Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
15/12.6TPPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MOURAZ LOPES
Descritores: PROPAGANDA POLÍTICA
REGULAMENTO MUNICIPAL
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RP2012062715/12.6TPPRT.P1
Data do Acordão: 06/27/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A propaganda política é uma dimensão essencial da democracia, na medida em que sem a liberdade de exposição pública das ideias não se torna possível configurar um estado democrático.
II - Trata-se de um direito complexo que segundo a doutrina, envolve várias pretensões, nomeadamente «(i) o direito de não ser impedido de divulgar ideias e opiniões; (ii) a liberdade de comunicar ou não comunicar, através da propaganda o seu pensamento; (iii) uma pretensão à remoção de obstáculos não razoáveis à concretização da comunicação; (iv) pretensões de protecção contra ofensas provenientes de terceiro».
III – Se é certo que o artigo 37º da CRP conforma um direito fundamental à liberdade de expressão, de largo espectro fáctico, não é menos certo que esse direito à liberdade de expressão tem uma específica regulamentação quanto à propaganda e publicidade e o modo como deve ser regulamentada e garantida.
IV - Quanto aos critérios que sustentam as restrições, o legislador atribuiu esse juízo de restrição aos municípios, desde que fundado em razões perceptíveis de segurança, de equilíbrio ambiental, assim se salvaguardando estes valores.
V - No art. 4° da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, estipulam-se critérios a estabelecer no licenciamento da publicidade, comercial assim como o exercício das actividades de propaganda.
VI – O Regulamento da Câmara ... nesta matéria, cria algumas normas, nomeadamente no seu art.º D – 3/50, que vão muito para além do que a Lei 97/88 de 17 de Agosto admite e lhe permite.
VII – As normas do regulamento referido, desproporcionalmente restritivas do direito à informação e propaganda política, são inconstitucionais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 15/12.6TPPRT. P1

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO.
Em processo de contra-ordenação instaurado pela Câmara Municipal … foi proferida decisão condenatória contra o B… pela prática vinte contra-ordenações respeitantes à afixação de propaganda política fora dos locais para esse efeito disponibilizados pela Câmara Municipal …, p. p. pelo disposto nos arts.D-3/51º, nº1; H/29, nº1, alínea m), nº2, alínea c), H/3, nº2 e H/5, nº2, do Código Regulamentar do Município …, cuja coima ascendeu ao montante de €3.252,50 (três mil duzentos e cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos).
Inconformado, o arguido apresentou recurso judicial da decisão para o Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto tendo sido julgado improcedente o recurso e mantida a decisão.
Inconformada com tal decisão, o arguido recorreu para este Tribunal da Relação.
Na sua motivação conclui:
A)- vem o presente recurso interposto da aliás douta sentença da 1 instância, que condenou o ora recorrente na coima do montante de 3.200,00€ pela imputada prática de 20 contra-ordenações previstas e sancionadas pelos artigos D-3/51.°, n.° 1, ai. 1.1, H13, n.° 2, H129°, n°s. 1, ai. m) e 2, ai. c) e H15, n.° 2, do Código Regulamentar do Município …, publicado no D.R. n.° 75, série II, de 19/04/20 10;
B)- salvo melhor opinião, a sentença recorrida não fez correcta interpretação e aplicação do direito atinente;
C)- é um partido político que utiliza, como principal meio de divulgação das suas actividades, iniciativas e mensagens políticas e eleitorais junto das populações, a afixação de propaganda;
D)- a proibição de afixar propaganda política e eleitoral nas zonas definidas no Regulamento, ou seja, nos locais mais frequentados da cidade do Porto, impede, em grande medida, a divulgação das actividades, iniciativas e mensagens políticas e eleitorais do Autor junto das populações e, por consequência, obstaculiza o desenvolvimento da sua actividade político- partidária;
