aos mais próximos ainda se compreende, agora a tudo o que passava pela fábrica ou pelas “churrascadas” em casa dos arguidos já é menos concertável com o normal das coisas.
E não nos podemos esquecer que o Tribunal aprecia estes factos à luz da normalidade das coisas em apreço, isto é, levando em conta que o normal numa doação tão avultada, existindo herdeiros legitimários, é existir a sua formalização quer Notarial, quer, ao menos, num documento assinado.
Já nos parece completamente fora das regras da experiência, a menos que nos tivesse sido demonstrado o contrário, que não foi, o despojamento de alguém que tem uma vida toda de trabalho e a finaliza dispondo de tão grossa quantia a favor de pessoas, como os próprios arguidos dizem apenas tratavam de questões administrativas.
Tanto mais que o falecido F………. mantinha uma relação afectiva com G………. e com a qual, o que nos mostra o seu carácter rigoroso e de quem trata das coisas de modo formal, celebrou um pacto concubinário.
Mais depressa o Tribunal perceberia que tivesse sido esta a destinatária de todo o dinheiro em causa.
Viveu algum tempo com F………., dele tratava e cuidava, supõe-se, e acompanhou-o até à hora da morte.
Ao invés, apresentam-se como beneficiários dessa pseudo doação os arguidos, argumentando ao mesmo tempo que nem procuradores eram de F………. e que o apoiavam de uma forma desinteressada e meramente material, nada lhe dando emocionalmente.
Como se pode perceber tão farta recompensa por tão desinteressada e mínima ajuda dos arguidos? Alguém no seu perfeito juízo abre mão de uma quantia tal para agraciar outrem que tão pouco e irrelevantes serviços prestou?
São dúvidas que se colocam não sobre a matéria da acusação, caso em que se resolviam a favor dos arguidos, mas sim em relação à versão que estes trazem ao Tribunal e com a qual pretendem convencê-lo de que houve uma legítima doação.
Versão essa que se contradiz ente os dois arguidos e entre estes e a versão da contestação.
A título meramente exemplificativo traga-se à colação a forma como o arguido B………. decide aplicar o dinheiro no H………. de ………. .
Na contestação diz que contactou a administração do H………., na audiência disse que foi contactado por essa administração.
É que o tempo vai passando e as versões vacilando.
E são os pequenos pormenores que fazem a diferença quando se analisa a coerência das declarações, porquanto o grosso da versão é sempre por norma mantida.
Depois diz que o H………. não tinha agência nesta zona, quando é público e notório que esta instituição teve a sua génese com investidores de Aveiro Norte (Feira, S. J. da Madeira, Oliveira de Azeméis, etc.) e agências abertas, também nos seus primórdios, em S. J. da Madeira.
Porquê a distância de Seia? Outra dúvida das muitas que se colocam na versão dos arguidos, mas que se desfaz se pensarmos –e é legítimo ao Tribunal valer-se de presunções judiciais na apreciação da prova- que a esta distância não existiriam comentários sobre a repentina fortuna dos arguidos.
Repare-se que estes nem se deram ao incómodo de trazer a testemunhar o Dr. AF………. e o AG………., do H………., que explicariam ao Tribunal, supomos, porque o dinheiro foi para tão longe.
E já que estamos em sede de dúvidas não podemos deixar de trazer outra a esta motivação, qual seja a de saber porque não diligenciaram os arguidos pela presença de G………. na audiência.
Seria um elemento de prova crucial para a versão que os arguidos trazem a este Tribunal.
Ao invés, escudaram-se teimosamente na sua inquirição por Carta Rogatória, mas pela qual não insistiram enquanto o processo esteve à espera de uma fantástica e impensável videoconferência para o Brasil.
Destas lacunas, insuficiências e ilógicas explicações dos arguidos resultou que o Tribunal não aceite a sua versão sobre a forma como o dinheiro entrou na sua posse, apresentando-se como mais verosímil o aproveitamento da doença de F………. para criar à volta dele uma relação que levou ao abrir mão do dinheiro por parte daquele.
Mas se atentarmos nessas declarações com mais pormenor, não deixamos de evidenciar incongruências e contradições nas mesmas.
O arguido C………. disse que o F………. lhe deu o dinheiro, a ele C………, para tratar dele enquanto fosse vivo, sendo que o resto ficava para o “B2……….”.
Depois diz que era co-titular doa conta do “O……….”, mas que o dinheiro –e não se trata de sobras do dinheiro gasto com F……….- era do “B2……….”.
Sendo ele o destinatário da doação era suposto que soubesse porque é que o dinheiro estava em seu nome.
Ora o arguido C………. respondeu que o “B2……….” é que sabe porque era eu co-titular da conta.
Mais à frente diz que o F………. é que lhe dissera que o dinheiro era do B………. .
Também declarou que a G………. recebeu dinheiro desses depósitos.
No prosseguir das suas declarações vem a dizer que o F………. deu ao B………. o dinheiro quando mudou a conta de Ovar para Seia.
Ainda no decurso das suas declarações afirma que o dinheiro foi dado “à gente os dois”.
Para acabar por dizer que o dinheiro foi dado ao B………. .
Ou seja, o arguido C……… não foi capaz de sustentar uma versão escorreita, clara, límpida e inequívoca sobre a proveniência e destino do dinheiro, como seria de supor em quem o tivesse recebido cristalinamente por doação.
A própria afirmação de que a G………. também recebeu algum desse dinheiro levanta dúvidas sobre o destino que esse dinheiro teve.
Era para cuidar do F………. ou para repartir entre os arguidos e ainda a G……… .
Disse ainda o arguido C………. que o dinheiro foi para o H……….-Seia porque o B………. conhecia o gerente.
Afirmação desmentida pelas declarações do arguido B………., que disse ter sido contactado pelo Dr. AF………., do H………., para colocar o dinheiro em Seia porque não havia balcão em Oliveira de Azeméis (e não haveria mais perto?).
De igual modo o arguido B………. deixa várias perguntas no ar quanto às suas declarações.
Desde logo porque diz que o dinheiro lhe foi dado só a ele e para tratar do F………., o que sobrasse seria para o arguido.
Se os próprios arguidos afirmam que o F……… estava na plena posse das suas faculdades, que tinha casa própria, conduzia, vivia com uma mulher bem mais jovem, de que cuidados é que necessitava para pôr todo esse dinheiro na mão de terceiros.
Ele próprio faria a sua gestão e providenciaria pelo que necessitasse.
Reafirma este arguido que a administração do H………. tomou a iniciativa de o contactar, mas, pergunta-se, como é que souberam que o arguido era detentor de tanto dinheiro para investir.
Não foi dada explicação para isso.
Por outro lado, o arguido B……… diz que o seu tio(?) lhe doou todo o dinheiro que tinha em Portugal.
Sendo assim, porque andou o arguido a repartir dinheiro com os assistentes.
Se o dinheiro é dele não tem que o repartir com ninguém, a menos que se sentisse na obrigação moral (?) de o fazer ou para evitar problemas (como diz na sua contestação).
Ainda no âmbito das suas declarações, e sobre o modo como o dinheiro veio parar às suas mãos, o arguido diz que o dinheiro foi dado a si e ao seu pai; depois, que F………. sempre falou no seu nome quando se reportava ao dinheiro (“a mim dizia-me que era para mim”), e, por fim, que o dinheiro lhe tinha sido dado “tendo o meu tio consciência de que ele também seria usado em benefício do meu pai”.
São evidentes e flagrantes contradições que tiram à versão dos arguidos a credibilidade que lhe pretendem dar sobre a forma como entraram na posse do dinheiro.
Também não é coerente e compreensível que F……… estivesse bem do seu estado de consciência e fizesse uma vida normal e, depois de sair do Hospital, tenha estado em casa dos arguidos alguns meses.
Porquê isso se tinha casa e uma mulher capaz de cuidar dele.
Só no contexto de uma pretensão de criar junto de F………. uma envolvimento de aproximação e acarinhamento é que se pode compreender essa estadia.
Objectivamente, nada a justifica.
Acresce que o arguido B……… diz que distribuiu €259.357,00 pelos assistentes e pela G………., dividindo-o pelos três.
Se o dinheiro lhe tinha sido dado com o encargo de tratar de F………., porque andou a reparti-lo pelos demais, G………. incluída (esta não era herdeira).
Lapidar na apreciação da actuação dos arguidos é a afirmação peremptória de que o dinheiro já não existe.
Têm os arguidos que ser muito esbanjadores para dissipar (delapidar) uma tão grande quantia em tão pouco tempo.
Como é que um homem ciente do que era seu, como era F………., daria o seu dinheiro a quem o gastou tão rapidamente e, aparentemente, segundo dizem os arguidos, continuando com a vida que antes tinham.
