Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0720409
Nº Convencional: JTRP00040085
Relator: EMÍDIO COSTA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE MENORES
Nº do Documento: RP200702270720409
Data do Acordão: 02/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: LIVRO 242 - FLS 45.
Área Temática: .
Sumário: Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para as acções de promoção e protecção de menores estrangeiros e aplicação das previstas medidas, se aqueles se encontrarem à data da instauração dos processos em Portugal e tendo os factos que conduziram à intervenção das autoridades ocorrido igualmente no nosso país.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO

A Digna Agente do Ministério Público junto do Tribunal de Família e Menores de Matosinhos intentou, naquele Tribunal, processos de promoção e protecção referentes aos menores:
- B………., nascido a 19/07/2003; e
- C………., nascida a 16/04/2005, ambos filhos de D………. e de E………. .
O processo iniciou-se mediante comunicação da P.S.P. da Póvoa do Varzim, dando conta de que os progenitores do menor B………. se encontravam no Hospital daquela cidade em estado de abstinência de consumo de substâncias psicotrópicas, bastante alterados, tendo consigo o menor, então, com menos de dois anos. Informava já aquela força policial que a mãe se encontrava grávida de cerca de sete meses.
Perante aquela informação, o Tribunal da Póvoa do Varzim proferiu decisão determinando o acolhimento institucional do menor B………., que foi encaminhado para a “F……….”, onde deu entrada em 24 de Março de 2005.
O processo prosseguiu como de promoção e protecção, dando-se início a diligências instrutórias com a audição da técnica da Segurança Social.
Não foi possível ouvir os progenitores dos menores, por ser desconhecido o respectivo paradeiro.
Entretanto, é dado notícia nos autos de que a D………. teria dado à luz, em Abril de 2005, uma criança do sexo feminino, relativamente à qual foi instaurado processo de promoção e protecção e proferida decisão, determinando o acolhimento institucional da recém-nascida logo que obtida alta hospitalar.
Já depois de designado pelo Tribunal da Póvoa do Varzim debate judicial, foi o mesmo dado sem efeito e excepcionada a incompetência territorial daquele tribunal, ordenando-se a remessa dos autos ao Tribunal de Família e Menores de Matosinhos.
Nessa altura, os progenitores dos menores intervêm nos autos através de comunicações escritas, dando conta do seu desejo de reaver os filhos e informando da sua morada em Inglaterra.
Perante essa intervenção dos progenitores, e com a finalidade de exercer o contraditório, determinou-se o cumprimento do disposto no artº 114º da LPP, tendo o Mº Público apresentado alegações, emitindo parecer no sentido de ser aplicada aos menores a medida de promoção e protecção de “confiança a instituição com vista a futura adopção”.
Foi designado e realizado debate judicial, ao qual compareceram pessoalmente os progenitores dos menores, com intervenção do Tribunal Colectivo misto.
Findo o debate judicial, foi vertida nos autos decisão que aplicou aos menores a medida de “confiança a instituição com vista a futura adopção” e, em consequência, foram os menores confiados ao CRSS/Norte, com vista à sua futura adopção.
Inconformados com o assim decidido, interpuseram os progenitores dos menores recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de agravo e efeito suspensivo.
Alegaram, oportunamente, os agravantes, os quais finalizaram a sua alegação com inúmeras e prolixas conclusões, as quais seria inútil e fastidioso transcrever, nas quais suscitam para decidir as questões da incompetência internacional dos tribunal portugueses em relação ao menor B………., a alteração da decisão da matéria de facto e a aplicação ao caso da medida adoptada.
Contra-alegou o Ministério Público, pugnando pela improcedência do agravo.
O M.º Juiz do Tribunal “a quo” sustentou a decisão recorrida, mantendo-a integralmente.
...............

As conclusões dos recorrentes delimitam o âmbito do recurso, conforme se extrai do disposto nos artºs 684º, n.º 3, e 690º, n.º 1, do C. de Proc. Civil.
De acordo com as apresentadas conclusões, as questões a decidir por este Tribunal são as de saber se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para decidir quanto ao destino do menor B……….; se é de alterar a decisão da matéria de facto da 1ª instância; e se perante os factos provados se justifica a aplicação da medida imposta na decisão recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
...............