E)- as autarquias locais dispõem de poder regulamentar próprio nos limites da Constituição, das leis e dos regulamentos emanados das autarquias de grau superior ou das autoridades com poder tutelar (art° 2410 CRP);
F) todavia, o poder regulamentar das autarquias está limitado pela reserva da lei — absoluta (art° 164° CRP) ou relativa (art° 165°);
G)- quer isto dizer que nas matérias de competência legislativa — absoluta ou relativa — da Assembleia da República, os regulamentos das autarquias locais não podem inovar, ou seja, não podem criar uma disciplina normativa diferente ou que vá além do que está estatuído na lei;
H)- em tais matérias, as autarquias locais só poderão emitir regulamentos executivos, isto é regulamentos que, sem se afastarem do estabelecido nas leis, se limitam a concretizá-las e a possibilitar a boa execução das mesmas; 1)- um regulamento municipal não pode restringir direitos — neste caso, o direito de afixação de propaganda e o direito à liberdade de expressão e de informação — garantidos ou estabelecidos numa lei geral e abstracta, sob pena de violação do princípio da hierarquia dos actos normativos ínsito no art°. 112°, n° 8, da CRP;
J)- um regulamento de uma autarquia local também não pode, como acontece no presente caso, estabelecer uma disciplina inovadora em relação à lei que visa regulamentar, sob pena de invadir a esfera de competência da Assembleia da República ou do Governo (cfr. art°s. 164°, 165° e 198° CRP);
K)- o Código Regulamentar do Município do Porto referido na alínea a) ante cedente, na matéria em questão, é inovador relativamente à Lei 97/88, de 17/08, que diz pretender regulamentar, impondo limites à propaganda política e eleitoral que aquela lei não prevê;
L)- assim, o cit. Regulamento, nessa parte, viola, por um lado, os direitos à liberdade de expressão e informação consagrados na Constituição da República Portuguesa, bem como o disposto no art°. 18.°, n.° 2 da Constituição e, por outro, invade a competência reservada à Assembleia da República, com manifesta violação do disposto no art°. 165.° daquele diploma fundamental;
M)- desta forma, as referidas normas do dito Regulamento enfermam de inconstitucionalidade orgânica, formal e material, sendo nula e de nenhum efeito a deliberação da Assembleia Municipal na parte em que aprovou tais normas;
N)- consequentemente, a sentença recorrida aplicando ao ora recorrente a coima prevista nessas normas regulamentares, sofre dos mesmos vícios acima referidos, sendo também nula e de nenhum efeito, pelo que deve ser revogada.

O MP, nas suas alegações, quer na primeira instância quer através do Exmo. Senhor Procurador Geral-adjunto nesta Relação, pronunciou-se pela improcedência do recurso
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Tendo em conta o teor das conclusões efectuadas pelo recorrente a questão em apreciação sustenta-se na nulidade da decisão por via do juízo de inconstitucionalidade que o recorrente pretende assacar ao diploma Código Regulamentar do Município …, publicado no D.R. n.° 75, série II, de 19/04/20 10, por violação dos direitos à liberdade de expressão e informação consagrados na Constituição da República Portuguesa, bem como o disposto no art°. 18.°, n.° 2 e, por outro lado, invade a competência reservada à Assembleia da República, com manifesta violação do disposto no art°. 165.°.
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É do seguinte teor a decisão recorrida:
- Nos presentes autos, foi proferida pelo Exmo Sr Vereador do Pelouro da Protecção Civil, Controlo Interno e Fiscalização da Câmara Municipal … (doravante CMP), a decisão administrativa de fls. 90 e seguintes dos autos, condenando a arguida B…, na coima única de 3 200,00 €, pela prática de 20 contra-ordenações de afixação de propaganda política fora dos locais disponibilizados para o efeito pela …, previstas e sancionadas pelos artigos D-3/51º, nº 1, al. 1.1, H/3, nº 2, H/29º, nºs 1, al. m) e 2, al. c) e H/5, nº 2 do Código Regulamentar do Município … (doravante …), publicado no D.R. nº 75, II Série, de 19/04/2010, com coima de € 400,00 a € 1 600,00.
