Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0817143
Nº Convencional: JTRP00042226
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: DIFAMAÇÃO
Nº do Documento: RP200902250817143
Data do Acordão: 02/25/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 569 - FLS 220.
Área Temática: .
Sumário: Nas sociedades democráticas, a crítica a personalidades conhecidas, nomeadamente as que exercem funções públicas, enquanto actuam nessa qualidade, tem limites mais amplos, na medida em que os seus actos estão sujeitos a um controlo atento dos seus concidadãos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: (proc. n º 7143/08-1)
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Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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I- RELATÓRIO
No Tribunal Judicial de Castelo de Paiva, nos autos de processo comum (Tribunal Singular) nº …/05.0TACPV, foi proferida sentença, em 11/6/2008 (fls. 417 a 444), constando do dispositivo o seguinte:
“Por todo o exposto, julga-se a acusação parcialmente procedente e decide-se:
a) Condenar o arguido B………., pela prática de um crime de difamação agravado, previsto e punível pelos arts. 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, alínea a) e 184.º, todos do Código Penal, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à taxa diária de € 10, o que perfaz um total de € 1.100;
b) Condenar o arguido B……… nas custas criminais do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s - 513.º e 514.º, ambos, do Código de Processo Penal, acrescidas de 1% dessa taxa nos termos do art. 13.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30/10 e Decreto Regulamentar n.º 4/93, de 22/2, indo também condenado nos encargos e no mínimo de procuradoria - cfr. art. 524.º do Código de Processo Penal e arts. 82.º, n.º 1; 85.º, n.º 1, al. b); 89.º, n.º 1, al. e) e 95.º, n.º 1, todos do Código das Custas Judiciais;
c) Julgar o pedido de indemnização civil parcialmente procedente e, em consequência, condenar o demandado B………. a pagar ao demandante C……… a indemnização, a título de danos não patrimoniais, de 1.500 (mil e quinhentos euros), absolvendo-se o mesmo do restante pedido.
d) Condenar demandante e demandado nas custas cíveis, na proporção do decaimento - art. 446.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do art. 523.º do Código de Processo Penal.
(…)”
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Não se conformando com a sentença, o arguido B……… interpôs recurso dessa decisão (fls. 448 a 465), formulando as seguintes conclusões:
“I- Na sentença condenatória deu-se como provado que, ao escrever o referido no texto, o arguido quis ofender a dignidade pessoal e profissional do assistente (ponto 9), quis atingir a honra e consideração do ofendido, sobretudo e por causa do exercício da profissão deste (ponto 11) e que actuou deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (ponto 12).
II- Ora, salvo melhor opinião, estes três pontos não são verdadeiramente questões de facto, mas antes elementos integradores dos pressupostos subjectivos do crime, no caso, o dolo específico, o animus difamandi, sobre os quais, obviamente, não se produziu prova, pois nenhuma testemunha ouvida, mesmo as notificadas pela acusação foram capazes de falar de factos que revelassem ter havido intenção de atingir a honra do ofendido.
III- Por outro lado, o arguido não agiu com dolo directo, pois nenhum elemento de prova foi produzido que permita concluir que o arguido tivesse consciência que estava a lesar a honra do ofendido e, mesmo assim, tivesse agido com intenção de o conseguir.
IV- Também não está em causa a agravação resultante da alínea l) do artigo 132º do CP, já que o segmento seleccionado para incriminar o arguido, embora retirado de um texto todo de crítica à conduta de um presidente de assembleia municipal, não imputa ao ofendido qualquer facto respeitante ao exercício das suas funções de Presidente da Assembleia Municipal ………., ou por causa delas.
V- Por sua vez, o assistente e o arguido são opositores na luta política e têm tido vários desentendimentos, no âmbito da actividade municipal que exercem (ponto 15), à data dos factos, aproximava-se a campanha eleitoral para as eleições autárquicas que se realizaram em Outubro de 2005 (ponto 24), o arguido era então membro da Assembleia Municipal e era também candidato a novo mandato, tendo sido eleito e mantendo-se então nas respectivas funções (ponto 25), o texto em causa insere-se, pois, nesse momento de balanço do trabalho desenvolvido e de campanha eleitoral para novas eleições, altura em que o arguido teve grande intervenção política (ponto 26) e que no seio da Assembleia Municipal havia vozes discordantes relativamente ao trabalho da Assembleia e do seu Presidente, ora assistente (ponto 27).
VI- Não resulta do extracto do texto publicado pelo arguido que este ponha em causa a incapacidade do ofendido, mas antes que o crítica com ironia, pelas vantagens que retirou, retira ou pode retirar, como consequência da alegada incapacidade, na compra de veículos, no imposto municipal sobre veículos e no IRS.
VII- Numa campanha eleitoral, especialmente autárquica, o combate político é elevado, existe agressividade na linguagem, o clima emocional propicia alguma linguagem mais agreste, agressiva e corrosiva, para com os adversários.
VIII- O texto do arguido contém-se bem dentro dos limites do exercício do direito de crítica política e não visou rebaixar, ofender ou humilhar o visado.
IX- Aliás, ao fazer a referida crítica, naquela fase da campanha eleitoral, o arguido agiu ainda convencido de que o seu texto podia contribuir para uma escolha mais conscienciosa dos seus concidadãos eleitores.
X- Agiu, assim, o arguido por considerar que a crítica tinha um enorme interesse público e relevância política, especialmente tendo em conta o crescente clima de desconfiança e de suspeição em relação aos titulares de cargos políticos, à sua probidade e honestidade.
XI- Exerceu o direito de liberdade de expressão crítica, consagrado no art. 37 nº 1 da Constituição da República Portuguesa e na prossecução de um interesse legítimo.
XII- Ao condenar o arguido, a douta sentença violou a referida norma constitucional bem como o art. 180 nº 2-a) do CP, impondo-se por isso a sua revogação.”
Termina pedindo o provimento do recurso, com a sua consequente absolvição quer da acção penal, quer do pedido cível nela enxertado.
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O assistente, em requerimento que apresentou (fls. 491), declarou prescindir de apresentar resposta ao recurso.
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O Ministério Público, na 1ª instância, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela manutenção da sentença recorrida nos seus precisos termos (fls. 492 a 504).
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Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (fls. 516 a 520), concluindo pelo provimento do recurso uma vez que, por um lado, o Ministério Público carece de legitimidade no exercício da acção penal, por falta de acusação particular, quanto aos factos dados como provados, dado não haver lugar à agravação prevista no art. 184 do CP, quanto ao eventual crime de difamação em questão e, por outro lado, os factos apurados nem sequer integram crime de difamação, mesmo na forma simples, impondo-se, por isso, a absolvição do arguido.
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Cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP, veio o assistente responder (fls. 526 a 528) ao Parecer do Sr. PGA, por um lado, invocando ter apresentado acusação particular e ter sido proferido despacho de pronúncia (o que mostraria não existir ilegitimidade do MP para exercer a acção penal) e, por outro, pugnando pela confirmação da sentença sob recurso.