OS FACTOS

Na decisão recorrida, foram dados como provados os seguintes factos:

1º - B………. nasceu a 19 de Julho de 2003, sendo filho de D………. e de E……….;
2º - C………. nasceu a 16 de Abril de 2005 e foi registada corno filha de D……….;
3º - No final de 2004, por motivos não concretamente apurados, o casal viajou até Portugal fazendo-se acompanhar do menor B………. e encontrando-se então a progenitora grávida;
4º - Em Janeiro de 2005, a Seg. Social (equipa de emergência) teve conhecimento da situação solicitando o casal acolhimento por uma noite;
5º - Alegavam então que tinham vindo de Inglaterra tendo estado até ao momento alojados em casa de um irmão da D. D………. que, entretanto, lhes teria furtado todo o dinheiro, a viatura automóvel, todos os documentos e cartões;
6º - Foi-lhes concedido alojamento numa Hospedaria no Porto;
7º - Foram efectuadas diligências junto do Consulado Inglês no Porto, sendo que esta entidade apenas proporcionava auxílio na realização dos contactos necessários com Inglaterra;
8º - A Seg. Social Portuguesa chegou a adquirir as passagens de avião do agregado familiar para Inglaterra tendo constatado posteriormente que as autoridades aeroportuárias não permitiam a viagem da criança sem que possuísse documento de identificação com fotografia;
9º - O agregado permaneceu na Hospedaria cerca de quatro dias;
10º - Apesar de instada por várias vezes a comparecer na maternidade a fim de vigiar a sua gravidez a progenitora recusou sempre;
11º - Neste período de tempo os serviços de segurança social asseguraram ao agregado não só acolhimento nocturno, como refeições e bens essenciais (fraldas e toalhetes);
12º - Perante informações e queixas de que o casal frequentemente passava a noite fora com a criança, a Seg. Social optou por lhes dar acolhimento num albergue uma vez que aí não é permitida a saída nocturna (os utentes têm obrigatoriamente de chegar ao albergue por volta das 18.30h - é-lhes dado o jantar e pequeno almoço - têm de sair de manhã e regressar novamente pelas 18.30 h);
13º - O agregado familiar permaneceu no albergue cerca de cinco dias, durante os quais a direcção e técnicos constataram constantes discussões entre o casal, falta de higiene relativamente à criança e alguma negligência (por ex. não foram buscar fraldas que se encontravam disponíveis na Farmácia), frequentemente utilizavam o micro-ondas deixando-o muito sujo;
14º - Chamados à atenção pelo seu comportamento, o casal decidiu abandonar o albergue voluntariamente;
15º - Posteriormente, a D. D………. efectuou novos contactos para a linha 144 solicitando ajuda e acolhimento;
16º - Nessa altura, foi-lhe sempre indicado que deveria apresentar-se na urgência da maternidade, a fim de vigiar a gravidez, funcionando tal local como “ponto de encontro” com os técnicos;
17º - A D. D………. recusou sempre deslocar-se à maternidade;
18º - Entretanto o casal deslocou-se com o menor para a zona da Póvoa do Varzim;
19º - Na noite de 22 para 23 de Março de 2005, o casal dá entrada no Hospital da Póvoa de Varzim em estado de abstinência de consumo de psicotrópicos;
20º - Ambos se encontravam extremamente alterados, com um discurso incoerente, incapazes de manter um discurso consistente;
21º - Revelaram não possuir meios de subsistência e tinham consigo o menor B……….;
22º - O menor B………. foi observado por pediatra encontrando-se em bom estado geral;
23º - Na altura foram efectuadas análises ao B………., cujos resultados foram normais, tendo sido negativos quanto à presença de qualquer tipo de droga no menor;
24º - A progenitora foi encaminhada para o Hospital de S. João e o progenitor permaneceu no Hospital da Póvoa do Varzim, assim como o menor;
25º - Comunicada a situação às entidades competentes foi determinado o acolhimento institucional do menor B……….;
26º - Apurou-se posteriormente que a D. D………. tinha uma familiar na Póvoa do Varzim;
27º - Tratava-se de uma Srª de 85 anos, doente, incapaz de proporcionar qualquer auxílio;
28º - Apurou-se ainda que o casal e o menor haviam pernoitado uma noite numa pensão na Póvoa do Varzim;
29º - Ouvindo choro muito alto da criança, a proprietária da pensão ter-se-á deslocado ao quarto, encontrando o casal muito alterado e dizendo necessitar de se deslocar ao Hospital;
30º - O menor B………. foi acolhido na ‘F……….”, a 24 de Março de 2005, onde ainda se encontra;
31º - A 16 de Abril de 2005, a progenitora deu entrada no Hospital de St° António, no Porto, em trabalho de parto prematuro;
32º - A menor C………. nasceu nesse dia 16 de Abril de 2005 com síndrome de privação que implicou a necessidade de ser internada no serviço de Neonatologia e efectuar durante cerca de 15 dias medicação específica para a síndrome de privação com que nasceu;
33º - A menor C………. nasceu com HIV e HCV positivos, que “negativaram” posteriormente;
34º - A progenitora é portadora de HIV e HCV;
35º - Por força de decisão judicial entretanto proferida, a menor C………. foi acolhida na “F……….”, a 06 de Junho de 2005, onde ainda se encontra;
36º - Desde o seu nascimento até ingressar na “F……….”, a menor permaneceu internada no Hospital de St° António, inicialmente no serviço de Neonatologia e posteriormente no serviço de Pediatria;
37º - De acordo com os registos de enfermagem do Hospital de St° António, juntos a fls. 682 ss. dos autos, ao longo do período em que permaneceu no Hospital encontram-se registadas as seguintes visitas:
- no dia 18-04-2005, a bebe teve a visita dos pais ao início da noite, tendo ficado sem acompanhantes;
- no dia 19-04-2005, “teve a visita dos pais às 22.30 h”;
- no dia 25-04-2005, os pais visitaram-na cerca de 15 minutos;
- no dia 28-04-2005, “teve uma breve visita da mãe”;
- no dia 30-04-2005, “teve a visita da mãe”;
- no dia 05-05-2005, “teve uma breve visita da mãe”;
- no dia 07-05-2005, teve a companhia da mãe às 15 h que lhe deu o leite a esta hora e pouco depois foi-se embora”;
- no dia 10-05-2005, “teve visita da mãe”;
- no dia 12-05-2005, “teve visita da mãe e fica sem acompanhantes”;
- no dia 20-05-2005, (no turno das 8h às 14.3 Oh) “teve a companhia da mãe, tendo ficado sem acompanhante”;
- no mesmo dia, já no turno da noite a menor “teve visita da mãe”;
- no dia 22-05-2005, “a bebe teve visita da mãe, no início da noite, que foi embora após dar o biberão das 2 1h”;