A fls. 125 e seguintes, veio a arguida impugnar judicialmente esta decisão administrativa, formulando as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso de impugnação interposto da decisão do Vereador do Pelouro da Protecção Civil, Controlo Interno e Fiscalização do Município … que, agindo com competência delegada do respectivo Presidente da Câmara, aplicou ao Recorrente coima no valor de € 3.200,00 e custas no montante de € 52,50 no processo de contra-ordenação n.º 5-7072-2010 acima referenciado;
2. Salvo melhor opinião, não tem fundamento legal a infracção imputada ao Recorrente;
3. A proibição de afixar propaganda política e eleitoral nas zonas definidas no Regulamento referido na decisão, ou seja, nos locais mais frequentados da cidade do Porto, impede, em grande medida, a divulgação das actividades, iniciativas e mensagens políticas e eleitorais do Autor junto das populações e, por consequência, obstaculiza o desenvolvimento da sua actividade político-partidária;
4. Tratando-se dum Regulamento autárquico, o poder regulamentar que o mesmo encerra está limitado pela reserva da lei – absoluta (artº. 164.º CRP) ou relativa (artº. 165.º do mesmo diploma legal);
5. Um regulamento municipal não pode restringir direitos – neste caso, o direito de afixação de propaganda e o direito à liberdade de expressão e de informação – garantidos ou estabelecidos numa lei geral e abstracta, sob pena de violação do princípio da hierarquia dos actos normativos ínsito no artº 112º, nº 8, da CRP;
6. Um regulamento de uma autarquia local também não pode, como acontece no presente caso, estabelecer uma disciplina inovadora em relação à lei que visa regulamentar, sob pena de invadir a esfera de competência da Assembleia da República ou do Governo (cfr. artºs. 164º, 165º e 198º CRP);
7. Acresce que o direito de liberdade de expressão e informação – que é um direito fundamental e faz parte do elenco dos direitos, liberdades e garantias consagrados constitucionalmente – apenas pode ser restringido por leis gerais e abstractas (artº 18º, nº 3, da C.R.P.);
8. A proibição da propaganda política eleitoral nos termos em que o faz o citado Regulamento invade a esfera da competência da Assembleia da República e viola os direitos à liberdade de expressão e informação e à liberdade de propaganda, pelo que tal proibição enferma de inconstitucionalidade orgânica, formal e material;
9. Em consequência, deve ser considerada infundada a infracção imputada ao Recorrente e arquivado, sem mais, o procedimento contra-ordenacional que lhe é movido.
Admitido o recurso, o Ministério Público e a arguida não se opuseram à respectiva decisão por mero despacho, nos termos do art. 64º do RGCO.
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II – Questões a decidir.
Alega a arguida no seu recurso, tão só, que a proibição da propaganda política e eleitoral, tal como está prevista no …, invade a esfera da competência da Assembleia da República e viola os direitos à liberdade de expressão e informação e à liberdade de propaganda, pelo que tal proibição enferma de inconstitucionalidade orgânica, formal e material.
Vejamos.
O diploma base nesta matéria é a Lei nº 97/88, de 17/08. Este diploma estabelece, desde logo, no seu art. 3º, nº 1 que “A afixação de mensagens de propaganda é garantida, na área de cada município, nos espaços e lugares públicos necessariamente disponibilizados para o efeito pelas câmaras municipais”.
Estabelece depois o art. 4º, nº 1 do mesmo diploma que “os critérios a estabelecer no licenciamento da publicidade comercial, assim como o exercício das actividades de propaganda, devem prosseguir os seguintes objectivos:
a) não provocar obstrução de perspectivas panorâmicas ou afectar a estética ou o ambiente dos lugares ou da paisagem;
b) não prejudicar a beleza ou o enquadramento de monumentos nacionais, de edifícios de interesse público ou outros susceptíveis de ser classificados pelas entidades públicas;
c) não causar prejuízo a terceiros;
d) não afectar a segurança das pessoas ou das coisas, nomeadamente na circulação rodoviária ou ferroviária;
e) não apresentar disposições, formatos ou cores que possam confundir-se com os da sinalização de tráfego;
f) não prejudicar a circulação dos peões, designadamente dos deficientes.”
Passemos agora ao … que, no seu art. D-3/50º, nº 2 e para efeitos do citado art. 4º da Lei 97/88, divide o espaço territorial do Município … em 3 áreas distintas:
“a) a área lapizada a vermelho, que integra uma zona histórica com grande impacto ao nível do património e paisagem com relevo nacional e municipal, designadamente praças, jardins, zona ribeirinha e litoral, em que a afixação de propaganda política não é genericamente permitida;
b) a área lapizada a amarelo, que integra as principais vias de tráfego urbano, rodoviário e ferroviário, bem como zonas recentemente requalificadas, em que a afixação de propaganda política é condicionada;
c) a restante área do Município em que a afixação de propaganda política é genericamente permitida”.
Estabelece depois o art. D-3/51º, nº 1, al. 1.1 do mesmo … que “salvo nos locais para o efeito disponibilizados pelo Município e devidamente identificados por via de edital, a afixação de propaganda política sem carácter eleitoral ou pré eleitoral não é permitida nas áreas lapizadas a amarelo e vermelho (…)”.
É inegável que as normas do … supra citadas restringem, de alguma forma, o direito de afixação de propaganda e o direito de liberdade de expressão e informação garantidos, respectivamente, por lei geral e abstracta e pela Constituição da República Portuguesa.