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Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
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Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
“1.º C………. era, em Julho de 2005, Presidente da Assembleia Municipal do Município de ………., cargo que exerce desde Janeiro de 1998, sendo tal facto do conhecimento do arguido.
2.º No dia 22 de Julho de 2005, B………., ora arguido, escreveu e publicou, no site da Internet “……….BLOG”, com morada electrónica http://...........blogs.sapo.pt/arquivo/726100.html, um artigo de opinião denominado de “era uma vez”.
3.º No referido artigo o arguido refere expressamente: “Era uma vez uma Assembleia Municipal que funcionava com os mais elevados índices de excelência. Era presidida pelo líder mais carismático e simpático da terra. Além disso, era de uma honradez, de uma magnanimidade e de uma honorabilidade a toda a prova. Apesar da sua incapacidade (...) bem, aqui entre nós, aquela incapacidade apenas lhe dava para comprar uns carritos mais baratos, ficar isento do Imposto Municipal sobre veículos, ter um “beneficiozito” no IRS... enfim, coisas de pequena monta.”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
4.º As expressões foram referidas e publicadas num site da Internet, livremente acessível ao público em geral.
5.º O arguido publicou o artigo referido em 2.º dos factos provados, sob a epígrafe “Participe! Por ……….”, referindo-se à Assembleia Municipal de ………. e ao exercício das funções do respectivo Presidente.
6.º O ofendido tomou conhecimento das mesmas na área desta comarca.
7.º O arguido é autor de vários artigos de opinião publicados no site http://...........blogs.sapo.pt.
8.º Alguns desses artigos de opinião abordam assuntos relacionados com o Concelho de ………. .
9.º O arguido, com a actuação, dirigindo ao ofendido as expressões supra referidas em 3.º, e, sobretudo da forma irónica e sarcástica como o fez, quis ofender, como o fez, a dignidade pessoal e profissional daquele.
10.º Sabia que o meio utilizado (a Internet) facilitava a sua divulgação a um indiscriminado número de pessoas, mais sabendo que o ofendido era Presidente da Assembleia Municipal ………. .
11.º O arguido, ao actuar da forma como o fez, quis atingir a honra e consideração do ofendido, sobretudo e por causa do exercício da profissão deste.
12.º Actuou o arguido deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se provou que:
13.º O assistente declarou benefício fiscal em IRS, por deficiência com grau de invalidez de 68%, por informação prestada em 2006.
14.º O assistente não beneficiou de isenção do imposto Municipal sobre Veículos e/ou Imposto Municipal sobre Imóveis, nem qualquer processo individual relativo à deficiência aludida, por informação prestada em 2006.
15.º O arguido e o assistente são opositores na luta política e têm tido vários desentendimentos, no âmbito da actividade municipal que exercem.
16.º A questão da incapacidade já tinha sido levantada na Assembleia Municipal em 2001, na sequência do que houve um inquérito que correu termos no Ministério Público contra o médico que subscreveu o atestado e houve uma investigação pela Inspecção geral de Saúde e pelas Finanças, tendo os respectivos processos sido arquivados.
Do pedido de indemnização civil:
17.º O assistente é médico e era em Julho de 2005 Presidente da Assembleia Municipal ………. .
18.º O assistente sentiu-se ofendido na sua honra, honorabilidade, consideração e dignidade.
19.º O assistente sentiu-se vexado e humilhado perante todas as pessoas que acederam ao site da Internet e perante todos os Munícipes de ………. .
20.º O assistente é reputado, no meio onde vive e onde trabalha, como sendo pessoa de porte irrepreensível, por todos considerado, gozando de boa reputação social, quer como médico e Delegado de Saúde de ………. quer no exercício das suas funções de Presidente da Assembleia Municipal ………. .
21.º O ora arguido foi arguido no processo n.º ../05.1TACPV, que correu termos no tribunal Judicial de Castelo de Paiva, por imputações ofensivas à pessoa do ora assistente, tendo o processo findado em sede de instrução, e constando da respectiva acta que: “O artigo que escreveu era um texto político e que não visava atingir a honra e consideração do assistente, mas que se tal facto aconteceu, pede-lhe desculpa”, o que o assistente aceitou, tendo desistido da queixa.
22.º O arguido[1] vem sofrendo, por causa dos factos, vexame e humilhação, principalmente perante todos os Munícipes de ………., conquanto os representa enquanto Presidente da Assembleia Municipal.
Da contestação, com interesse para a boa decisão da causa:
23.º O texto foi publicado num “blog” criado pelo próprio arguido na Internet e onde este escreve regularmente.
24.º À data dos factos, aproximava-se a campanha eleitoral para as eleições autárquicas que se realizaram em Outubro de 2005.
25.º O arguido era então membro da Assembleia Municipal e era também candidato a novo mandato, tendo sido eleito e mantendo-se então nas respectivas funções.
26.º O texto em causa insere-se, pois, nesse momento de balanço do trabalho desenvolvido e de campanha eleitoral para novas eleições, altura em que o arguido teve grande intervenção política.
27.º No seio da Assembleia Municipal havia vozes discordantes relativamente ao trabalho da Assembleia e do seu Presidente, ora assistente.
28.º O arguido, assim que teve conhecimento do presente processo e do seu objecto, retirou o artigo do referido “blog”.
Das condições económicas do arguido:
29.º O arguido é funcionário da Direcção Geral dos Impostos e da Direcção dos Serviços de Auditoria Interna, actividade da qual aufere, a título de vencimento, a quantia mensal de € 2.000 ilíquidos.
30.º O arguido é casado, a sua mulher é professora e aufere um vencimento idêntico ao seu.
31.º Têm um filho, com 11 anos de idade, ainda estudante.
32.º Vivem em casa própria, relativamente à qual pagam a título de empréstimo a quantia mensal de cerca de € 400.
33.º O arguido é proprietário de dois veículos automóveis: um Kia Rio, do ano de 2006 e um Volvo S40, do ano de 2004.
34.º Em termos de habilitações literárias, o arguido é Mestre.
35.º Nada consta do certificado de registo criminal do arguido.”

Quanto aos factos dados como não provados, consta o seguinte:
“a) Que o arguido quando referiu no texto identificado em 2.º dos factos provados que: “(...) mas o Presidente da Assembleia não cumpriu! (...) Homem de palavra não é com toda a certeza.”, tenha querido atingir a honra pessoal e a consideração do ofendido, sobretudo e por causa do exercício da profissão deste.
b) Que o universo das pessoas que eventualmente conhecessem os factos reais subjacentes ao “conto” ou “história” e que poderiam relacionar o texto com o assistente se restringisse apenas aos Membros da Assembleia Municipal.
c) Que a Assembleia Municipal de ………., é composta por trinta membros, e que a maior parte deles não usam a Internet e muito menos o faziam à data da acusação.
d) E que as sessões da Assembleia Municipal de ………. não têm habitualmente presença de público (por vezes uma, duas pessoas e, na maior parte das sessões, nenhuma).”