- no dia 23-05-2005, “teve a visita da mãe duas vezes durante o dia”;
- no dia 25-05-2005, “teve a visita da mãe às 07 h”;
- no dia 26-05-2005, “teve a visita da mãe cerca de 10 minutos;
Pediu novos cartões de visita e, como não lhe foram fornecidos, não teve interesse por permanecer mais tempo”;
- no dia 27-05-2005, “teve a visita da mãe durante 10 minutos”;
- no dia 29-05-2005, “teve a visita da mãe”;
- no dia 04-06-2005, “teve a visita da mãe”;
38º - Posteriormente e em data não concretamente apurada, o progenitor dos menores acabou por regressar a Inglaterra;
39º - A progenitora manteve-se em Portugal, vivendo de esmola e em condições não concretamente apuradas;
40º - A progenitora acabou por regressar a Inglaterra, em inícios de Julho de 2005;
41º - Apenas alguns dias antes do seu regresso a Inglaterra, a progenitora, com auxílio de terceiras pessoas, teve conhecimento de que os seus filhos se encontravam ambos na “F……….”;
42º - A progenitora viajou para Inglaterra sem antes ter procurado visitar os filhos na instituição ou ter contactado a instituição;
43º - Desde que regressaram a Inglaterra, os progenitores contactaram várias entidades no sentido de obterem auxílio para recuperarem os filhos;
44º - A partir de Setembro de 2005, os progenitores enviaram para os autos inúmeras comunicações escritas verbalizando o seu amor pelos filhos e o desejo de os ter juntos de si;
45º - Na sua adolescência, a progenitora dos menores residia com os seus pais e irmão na zona de Lisboa;
46º - Quando teria cerca de 16 anos de idade, a D. D………. (mãe dos menores) inicia o consumo de drogas “duras”;
47º - O seu percurso de vida nos anos seguintes é marcado por várias tentativas de recuperação com posteriores recaídas;
48º - Aos 18 anos, a D. D………. foi para Inglaterra pela primeira vez;
49º - Posteriormente, esteve a residir na Holanda;
50º - A D. D………. chegou a estar detida em Espanha;
51º - Em 2000, a D. D………. teve um filho — G……….;
52º - Quando esta criança nasceu, a progenitora encontrava-se, mais urna vez, a efectuar tratamento à toxicodependência num centro de recuperação sito em Coimbra;
53º - Após o nascimento da criança, a D. D………. e o filho G………. foram residir para casa dos avós maternos da criança, na zona de Lisboa;
54º - Quando o menor G………. teria alguns meses de idade e desacreditada na recuperação da filha, a avó materna da criança retirou-lhe o apoio, expulsou-a de casa e passou a assumir a educação do G……….;
55º - Correu termos pelo Tribunal de Família e Menores de Lisboa processo de regulação do exercício do poder paternal referente ao menor G………., encontrando-se a sua guarda atribuída aos avós maternos;
56º - Por volta de 2001-2002, a progenitora dos menores foi para o Algarve, onde conheceu o seu actual marido;
57º - Pouco depois, foram ambos residir para Inglaterra, onde nasceu o menor B………., em Julho de 2003;
58º - Desde sempre a progenitora contacta o filho G………. telefonicamente várias vezes por semana e escreve-lhe;
59º - Quando a avó materna do G………. se reformou, esta e seu marido decidiram passar a residir na zona de Anadia, onde residem igualmente vários familiares que prestam apoio nos cuidados ao menor G……….;
60º - Por decisão dos avós maternos do G………., a progenitora desconhece a residência concreta dos seus pais e filho;
61º - Quando se desloca a Portugal e pretende visitar o G………., tal é-lhe permitido em casa de uma familiar, também residente na zona da Anadia;
62º - Desde que foi para Inglaterra com o seu marido, a progenitora terá vindo a Portugal visitar o G………. cerca de 4 ou 5 vezes;
63º - A última vez que a progenitora visitou o G………. foi no final de 2004 quando se deslocou a Portugal;
64º - Nessa altura, a D. D………. terá pedido à mãe que a recebesse em casa, o que esta recusou pois havia tomado a decisão inabalável de não mais receber a filha;
65º - Apesar de judicialmente determinada a obrigação de a D. D………. prestar alimentos ao filho G………., a mesma não o faz estando os alimentos devidos pela progenitora a ser garantidos através do FGADM;
66º - No decurso do debate, a progenitora referiu desconhecer a obrigação de prestar alimentos ao filho;
67º - Do teor do doc. junto a fls. 729 a 736 consta que, em Novembro de 2005 (altura em que não tinha consigo qualquer das crianças), a progenitora declarou a sua impossibilidade de prestar alimentos ao G………. ‘porque tenho filhos para sustentar, tenho a casa para mobilar e sou a única pessoa a receber o subsidio de apoio aos rendimentos” (cf. fls. 736 dos autos);
68º - Os avós maternos dos menores estão de relações cortadas com a filha, revelando enorme angústia e sofrimento por não acreditarem numa possível recuperação desta da toxicodependência;
69º - Os avós maternos dos menores estão ambos reformados e manifestam indisponibilidade (atenta a idade e saúde) de acolher mais qualquer criança além do G……….;
70º - Apesar de tal indisponibilidade, a avó materna veio por uma vez visitar os netos à “F……….”;
71º - A progenitora dos menores tem um irmão (mais velho 12 anos) que reside no Porto;
72º - O irmão da D. D………. é toxicodependente há vários anos, encontra-se desempregado e é auxiliado economicamente pelos pais;
73º - Os avós maternos dos menores desconhecem por completo as actuais condições de vida da filha em Inglaterra;
74º - Não são conhecidos hábitos de trabalho consistentes a qualquer dos progenitores dos menores;
75º - Em Inglaterra, o casal habita uma casa concedida pelo Estado, desde Junho de 2003, com dois quartos, cozinha, sala, W/C e jardim;
76º - Subsistem à custa de subsídios estatais - o progenitor recebe um subsídio geral de 130 libras (que recebe de 15 em 15 dias) e um outro subsidio de incapacidade no montante de 33 libras (que recebe também de 15 em 15 dias);
77º - A progenitora recebe cerca de 75 libras de 15 em 15 dias;
78º - O casal beneficia ainda de um subsídio social para o filho B………. no montante de 82 libras de 15 em 15 dias a que acresce outro subsídio de 17,5 libras semanais;
79º - A Segurança Social Inglesa nunca teve indícios de que o B………. não fosse bem tratado pelos seus progenitores;
80º - A avó paterna e tio paterno dos menores residem perto dos progenitores.