No entanto, e ao contrário do defendido pela arguida, é a própria lei geral e abstracta, ou seja, a Lei 97/88, no seu art. 3º, nº 1, que atribui às Câmaras Municipais a competência para designar, na área do respectivo Município, os espaços e lugares públicos onde as mensagens de propaganda política podem ser afixadas.
É esta competência que a … exerce ao estabelecer no art. D-3/50º, nº 2 do … os locais onde a afixação de propaganda política é proibida (zona vermelha), condicionada (zona amarela) ou permitida (restante área do Município).
É certo que tal competência é vinculada, no sentido de que os critérios que devem presidir à escolha destes locais estão também estabelecidos na lei geral e abstracta, mais concretamente, no art. 4º nº 1 da Lei 97/88, já supra citado.
No entanto, não nos parece que o Município … se tenha afastado de tais critérios, senão vejamos: a àrea lapizada a vermelho corresponderá às zonas referidas nas alíneas a) e b) do art. 4º, nº 1 da Lei 97/88 e a àrea lapizada a amarelo corresponderá às zonas referidas nas alíneas d) e f) do mesmo preceito legal.
Podemos, assim, afirmar que, ao contrário do alegado pela arguida, a proibição de afixar propaganda política, no Município …, nas áreas lapizadas a vermelho e amarelo, proibição esta que decorre dos supra citados preceitos do …, não enferma de inconstitucionalidade orgânica, formal ou material, porquanto se trata de proibição consentida pelo disposto nos arts. 3º, nº 1 e 4º, nº 1 da Lei 97/88.
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IV – Decisão.
Pelo exposto, julga-se o presente recurso de contra-ordenação totalmente improcedente, mantendo-se, na íntegra, a decisão administrativa.
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As questões suscitadas no caso em apreço, na sua aparente simplicidade, enquadram-se, no entanto, no âmbito de uma problemática essencial e, por isso, susceptíveis de terem que ser respondidas solidamente de modo a resolver com razões e argumentos o que se discute.
E o que se discute é a nulidade da decisão por via do juízo de eventual inconstitucionalidade de determinadas normas do Código Regulamentar do Município …, publicado no D.R. n.° 75, série II, de 19/04/20 10, por violação dos direitos à liberdade de expressão e informação e ao disposto no art°. 18.°, n.° 2, bem como por violação do disposto no art°. 165.° da Constituição.
O direito à informação politica, concretizado através da propaganda é uma das dimensões inequívocas tuteladas na disposição constitucional estabelecida no artigo 37º da CRP, que configura a garantia fundamental do direito à Liberdade de expressão e informação. Diz-nos o artigo citado que, «1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações. 2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura. 3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação sodal, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei. 4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.
A liberdade de propaganda e o seu âmbito têm sido objecto de tratamento e reconhecimento pelo Tribunal Constitucional de forma inequívoca (cf., por todos, os Acórdãos n.ºs 258/2006 e 209/2009).
A propaganda politica é uma dimensão essencial da democracia, na medida em que sem a liberdade de exposição pública das ideias não se torna possível configurar um estado democrático.
Trata-se de um direito complexo que segundo a doutrina, envolve várias pretensões, nomeadamente «(i) o direito de não ser impedido de divulgar ideias e opiniões; (ii) a liberdade de comunicar ou não comunicar, através da propaganda o seu pensamento; (iii) uma pretensão à remoção de obstáculos não razoáveis à concretização da comunicação; (iv) pretensões de protecção contra ofensas provenientes de terceiro» (Cf. José de Melo Alexandrino, “Artigo 37”, Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa anotada, Tomo I, 2ª edição Coimbra Editora, Coimbra, 201º. p. 849).
Ora se é certo que o artigo 37º conforma um direito fundamental à liberdade de expressão, de largo espectro fáctico, não é menos certo que esse direito à liberdade de expressão tem uma específica regulamentação quanto à propaganda e publicidade e o modo como deve ser regulamentada e garantida.
Especifica regulamentação que, conforme também vem referindo o Tribunal Constitucional, é reserva integral da Assembleia da República (salvo autorização legislativa do governo) – veja-se, neste sentido o que é referido no Acordão do TC n.º 248/86.
Foi com essa conformação de garantia [e não de limite] que foi regulada, através da Lei n°97/88, de 17 de Agosto, a afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda, estabelecendo-se um conjunto de regras mínimas de organização do espaço publico, levando em consideração o “equilíbrio urbano e ambiental” que isso comporta.