Na motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consignou-se:
“O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida, analisada na audiência de discussão e julgamento e valorada à luz das regras da experiência comum e da normalidade social, designadamente:
O arguido quis prestar declarações, no âmbito das quais explicou porque motivo se dirigiu ao assistente nos termos em que o fez. Referiu que é o autor do texto em causa e, em suma, disse que o que escreveu constituiu uma denúncia pública do comportamento político do assistente, pela forma como este exerce o cargo de Presidente da Assembleia Municipal e que o escreveu na qualidade de membro da Assembleia Municipal. Disse que o comportamento do assistente não é, naquela qualidade, o adequado, nem o esperado, uma vez que prometeu, por diversas vezes, que lhe facultaria um determinado documento e que o assistente nunca o forneceu. A este propósito, dirigiu-se, no “blog”, ao assistente, dizendo que não é um homem de palavra. Descreveu pormenorizadamente as circunstâncias em que pediu os documentos, identificou tais documentos e juntou as cópias das actas onde esses pedidos estão manifestados e que constituem os documentos de fls. 355 e seguintes.
Mais explicou em que contexto político escreveu no texto as dúvidas que o assolam relativamente à incapacidade. Afirmou peremptoriamente que foi colocada em dúvida a incapacidade do assistente, dizendo que este, até hoje, nunca confirmou ou esclareceu que tipo de incapacidade padecia.
Afirmou que considerou legítimo levantar essa dúvida uma vez que o assistente é um dois líderes do PSD local e que está por essa via sujeito a um apertado controle, até por questões pessoais. Referiu que essas dúvidas também o assaltam porque o assistente era médico e presidente da ARS de Aveiro e superior hierárquico do médico que assinou o atestado.
Fez referência ao inquérito que correu termos no tribunal por crime de atestado falso, em que foi arguido o médico que passou o dito atestado.
Afirmou que não teve intenção de ofender pessoalmente o assistente na sua honra e consideração pessoais.
Foram tomadas declarações ao assistente que manifestou o seu entendimento relativamente à necessidade de ter dado explicações relativas à sua incapacidade, sendo certo que quando a questão surgiu pela primeira vez entendeu dever dá-las apenas após seus parceiros políticos e que se tratam de questões do foro pessoal, relativamente às quais entendeu não ter que dar explicações públicas.
Salientou que relativamente aos documentos não os forneceu, por ter sido esse o seu entendimento na altura, e que não se sentia ofendido pelas palavras que o arguido lhe dirigiu por não ser alegadamente um homem de palavra, uma vez que confirmou que elas foram proferidas unicamente no âmbito da sua actividade enquanto Presidente da Assembleia Municipal.
Mais referiu o assistente que, quando a questão da incapacidade foi discutida pela primeira vez, houve inquéritos por parte do Ministério da Saúde, do Ministério das Finanças e do Ministério Público, tendo todos eles sido arquivados. Mais referiu que não foi a primeira vez que apresentou queixa contra o ora arguido, pelas mesmas razões, na sequência de textos escritos no “blog” do arguido e que dessa vez resolveu perdoar e desistir da queixa.
Ainda assim, o assistente acabou por afirmar que houve um atestado anterior relacionado com problemas de visão e que o presente atestado estará também relacionado com um acidente de proporções graves, que sofreu no ano de 1989, altura em que chegou a estar em coma e esteve sujeito a intervenções cirúrgicas estéticas.
Como testemunhas de acusação depuseram o Presidente da Câmara Municipal ………., D………., E………., Vice-Presidente da Câmara ………., cujo depoimento se revelou muito sereno, equidistante, apesar de estar igualmente envolvido nas questões políticas de ……….; F………., que já esteve ligado à Assembleia Municipal e que é amigo pessoal do assistente. Todas estas testemunhas depuseram relativamente às circunstâncias políticas que rodearam a prática destes factos, tendo todas elas deposto também sobre o pedido de indemnização civil.
De salientar que as duas primeiras testemunhas afirmaram que houve inquéritos a correr por parte do Ministério da Saúde e das Finanças, por causa do atestado e da incapacidade nele descrita e que estas sindicâncias surgiram na sequência de anteriormente, por altura das eleições de 2001, ter sido levantada, pela primeira vez, a questão da incapacidade. Afirmaram que todos esses inquéritos foram arquivados e que a questão voltou a ser levantada agora, com o texto destes autos, por alturas das eleições de 2005.
Todos afirmaram que o texto foi por eles lido, uns mais cedo, outros mais tarde e que tiveram conhecimento de que outras pessoas em ………. o leram, sendo certo que foi a testemunha D………. quem terá denunciado a sua existência ao assistente.
As testemunhas de defesa fazem parte do núcleo de pessoas que apoiam politicamente o arguido, assim como as de acusação apoiam politicamente o assistente, tendo deposto G………., Advogado, H………., sendo estas testemunhas são ou foram membros da Assembleia Municipal, I………. que foi presidente da Assembleia Municipal, antecedendo o assistente nessas funções, e J………., advogado, anterior membro da Assembleia Municipal e funcionário da Repartição de Finanças de ………. .
As testemunhas de defesa puseram o acento tónico no facto de pouca gente em ………. aceder à Internet, na data dos factos, e de pouca gente ter lido o texto. Afirmaram, porém, unanimemente, que quem fosse de ………. e lesse o texto identificaria com toda a certeza o visado no texto. Depuseram de forma circunstanciada e esclarecedora quanto às circunstâncias políticas que rodearam o presente caso.
Uma das testemunhas de defesa, J………., afirmou que considerava a vida pessoal do assistente exemplar, porém, em relação à vida política discordava dele em muitos pontos, sendo certo que flui dos depoimentos das testemunhas de defesa que não concordam com a forma como o assistente exerce o cargo na Assembleia Municipal, dando o seu apoio às dúvidas levantadas pelo arguido.
Todas as testemunhas de defesa depuseram de forma que ao tribunal pareceu séria, circunstanciada e com conhecimento directo de todas as circunstâncias que rodearam os factos em crise nestes autos.
Os depoimentos das testemunhas foram coadjuvados pelos seguintes documentos: declaração do Municio de ………. onde se atesta que o assistente exerce o cargo de Presidente da Assembleia Municipal desde Janeiro de 1998 (fls. 35); a acta do debate instrutório referente ao processo anterior em que foram arguido e assistente os ora arguido e assistente, que não foi posto em causa por qualquer das partes; o despacho de arquivamento do processo que correu termos no Ministério Público contra o médico que passou o atestado ao assistente (fls. 40 e 41); declaração da repartição de Finanças de ………. onde se atesta que o assistente declarou benefício a título de IRS e não beneficiou de isenção de imposto Municipal sobre veículos ou sobre imóveis por causa dessa incapacidade; documentos de fls. 181 e 184 e seguintes onde se confirma as diligências levadas a cabo pelo arguido para lhe serem apresentados os documentos que vem solicitando ao assistente enquanto Presidente da Assembleia Municipal, o atestado em causa nestes autos consta de fls. 217 e, por fim, os documentos juntos em sede de audiência, compostos por textos e artigos escritos pelo arguido relativamente a outros temas da actualidade.