81º - Não obstante a institucionalização do menor B………. em Portugal há mais de um ano, a Seg. Social Inglesa contínua a pagar aos progenitores o subsídio devido pelo menor B……….;
82º - Em Janeiro de 2006, os progenitores abriram uma conta para o B………. (child trust fund), cujo saldo, em Junho de 2006, era de 512,60 libras provenientes de contribuições governamentais;
83º - O progenitor dos menores invoca que iniciou o consumo de heroína para tirar as dores de que passou a padecer após ter sofrido um acidente que lhe provocou lesões na coluna, lesões essas que ditaram a sua incapacidade para o trabalho;
84º - Quando, no final de 2004, se deslocou a Portugal, o progenitor encontrava-se a efectuar em Inglaterra tratamento através de ingestão de Metadona;
85º - Em Portugal, deslocava-se ao CAT da Boavista para lhe ser administrada a Metadona;
86º - Entre 2003 e 2004, em Inglaterra, a progenitora frequentou programa para se libertar do consumo de drogas;
87º - Em Agosto de 2005, a progenitora dos menores efectuou o primeiro contacto telefónico com a instituição “F……….”, onde os filhos se encontram acolhidos;
88º - Desde então, foi efectuando contactos permanentes, mais do que urna vez por semana para saber dos filhos;
89º - A progenitora verbalizou pretender falar com o B………., o que as técnicas da instituição entenderam por desadequado para a criança (atenta a distância física da mãe e a possibilidade séria de o contacto apenas telefónico poder confundir uma criança de tão tenra idade);
90º - Desde então, a progenitora enviou também para a instituição várias cartas dirigidas aos filhos;
91º - Os progenitores deslocaram-se a Portugal em Setembro de 2006, para a realização do debate judicial no âmbito destes autos, e desde 20 de Setembro visitam os filhos na instituição;
92º - Num período inicial, a instituição permitiu que as visitas se processassem diariamente;
93º - No contacto inicial, o B………. reconheceu as figuras paternas mas preferiu regressar e manter-se junto de uma técnica;
94º - No contacto inicial, a reacção emocional dos progenitores revelou-se muito “contida”;
95º - Nas visitas efectuadas, os progenitores revelaram-se adequados na interacção com os filhos;
96º - As crianças não perguntam pelos progenitores (nem antes nem depois de se iniciarem as visitas dos progenitores);
97º - As crianças não revelam qualquer angústia ou sofrimento no momento da separação;
98º - Neste momento, o menor B………. domina por completo a língua portuguesa;
99º - As crianças não revelam sinais de relação afectiva significativa com os seus progenitores;
100º - Na semana que decorreu entre 12 e 19 de Outubro de 2006, os progenitores já não efectuaram qualquer visita aos filhos;
101º - Segundo a instituição, apresentaram como justificação para a ausência reuniões marcadas pela sua advogada e que coincidiam com os horários de visita;
102º - Tendo-lhes sido proposta uma visita no dia 20/10, entre as 10h e as 11h, os progenitores não compareceram e apenas quando convocados pela instituição telefonicamente pelas 12h, invocaram ter de ir tratar dos registos;
103º - Face à ausência dos pais, nenhum dos menores manifestou qualquer alteração de comportamento e nenhum deles perguntou pelos progenitores;
104º - Em análises realizadas à progenitora dos menores em Janeiro de 2006, esta não apresentava indicadores positivos de consumo de estupefacientes;
105º - Todo o discurso dos progenitores é centrado na ideia de terem sido (e continuarem a ser) vítimas inocentes - da família materna das crianças (que abandonou e não auxiliou...) do irmão da D. D………. (que os roubou...) da Segurança Social Portuguesa (que não lhes proporcionou condições de conforto nem auxílio...), dos serviços hospitalares portugueses (onde alegam ter sido sempre tratados de forma diferente dos outros pacientes...) e recentemente (quando confrontados com a última comunicação enviada pela F………. e que dava conta da recente ausência de visitas) da própria instituição que acolhe os filhos.
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O DIREITO

Insurgindo-se os apelantes, além do mais, contra a decisão da matéria de facto da 1ª instância, cumpre começar por apreciar esta questão, já que a fixação dos factos é primordial em relação às demais questões suscitadas.
Defendem os apelantes de forma genérica a alteração por esta Relação da matéria de facto dada como provada, sem concretizarem os factos que esta Relação, de entre aqueles que a 1ª instância considerou provados, deve dar como não provados ou, ao invés, aqueles que, para além desses, devem ser considerados como provados.