Na versão dos arguidos, F………. não queria dar o dinheiro aos filhos porque estes só estavam à espera disso para o esbanjar.
Afinal não logrou dar-lhe melhor destino ao, supostamente, tê-lo doado aos arguidos.
Esta é também mais uma incongruência das declarações dos arguidos que, à luz das regras da experiência e de um critério de normalidade das coisas, não tem acolhimento por parte do Tribunal.
Outra contradição entre as versões dos arguidos, e relevante considerando que eles tinham de tratar de F………., é que o arguido B………. afirmou que o médico assistente do tio no ………. era português e o arguido C………. que ele era espanhol.
Se F………. estava aos cuidados dos arguidos, como afirmam (o dinheiro era para tratar do tio), esperava-se um conhecimento mais pormenorizado sobre o clínico (ou clínicos) que o tratava.
Diz também o arguido B………. que o pai nada tem a ver com o levantamento do dinheiro do K………., mas, pergunta-se, se o dinheiro era para ambos ele não devia ter uma palavra sobre o assunto, até porque tem mais uma filha a quem também poderia querer ajudar.
Ademais, se nada tem a ver com isso porque aparece a co-titular contas.
Em suma: as declarações dos arguidos não são convincentes para o Tribunal porque se mostram descontextualizadas de um critério de normalidade e as explicações dadas pelos arguidos evidenciam contradições e incoerências que mais as descridibilizam.

Declarações dos assistentes.
E………. e D………., filhos de F………. .
Para além disso, as declarações dos assistentes também contrariam as versões dos arguidos.
Assim, os assistentes, com declarações sinceras, inequívocas, sentidas e demonstrativas da realidade dos factos, depuseram acerca do relacionamento que tinham com o seu pai, de como este lhes disse que o arguido B………. estava a administrar dinheiros dele (F……….), mas nunca referindo que lho teria dado.
Pronunciaram-se também sobre o estado de saúde do pai, mormente nos últimos tempos de vida, os bens que este tinha, a repartição deles e o contacto que tiveram com os arguidos, após a morte do pai, principalmente com o arguido B………., e em que este dizia ter dinheiro do F………., mas ocultou os montantes que, alegadamente, lhe tinha sido doado.
Sintetizando: foram declarações esclarecedoras e preponderantes para a convicção do Tribunal.

Prova testemunhal.
Para além das declarações dos assistentes, o Tribunal também valorizou os depoimentos das testemunhas de acusação, os quais se revelaram conhecedores dos factos, rectos, claros, coerentes e críveis.
C………., sobrinho do falecido F………. .
Conhecia bem a pessoa do seu tio, contactou com ele muitas vezes e, da última vez que o tio foi ao Brasil, esteve com ele.
Y………., casado com a neta de F………., X………. .
Pelo seu relacionamento familiar com o avô da mulher tinha conhecimento da pessoa deste, assim como tinha conhecimento dos factos a que depôs, mormente a forma como F………. geria o seu património e o relacionamento que tinha com os arguidos.
Salientou que F………., no dia em que faleceu, disse que as “finanças” estavam com o B………., o que foi entendido como dizendo que este é que geria as aplicações financeiras de F………. .
X………., neta de F………. e casada com a testemunha Y………. .
Esteve com o avô na altura em que este foi para o Brasil e veio a falecer.
Descreveu o estado de saúde deste, o relacionamento com os bens materiais e o dinheiro, bem como afirmou, de forma indubitável, que o avô lhe disse, no dia anterior ao do falecimento, que o dinheiro que estava em Portugal estava a ser administrado pelo “B1……….”.
W………., filho da Assistente e neto de F………. .
Em 1998, veio para Portugal e ficou a residir com avô.
Em Setembro desse ano, o avô passou a viver com a G………. .
Depôs sobre o réu relacionamento com o avô e deste com os arguidos.
Negou que o dinheiro tivesse sido doado pelo avô aos arguidos até porque o avô dizia que aquele dinheiro “era uma reserva de família”.
Sabia que o avô procurava as melhores “taxas” para a remuneração dos capitais que investia.
Aludiu a que o dinheiro “estava na mão” do B1……… porque ele arranjava melhores taxas, não tendo existido qualquer doação do mesmo.
AH………., sobrinha de F………., a qual tem formação na área da psicologia e homeopatia.
Em 1989, veio do Brasil para Portugal e ficou a residir 4 meses em casa do tio.
Por essa proximidade conhecia bem o tio e descreveu-o como uma pessoa poupada e cuidadosa com os investimentos que fazia.
Negociava com o banco, na pessoa de I………., para ter aplicações financeiras vantajosas.
Disse ainda que, quando o tio começou a ficar doente, a G………. aproximou-se do arguido C………. e afastou o tio da testemunha, dificultando os contactos desta com o tio.
Caracterizou o tio como uma pessoa que nuca foi de dar, ilustrando esta afirmação com um empréstimo que o tio lhe fez e em que cobrou juros iguais aos da banca.
Três meses antes do tio ir para o Brasil, pela última vez, a testemunha esteve com ele tendo descrito o estado de saúde em que o encontrou.
T………., casado com a Assistente e genro de F………. .
Falou sobre o relacionamento que teve com o sogro, reconhecendo que não era bom.
Depôs também sobre a forma como aquele administrava os seus bens, a relação que tinha com os arguidos e o comportamento destes, principalmente do arguido B………., após o falecimento de F………. .
Referiu que o sogro lhes tinha, à testemunha e à esposa, que o arguido B………. estava administrando o dinheiro dele.
Depois da morte do sogro, contactou com os arguidos e, segundo a testemunha, o arguido C………. tirou o “corpo de fora”, dizendo que o “B1……….” é que sabia do dinheiro.
Reafirmou que, e momento algum, o sogro falou em dar dinheiro para alguém.
I………., actualmente assistente de direcção do K………., em Ovar.
Esta testemunha, por via da sua actividade de funcionário bancário, manteve com F………. um longo relacionamento, que se tornou também de amizade, conhecendo bem a personalidade de F………. e o seu perfil de investidor.
Por ser uma testemunha alheia à família de F………. e nada ter com os arguidos, sendo equidistante na causa, o seu depoimento teve um forte pendor na convicção do Tribunal e reforçou-a naquilo que os depoimentos anteriores já nos tinham convencido.
Podemos dizer que o seu depoimento, pela isenção e independência, veio dar confirmação aos depoimentos anteriores.
Não porque estes dela necessitasse, mas sim porque constitui um elemento de prova exterior à ligação familiar entre as testemunhas de acusação, o falecido F………. e os arguidos, tornando-se assim um depoimento de alto calibre e credibilidade total.
F………. tinha muita confiança na testemunha, ao ponto de ter transferido dinheiro para uma conta desta para a compra de um “Mercedes” para F………., o que veio a suceder.
Do que conhecia de F………. (e era muito) e do relacionamento que teve com o arguido B………., que já conhecia desde que esteve na agência de ………., a testemunha sempre viu o arguido B………. como gestor do dinheiro e não como seu dono, até porque nem o F………. lhe disse que tinha dado o dinheiro ao B………., nem este disse que o tinha recebido em doação.
AJ………., actualmente, director do K………. e, ao tempo, gerente do balcão de Ovar.
Conheceu o falecido F………. e chegou a vir a casa dele, acompanhado da testemunha I………., para tratar de assuntos do banco.
Nessa altura, até acabaram por falar de questões da vida pessoal de F………. .
Pronunciou-se sobre o perfil de investidor de F………. dizendo que este “dar por dar, não dava”, e teve sempre o arguido B………. –com quem teve contactos ligados a eventuais aplicações do dinheiro do F………..- como alguém que ajudava este a gerir as suas aplicações, o que sucederia por razões de saúde de F………. .
AI………., amigo de F………., que conheceu em 1995/1996.
Como a testemunha tinha uma loja de instrumentos musicais e F………. gostava muito de música, tocando até piano, criaram uma boa relação de amizade.
Caracterizou a personalidade de F………., o seu gosto pela música, gastronomia e família.
Os últimos contactos com F………. ocorreram cerca de um ano antes da morte deste.
Nessa altura, F………. já falava pausadamente e deslocava-se com dificuldade.
AK………., casado com uma sobrinha de F………., filha de uma irmã deste, de nome AL………. .
Conhecia F………. e chegou a ir a casa deste visitá-lo.
Não conviveu com este na fase em que ele esteve doente.
AM………., genro de AN……….., sendo este irmão de F………. .
Vive em frente aos arguidos.
Conhecia F………., tendo convivido muito com ele enquanto era viva S………., mulher dele.
Considerou que F………. tinha um relacionamento normal com a família e que anormal foi o que aconteceu.