Da generalidade dos depoimentos transpareceu existir uma forte disputa política entre arguido e assistente, que já vem sendo manifestada desde campanhas anteriores.
Efectivamente, não resultou provado que a expressão utilizada “Homem de palavra não é com certeza” tivesse sido proferida fora do contexto político e que tivesse ferido o assistente na sua honra e consideração, até porque foi o próprio assistente quem aceitou que tais expressões são ainda aceitáveis no âmbito da luta política.
Do conjunto dos depoimentos resultou provado, em suma, que com o texto o arguido quis por em causa a incapacidade do assistente, na medida em que o assistente aparenta ter essa incapacidade para efeitos de obter benefícios de ordem económica, sendo certo que transmitiu essa ideia num contexto político preciso e reconhecido.
As condições económicas foram relatadas pelo próprio arguido cujas declarações obtiveram crédito.
Por fim, os antecedentes criminais resultam da análise do certificado de registo criminal junto aos autos.”

Na fundamentação de direito escreveu-se:
“(…)
Analisado que está o bem jurídico protegido pela incriminação em apreço cumpre averiguar se as expressões utilizadas pelo arguido são ou não susceptíveis de ofender a honra e consideração do assistente, no contexto em concreto e, depois, se havia alguma causa que justificasse essa ofensa.
No que respeita à situação da incapacidade, vem o arguido alegar que escreveu o texto referido em 2.º dos factos provados, num contexto de luta política e por reputar como legítima a sua desconfiança no que respeita à incapacidade atribuída ao assistente, de 87,5%, exercendo por isso um direito legítimo. É que o arguido alega que o assistente, apresenta tal incapacidade mas não aparenta tê-la.
O arguido vem dizer em sede de contestação que o assistente tem, desde há cerca de vinte anos, uma incapacidade de 87,5%, sendo que não aparenta tê-la.
No texto que escreve afirma, em tom crítico e empregando alguma ironia que o assistente tem uns “beneficiozitos” no IRS por força dessa incapacidade.
Em nosso entender, o arguido ataca os pressupostos que levaram a Junta Médica a conceder a incapacidade dos 87,5%, estando subjacente a esta crítica a intenção de atingir a honra do assistente, ao dizer que recebe os “beneficiozitos” quando a eles não tem direito por não aparentar ter essa incapacidade, ou seja, que o assistente engana o Estado em prol de um benefício económico.
Alega ainda, em sede de contestação que o assistente, “aparentemente saudável e que, ao tempo do atestado médico, era Presidente e superintendia a Administração Regional de Saúde de Aveiro, a mesma entidade a que pertenciam os Médicos que subscreveram o dito atestado...”
Ora, parece-nos que ao dizer que o assistente usou essa sua qualidade para forjar uma incapacidade é pôr em causa a honorabilidade e a honestidade moral do assistente.
Efectivamente, o arguido deixa no ar, ainda para mais num meio pequeno, onde tudo se sabe e onde todos se conhecem, a desonestidade grave do assistente para usar de benefícios fiscais aos quais não tinha direito. Esta ideia extrai-se directamente do texto escrito pelo arguido, no momento em que se refere à honorabilidade e magnanimidade do assistente, conjugando essas formas de expressão com o segmento “apesar da incapacidade”.
Em nosso entender, o arguido parece estar a extravasar um mero direito de crítica política que legitima determinados ataques políticos, mas que não legitima tudo.
Queremos com isto dizer que o arguido atingiu a honra e a consideração pessoais do assistente, tendo usado da vida privada do assistente para o descredibilizar perante os seus Munícipes e aqui entra, a nosso ver, a tutela penal.
O texto foi conhecido por terceiros, designadamente, pela maioria das testemunhas que veio depor em tribunal, sendo esse o momento em que o crime se consuma.
Por outro lado, o destinatário dessa notícia era facilmente identificado, primeiro porque a questão do atestado médico já tinha sido levantada anteriormente, facto que foi do conhecimento generalizado dos habitantes de ………., onde circularam cópias do dito atestado, depois, porque as referências do texto identificam o destinatário como sendo o Presidente da Assembleia Municipal e, por fim, o texto insere-se num blog onde estão escritos inúmeros textos relacionados com o Município de ……….., com a epígrafe de “Participe! Por ……….”, inserido no denominado “……….log”.
Vejamos agora se essa sua crítica era justificada porque afirmada num contexto político e com o fito de prosseguir com o interesse público.
A vida social, designadamente, a vida política, apresenta sempre algum grau de conflitualidade, de choque de opiniões, de divergências e até de animosidades, que são transferidas para a esfera pública. Essas manifestações são verbalizadas, as mais das vezes, oralmente nos debates públicos e outras vezes pela forma escrita, através de meios de divulgação tais como os jornais e a televisão, mas também, por outros meios de difusão, como o são, por exemplo, a internet.
Nesse contexto, são, inúmeras vezes, utilizadas formas de expressão que aos olhos externos à política constituem agressões verbais, mas que para quem participa na vida política têm que ser admitidas nesse contexto preciso de luta política.
Porém, até para isso há limites, onde não pode ser atingida a honra do visado. De facto, a não ser assim, estava descoberta a chave para se por em causa a dignidade e dizer tudo de uma pessoa, integrando-se tudo no combate político – veja-se, a título de exemplo, o Acórdão da Relação do Porto, de 28/06/2006, in www.dgsi.pt, que sumaria o seguinte: “Na luta política pode considerar-se legítimo o uso de expressões que, no âmbito das relações privadas, seriam ofensivas.”, estabelecendo mais à frente aquele limite da honra do visado. Pensamos que o que se quer dizer no Acórdão e que é o nosso entendimento, é que quando as expressões são proferidas no âmbito de uma luta política conferem à conduta do agente uma menor densidade axiológica, porém, não se podem fazer ataques pessoais à honra de uma outra pessoa, seja ela o seu maior adversário político.
Efectivamente, o discurso político não pode justificar tudo, maxime quando afecta a honra e a dignidade das pessoas, ou seja, o valor pessoal de cada indivíduo, radicado na sua dignidade e, bem assim, a sua reputação ou consideração exterior.
O arguido vem afirmar que não quis ofender o visado mas apenas quis denunciar uma situação, considerando ser legítima a sua intervenção na medida em que estava em causa o Presidente da Assembleia Municipal e sua idoneidade para exercer tal cargo.
Vejamos se, in casu, se estão preenchidos os pressupostos para a conduta do agente não ser punível, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 180.º do Código Penal.
(…)
No que respeita ao interesse legítimo, poderíamos admitir a hipótese de o arguido, enquanto opositor político do assistente, querer, no seio do debate político, denunciar uma situação de aproveitamento económico por força de um atestado médico e de uma incapacidade que não correspondia à realidade, porém, o arguido teria sempre que fazer a prova de que o assistente não sofria, de facto, dessa incapacidade.