Limitam-se os apelantes a referir a falta de precisão nos relatórios sociais que iam sendo juntos ao processo, segundo aduzem, feitos muitas vezes com base em suposições. E que existem enormes contradições entre diferentes entidades sobre a alegada toxicodependência dos apelantes.
Mas poderá esta Relação alterar a matéria de facto considerada provada pelo Tribunal a quo?
Como é sabido, entre nós vigora o princípio da livre apreciação da prova e o juiz responde aos quesitos segundo a convicção que formar acerca de cada facto quesitado (artº 655º, n.º 1, do C.P.C.).
Daí que a Relação não possa, em princípio, alterar as respostas dadas aos quesitos.
Só o pode fazer dentro dos apertados limites previstos no artº 712º, n.º 1, do citado diploma legal, e se ocorrerem as seguintes situações:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690º-A, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem uma resposta diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; e
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a resposta assentou.
Tem sido pacífico o entendimento da jurisprudência sobre este ponto. De facto, como decidiu a R. de Coimbra (Ac. de 13/10/76, C.J., 1976, 3.º, 571), “as respostas do Tribunal Colectivo, aos quesitos não podem ser alteradas pela Relação, salvo se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base às respostas ou se os elementos fornecidos pelo processo impuserem uma resposta diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas e, também, se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a resposta assentou. Basta a circunstância de, em audiência de julgamento, terem sido produzidos depoimentos orais de testemunhas, para desde logo ser impossível operar qualquer crítica quanto à apreciação feita pelo Colectivo sobre o teor das respostas ao questionário”.
No caso em apreço, como mostra a acta do debate judicial, mostram-se gravados os depoimentos das testemunhas aí inquiridas, não obstante a intervenção do Tribunal Colectivo, formado pelo Juiz do processo e por dois Juízes Sociais.
Estamos, por isso, em presença da hipótese prevista na última parte da al. a) do n.º 1 do citado art.º 712.º, o qual tem de ser conjugado com o art.º 690.ºA do mesmo diploma legal.
Prescreve este artigo o seguinte:
1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C (redacção do Dec. Lei n.º 183/00, de 10/8).
Segundo aquele n.º 2, “quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento”, o que, no caso presente, se mostra cumprido.
Não obstante os apelantes fazerem referência, no corpo da sua alegação, a alguns dos depoimentos gravados, o certo é que não se justifica a pretendida alteração da matéria de facto provada.
Na verdade, se os depoimentos das testemunhas referidas no despacho de fundamentação, que se nos afigura bem estruturado e fundamentado, foram susceptíveis de convencer o Tribunal recorrido, cujos juizes puderam vê-las e ouvi-las, só excepcionalmente poderia esta Relação, com recurso apenas a uma gravação, ficar com convencimento diverso.
Como se escreveu no Recurso n.º 1/99, 2.ª Secção, desta Relação, em que foi Relator o Dr. Mário Cruz e Adjunto o aqui Relator, “a actividade dos Juizes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o Juiz necessariamente aceite esse sentido ou essa versão.
Os Juizes têm necessariamente de fazer uma análise crítica e integrada dos depoimentos com os documentos e outros meios de prova que lhes sejam oferecidos. Há-de por isso a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual - inclusive a dos olhares, e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente.
As respostas aos quesitos hão-de pois ser o resultado de todas as operações intelectuais, integradoras de todas as provas oferecidas e que tenham merecido a confiança do Juiz, pelo que, não raras vezes se constata que o julgamento do Juiz possa não ter a correspondência directa nos depoimentos concretos (ou falta destes), mas seja o resultado lógico da conjugação de alguns outros dados, sobre os quais o seu sentido crítico se exerceu.
Esta percepção só é perfeitamente conseguida com o imediatismo das provas.
A reanálise das provas gravadas pelo Tribunal da Relação só pode abalar a convicção criada pelo Juiz da 1ª instância, traduzida nas respostas aos quesitos, e determinar a alteração dessas respostas, em casos pontuais e excepcionais, quando, não se tratando de confissão ou de qualquer facto só susceptível de prova através de documento, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer fundamento face aos elementos de prova trazidos ao processo ou estão profundamente desapoiados face às provas recolhidas”.
Como escreveu Abrantes Geraldes (citado no acórdão desta Relação de 19/09/00, C.J., Ano 25.º, 4.º, 186), o novo sistema introduzido pelo Dec. Lei n.º 329-A/95 “transporta consigo o risco de se atribuir equivalência formal a depoimentos substancialmente diferentes, de se desvalorizarem alguns deles, só na aparência imprecisos, ou de se dar excessiva relevância a outros, pretensamente seguros, mas sem qualquer credibilidade.
De facto, tal sistema não garante a percepção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os factores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo ao tribunal retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo.
Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores”.
O que é necessário e imprescindível, como se escreveu no Ac. da R. de Coimbra de 3/10/00 (C.J., Ano 25.º, 4.º, 27), é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique “os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348).
Ora, ouvida a gravação da prova, conjugada com os demais elemento (relatórios e documentos) que os autos ostentam, este Tribunal não formou convicção diferente daquela a que chegou o julgador de 1ª instância.
Como se disse, o debate judicial e subsequente decisão foram feitas com intervenção do Tribunal Colectivo formado pelo Juiz do processo e por dois Juízes Sociais. O Tribunal Colectivo, assim formado, feito o debate instrutório, deu como provados os factos que supra se transcreveram, factos esses que revelam uma longa história de vida. Como disse a mãe dos menores, ora apelante, no seu longo depoimento, “isto parece uma história...eu se visse um filme desses, diria que era impossível”.