Nesse sentido garantiu-se, dando conformação à importância do direito que está em causa, uma exigência aos municípios, na sua área de intervenção, do cumprimento do direito de ser permitido expor as suas ideias em locais especificamente destinados a isso. É isso que decorre do art.3°, n°1, que estabelece que “A afixação ou inscrição de mensagens de propaganda é garantida, na área de cada município, nos espaços e lugares públicos necessariamente disponibilizados para o efeito pelas câmaras municipais.”
Neste sentido, inequivocamente, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 636/95, referiu que «essa norma está aí tão só a desenvolver a funcionalidade de imposição de um dever ás câmaras municipais. Este dever de disponibilização de espaços e lugares públicos para afixação ou inscrição de mensagens de propaganda».
Quanto aos critérios que sustentam as restrições, o legislador atribuiu esse juízo de restrição aos municípios, desde que fundado em razões perceptíveis de segurança, de equilibrio ambiental, assim se salvaguardando estes valores.
No art. 4° da referida Lei n.º 97/88, estipulam-se critérios a estabelecer no licenciamento da publicidade, comercial assim como o exercício das actividades de propaganda. Tais critérios devem prosseguir os objectivos elencados nas alíneas a), 1), do n°1: “a) Não provocar obstrução de perspectivas panorâmicas ou afectar a estética ou o ambiente dos lugares ou da paisagem; b) Não prejudicar a beleza ou o enquadramento de monumentos nacionais, de edifícios de interesse público ou outros susceptíveis de ser classificados pelas entidades públicas; c) Não causar prejuízos a terceiros; d) Não afectar a segurança das pessoas ou das coisas, nomeadamente na circulação rodoviária ou ferroviária; e) Não apresentar disposições, formatos ou cores que possam confundir-se com os da sinalização de tráfego; f) Não prejudicar a circulação dos peões, designadamente dos deficientes.”
Trata-se de critérios, absolutamente justificados, numa contemporização da concordância prática entre o direito à liberdade de expressão e a vivência em segurança dos cidadãos.
Os limites legalmente fixados, desde que não sejam de tal modo apertados que acabem por deixar de permitir o exercício do direito de expressão, nomeadamente divulgando mensagens e iniciativas politicas de um determinado partido político, são constitucionalmente sustentados.
Só assim podem, tais limites, respeitar o princípio constitucional da restrição a que se refere o artigo art. 18°, n°2, da Lei fundamental que expressamente refere que “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”
Fixados estes princípios, sublinha-se, que a «afixação ou inscrição estão vinculadas ao respeito pelas regras do n.º 4 [da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto] (e não em quaisquer regras regulamentares)» – neste sentido inequivocamente, José de Melo Alexandrino, in «Limites à regulamentação municipal no âmbito da propaganda política» in Direito Regional e Local, Cejur, nº 10, Abril-Junho de 2010, p.33).
Ora o Regulamento da Câmara … quanto à questão, configurou condicionantes, no que respeita à afixação de propaganda politica e eleitoral, criando algumas normas, nomeadamente no seu artigo Artigo D -3/50 que vão muito além do que dispões a Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto. Diz-se, desde logo, e de acordo com o comando legal estabelecido naquela Lei, que «os critérios de localização e afixação de propaganda politica e eleitoral, relativamente à envolvente urbana, numa perspectiva de qualificação do espaço público, de respeito pelas normas em vigor sobre a protecção do património arquitectónico e do meio urbanístico, ambiental e paisagístico».
Nesta parte o que está normativizado no Regulamento não pode ser configurado como uma restrição que ultrapasse o comando legal da Lei n.º 97/98, de 17 de Agosto.
Já na conformação prática desta restrição o Município foi mais preciso e para isso, estabeleceu que «o espaço territorial do Município encontra -se dividido em três áreas identificadas no mapa anexo que constitui parte integrante do presente Código: a) a área lapizada a vermelho, que integra uma zona histórica com grande impacto ao nível do património e paisagem com relevo nacional e municipal, designadamente praças, jardins, zona ribeirinha e litoral, em que a afixação de propaganda política não é genericamente permitida; b) a área lapizada a amarelo, que integra as principais vias de circulação de tráfego urbano, rodoviário e ferroviário, bem como zonas recentemente requalificadas, em que a afixação de propaganda política é condicionada; c) a restante área do Município, em que a afixação de propaganda política é genericamente permitida».