Ora, em nosso entender, o arguido não fez prova de que o assistente não padecia de uma enfermidade que justificasse a dita incapacidade, lançando apenas a suspeita. Provou apenas que o atestado era verdadeiro, até porque decorreu um inquérito que determinou que havia prova bastante de se não ter verificado crime e de o arguido nesse processo (o médico que presidiu à Junta Médico que atribuiu a incapacidade) não o ter praticado a qualquer título (cfr. Fls. 40 e 41), o que consubstanciam situações diferentes.
O arguido teria que ter feito prova da primeira circunstância, pois era essa a verdade que o arguido queria ver demonstrada para fundamentar a sua imputação. E, em bom rigor, nem factos alegou com esse fito, inexistindo, a nosso ver, um fundamento sério para, em boa fé, a reputar como verdadeira. Para além de que o arguido escudou-se sempre na circunstância de o assistente ter tido diversas oportunidades para justificar a incapacidade e não o fez, por nunca ter vindo a público dizer qual era essa sua incapacidade. Ora, parece-nos que, em rigor, o assistente não teria que o fazer, até porque a sua incapacidade poderia advir de uma enfermidade relacionada com a sua vida íntima.
Assim, ainda que se considerasse que o arguido teria um interesse legítimo para apontar ao assistente tais factos, sempre teria que provar da sua veracidade ou ter um fundamento sério para, de boa fé, a reputar como verdadeira. Este último requisito não se verifica, também porque o arguido sabia que tinha havido uma sindicância por parte da Inspecção Geral de Saúde e um inquérito a correr no Ministério Público, tendo ambos sido arquivados, pelo que, a questão estaria encerrada. A situação terá também sido comunicada às Finanças, que, da mesma forma, não veio a produzir resultados, sendo certo que seria esta uma das entidades interessadas em por em causa o atestado.
Mesmo assim, o arguido insistiu no seu propósito de por em causa a honorabilidade, honestidade e idoneidade do assistente, lançando a suspeita sem cuidar de demonstrar que essa suspeita tinha fundamento. Pelo contrário, parece-nos que o arquivamento de tais inquéritos constituíam a insustentabilidade da sua suspeita.
Ora, era a própria lei que atribuía esses benefícios e se a lei era imoral, só por via de uma alteração legislativa, que veio efectivamente a ocorrer posteriormente, a situação poderia ser alterada.
Em jeito de conclusão, diremos que não obstante a ilicitude ser mais diminuta por os factos terem ocorrido no âmbito da luta política, onde a esfera privada de quem nela participa pode ser mais restringida, ainda assim, entendemos ter sido violado o direito pessoal do assistente à honra e à sua reputação exterior.
O direito de liberdade de expressão do arguido, que é seguramente reconhecido, ainda para mais no contexto em que foi manifestado, foi um pouco além do que lhe era permitido por ter entrado na esfera íntima do assistente, na sua honorabilidade e honestidade moral.
Quanto ao requisito ter sido praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação, também aqui, em nosso entender, falecem os argumentos do arguido. De facto, admitimos que um blog não tem a mesma eficácia ou os mesmos efeitos imediatos de se escrever num jornal ou de se veicular uma notícia pela televisão, mas é consabido que a internet permite a difusão de uma informação à escala global, bastando para isso, haver alguém interessado em saber notícias da vida política de ………. . Ora, o texto em crise inseria-se numa página que dizia “Participe! Por ……….”. E ainda que o identificado blog possa não ser muito conhecido ele estava disponível para quem o quisesse visitar.
A propósito, diz o Ilustre Professor Faria Costa, in “Direito Penal da Comunicação, Alguns Escritos”, Coimbra Editora, 1998, pág. 15, que “Na verdade, hoje, ao criar-se um “site” na “Internet”, com mais ou menos ligações, pouco importa, estamos a lançar informação para um espaço virtual, para uma terra de ninguém que tem, no entanto, a qualidade única e insubstituível de todos ali poderem poisar os pés e de, por ela e nela, acederem à informação que lá foi “plantada”.
Por fim, quanto aos requisitos objectivos, a ofensa foi praticada contra um membro de um órgão da autarquia local, o que, de acordo com o citado art.º 184.º agrava o crime, pois provou-se que o assistente era, à data da prática dos factos, o Presidente da Assembleia Municipal de ………. .
Provou-se, ainda, que tais expressões foram ouvidas por terceiros e que, em consequência disso, provocaram no assistente constrangimento e mal-estar.
No que respeita ao dolo, provou-se que o arguido quis atingir a honra do assistente, fazendo-o de forma livre e consciente.
A partir da reforma penal de 1995 deixou de se exigir um dolo específico, um animus difamandi, isto é, deixou de ser exigível que se indaguem os fins ou os motivos individuais do agente, bastando que saiba que está a imputar um facto ou a formular um juízo de valor que vai ofender o bom nome e consideração do visado. E tanto assim foi que o arguido já tinha sido constituído arguido e sido acusado noutro processo por razões semelhantes, e que só não teve seguimento por ter havido por parte do assistente desistência de queixa.
O arguido é pessoa suficientemente esclarecida e, por isso, capaz de entender o alcance das suas palavras.
Cremos, assim, estar preenchido o pressuposto subjectivo do crime em apreciação, na sua forma de dolo directo. As mesmas considerações se tecem no que concerne às agravações, pois o arguido tinha pleno conhecimento dos seus elementos constitutivos e quis levar adiante a sua conduta.
Assim, com a conduta levada a cabo pelo arguido, que agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que essa sua conduta era proibida e punida por lei, preencheu também os elementos subjectivos do crime de difamação agravada relativamente a factos que configuram o preenchimento do elemento subjectivo do tipo, na modalidade de dolo directo (art.º 14.º, n.º 1, do Código Penal).
Cumpre agora fazer uma apreciação dos factos pelos quais o arguido também vinha pronunciado e que respeitam ao mesmo texto: “Mas o Presidente da Assembleia não cumpriu! (...) Homem de palavra não é com toda a certeza.”.
O arguido justificou esta imputação com circunstâncias e episódios ocorridos em assembleias municipais, tendo referido que solicitou, por diversas vezes e em diversas assembleias, ao Presidente da Assembleia Municipal cópia de um parecer jurídico que este tinha invocado a propósito de um relatório do IGAT, num inquérito ao Município de………., sendo que o requereu no seu legítimo direito de membro da Assembleia Municipal.
Estas circunstâncias provaram-se em julgamento e as expressões foram proferidas nesse contexto.
O arguido, neste caso, expressou legitimamente o seu direito de crítica, sendo certo que não ultrapassou o juízo de apreciação objectivo e de valoração crítica a um comportamento tido pelo assistente no âmbito do seu cargo de Presidente da Assembleia Municipal de ………. .
Entendemos, assim, tendo em conta todas as considerações que supra expendemos sobre os limites da liberdade de expressão em confronto com o direito à honra pessoal, que esta crítica é legítima e não contende com a honra pessoal e íntima do assistente, isto é, a valoração e censura críticas relacionam-se exclusivamente com o desempenho profissional do assistente.
Estas, sim, enquadram-se plenamente no exercício do combate político e que o assistente, enquanto parte activa nesse combate, tem que aceitar.