Os relatórios sociais juntos aos autos, embora elaborados por pessoas competentes para os realizar, são apreciados livremente pelo Tribunal. E não obstante os apelantes negarem sistematicamente a sua condição de toxicodependentes, a verdade é que tal decorre abundantemente da prova produzida, quer testemunhal quer documental.
A prova gravada não permitiu, pois, a esta Relação gerar uma convicção diferente da formada pelo julgador da 1ª instância. Ao invés, a nossa convicção, ouvida toda a prova produzida, é inteiramente coincidente com aquela.
Assim, esta Relação considera como assentes os factos dados como provados pelo Tribunal recorrido.
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Os apelantes defendem a incompetência internacional dos tribunais portugueses para aplicar ao menor B………. a medida decretada na decisão recorrida, em virtude de ser ele cidadão inglês, filho de pai inglês e mãe portuguesa e terem ambos residência habitual em Inglaterra.
Esta questão foi suscitada somente na alegação de recurso, não tendo, por isso, sido apreciada pelo Tribunal recorrido. Mas porque se trata de excepção dilatória, que é de conhecimento oficioso (artºs 494º e 495º do C.P.C.), esta Relação não pode deixar de dela tomar conhecimento.
A competência internacional dos tribunais portugueses depende, como emana do artº 65º do C. de Proc. Civil, da verificação de alguma das seguintes circunstâncias:
a) Ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português, salvo tratando-se de acções relativas a direitos reais ou pessoais de gozo sobre imóveis sitos em país estrangeiro;
b) Dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
c) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção, ou algum dos factos que a integram;
d) Não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português, ou constituir para o autor dificuldade apreciável a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real (a redacção desta alínea foi introduzida pelo Dec. Lei nº 38/2003, de 8/3).
A análise deste preceito, como se escreveu no Ac. da Relação de Lisboa de 8/5/2001 (C.J., Ano 26º, 3º, 83), inculca que o propósito do legislador foi o de alargar o mais possível o âmbito da competência internacional aos tribunais portugueses. Nesta perspectiva, basta que um dos elementos da causa de pedir tenha conexão com o território português, para que se atribua competência internacional aos tribunais portugueses (neste sentido, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. 2º, 26 e segs.).
Ora, não subsistem dúvidas que o caso dos autos se enquadra nas alíneas b) e c) supra. Estamos em presença de um caso de protecção de crianças em risco. A questão consiste em saber se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para aplicar medidas de promoção e protecção ao menor B………., cidadão inglês, filho de mãe portuguesa e de pai inglês, que se encontravam, à data da instauração dos presentes autos, em Portugal, onde foram praticados os factos que conduziram à intervenção das autoridades no sentido da protecção dos menores.
De acordo com o artº 2º da Lei nº 147/99, de 1/9 (Lei de protecção de crianças e jovens em perigo), aquele diploma aplica-se às crianças e jovens em perigo que residam ou se encontrem em território nacional.
É conhecido o primado do direito internacional convencional face ao direito nacional. Pese embora tal primado, o certo é que o valor conferido a convenções internacionais deixou de prevalecer nas relações entre Estados Membros da União Europeia, cedendo aquelas, no domínio interno, perante quadros normativos que regulem matérias análogas.
Ora, no âmbito da protecção de crianças em risco, há dois instrumentos que se mostram vinculativos para o Estado Português:
- A Convenção Relativa à Competência das Autoridades e à Lei Aplicável em Matéria de Protecção de Menores, concluída em Haia a 5 de Outubro de 1961; e o
- O Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental.
No que se refere à referida Convenção de Haia, de que o Estado Português é parte, o certo é que o Reino Unido a não ratificou. Por isso, tal Convenção não se aplica ao caso em apreço, já que o menor B………. é cidadão inglês.
Todavia, sempre seria tal convenção inaplicável ao caso dos autos, uma vez que o tratamento conferido pela mesma a questões de natureza idêntica à dos autos não poderia prevalecer nas relações entre Estados Membros da União Europeia, cedendo perante o quadro normativo do citado Regulamento (vide respectivo artº 60º, al. a)).
Aquele Regulamento entrou em vigor na ordem jurídica comunitária em 1 de Agosto de 2004, aplicando-se a partir de 1 de Março de 2005.
O processo relativo ao menor B………. deu entrada em juízo a 23 de Março de 2005, isto é, já na vigência do referido Regulamento.
Fazendo Portugal e o Reino Unido parte da União Europeia, ambos estão vinculados ao articulado do mesmo Regulamento.
De acordo com o ponto 5 do respectivo preâmbulo, «a fim de garantir a igualdade de tratamento de todas as crianças, o presente regulamento abrange todas as decisões em matéria de responsabilidade parental, incluindo medidas de protecção da criança, independentemente da eventual conexão com um processo matrimonial».
No que concerne à competência territorial, preceitua o artº 8º do Regulamento citado que os tribunais de um Estado Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.
E de acordo com o artº 20º, nº 1, do mesmo Regulamento, «em caso de urgência, o disposto no presente regulamento não impede que os tribunais de um Estado Membro tomem as medidas provisórias ou cautelares relativas às pessoas ou bens presentes nesse Estado Membro, e previstas na sua legislação, mesmo que, por força do presente regulamento, um tribunal de outro Estado Membro seja competente para conhecer do mérito».