No que concerne à prova testemunhal apresentada pela Defesa cabe-nos salientar o seguinte:
O presente julgamento é o caso paradigmático em que a imediação do julgador com a prova da Defesa foi fundamental para avaliar da credibilidade desta.
A postura na audiência, os gestos, o tom de voz, os trejeitos corporais, as inflexões, hesitações, dúvidas, confusões, teimosias em determinados factos, tudo isso constitui um acervo de sinais que o julgador capta e com os quais, dentro da baliza da avaliação legal da prova, forma a sua convicção.
Desse conjunto de circunstâncias exteriores, e que as testemunhas têm dificuldade em controlar por provirem, a mais das vezes, do seu inconsciente, é que o Tribunal pode colher se a testemunha está a trilhar o caminho da verdade ou, ao invés, entre pela via sinuosa da inverdade e da distorção de factos com vista a defender uma determinada versão, naturalmente, in casu, favorável aos arguidos.
E foi isso que sucedeu neste caso.
Submetidas a exaustivas inquirições, aliás como as testemunhas da Acusação, estas testemunhas deram sempre a perceber qual era o epicentro das suas declarações: o dinheiro havia sido dado.
E sabiam disso por ter ouvido nas mais diversas circunstâncias, em público e em privado, de dia e à noite, em chamadas de telemóvel em alta voz, declarações que apontavam para isso.
Daí que o Tribunal não tenha valorizado os núcleos dos seus depoimento e que eram a alegada doação do dinheiro em causa.
AO………., contabilista, presta serviços para a empresa do arguido B………., o que faz há cerca de 15 anos.
Desta testemunha só se aproveitou o momento de franqueza em que reconheceu que a empresa dos arguidos passou por dificuldades financeiras, antes de 1999, embora não explicasse como, em ambiente de recessão económica no sector do calçado, tenha recuperado a saúde económica.
AP………., comerciante do ramo do calçado, há cerca de 18 anos, sendo fornecedor do arguido B………. até 2004.
A postura da testemunha, o enfoque sempre na doação do dinheiro, os locais mais improváveis, como “churrascadas”, onde ouviu F………. dizer que tinha dado o dinheiro ao B………. e falta de coerência e sustentabilidade do seu depoimento, levaram-nos a não lhe atribuir qualquer credibilidade.
Dr. J………., médico do Hospital de ………., na Feira, e que tratou F………. .
Não pondo em causa a competência clínica desta testemunha, tanto mais que não veio na qualidade de perito na especialidade, o que é certo é que a testemunha foi tendenciosa, arrogante, teimosa na sua versão dos factos e colocou em causa a competência do clínico que subscreveu os documentos enviados pelo Hospital ………. .
Por estas razões, também não foi convincente no seu depoimento.
AQ………. e AS………., irmãos, amigos dos arguidos.
Os seus depoimentos foram parciais, até impertinentes, imbuídos do espírito da doação, e, por isso, não se revelaram credíveis.
AT………., amigo do arguido C………., há cerca de 30 anos, e do B………. há cerca de 20.
No essencial, abonou a favor dos arguidos.
AU………., amigo dos arguidos e vendedor da empresa que agira é do arguido B………. .
Teve um depoimento eivado de contradições, tortuoso, fortemente virado para a sustentação do enquadramento que os arguidos fazem dos factos e, em certos momentos, até cínico para com a pessoa dos Assistentes e demais família de F………. .
Por tudo isso, o Tribunal também não lhe confere credibilidade.
AV………., prima em segundo grau dos arguidos.
Depôs sobre o relacionamento dos arguidos com F………., no essencial e sobre as personalidades dos arguidos.
Sobre o destino do dinheiro nada sabia.
AW………., funcionária da Solicitadora AX……….. .
Nada de relevante trouxe para o apuramento da factualidade essencial à actuação dos arguidos.
AY………., de quem os arguidos são amigos e clientes.
Conhece o arguido C………. há cerca de 25/30 anos e o arguido B………. há cerca de 15 anos.
Abonou a favor dos arguidos.
AN………., irmão do falecido F………. .
Tem um depoimento mirabolante, inquinado pelas más relações que tinha com o irmão e que tem com os Assistentes, e a que não parecem escapar os arguidos.
A documentação junta aos autos acerca do seu envolvimento com a Justiça Brasileira e a concatenação do seu depoimento com os da Acusação, leva-nos a concluir que esta testemunha é destituída de qualquer credibilidade.

Prova documental.
O Tribunal valorizou também o acervo documental junto aos autos:
Procurações de fls. 6 a 8;
Habilitação de herdeiros de fls. 11;
Documentos bancários de fls. 14 a 23 (K………., H………., AZ………., BA……….); 62 a 65 (H……….); 67 e 68 (K……….); 90, 91, 95 e 96 (H……….); 115 a 117 e 122 (K……….); 137 a 141 (H……….); 147 a 209, 226 a 228 e 298 (AE……….); 212 a 217 (H………., conta de G……….); 257 e 259 (AZ……….); 258 (H……….); 268 a 285 (BA……….); 307, 312, 319, 320 e 325 (H……….); 526 a 529 e 552 (K……….); 1235 (BC……….);
Documentos médicos de fls. 50, 601 a 635 e 701 a 713;
Parecer do Prof. Pinto da Costa de fls. 539 e 679;
Pacto Concubinário de Incomunicabilidade de Bens e Obrigações celebrado entre F………. e G………., fls. 69 a 73;
Assento de Óbito de F………., fls. 74;
Cópia de contrato-promessa de fls. 464;
Cópias de cheques de fls. 469, 470 e 478;
Cópia de escritura de fls. 472;
Cópia de depósito de fls. 476;
Cópia de recibo notarial de fls. 477;
Cópia de pagamento de Sisa de fls. 479;
Cópia de fotografia de fls. 480;
Cópia da Certidão de Nascimento de G………. de fls. 878;
Contrato de prestação de serviços de advocacia (Brasil) celebrado com F………. e empresas deste e respectivas procurações, fls. 948 a 954;
Documentos de fls. 1111, 1112, e 1135 a 1151 e 1159 a 1162, respeitantes a processos na Justiça do Brasil envolvendo a testemunha AN………., terceiros e familiares, entre os quais os assistentes, documentos esses que abalam a isenção e credibilidade dessa testemunha;
Passaporte do falecido F………. de fls. 1236;

CRC`s:
Informações do registo criminal de fls. 330 e 331.
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2. - Os fundamentos do recurso.
a) Os recursos intercalares.
i) Inquirição das testemunhas por carta rogatória.
O recorrente B………. aquando da apresentação da sua contestação em 2005/Out./24, a fls. 448-463 requer a inquirição por carta rogatória de G………. invocando o seguinte:
“Testemunhas que se reputam essenciais à descoberta da verdade e cuja inquirição se requer, seja efectuada no Brasil, por carta rogatória, uma vez que são pessoas de idade e aí residentes ao abrigo do disposto no art. 318.º, n.ºm 1, al. a) e c) e n.º 7 do C. P. P, as quais deverão depor a todos os factos constantes, seja da douta acusação, seja à contestação à mesma, e aqui representada”.
O arguido foi convidado a apresentar certidão de nascimento desta testemunha ou informar que tal não lhe era possível, constando da certidão de fls. 878 que a referida G………. nasceu em 1970/Out./19.
O regime estabelecido no Código Processo Penal que disciplina a prova testemunhal, com particular nos seus art. 315.º, 316.º, 318.º, vai no sentido que a inquirição das testemunhas deve ser presencial, consagrando um apertado princípio da imediação na inquirição daquelas – como decorre do n.º 1 deste último preceito “Excepcionalmente, a tomada de declarações ao assistente, às partes civis, às testemunhas, a peritos ou a consultores técnicos pode, oficiosamente ou a requerimento, não ser prestada presencialmente, podendo ser solicitada pelo presidente ao juiz de outra comarca, por meio adequado de comunicação, nos termos do artigo 111.”
Só assim não será se se verificarem os seguintes requisitos que, face ao respectivo texto legal e ao invocado princípio da imediação, têm carácter cumulativo:
“a) Aquelas pessoas residirem fora do círculo judicial;
b) Não houver razões para crer que a sua presença na audiência é essencial à descoberta da verdade; e
c) Forem previsíveis graves dificuldades ou inconvenientes, funcionais ou pessoais, na sua deslocação.”
Constata-se assim que o Código Processo Penal não prevê expressamente o regime da inquirição das testemunhas residentes no estrangeiro, o que não significa que tal expediente rogatório não seja legalmente admissível através de tratados ou convenções internacionais, que reconheçam o auxílio judiciário mútuo em matéria penal, como sucede com o previsto na Lei n.º 144/99, de 31/Ago.