Assim sendo, sem necessidade de maiores considerações, decide-se absolver o arguido nesta parte.
Como acima referimos, não há causas de exclusão da ilicitude nem da culpa, pelo que se conclui que o arguido B………. praticou um crime de difamação agravada, p. e p. pelo art.º 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, alínea a) e 184.º, todos, do Código Penal.”
*
II- FUNDAMENTAÇÃO
Tal como o arguido delimita o objecto do seu recurso (art. 412 nº 1 do CPP), impõe-se averiguar se a decisão em crise enferma de erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito (por, na sua perspectiva, as frases em causa, utilizadas no artigo por si escrito, publicado no referido blogue, não serem objectivamente ofensivas da honra e consideração devidas ao assistente, mesmo enquanto pessoa individual, tendo, para além disso, actuado no exercício do direito de fazer crítica política, mostrando-se justificada a sua conduta) e, portanto, se deve ser revogada e substituída por outra que o absolva da acção penal e pedido cível nela enxertada.
Passemos então a apreciar a questão colocada no recurso em apreço (sendo certo que a invocação pelo Sr. PGA, da ilegitimidade do Ministério Público - não obstante o assistente ter apresentado acusação nos termos do art. 284 do CPP, como resulta do teor de fls. 76 a 83 e do próprio despacho de pronúncia de fls. 238 a 246, tendo este delimitado o objecto do processo - apenas será analisada na medida da sua pertinência, isto é, caso se acabe por concluir que, ao contrário do alegado pelo recorrente, subsiste o crime de difamação, embora sem a agravação pela qual foi condenado).
Importa, em primeiro lugar, analisar se as expressões utilizadas no artigo que o arguido escreveu e publicou (por sua iniciativa) no dito blogue, são ou não objectivamente ofensivas da honra e consideração devidas ao assistente, quer como Presidente da Assembleia Municipal de ………., quer mesmo enquanto pessoa individual.
Para tanto, impõe-se previamente fazer uma incursão sobre os pressupostos da incriminação pela qual o arguido foi condenado, sendo certo que, as alterações ao CP que entraram em vigor em 15/9/2007 (o que chama à colação o disposto no art. 2 nº 4 do mesmo código), introduzidas pela Lei nº 59/2007 de 4/9[2], apenas ocorrem quanto à norma prevista no artigo 184 e quanto à correspondente alínea do nº 2 do artigo 132 (embora sem repercussões de relevo neste caso concreto).
Dispõe o art. 180 (Difamação) do CP:
1. Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2. A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
3. Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do nº 2 do artigo 31º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar de imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.
4. A boa-fé referida na alínea b) do nº 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.
Nos termos do art. 182 (Equiparação) do CP:
À difamação e à injúria verbais são equiparadas as feitas por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão.
Estabelece o artigo 183º (Publicidade e calúnia) do CP:
1. Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180º, 181º e 182º:
a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou,
b) Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação;
as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
2. Se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias.
O artigo 184º (agravação) do CP na versão vigente à data dos factos (ocorridos em 22/7/2005) era a seguinte:
As penas previstas nos artigos 180º, 181º e 183º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea j) do nº 2 do artigo 132º, no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.
As pessoas referidas na alínea j) do nº 2 do artigo 132º do CP na versão então vigente, eram as seguintes:
«Membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado, Ministro da República, magistrado, membro de órgão do governo próprio das Regiões Autónomas ou do território de Macau, Provedor de Justiça, governador civil, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou militar, agente de força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente ou examinador, ou ministro de culto religioso, no exercício das suas funções ou por causa delas».
Como já foi dito, estes dois últimos dispositivos foram alterados com a entrada em vigor da citada Lei nº 59/2007.
Assim, dispõe actualmente o art. 184 (que mantém a mesma epígrafe):
As penas previstas nos artigos 180º, 181º e 183º são elevadas de metade nos seus limites mínimo e máximo se a vítima for uma das pessoas referidas na alínea l) do nº 2 do artigo 132º, no exercício das suas funções ou por causa delas, ou se o agente for funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.
As pessoas referidas na alínea l) do nº 2 do artigo 132º do CP na versão hoje em vigor, são as seguintes:
«Membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado, Representante da República, magistrado, membro de órgão do governo próprio das Regiões Autónomas, Provedor de Justiça, governador civil, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou militar, agente de força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente, examinador ou membro da comunidade escolar, ou ministro de culto religioso, juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no exercício das suas funções ou por causa delas».
Olhando ao caso concreto aqui em apreciação e confrontando as sucessivas versões do art. 184 e correspondente alínea do nº 2 do art. 132 do CP, verifica-se que continua a existir a mesma agravação quando está em causa “membro de órgão das autarquias locais”.
Assim, nessa matéria, o que aqui importa reter é que hoje a agravação em causa se reporta às pessoas indicadas na alínea l (em vez da alínea j) prevista à data dos factos em questão) do nº 2 do art. 132 do CP.
Como sabido, é a honra, encarada dominantemente numa perspectiva dual (concepção normativa combinada com a concepção fáctica), «como bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior»[3], que se protege neste tipo legal de crime (difamação).
Ou seja, o bem jurídico complexo da honra abrange, assim, quer a honra enquanto valor interior, quer a consideração enquanto valor exterior (honra e consideração que, atenta a sua natureza estritamente pessoal, são expressão da própria personalidade do indivíduo, assentando na garantia da protecção da dignidade humana).
Ensina Faria Costa[4] que, na “relação tipicamente triangular” que caracteriza a difamação, por contraposição à injúria, a noção de “facto” traduz-se “naquilo que é ou acontece, na medida em que se considera como um dado real da experiência”, tratando-se de “um juízo de afirmação sobre a realidade exterior, como um juízo de existência”, enquanto o conceito de “juízo” «deve ser percebido, neste contexto, não como apreciação relativa à existência de uma ideia ou de uma coisa mas ao seu valor» (…), «deve ser entendido relativamente ao grau de consecução dessa ideia, coisa ou facto, se valorados em função do fim prosseguido».
Não obstante, por vezes, ser difícil ao intérprete efectuar a destrinça entre os conceitos de “facto” e de “juízo” quando imputados a outrem, a verdade é que são diferentes, «sobretudo diferentes de um ponto de vista da ressonância social»[5] mas, o legislador equiparou-os, precisamente por o elemento determinante no tipo legal em questão ser a ofensa à honra ou consideração de uma pessoa.
Todavia, independentemente dessa imputação ofensiva da honra e consideração de uma pessoa ser feita de forma directa (isto é sem dúvidas) ou indirecta (sob a forma de suspeita), embora, no crime de difamação, ambas através de terceiro, há sempre que ter em atenção o contexto em que é proferida, para melhor se alcançar o seu conteúdo.
Numa fórmula simplista podemos dizer que o tipo objectivo deste ilícito se satisfaz com a imputação, através de terceiros, de “factos, palavras ou juízos desonrosos”, enquanto o tipo subjectivo, exige o dolo (genérico, que não específico), em qualquer das suas modalidades previstas no art. 14 do CP.