Deste modo, afigura-se-nos claro que os tribunais portugueses tinham competência para decretar medidas provisórias de protecção do menor B………., não obstante ser ele cidadão inglês, já que estava indubitavelmente numa situação de perigo e se encontrava em Portugal.
E o certo é que os tribunais portugueses tinham também competência para decidir quaisquer outras medidas de protecção subsequentes em relação a tal menor, uma vez que o presente processo foi instaurado no superior interesse do mesmo e a competência do Tribunal “a quo” foi aceite por todas as partes, até à alegação recursiva aqui em apreço (artº 12º, nº 3, al. b)).
Improcede, pois, a invocada excepção de incompetência.
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A decisão recorrida considerou que os menores B………. e C………. se encontram numa situação de perigo que legitima a intervenção judicial e a tomada de uma medida de promoção e protecção.
Esse é também, à luz dos factos provados, o nosso entendimento, pelo que aqui seguiremos de perto a decisão recorrida.
De acordo com o artº 3º da citada Lei de protecção de crianças e jovens em perigo, “a intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo”.
Ora, decorre abundantemente dos factos provados que os ora apelantes sujeitaram os seus filhos B………. e C………. a uma situação de grave perigo para a sua integridade, saúde, segurança e desenvolvimento.
Quando as autoridades tomaram conhecimento da situação, ambos os progenitores tiveram necessidade de intervenção hospitalar por se encontrarem em estado manifesto de abstinência de substâncias psicotrópicas, apresentando-se no Hospital da Póvoa do Varzim em estado de evidente alteração, com discursos desconexos.
Consigo tinham, então, o menor B………. (com menos de dois anos) e a progenitora encontrava-se grávida da C……… .
Os apelantes encontravam-se, então, em Portugal sem residência, sem meios de subsistência e sem documentos. Nessa altura, já a segurança social lhes havia prestado auxílio através de acolhimento nocturno, refeições e fornecimento de bens essenciais.
Posteriormente, veio a nascer a menor C………., que sofria à nascença das consequências dos consumos de substâncias psicotrópicas por parte da sua mãe - a menor nasceu com síndrome de abstinência necessitando medicação específica, bem como acusando à nascença HIV e HVC (de que a sua mãe é portadora).
A menor nasceu a 16 de Abril de 2005 e, após a alta hospitalar da mãe, manteve-se internada até início de Junho do mesmo ano. As visitas e contactos efectuados pelos progenitores, de acordo com os registos de enfermagem, são os que supra estão discriminados (item 37º). Dão tais registos notícia da falta de investimento dos progenitores na relação com a recém nascida. A esmagadora maioria dos registos refere “visitas breves”, sendo que não há qualquer registo que dê conta de a menor ter ficado com acompanhante durante a noite.
Na sequência de decisões tomadas nos instaurados processos, ambos os menores foram acolhidos em instituição adequada à sua guarda.
Residentes em Inglaterra, sem condições de subsistência em Portugal, sem retaguarda familiar que se disponibilizasse para os auxiliar (veja-se o depoimento dos avós maternos dos menores), os progenitores acabam por regressar àquele país.
É de realçar que, ainda antes de regressar a Inglaterra, a progenitora conseguiu saber onde se encontravam acolhidos os filhos, sem que então tenha efectuado com eles qualquer contacto.
Após o regresso a Inglaterra, contactaram os apelantes várias entidades no sentido de serem ajudados a recuperar os filhos e, a partir de Agosto de 2005, passaram a contactar telefonicamente a instituição que os acolhia.
No entanto, apenas regressaram a Portugal em Setembro de 2006, para intervirem no debate judicial no âmbito destes autos.
Nessa altura, iniciaram visitas aos filhos, com a regularidade e nos termos que constam dos factos provados (vide itens 91º e segs.).
A questão que se coloca nestes autos é a de definir o projecto de vida destas crianças. Não devendo elas manter-se institucionalizadas e não sendo conhecida família alargada com disponibilidade para as acolher, apenas duas soluções são descortináveis: a entrega dos menores aos seus progenitores ou o seu encaminhamento para adopção.
A Lei nº 31/03, de 22 de Agosto, veio dar nova redacção a alguns artigos da citada Lei nº 144/99, adicionando ao elenco das medidas de promoção e protecção aplicáveis a medida de “Confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção”. A aplicação desta nova medida é da competência exclusiva dos tribunais (cf. art. 38° LPP) e é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no art. 1978° do Cód. Civil (casos em que é permitida a confiança judicial com vista a futura adopção).
De acordo com o disposto naquele art. 1978°:
1 - Com vista a futura adopção o tribunal pode confiar o menor a casal, a pessoa singular ou instituição quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer das situações seguintes:
a) se o menor é filho de pais incógnitos os falecidos.
b) se tiver havido consentimento prévio para adopção.
c) se os pais tiverem abandonado o menor.
d) se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devido a razões de doença mental, puserem em perigo a segurança, a saúde, a formação moral, a educação ou o desenvolvimento do menor.
e) se os pais do menor acolhido por um particular ou por uma instituição tiveram revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.
Do elenco dos factos provados extrai-se a conclusão de que os ora apelantes colocaram em sério perigo a segurança, a saúde e o desenvolvimento dos seus filhos B.......... e C………. .
Para determinar a adoptabilidade de uma criança não basta, porém, que em determinado momento os progenitores tenham actuado de forma a causar aos filhos o descrito perigo. Será também necessário efectuar um juízo de prognose relativamente à probabilidade de tal comportamento disfuncional se manter, ou não, no futuro.