Para o efeito aplicam-se subsidiariamente e entre outras as disposições do Código Processo Penal [25.º, n.º 2], pelo que é aplicável a disciplina do citado art. 318.º, quanto à excepcionalidade da inquirição não presencial.
No caso de Portugal e Brasil dever-se-á atender particularmente ao Tratado de Auxílio Mútuo em matéria penal, aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 4/94, de 3 de Fevereiro e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 2/94, de 3 de Fevereiro.
No seu art. 8.º, preceitua-se no seu n.º 1 que “Se a Parte requerente pretender a comparência, no seu território, de uma pessoa como suspeito, arguido ou indiciado, testemunha ou perito, pode solicitar à Parte requerida o seu auxílio para tornar possível aquela comparência”, acrescentando-se no seu n.º 3 que “O pedido de cumprimento de uma convocação, nos termos do n.º 1 do presente artigo, indicará as remunerações e indemnizações e as despesas de viagem e de estada a conceder e será feito de forma a ser recebido até 50 dias antes da data em que a pessoa deva comparecer. Em caso de urgência, a Parte requerida pode renunciar à exigência deste prazo”.
O único fundamento invocado pelo arguido recorrente foi de que a testemunha G………. era uma “pessoa de idade”, certamente queria dizer-se avançada, quando se constatou que a mesma nasceu em 1970/Out./19, ou seja, em 2008 tinha 37 ou 38 anos, o que não se pode considerar uma pessoa de idade avançada.
Por outro lado, sempre o mesmo arguido tinha possibilidade de requerer a comparência dessa mesma testemunha para a sua inquirição presencial, não o tendo feito.
No que concerne ao aditamento das testemunhas regula-se no art. 316.º, n.º 2 que “Depois de apresentado o rol não podem oferecer-se novas testemunhas de fora da comarca, salvo se quem as oferecer se prontificar a apresentá-las na audiência”.
O recorrente não só se limitou a adicionar as testemunhas em causa, quando até na sua contestação fazia referências a “testemunhas” no plural e apenas, por razões que só o mesmo sabe, indicava só uma para rogar a sua inquirição, fazendo apenas referência a razões económicas, quando existem mecanismos legais para suprir essas eventuais insuficiências.
Isto significa que só pela sua conduta, designadamente pela indicação tardia de tais testemunhas, o mesmo ficou com o ónus de apresentá-las em audiência de julgamento.
Se tal sucedesse com a acusação o regime era o mesmo, pelo que não existe aqui qualquer violação do princípio constitucional da igualdade, não sendo de convocar qualquer outro regime adjectivo, porquanto o processo penal rege-se por regras autónomas e específicas.
Nesta conformidade em nenhuma destas duas decisões recorridas, foram postergados os invocados preceitos legais ou quaisquer garantias constitucionais que o mesmo aponta, designadamente as suas garantias de defesa, o princípio a uma tutela judicial efectiva ou qualquer princípio da igualdade, que aqui não sai minimamente beliscado.
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De resto, os recursos agora em apreço são manifestamente contra lei expressa, justificando-se a sua rejeição e a sanção prevista no art. 420.º, n.º 3, aplicando-se o mínimo legal a cada um dos recursos.
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b) Nulidade do julgamento por violação das regras de constituição do tribunal colectivo.
Estabelece o art. 32.º, n.º 9 da Constituição que “Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”.
Consagra-se assim o princípio do juiz natural ou legal, que tem igualmente aceitabilidade na Declaração Universal dos Direitos Humanos [art. 10.º], no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos [14.º] e na Convenção Europeia dos Direitos Humanos [6.º].
Este comando constitucional encontra-se relacionado com o exercício independente e imparcial da função jurisdicional [202.º, 203.º, C. Rep.] o que passa pela organização dos tribunais e pelo estatuto dos juízes, com particular incidência nas suas garantias de inamovibilidade [216.º, C. Rep.].
Através do mesmo pretende-se obstar que a organização dos tribunais fique sujeita a manipulações de conveniência extra-judicial, designadamente através da instauração de tribunais “ad hoc” ou de excepção, evitando-se que através de mudanças arbitrárias do órgão judicial ou da sua constituição se possa influir no resultado do processo, preservando-se ainda a confiança na administração da justiça [Ac. STJ de 1992/Fev./19, CJ (S) I/39].
Este direito fundamental ao juiz ordinário pré-determinado e garantido pela lei compreende tanto uma dimensão substancial, como uma dimensão formal[(11)].
Mediante a primeira acautela-se que as regras de competência e jurisdição estejam previamente fixadas antes do início do processo.
Através da segunda exige-se que essa determinação prévia esteja fixada por lei.
Por sua vez, a independência diz tanto respeito ao poder executivo como às partes [Ac. Van Hurk, de 1994/Abr./19, TEDH], bem como ao poder legislativo e a qualquer tipo de grupo de pressão [Ac. Demicoli, de 1991/Ago./27, TEDH].
Assim estará em causa a independência dos tribunais e a imparcialidade do juiz, se alguns destes for, respectivamente, instituído “post factum” ou designado arbitrariamente para o julgamento de uma causa, subtraindo esta ao tribunal ou ao juiz que estava inicialmente previsto como competente, mediante o correspondente desaforamento [Ac. STJ de 2008/Fev./04 e 2008/Dez./12 em www.dgsi.pt].
Daí que o princípio do juiz natural ou legal tenha igualmente reflexos na designação dos titulares dos respectivos tribunais e na repartição funcional da sua actividade, de modo a garantir a sua independência e imparcialidade.
Através da “pré-determinação legal” do juiz pretende-se ainda assegurar o princípio da plenitude da assistência dos juízes, com consagração no disposto no art. 654.º, n.º 1, do Código Processo Civil “ex vi” art. 4.º, do Código Processo Penal[(12)], impedindo que ocorra uma modificação orgânica ou funcional com incidência numa fase processual já iniciada e ainda não determinada.
Por outro lado, a infracção deste princípio constitucional do juiz natural ou legal tem que ser real e efectiva e não apenas meramente aparente.
No entanto o direito ao juiz natural ou legal não tem natureza absoluta, porquanto a própria lei estabelece excepções como sejam aquelas circunstâncias que impedem o juiz de exercer a sua função jurisdicional, de participar num certo processo [39.º e 40.º] ou que podem conduzir à sua recusa ou escusa [43.º].
Acresce ainda que com vista a obstar-se a dilações indevidas ou a adoptarem-se medidas desproporcionadas, o grau de infracção do juiz natural ou pré-determinado na lei gera consequências distintas, consoante a gravidade de tal violação.
Por sua vez, estabelece o art. 119.º, al. a) que “Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais”: “A falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição”.
A primeira parte desta disposição tinha correspondência com o art. 98.º, 7.º, do Código Processo Penal de 1929, tendo a segunda parte sido acrescentada pelo Código Processo Penal de 1987.
A propósito daquele art. 98.º, 7, entendia-se que este segmento normativo apenas dizia respeito ao número de juízes e jurados, mas já não à sua idoneidade ou às condições de imparcialidade, que são tratadas como incidentes de impedimento ou de suspeição[(13)].
Daí que se entenda, tanto antes como agora, que o que está em causa com o disposto no art. 119.º, al. a) é apenas e tão só a constituição do tribunal colectivo em conformidade com a lei de organização judiciária, designadamente com o preceituado no art. 105.º, da LOFTJ[(14)].
Aí se estabelece que o tribunal colectivo é composto por três juízes [n.º 1], sendo, em regra, constituído por dois juízes de circulo e pelo juiz do processo nos tribunais de comarca [n.º 2] ou então por juízes privativos no caso da existência de Varas [n.º 3], cabendo ao C.S.M. designar os juízes necessários nos restantes tribunais, com preferência pelos juízes privativos [n.º 5].
Por sua vez, também no Regulamento da então LOFTJ[(15)], precisa-se o modo de composição e funcionamento dos tribunais colectivos [art. 7.º], mais concretamente os casos em que o C. S. M. designava os juízes que constituiriam tais tribunais.
Os casos de competência do tribunal, incluindo a proibição de desaforamento [23.º, LOFTJ], como os de incompatibilidade absoluta ou relativa do exercício da função jurisdicional por parte de um dos juízes que integra um órgão colegial, como sucede com as situações de impedimento, recusa ou escusa, muito embora estejam relacionados com o princípio do juiz natural ou predeterminado na lei, são questões distintas ou colaterais à constituição do tribunal colectivo [Ac. STJ de 2006/Set./13, com destaque para este, 2008/Fev./04 e 2008/Dez./12, acessíveis em www.dgsi.pt]
Tanto é assim que a disciplina de cada uma destas excepções não só é distinta, como tem consequências igualmente díspares.