Porém, a difamação não é punida se, cumulativamente, se verificarem as circunstâncias previstas no nº 2 do art. 180 do CP, com ressalva da situação descrita no seu nº 3[6].
Igualmente a difamação pode não ser punida verificando-se, nos termos gerais, as causas que excluem a ilicitude[7], mormente as previstas no art. 31 nº 2-b), c) e d) do CP (aqui se incluindo, ainda, de forma especial, a situação particular prevista no nº 3 do mesmo art. 180, quando estão em causa “factos relativos à intimidade da vida familiar e privada”).
O mesmo sucedendo se funcionar a cláusula geral de adequação social[8], independentemente de se considerar que a mesma (tal como “o risco permitido”), integra uma «causa de justificação implícita ou supralegal» ou então uma «causa de exclusão da tipicidade»[9].
Por seu turno, a agravação prevista no art. 183 nº 1-a) do CP, aqui em causa, é feita em função do meio utilizado (neste caso publicação em blogue acessível via Internet) que facilita a divulgação da difamação.
Já na agravação prevista no art. 184 do CP, «o legislador, a partir de uma lógica que assenta na ideia de que o estatuto funcional – quer na óptica do sujeito passivo, quer na do sujeito activo – dos cargos de determinadas pessoas acrescenta uma mais valia à própria honra, passou a considerar que os actos desonrosos que atacassem essa honra acrescida ou densificada mereciam uma maior punição»[10].
Por isso, as alíneas j) e l) do nº 2 do art. 132 do CP na versão vigente à data dos factos (hoje, com as alterações introduzidas pela Lei nº 59/2007, correspondentes às alíneas l) e m) do mesmo dispositivo legal), como diz Faria Costa «devem ser vistas, unicamente, como um catálogo de cargos ou funções que podem “privilegiar” a vítima ou onerar o agente atribuindo-lhes, nas condições referidas na lei, o “privilégio” de verem a honra acrescida do “valor funcional”»[11].
É o critério constitucional da «necessidade social»[12] que vai orientando o legislador na tarefa de determinar quais são as situações em que a violação de um bem jurídico justificam a intervenção penal, não esquecendo que o direito penal é sempre a «ultima ratio da política social»[13].
Pressuposto da referida intervenção penal é a tutela constitucional do direito fundamental «ao bom nome e reputação» de qualquer pessoa (art. 26 nº 1 e 2 da CRP).
Importa, porém, proceder à compatibilização desse direito com o também direito fundamental da «liberdade de expressão e informação» (art. 37 da CRP).
A «liberdade de expressão e de informação» assume, nas palavras de Jorge Figueiredo Dias[14], “um duplo carácter: o carácter de um direito individual do cidadão, por um lado, dotado do «radical subjectivo» a que este pertence (…) e que no caso, aliás, se traduz num direito de defesa como num direito de participação política; mas também o carácter, por outro lado, de uma garantia institucional (…) no preciso sentido da protecção jurídico-constitucional dispensada, em nome do interesse público, a uma «instituição» do direito político.”
E, não se pode esquecer, como tem vindo repetidamente a afirmar o TEDH[15], que “a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática” (caracterizada ainda pelo “pluralismo, tolerância e espírito de abertura”) “e uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um”[16].
Uma das manifestações da liberdade de expressão é precisamente o direito que cada pessoa tem de divulgar a opinião e de exercer o direito de crítica[17], nomeadamente, a nível político.
Aliás, a liberdade de expressão, nela incluindo o direito de crítica, é também uma forma de exercício da tão necessária participação activa na vida em sociedade.
Certo que o “exercício do direito de crítica” pode criar situações de conflito com bens jurídicos como o da honra pessoal (entendida esta na referida perspectiva dual).
Mas, envolvendo o exercício da liberdade de expressão, reconhecido a qualquer pessoa, deveres e responsabilidades, entre eles, no domínio dos direitos de personalidade, o respeito pelo bom nome e reputação da pessoa visada, há a obrigação de evitar expressões gratuitamente ofensivas ou desproporcionadas atento o contexto global em que são proferidas.
Claro que, nas sociedades democráticas, a crítica a personalidades conhecidas, v.g. que exercem funções públicas, seja a nível nacional ou local (como sucede, neste último caso, quando se reporta ao Presidente de Assembleia Municipal), quando actuam nessa qualidade, tem limites mais amplos (do que a de um particular), na medida em que os seus actos estão sujeitos a um controlo atento das pessoas que compõem a respectiva comunidade, na qual exercem as suas funções[18].
Daí que, como dizem Jorge Miranda e Rui Medeiros[19], «as questões relativas ao bom nome e à reputação podem assumir contornos específicos quando se trate de crítica política pois aí a liberdade de comunicação cumpre uma função político-democrática. A resposta deverá em qualquer caso passar pela distinção entre a discussão política em sentido próprio, por um lado, e a mera ofensa pessoal desnecessária, inadequada ou desproporcional às exigências do debate político democrático, por outro».
De qualquer modo, mesmo na veste de “homem político” a figura pública, nele se incluindo o Presidente de qualquer Assembleia Municipal (conhecido no meio social, na comunidade local onde exerce as suas funções), também goza de protecção da sua reputação.
Quando estiverem em causa temas de interesse comunitário (ainda que local, a nível do município), além de ter de existir uma maior tolerância perante a crítica razoável, as restrições à liberdade de expressão (para conceder maior protecção à reputação do ofendido), só poderão ser justificadas por uma “necessidade social imperiosa” na vida democrática, que permita considerar essa ingerência como “proporcional ao fim legítimo perseguido”.
Atento o disposto no art. 37 nº 3 da CRP incumbe aos tribunais judiciais, o controlo da crítica excessiva, arbitrária, gratuita ou desproporcionada, na medida em que seja ofensiva do bom nome e da reputação da pessoa, mesmo quando se trata de político.
A liberdade de expressão, particular vertente da liberdade pessoal em geral, sendo uma concretização da «liberdade geral de acção» ou do «direito ao livre desenvolvimento da personalidade», sempre liberdades e direitos fundamentais constitucionalmente reconhecidos[20], que se fundam no valor supremo da dignidade humana[21], caracteriza-se pela sua intrínseca estrutura relacional: é essencialmente na relação com o outro que ela se concretiza e realiza[22].
Por isso, como salienta Costa Andrade, também a liberdade de expressão é geradora de “toda uma tensão de conflitualidade que importa apaziguar”, concretamente quando contende com o bem jurídico-complexo da honra na sua perspectiva dual acima mencionada.
Os direitos fundamentais em jogo (por um lado o direito ao bom nome e reputação e, por outro, o direito de expressão), que têm peso igual na hierarquia dos valores protegidos constitucionalmente[23], estando sujeitos a determinadas restrições (no caso da liberdade de expressão, estando as limitações também previstas no art. 37 nº 3 da CRP), não podem ser considerados como direitos absolutos[24].