Respeitando a Lei n.º 97/98 de 17 de Agosto, no que concerne à destinação e disponibilização de locais devidamente identificados [e que constam no Edital n.º I/60996/2011/...], diz-se, no entanto, no Regulamento que a afixação de propaganda politica sem carácter eleitoral ou pré eleitoral (única que está em causa nos autos) não é permitida nas áreas lapizadas a amarelo e a vermelho, salvo quando tenha por objecto imóveis ou factos circunscritos a estas áreas, [caso em que se aplicam as regras gerais de afixação previstas nos artigos seguintes].
Para além destas restrições por zonas e períodos de campanha eleitoral ou pré eleitoral, a afixação de propaganda não é permitida, em qualquer das zonas em causa, sempre que a) provocar obstrução de perspectivas panorâmicas ou afectar a estética ou o ambiente dos lugares ou da paisagem; b) prejudicar a beleza ou o enquadramento de monumentos nacionais, de edifícios de interesse público ou outros susceptíveis de ser classificados pelas entidades públicas; c) causar prejuízos a terceiros; d) afectar a segurança das pessoas ou das coisas, nomeadamente na circulação rodoviária ou ferroviária; e) apresentar disposições, formatos ou cores que possam confundir-se com os da sinalização de tráfego; f) prejudicar a circulação dos peões, designadamente dos deficientes., conforme dispõe o artigo D-3/51º, n.º 3.
Ora, os limites estabelecidos pela Lei n.º 97/88, que legitimam as restrições quanto às questões de segurança e ambiente estão garantidos pelo n.º 3 do artigo D-3/51º do Regulamento.
Para além disso, no entanto, uma visualização do mapa em causa que pormenoriza e divide a cidade em zonas – vide mapa infra - permite concluir que a restrição estabelecida pela Câmara Municipal … que engloba as zonas a vermelho estabelecida pelo diploma regulamentar, abrange uma área reduzida na cidade do Porto (vg. «Centro …», «marginal», zona do «…» e «…» e algumas praças emblemáticas da cidade).
Já as zonas a amarelo, onde também não é permitida a afixação de propaganda politica, englobam grande parte das vias da cidade que integram as principais vias de circulação de tráfego urbano, rodoviário e ferroviário, bem como zonas recentemente requalificadas. Áreas que são, efectivamente, as áreas de circulação de cidadãos, objectivamente os destinatários das campanhas de propaganda.

Ora parece claro que ao regular a afixação de propaganda politica no concelho do Porto, nos termos em que o fez em certas zonas definidas no Regulamento, com o âmbito tão alargado de restrições, foi o Regulamento muito para além do que a Lei 97/88 de 17 de Agosto admite e lhe permite. Não permitindo essa propaganda em tão vasta área da cidade, impede-se efectiva e concretamente a divulgação das actividades, iniciativas e mensagens políticas e eleitorais junto das populações, obstaculizando, nessa medida, o desenvolvimento da sua actividade político-partidária e, nessa medida, contrariando os limites que sobre esta matéria estão fixados na Lei.
Trata-se, como refere inequivocamente José de Melo Alexandrino na obra citada, «Limites à Regulamentação...», a p. 33, de «uma disciplina inovadora e além disso restritiva da liberdade de propaganda», que padece de inconstitucionalidade.
Daí que se entenda que, por essa via, as normas do regulamento referido, desproporcionalmente restritivas do direito à informação e propaganda política, são inconstitucionais.
O julgamento desta dimensão de inconstitucionalidade retira assim e desde logo a este Tribunal a necessidade de apreciar a outra dimensão suscitada pelo requerente, nomeadamente a questão da colisão do Regulamento com um problema de reserva de Lei, que no entanto apenas com uma breve referência, também se entende verificada no caso, na medida que a norma inovadora do artigo D-3/52º do Regulamento invade, como se referiu, um domínio da reserva de lei orgânica, tendo em conta o disposto no artigo 166º n,º 2 da Constituição da República.

III. DECISÃO
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em dar provimento ao recurso, declarando a inconstitucionalidade do art. D-3/57° do Código Regulamentar do Município … por via da sua colisão com os artigos 37º e 18º nº 2 da CRP. E, nessa medida declara-se nula a decisão contra-ordenacional tomada pela recorrida.

Notifique.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artigo 94º nº 2 CPP).

Porto, 27 de Junho de 2012
José António Mouraz Lopes
Américo Augusto Lourenço