Nesta conformidade a infracção das regras de competência deve ser suscitada ou conhecida até ao trânsito em julgado da decisão final, seguindo-se a remessa do processo para o tribunal competente [32.º, 33.º].
A prática de actos por juiz impedido conduz à sua nulidade, sendo no entanto um vício sanável, por não integrar o catálogo taxativo das nulidades insanáveis [119.º], a suscitar no prazo de 10 dias a contar do momento em que o interessado tem conhecimento ou deveria ter dessa circunstância de impedimento do juiz [105.º] – Ac. S. T. J. 2008/Fev./04, divulgado em www.dgsi.pt.
Por sua vez, a recusa ou escusa do julgador deve ser suscitada até ao início da audiência, sob pena de preclusão dessa faculdade [44.º].
Apenas a violação das regras legais respeitantes à constituição do tribunal colectivo gera uma nulidade insanável [119.º].
No caso em apreço, podemos constatar que a audiência de julgamento, com tudo o que isso implica e com relevância para a produção de prova, só se iniciou com o Colectivo que a final deliberou e sentenciou sobre a culpa e condenação dos arguidos.
Assim, ver na audiência que foi presidida por um colega, o qual veio a ser entretanto promovido a esta Relação, que se limitou a indeferir uns requerimentos entretanto formulados e que até não chegou a indicar data para o início do julgamento, como se este se tivesse iniciado, é, com todo o respeito, destituído do mínimo dos mínimos dos fundamentos.
Também aqui impõe-se a rejeição liminar deste recurso e a respectiva sanção do art. 420.º, n.º 3, ainda que pelo mínimo legal.
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c) Nulidade da sentença.
Dispõe o art. 379.º, n.º 1, al. a) que “É nula a sentença que não contiver as menções referidas no art. 374.º, n.º 2 e 3, alínea b)”, aludindo-se, por sua vez, naquele primeiro segmento normativo que “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
O dever de fundamentar uma decisão judicial é uma decorrência, em primeiro lugar, do disposto no art. 205.º, n.º 1 da C. Rep., segundo o qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma previstas na lei”.
No entanto, tal dever de fundamentação, no âmbito do processo penal e na perspectiva do arguido, surge, igualmente, como uma das suas garantias constitucionais de defesa, expressas no art. 32.º, n.º 1, da C. Rep..
Tal implica que, ao proferir-se uma decisão judicial, se conheça as razões que a sustentam, de modo a se aferir se a mesma está fundada na lei.
É isso que decorre expressamente do disposto no art. 97.º, n.º 4 do Código Processo Penal, ao estabelecer que “Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.
Por isso essa exigência é, simultaneamente, um acto de transparência democrática do exercício da função jurisdicional, que a legitima, e das garantias de defesa, ambas com assento constitucional, de forma a se aferir da sua razoabilidade e a obstar a decisões arbitrárias[(16)].
Daí que a fundamentação de um acto decisório deva estar devidamente exteriorizada no respectivo texto, de modo que se perceba qual o seu sentido, sendo certo que no caso de uma sentença deve obedecer ainda aos requisitos formais enunciados no citado art. 374.º, n.º 2.
Tudo isto para se conhecer, ao fim e ao cabo, qual foi o efectivo juízo decisório em que se alicerçou o correspondente despacho, designadamente os factos que acolheu e a interpretação do direito que se perfilhou, permitindo o seu controlo pelos interessados e, se for caso disso, por uma instância jurisdicional distinta daquela.
Assim e à partida, não cumprem estes requisitos os actos decisórios que não tenham fundamento algum, por mínimo que seja, e aqueles que se revelem insuficientemente motivadas.
Porém, também não se deve exigir que no acto decisório fiquem exauridos todos os possíveis posicionamentos que se colocam a quem decide, esgotando todas as questões que lhe foram suscitadas ou que o pudessem ser.
O que importa é que a motivação seja necessariamente objectiva e clara, e suficientemente abrangente em relação às questões aí suscitadas, de modo que se perceba o raciocínio seguido.
Muitas vezes confunde-se motivação com prolixidade da fundamentação e esta apenas serve para confundir ou obnubilar a compreensibilidade que deve ser uma característica daquela.
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O Tribunal Constitucional Português tem sido ultimamente reiterando no sentido que ficou anteriormente alinhado.
Aliás, tratando-se de sentenças condenatórias, pelas particulares repercussões que as mesmas têm na esfera dos direitos, liberdades e garantias dos condenados, é exigível que se revelem com mais intensidade as razões de facto e de direito que conduziram à decisão concretamente proferida [Ac. 680/98, de 02/Dez.].
Nesta conformidade e por força da obrigatoriedade de motivação das resoluções judiciais, a livre convicção do julgador deve ser “objectivável e motivável”, não só revelando o respectivo exame crítico das provas, como promovendo a sua aceitabilidade [Ac. 320/97, 464/97; 546/98, de 23/Set.; 288/99, de 12/Mai.]
O julgador ao apreciar livremente a prova, mesmo com base nas regras de experiência, e ao procurar alcançar a verdade material dos factos, deve partir da avaliação e de conhecimentos assentes em critérios objectivos, susceptíveis de motivação racional e crítica, bem como de controlo [Ac. 172/94; 504/94, 320/97, 546/98, de 23/Set.,]
Tratando-se de tribunal colectivo deve o respectivo acórdão traduzir ou reflectir “o mínimo de acordo ou convergência consensual maioritariamente apurada no seio do tribunal” [Ac. n.º 61/88, 322/93]
Daí que não seja admissível que a fundamentação das decisões em matéria de facto se baste com a simples enumeração ou arrolamento dos meios de prova utilizados em 1.ª instância, sendo necessário que se faça uma verdadeira reconstrução e análise crítica da prova que conduziu à demonstração de uma certa factualidade [Ac. 573/98, 680/98, de 02/Dez.; 367/03, de 14/Jul.].
Para o efeito, ao alinharem-se as razões da convicção formada pelo tribunal na fixação dos factos provados, dever-se-á expor os motivos pelos quais não se atenderam as provas produzidas que foram em sentido contrário [Ac. 288/99, de 12/Mai.].
Relativamente à transcrição dos depoimentos das testemunhas na motivação probatória da sentença, a resposta da jurisprudência constitucional tem sido no sentido de negar essa exigência.
Seja mediante uma espécie de assentada, onde se reproduzam os depoimentos das testemunhas ouvidas, narrando-se o conteúdo dos mesmos, ainda que de forma sintética [Ac. 258/2001, de 30/Mai.], ou com base num modelo único de fundamentação, em que se proceda à transcrição de todos os depoimentos apresentados em julgamento mediante a menção do conteúdo de cada um deles [Ac. 27/2007, de 17/Jan.].
A mesma resposta negativa foi dada quanto à indicação individualizada dos meios de prova em relação a cada um dos factos provados [Ac. 258/2001, de 30/Mai.] ou a referência específica a cada um dos elementos de prova produzidos, com menção do respectivo exame crítico [Ac. 59/2006, de 18/Jan.].
O Supremo Tribunal de Justiça tem assimilado a generalidade desta jurisprudência constitucional, tendo sido de resto um dos seus catalisadores ou percursores com o conciso e lapidar Ac. de 1992/Fev./13 [CJ (S), I/36].
Aqui decidiu-se que o dever de fundamentação da sentença em matéria de facto, só se cumpre se para além de conter os factos provados e não provados, com a indicação dos meios de prova, contiver ainda os elementos que, em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência, havendo outros e variados arestos no mesmo sentido [Ac. 1992/Fev./11, BMJ 414/389; 2007/Set./26].
Por isso, a exigência legal de fundamentação das decisões judiciais não se satisfaz com a indicação, pura e simples, do tipo de prova produzida, permitindo não só o exame do processo lógico ou racional subjacente à formação da convicção do juiz e permitir, como também averiguar se houve alguma violação sobre a proibição de provas [2000/Mar./15, CJ (S) I/226,].
Esta posição, que ainda se mantém, e que actualmente é praticamente uniforme, tem acentuado a imprescindibilidade de um exame crítico das provas produzidas em julgamento, devendo, por isso, serem explicitados todos os elementos que suportam a convicção probatória.
Relendo-se o acórdão recorrido, pode-se certamente discordar do mesmo, fundadamente ou não, mas percebe-se qual foi o raciocínio seguido na motivação da sua convicção probatória e como o mesmo se alicerçou para aí chegar.
Tanto é assim, que a impugnação efectuada pelo recorrente B………. não deixa de se referir ao suporte do exame crítico que se fez da prova, que assentou, no seu entender, em presunções.