Do que se apurou da história passada da progenitora dos menores resulta um preocupante percurso de consumidora de substâncias psicotrópicas. Desde os 16 anos é ela consumidora de drogas “duras”. É portadora de HIV e de HCV. Os seus próprios progenitores (avós dos menores) assumirem os cuidados do filho mais velho da mãe dos menores e chegarem a um ponto de angústia e descrédito tal que cortaram relações com a filha há anos, sem permitirem já qualquer reaproximação.
Embora negue a sua condição de toxicodependente, a mãe dos menores não pode negar aquilo que a sua filha revelou ao nascer - a mãe consumiu estupefacientes quando se encontrava grávida.
Há que ter em conta que passaram já 20 anos desde que a mãe dos menores iniciou o consumo de estupefacientes e nem no momento da gestação da C………. foi capaz de a amar o bastante para dizer “não” a consumos que só a ela deveriam afectar.
Também o progenitor dos menores revelou ser dependente de estupefacientes, encontrando-se em tratamento por ingestão de metadona, em final de 2004/inícios de 2005.
O progenitor nega o consumo prolongado alegando que consumiu heroína para “tirar as dores da coluna”. Tal explicação é pouco convincente e, a ser verdadeira, seria preocupante - poucas serão as pessoas adultas que nos nossos dias não conhecem as consequências nefastas para a saúde do consumo de heroína e a dependência que o consumo de tal substância provoca, pelo que se alguém decide tomar heroína para as dores, em vez dos habituais analgésicos, algo estará errado. Até porque a heroína não se vende nas farmácias sem receita médica.
Para além da sua condição de consumidores de estupefacientes, não obstante se desconhecer se tal consumo ainda se processa actualmente, todo o percurso de vida dos apelantes é deveras preocupante. A nenhum deles são conhecidos hábitos de trabalho consistente. Ainda agora, o casal, como se extrai do seu depoimento, subsiste em Inglaterra inteiramente à custa de subsídios estatais, numa casa atribuída pelo Estado inglês.
De salientar ainda que, não obstante os contactos frequentes que mantém com o filho mais velho, a cargo dos avós maternos, a progenitora nunca lhe prestou alimentos e, quando confrontada com tal facto, dá diferentes explicações conforme a circunstância.
Outra característica extremamente preocupante destes progenitores é a falta total de capacidade de assumir as suas responsabilidades e aceitar as suas limitações - negam a toxicodependência e todo o seu discurso, a todo o momento, é o de se “vitimarem”, maltratados e incompreendidos por tudo e por todos, como se nenhuma responsabilidade tivessem na forma corno conduziram as suas vidas e se comportaram.
E quanto aos laços de afectividade que os progenitores dizem nutrir pelos menores, é de salientar que, no curto período em que puderam visitar os seus filhos, encontraram sempre forma de se desculparem com outros afazeres (certamente, para eles, mais importantes que ver e estar com os filhos) (vide itens 100º a 102º).
Além disso, é de realçar a reacção das crianças quando as visitas dos progenitores tiveram lugar - indiferença, inexistência de sofrimento com a separação, falta de reconhecimento daquelas figuras como figuras de vinculação afectiva.
Por tudo isto, é de concluir que os ora apelantes colocaram os menores em situação de grave perigo e do juízo de prognose que é possível efectuar resulta a falta de capacidades educativas consistentes por parte daqueles, sendo certo que inexistem entre os menores e os apelantes vínculos afectivos próprios da filiação.
Sem esquecer os chamados “laços de sangue”, entende-se que tais laços não podem sobrepor-se à ideia mestra norteadora desta jurisdição no sentido de encontrar sempre para os menores o projecto de vida que melhor defenda e salvaguarde o seu crescimento e desenvolvimento harmonioso, quer psicológico quer afectivo.
Por outro lado, a manutenção e prolongamento no tempo de situações de institucionalização leva, a maioria das vezes, a um duplo resultado negativo - a impossibilidade de inserir os menores na sua família biológica, nunca reatando os laços afectivos próprios da mesma, com idêntica impossibilidade, por força da idade, de encaminhar a criança para outro projecto de vida, nomeadamente a adopção.
Os menores em causa têm 3 e 1 ano de idade. O interesse destas crianças reclama uma família, alguém a quem possam chamar mãe e pai e se preocupe com eles, dando-lhes atenção e afecto, e esteja sempre presente, nos bons e nos maus momentos.
Todo o percurso de vida e postura dos seus progenitores, retratados nos factos provados, nos levam a ter as mais sérias dúvidas de que fossem eles capazes de garantir de forma consistente e estruturada tais direitos e condições de vida ao B………. e à C………. .
O encaminhamento destes menores para adopção é, pois, a solução que melhor se nos afigura proteger os seus interesses e não ver protelada a definição da sua situação face aos pais biológicos, permitindo que o investimento afectivo e educativo no período de pré-adopção se faça com segurança e serenidade, sem incertezas prejudiciais ao êxito do processo de integração da criança numa nova família.
Improcedem, deste modo, as conclusões da alegação dos apelantes, pelo que a decisão recorrida terá de se manter.
De resto, a mesma decisão apreciou todas as questões que tinha para apreciar e fundamentou com proficiência a decisão tomada, não enfermando a mesma de qualquer nulidade.
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DECISÃO

Nos termos expostos, decide-se negar provimento ao agravo e, em consequência, mantém-se a douta decisão recorrida.
Custas pelos agravantes.

Porto, 27 de Fevereiro de 2007
Emídio José da Costa
Henrique Luís de Brito Araújo
Alziro Antunes Cardoso