Será caso para dizer que o recorrente não acredita em presunções, mas que as há no acórdão recorrido lá isso há e isso é uma forma de motivação, que pode ser aceitável ou não, mas isso é outra questão, que se prende mais com a impugnação da matéria de facto.
Nesta conformidade, improcede este fundamento de recurso.
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d) Reexame da matéria de facto.
Decorre do disposto no art. 428.º, n.º 1, que as relações conhecem de facto e de direito, acrescentando-se no art. 431.º que “Sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”
Por sua vez e de acordo com o precedente art. 412.º, n.º 3, “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas”.
Acrescenta-se no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”
Nesta conformidade e para se proceder à revisão da factualidade apurada em julgamento, deve o recorrente indicar os factos impugnados (i), a prova de que se pretende fazer valer (ii), identificando ainda o vício revelado pelo julgador aquando da sua motivação na livre apreciação da prova (iii).
Convém, no entanto, precisar que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efectuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso [Ac. do STJ de 2005/Jun./16 (Recurso n.º 1577/05), 2006/Jun./22 (Recurso n.º 1426/06)].
Por outro lado, o recurso sobre a matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso de toda os elementos de prova que foram produzidos e que serviram de fundamento à sentença recorrida, mas apenas e tão-só de uma reapreciação da razoabilidade da convicção formada pelo tribunal “a quo”, a incidir sobre os pontos de factos impugnados e na base das provas indicadas pelo recorrente [Ac. STJ de 2007/Jan./10].
Daí que esse reexame esteja sujeito a este ónus de impugnação, sendo através do mesmo que se fixam os pontos da controvérsia e possibilita-se o seu conhecimento por esta Relação [Ac. do STJ de 2006/Nov./08].[(17)]
Como é sabido e muito embora, segundo o disposto no art. 127.º, o tribunal seja livre na formação da sua convicção, existem algumas restrições legais ou condicionantes estruturais que o podem comprimir.
Tais restrições existem no valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (169.º), no efeito de caso julgado nos Pedido de Indemnização Cível (84.º), na prova pericial (163.º) e na confissão integral sem reservas (344.º).
Aquelas condicionantes assentam no princípio da legalidade da prova (32.º, n.º 8 C. Rep.; 125.º e 126.º) e no princípio “in dubio pro reo”, enquanto emanação da garantia constitucional da presunção de inocência [32.º, n.º 2, C. Rep.; 11.º, n.º 1 DUDH[(18)]; 6.º, n.º 2 da CEDH[(19)]].
Por tudo isto, este princípio da livre apreciação das provas não tem carácter arbitrário nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado, estando ainda sujeito aos princípios estruturantes do processo penal, como o da legalidade das provas e “in dubio pro reo”.
No que concerne às tipologias da prova, esta, tanto pode ser directa ou indiciária, esclarecendo-se no Ac. R. C. de 1996/Mar./06 [CJ II/44], que “A prova indiciária assenta em dois elementos: a) o indício que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar a conhecer outro facto que com ele estará relacionado. b) a existência de presunção que é a inferência que, obtida do indício, permite demonstrar um facto distinto”.
Daí que se conclua, como aí se fez, que “Nada impede que, devidamente valorada a prova indiciária, a mesma por si, na conjugação dos indícios permita fundamentar uma condenação”.
Por último, convém não esquecer, que tem sido esta igualmente a jurisprudência do STJ, de que se dá os seguintes exemplos:
- no Ac. de 2001/Mar/14, decidiu-se que “No âmbito do processo penal e por via do princípio da livre apreciação da prova, sempre é admissível estabelecer presunções judiciais que ajudem a formar a convicção do julgador”, rematando que “Essas presunções judiciais consistem geralmente em raciocínios lógicos, naturais ou extraídos de regras de experiência, e têm por base elementos objectivos”.
- do Ac. de 2005/Fev./09 (Recurso n.º 4721/04- 3) podemos concluir que:
“As presunções naturais permitem que perante certos factos conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto até então ignorado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que este é a consequência normal e típica daqueles outros que já se verificaram.
Para o efeito tem que existir uma forte e credível conexão causal entre o facto conhecido e o facto adquirido, o que não sucede quando o facto base não é seguro ou então se entre um e outro se verifica uma relação demasiado longínqua.
A efectiva comprovação de um facto para além de toda a dúvida razoável pode resultar da conjugação de provas indirectas e circunstanciais, mediadas pela regra da experiência, em que a probabilidade da verificação de certo acontecimento factual surge próximo da certeza.”
Assim e para além da violação daquelas restrições legais ou das apontadas condicionantes estruturais, o juízo decisório da matéria de facto só é susceptível de ser alterado, em sede de recurso, quando a racionalidade do julgamento da matéria de facto corresponda, de um modo objectivo, a um juízo desrazoável ou mesmo arbitrário da apreciação da prova produzida.
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O recorrente C……… pretende-se afastar da conduta que lhe foi dada como assente, na vertente de ter actuado em combinação com o arguido B………, seu filho, com base, como diz, no depoimento científico, objectivo e desinteressado da testemunha Dr. J………. – foi este o único que o recorrente faz referência ao suporte áudio em que ficou registado o seu depoimento, pelo que o depoimento da testemunha I………. não será atendido.
Mas aquela testemunha não depôs sobre essa matéria, nem sequer revelou qualquer conhecimento do que se passava entre quanto aos destinos do dinheiro do falecido F………., já que incidiu essencialmente sobre a capacidade cognitiva deste último e enquanto seu médico assistente.
Daí que e sem necessidade de mais considerações deve o seu recurso improceder nesta parte.
*
No que concerne ao recurso do recorrente B………. o mesmo incide sobre os factos provados indicados nos pontos 2.1.1, 2.1.2, 2.1.3. 2.1.4, 2.1.5 e 2.1.6, que segundo o mesmo deviam ter sido julgados como não provados [12-14].
Para o efeito invoca essencialmente que o tribunal “a quo” impôs a ambos os arguidos um dever de falar, valorando negativamente as suas declarações, apreciando prova que não é legalmente admissível [15-19], para além de não terem sido correctamente valorados os documentos médicos de fls. 601 a 603, 701 a 713 nem os pareceres do Prof. Pinto da Costa de fls. 539 e 679, mesmo se comparados com o constante no Relatório de fls. 50 [20-21].
Por sua vez, consideram inaceitável a fundamentação do tribunal “a quo” para desvalorizar por completo o depoimento da testemunha J………., constante no CD 1 (00:33:19) a (01:58:20), da audiência de 2008/02/14, médico no Hospital ………., que assistiu o referido F………. desde o seu internamento até à sua morte [22-23].
Acrescentam que todos os depoimentos das testemunhas da acusação e ainda os depoimentos dos assistentes impõem um julgamento diverso nos concretos pontos de facto assinalados, uma vez que não permitem a convicção positiva dos mesmos, para lá da dúvida razoável [24], sendo certo que dos demais factos impugnados não foi produzida qualquer prova em concreto, que de resto o tribunal não indica, limitando-se a presumir [25-30].
Por último, consideram que deve merecer credibilidade o depoimento da testemunha AN………., constante na cassete n.º 1, lado A (000-2425) e cassete n.º 1 lado B (000-1235), não podendo ser liminarmente desvalorizados os depoimentos das testemunhas de defesa, [33-37], sendo certo que do depoimento da testemunha I………. com o documento de fls. 116, ter-se-á de dar como provado que a transferência de 2001/Jul./31 do K………. de Ovar para a conta de G………. para o H………. de Seia foi ordenada pelo próprio F………. [31-32]
Diga-se desde já que o documento de fls. 116 e 117 vai efectivamente no sentido da procedência da impugnação nesta última vertente quanto ao ponto 2.1.2 e que se não houve “convencimento” houve pelo menos “sugestão” por parte do arguido B………. nesse sentido, como de resto resulta da generalidade das suas próprias declarações.
O cerne da impugnação do recorrente B………. centra-se nos pontos 2.1.1, 2.1.2, 2.1.3. 2.1.4 e 2.1.5 dos factos provados, estando em causa a quantia de € 1.404.563,38 € que na altura correspondiam a cerca de 281.590.276$00, que segundo a acusação os arguidos fizeram sua e segundo estes foi-lhes doada pelo falecido F………. .
Diga-se desde já que o acórdão recorrido não merece qualquer censura quando dá como assente a primeira versão, com base no depoimento dos assistentes que segundo o falecido F………. lhes referiu que o B………. estava a administrar o dinheiro daquele, bem com o relato de que os arguidos terem sempre sonegado ou ocultado os movimentos bancários titulados pelo mesmo F………. .
Esta versão foi igualmente acompanhada pelas testemunhas da acusação que são familiares ou próximas do falecido F……… e naturalmente dos assistentes, já que estes são filhos daquele, mas também por outras, caso de I………. e AJ………., ambos funcionários do K……… de Ovar e que tinham relações profissionais com o dito F………., sem qualquer interesse no desfecho desta contenda.
Tendo em conta o montante envolvido e a personalidade do falecido F………., emigrante no Brasil, “agarrada ao dinheiro”, não se está a ver o mesmo, como num passo de mágica, a dar aquele montante aos arguidos, como estes o sustentam.
Por outro lado, se os arguidos nada tinham a esconder não se percebe a razão porque os mesmos não deram logo conta aos assistentes da invocada “doação” pois a quantia em causa era mais que avultada, pois como antes se dizia eram mais de “280 mil contos”.
É o relato destes factos, conjugado com as regras de experiência, que permitiram ao tribunal recorrido formar a sua convicção, a qual, nesta parte não merece o mínimo de censura.
Outro tanto já não sucede quanto à conduta enganosa e ao erro que os arguidos terão criado ao mesmo F………. .
O tribunal recorrido parte para a existência desse engano ou astúcia que teria induzido em erro o mesmo F………. no facto de terem procurado o H………. de Seia e não outro.
Cremos e s.m.o. que é muito pouco para se firmar essa convicção, muito embora se reconheça que o quadro clínico do referido F………. se mostrava vulnerável, não só devido à sua idade, mas também despoletado pela “insuficiência crónica do fígado” de que padecia, geradora de “encefalopatia hepática” ou desatinos, que perturbavam-lhe o seu estado de consciência, como resulta da informação médica de fls. 50, visíveis nos seus estados de desorientação, confusão, tonturas e hipotensão, aquando dos seus internamentos, o que não está em contradição com o parecer médico-legal de fls. 539 e ss. ou 679 e ss.
Mas por isso mesmo, não existe é suporte probatório suficiente e para além de qualquer dúvida razoável para se dar como assente os factos alinhados como provados donde resulta uma conduta enganosa por parte dos arguidos, daí que os factos provados se devam cingir aos seguintes.
“2.1.1. Os arguidos eram parentes de F………., o qual, no período entre 28/Jan e 05/Fev. de 2001 esteve internado pela primeira vez no Hospital ………., em Santa Maria da Feira, por ter sido acometido de hemorragia digestiva alta, secundária a varizes esofágicas, devendo-se este quadro clínico a uma doença hepática crónica, cirrose hepática.
Em consequência desta doença, F………. passou a sofrer, a partir daquele período, de perturbações do estado de consciência, interpretados pelos leigos como “desatino” e cientificamente como “encefalopatia Hepática”, ou seja, perturbação das funções superiores por acção tóxica da “amónia”.
Os arguidos, conhecedores do estado de saúde de F………. e da fortuna que aquele tinha conseguido poupar durante toda a sua vida, e que atingia cerca de um milhão e quinhentos mil euros, disponibilizaram-se a auxiliar este último a gerir tal fortuna.
Face a tal atitude e devido ao estado debilitado em que encontrava o falecido F………., este aceitou a ajuda que aqueles lhe ofereceram e, por isso, os arguidos passaram então, a partir do início do ano de 2001, a tomar conhecimento de todos os valores que aquele tinha depositados, passando a movimentá-los, informando sempre o F………. de que o seu património estava a ser bem investido e que não precisava por isso de se preocupar com esse assunto.
2.1.2. Assim, no dia 31/7/01, o referido F………., mediante sugestão do arguido B………., transferiu da conta nº …/…../….., de que aquele era titular no K……… de Ovar, a quantia de USD 354.466,60 (81.108.276$00), para a conta nº …………, da agência de Seia do H………., a qual era titulada pelo arguido C………. e por G………., companheira do mesmo F………., que foi aí creditada, a 8/8/01, sendo transferida no dia 28 do mesmo mês, por ordem do arguido C………., para a conta nº ………, do O………., a qual era igualmente titulada pelo arguido C………. e por G……….. .
Ainda no mesmo dia 28, o arguido constituiu dois depósitos a prazo nessa conta com a referida quantia, sendo um de €41.011.875,00 e o outro de €40.096.400,00.
2.1.3. No dia 11/9/01, o arguido B………. solicitou ao referido F………… que lhe assinasse e preenchesse o cheque com o nº ………, com o valor de 200.000.000$00, existentes em depósito a prazo que naquela data tinha o seu vencimento, na conta nº …/…../….., titulada pelo mesmo F………. e pela filha D………., na agência de Ovar do K………., e depositou-o, em 12/9/01, na referida conta nº ………….., da agência de Seia do H………. .
No dia 14/9 do mesmo ano, o arguido C………., de comum acordo com o arguido B………., deu ordem para que transferissem aquela mesma quantia (200.482.000$00) para a conta nº ………, do O………., titulada pelo arguido C………. e por G………., tendo nessa mesma data constituído um depósito a prazo na referida conta com tal quantia.
2.1.4. No dia 30/11/01, o arguido B………. transferiu € 259.375,00 da conta nº ……........., da agência de Seia do H………., para a conta nº ……., que abriu em seu nome e no do referido F………., na mesma agência de Seia do H………., de modo a demonstrar-lhe que aquele valor correspondia aos 200.000.000$00, acrescidos já de uma boa quantia correspondente a juros.
No mesmo dia, essa mesma quantia, €259.375,00, foi novamente transferida, por ordem do arguido B………., para a conta nº ………, do O………., titulada pelo referido F………. e pelo arguido B.………., vindo depois, no dia 2/12/02, por ordem do arguido B………., a ser transferida a quantia de €250.000,00 para a conta nº ………, do O………, co-titulada por este arguido e pela mulher, e a quantia de €21.866,43 para a conta nº ………….., da agência de Seia do H………., igualmente titulada pelo arguido D………. e por P………. .
2.1.5.1. O referido F………., faleceu no dia 12/7/02.
2.1.5.2. Após tal falecimento, os arguidos não informaram, por sua iniciativa, os herdeiros de F………., da existência daquelas contas bancárias nem lhes prestaram quaisquer esclarecimentos quanto às aplicações financeiras efectuadas a partir das mesmas, passando a afirmar-se como sendo os donos de tais quantias, que chegaram a totalizar depósitos no valor de €1.404.566,38, apropriando-se de tais montantes e dos rendimentos produzidos pelas mesmas.
2.1.5.3. Os arguidos actuaram em comunhão de esforços, com o intuito de se apropriarem da quantia global de €1.404.566,38, bem como dos respectivos rendimentos, sabendo que o faziam e que aquele dinheiro apenas lhes tinha sido entregue a título devolutivo e para auxiliarem o referido F………. a gerir as aplicações financeiras de tal valor.
2.1.5.4. Mais sabiam ser as suas condutas proibidas e punidas por lei.”
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e) Alteração substancial dos factos.
A alteração substancial dos factos, segundo o art. 1.º, n.º 1, al. f), é “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.
A propósito convém precisar que factos são acontecimentos que, em si mesmo, correspondem a determinadas ocorrência ou constatações históricas.
Para o efeito, devem ser considerados como factos, processualmente relevantes, as ocorrências concretas da vida real, quer em termos de eventos do mundo exterior, quer em termos de eventos do foro interno, designadamente da vida psíquica, sensorial ou emocional de um indivíduo.
Por sua vez, a diversidade de crime deve ser entendida numa perspectiva teleológica, ou seja, quando o bem jurídico tutelado seja substancialmente distinto, o que não sucederá, por exemplo, se a imputação por um crime qualificado venha a resultar numa condenação pelo tipo base.
A jurisprudência tem tido o entendimento de que a alteração substancial dos factos representa normalmente uma “modificação estrutural” dos factos descritos na acusação ou na pronúncia – no caso de recurso na sentença recorrida – de modo a que a matéria de facto provada seja diversa, com elementos essenciais de divergência que agravem a posição processual do arguido, ou a tornem não sustentável, fazendo integrar consequências que se não continham na descrição da acusação, constituindo uma surpresa com a qual o arguido não poderia contar, e relativamente às quais não pode preparar a sua defesa [Ac. STJ de 2007/Mar./21, acessível em www.dgsi.pt].
A noção legal pressupõe, deste modo, uma diferença de identidade, de grau, de tempo ou espaço, que transforme o quadro factual descrito na acusação em outro diverso, ou manifestamente diferente no que se refira aos seus elementos essenciais, ou materialmente relevantes de construção e identificação factual, e que determine a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
Por contraponto, a alteração não substancial dos factos, será aquela modificação da factualidade que não seja essencial, em virtude do seu substrato fundamental já se encontrar descrito na acusação ou na pronúncia.
No entanto, será de reter que a comunicação a efectuar à defesa, não será uma qualquer, mas apenas aquela “com relevo para a decisão da causa”, como se diz no art. 358.º, n.º 1.
A par da alteração substancial ou não dos factos, encontra-se a alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia.
Ínsito a tais normativos encontra-se subjacente o princípio do contraditório, o qual, encarado sob o ponto de vista do arguido, pretende assegurar os seus direitos de defesa, com a abrangência imposta pelo art. 32.º, n.º 1 e n.º 5 da C. Rep., no sentido de que nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão deve ser proferida, sem que previamente tenha sido precedida de ampla e efectiva possibilidade de ser contestada ou valorada pelo sujeito processual contra o qual aquelas são dirigidas [Parecer da Comissão Constitucional n.º 18/81, Vol. XVI, p. 147]
Trata-se, ao fim e ao cabo, do “direito de ser ouvido”, enquanto direito de se dispor de uma efectiva oportunidade processual para se tomar uma posição sobre aquilo que o afecta [Ac. do TC n.º 330/97, de 1997/Abr./17 (DR II 1997/Jul./03); n.º 387/2005, de 2005/Jul./13 (DR II 2005/Out./19)].
A propósito, convém também ter presente o princípio do acusatório consagrado no citado art. 32.º, n.º 5, da C. Rep. e a subsequente vinculação temática do tribunal, como efeito consubstanciador da identidade, unidade ou indivisibilidade do objecto do processo penal a partir do objecto da acusação [o Ac. TC n.º 132/92 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol. XXII, p. 361)]
Por outro, será de referir que no crime de abuso de confiança da previsão do art. 205.º, n.º 1 e n.º 4 do Código Penal pretende-se tutelar a propriedade, mas em que a actuação tipificada deve revestir-se de dois momentos distintos: a entrega e um abuso da posse de outrem, ou por outras palavras, à detenção por parte do agente, que tem a obrigação de restituir ou apresentar a coisa recebida, segue-se a apropriação pelo mesmo, invertendo-se o título de posse.
Por sua vez, no crime de burla da previsão do art. crime de burla qualificada dos art. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. a) do Código Penal, o bem jurídico tutelado é o património globalmente considerado, entendido este como qualquer bem, interesse ou direito economicamente relevante.
A conduta típica deste crime deverá ser astuciosa de modo a induzir em erro ou enganar outra pessoa, podendo tanto consistir na afirmação de factos falsos, como numa simulação ou deturpação dos verdadeiros.
Cremos que a alteração aqui em causa é efectivamente substancial, porquanto a conduta dos arguidos que se encontra provada integra antes o crime de abuso de confiança, como de resto os assistentes inicialmente a qualificaram na sua participação criminal e não um crime de burla, pelos quais os arguidos foram sentenciados.
Tratam-se de factos novos que são autonomizáveis e que devem prosseguir, mas como denúncia ao Ministério Público, como decorre actualmente do disposto no art. 359.º, n.º 2.
A procedência do recurso nesta parte aproveita ao co-arguido C………., por se tratar de um caso de comparticipação, face ao preceituado no art. 402.º, n.º 2, al. a).
Nesta conformidade encontra-se prejudicado o conhecimento das demais questões que são objecto deste recurso.
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* *
III.- DECISÃO.
Nos termos e fundamentos expostos, rejeitam-se os três recursos intercalares interpostos pelo arguido B………., negando provimento ao recurso do arguido C………. e concede-se parcial provimento ao recurso interposto por aquele primeiro arguido, revogando-se o acórdão recorrido, sem prejuízo do subsequente procedimento criminal que o Ministério Público venha instaurar contra os mesmos.

Mais se condena se condena o arguido B………. nas custas de cada um dos recursos intercalares, fixando-se a taxa de justiça em quatro (4) Ucs, a que acresce a sanção acessória de três (3) Ucs também por cada rejeição – cfr. art. 420.º, n.º 3, 513.º, 514.º do Código Processo Penal.

Mais se condena o arguido C………. nas custas do seu recurso, fixando-se a taxa de justiça em quatro (4) Ucs – cfr. art. 513.º, 514.º do Código Processo Penal.

Notifique.

Porto, 06 de Janeiro de 2010
Joaquim Arménio Correia Gomes
Paula Cristina Passos Barradas Guerreiro

_________________________
[(1)] Já que de uma indicação genérica, passa depois apenas a referir e em concreto apenas um deles, o que poderia suscitar dúvidas se pretendia conhecer dos três ou apenas aquele que especifica, pelo que na dúvida e tendo em atenção o princípio “pro actione” na vertente do direito ao recurso, se conhecerá de todos eles, não se desconhecendo o ónus de especificação constante no art. 412.º, n.º 5, do C. P. P.
[(2)] Doravante são deste Código os artigos a que se fizer referência sem indicação expressa da sua origem.
[(3)] Introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29/Ago.
[(4)] Veja-se o parecer do GEOT da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, em http://www.asjp.eu/images/stories/doc/parecer_revcpp.pdf, p. 19/20.
[(5)] Neste sentido, entre muitos outros, vejam-se os Ac. n.º 31/87, 340/90 e mais recentemente 302/2005.
[(6)] Veja-se o Ac. TC n.º 337/2000, relatado pelo Cons. Messias Bento, que declarou com força obrigatória geral, “a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, da norma constante dos artigos 412º, n.º 1, e 420º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção anterior à Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto), quando interpretados no sentido de a falta de concisão das conclusões da motivação implicar a imediata rejeição do recurso, sem que previamente seja feito convite ao recorrente para suprir tal deficiência.
[(7)] No Ac. n.º 320/2002, relatado pelo Cons. Sousa Brito, o Tribunal Constitucional declarou “com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, da norma constante do artigo 412º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência”.
[(8)] Como se decidiu no Ac. TC n.º 80/2001, relatado pelo Cons. Bravo Serra, que declarou a inconstitucionalidade “com força obrigatória geral, por violação do nº 1 do artigo 32º da Constituição, a norma que resulta das disposições conjugadas constantes dos artigos 33º, nº 1, 427º, 428º, nº 2, e 432º, alínea d), todos do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que, em recurso interposto de acórdão final proferido pelo tribunal colectivo de 1ª instância pelo arguido e para o Supremo Tribunal de Justiça, muito embora nele também se intente reapreciar a matéria de facto, aquele tribunal de recurso não pode determinar a remessa do processo ao Tribunal da Relação”
[(9)] Neste sentido os Ac. do TC n.º 545/06, 546/06 e 195/07, tendo este último julgado inconstitucional, “por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que o prazo para a interposição de recurso em que se impugne a decisão da matéria de facto e as provas produzidas em audiência tenham sido gravadas, se conta sempre a partir da data do depósito da sentença na secretaria, e não da data da disponibilização das cópias dos suportes magnéticos, tempestivamente requeridas pelo arguido recorrente, por as considerar essenciais para o exercício do direito de recurso”.
[(10)] Relatado pelo Cons. Pereira Madeira e divulgado em www.dgsi.pt, onde se decidiu que “não obstante as deficiências da motivação, se pode …, ao menos por aproximação, alcançar o essencial do objecto do recurso, …, e porque importa não perder de vista a celeridade processual …, entende-se dispensar o «convite» e prosseguir no conhecimento das demais questões”.
[(11)] ARMENTA DEU, Teresa, “Lecciones de Derecho Procesal Penal” (2007), p. 60.
[(12)] Doravante são deste diploma os artigos a que se fizer referência sem indicação expressa da sua origem.
[(13)] OSÓRIO, Luís, em “Comentário ao Código Processo Penal Português” (1932), p. 173 e 202.
[(14)] Lei n.º 3/99, de 13/Jan., cuja quarta alteração e subsequente republicação foi dada pela Lei n.º 105/2003, de 10/Dez.
[(15)] Dec.-Lei n.º 186-A/99, de 31/Mai.
[(16)] MORENO, Cordon em “Las Garantias Constitucionales del Processo Penal (1999), p. 178 e ss.
[(17)] “Impugnada, em sede de recurso, a matéria de facto fixada em 1.ª instância, a Relação não pode eximir-se à respectiva apreciação, a pretexto de que o modo como o aquele tribunal procedeu à apreciação da prova constituir matéria não sindicável, por respeitar ao princípio da livre apreciação da prova. O tribunal da Relação, em sede de fundamentação do seu acórdão, terá necessariamente que abordar especificamente cada uma das provas e correspondentes razões indicadas, salvo naturalmente aquelas cuja consideração tiver ficado prejudicada, sob pena de omissão de pronúncia, conducente à nulidade de tal aresto.”
[(18)] Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 Dezembro de 1948.
[(19)] Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que foi aprovada, para ratificação, pela Lei n.º 65/78, de 13/Out.