O conflito que pode resultar do confronto entre o “direito ao bom nome e reputação” e o “direito de expressão” ou “direito de informação em sentido amplo”[25], só poderá ser resolvido com a ponderação dos respectivos interesses, fazendo intervir critérios como o da proporcionalidade, da necessidade e da adequação (art. 18 nº 2 da CRP), salvaguardando, porém, o núcleo (alcance e conteúdo) essencial dos preceitos constitucionais em jogo.
Nesse caso, há que introduzir limites a esses dois direitos fundamentais, de forma a preservar o núcleo essencial de cada um deles, com o fim de alcançar a necessária composição (“«harmonização» ou «concordância prática» dos bens em colisão, a sua optimização”[26]) dos interesses em conflito.
Atentas as considerações de direito acima expostas de forma resumida e, passando a analisar o caso dos autos, importa apurar se aquelas frases inseridas no texto escrito pelo arguido, publicado no dito blogue em 22/7/2005, são ou não objectivamente ofensivas da honra e consideração devidas ao assistente, quer como cidadão/particular, quer na sua função de Presidente da Assembleia Municipal de ………. .
Para tanto, importa destacar que, tal como resulta dos factos dados como provados, o escrito em questão (da autoria do arguido) com o título “Era Uma Vez…”, foi publicado no blogue denominado “……….blog” (criado pelo próprio arguido), tendo sido colocado na área com a epígrafe (ou título mais genérico, que anuncia a finalidade do blogue) “(…) Participe! Por ……….”, referindo-se (em resumo) a reuniões da Assembleia Municipal de ………. e ao exercício de funções do respectivo Presidente (o assistente), tratando-se de texto inserido em “momento de balanço do trabalho desenvolvido e de campanha eleitoral para novas eleições” (que se iam realizar em Outubro de 2005, onde ambos, arguido e assistente, se recandidatavam aos cargos respectivamente de membro e de Presidente da Assembleia Municipal de ……….), altura em que o arguido teve grande intervenção política, sendo certo que ambos - arguido e assistente - são opositores na luta política e têm tido vários desentendimentos no âmbito da actividade municipal que exercem.
Nesse contexto é que o arguido escreveu (além do mais): “Era uma vez uma Assembleia Municipal que funcionava com os mais elevados índices de excelência. Era presidida pelo líder mais carismático e simpático da terra. Além disso, era de uma honradez, de uma magnanimidade e de uma honorabilidade a toda a prova. Apesar da sua incapacidade (...) bem, aqui entre nós, aquela incapacidade apenas lhe dava para comprar uns carritos mais baratos, ficar isento do Imposto Municipal sobre veículos, ter um “beneficiozito” no IRS... enfim, coisas de pequena monta. (…)”.
Lendo o texto integral (dado como reproduzido) percebe-se que todo ele foi escrito com o mesmo objectivo: apresentar a opinião e crítica política do seu autor (aqui arguido), à actuação do assistente (embora o seu nome não seja citado), enquanto Presidente da Assembleia Municipal de ………. e no domínio dessa sua função política.
Essa crítica que perpassa por todo o texto - onde o arguido se refere igualmente a um dos membros daquela Assembleia Municipal, que «Era um “chato”», a quem deu o nome de K………. (percebendo-se pelo teor do texto que escreveu, que estava a referir-se a vários incidentes ocorridos em reuniões daquela Assembleia, entre esse dito membro e o Presidente) - visava descredibilizar, perante possíveis eleitores (de entre aquelas pessoas que lessem o referido texto, inserido no dito blogue, onde constavam outros artigos de opinião, alguns dos quais abordando assuntos relacionados com o Concelho de ………., portanto de interesse local), o assistente, olhando para a sua actuação quando exercia as funções de Presidente da Assembleia Municipal de ……….., como, aliás, decorre da parte final, onde conclui: “(...) mas o Presidente da Assembleia não cumpriu! (...) Homem de palavra não é com toda a certeza.”
Essa finalidade de, perante possíveis eleitores, retirar crédito ao assistente, no exercício da sua função de Presidente da Assembleia Municipal de ……….., surpreende-se na parte final do texto, quando o arguido escreveu: “(...) mas o Presidente da Assembleia não cumpriu! Assim, esta história fica por terminar, deixando aos leitores o desafio de encontrarem o adjectivo mais adequado para qualificar quem promete e não cumpre. Homem de palavra não é com toda a certeza.”
Ora, não estando em causa esta parte final do texto, na medida em que por todos (incluindo assistente, pelo que se percebe da motivação de facto da sentença impugnada) foi considerada como crítica política admissível (que não era difamatória, nem ilícita), então também não se percebe como é que o tribunal da 1ª instância pretende descontextualizar o que se escreveu na parte inicial daquele mesmo escrito, quando é abordada a incapacidade, atestada por junta médica, do Presidente da Assembleia Municipal.
A forma irónica e sarcástica como no texto é abordada essa incapacidade, ainda que atingindo matéria de foro pessoal, objectivamente não pode ser considerada como ofensiva da “honra e consideração do ofendido, sobretudo e por causa do exercício da profissão deste” (ofendido que, para além de exercer o referido cargo político, era médico e Delegado de Saúde de ……….), mesmo que essa fosse a intenção do arguido e até pudesse pensar que a sua conduta era proibida e punida por lei (ver pontos 9, 11 e 12 dos factos dados como provados).
Aliás, resulta do mesmo artigo/texto, que essa incapacidade havia sido anteriormente questionada pelos adversários políticos do assistente, dando origem a processo, acabando o tribunal por a considerar “como verdadeira e perfeitamente legal”.
Nesse sentido veja-se o que se escreveu no mesmo texto: “(…) Apesar da sua incapacidade, atestada por junta médica, se situar nos 87,50%, para efeitos de benefícios fiscais. Incapacidade que os adversários políticos, invejosos e mal intencionados, quiseram questionar mas que a justiça sentenciou como verdadeira e perfeitamente legal. Bem, aqui entre nós (…)”.
Ou seja: essa matéria (relacionada com a dita incapacidade) de foro pessoal já havia sido anteriormente utilizada na “luta política”, sendo de novo “relembrada” no texto em questão (o que igualmente indicia que o arguido discordaria da forma como a questão teria sido decidida pelo tribunal), com o comentário feito a esse propósito: “(…) bem, aqui entre nós, aquela incapacidade apenas lhe dava para comprar uns carritos mais baratos, ficar isento do Imposto Municipal sobre veículos, ter um “beneficiozito” no IRS... enfim, coisas de pequena monta. (…)”.
Nesse comentário, considerando a forma como abordou a mencionada incapacidade, percebe-se que o arguido refere-se a benefícios fiscais e outras regalias que o assistente poderia obter por ser portador de incapacidade (sendo do conhecimento geral que as pessoas singulares que padecem de determinadas incapacidades, desde que verificadas as condições previstas na lei, têm alguns benefícios a nível de redução de impostos e afins); não afirma, nem insinua que o assistente obteve benefícios a que não tivesse direito (nem sequer se pode dizer que deixou no ar essa suspeita, uma vez que também fez alusão à decisão do tribunal, apesar de poder não concordar com essa decisão).
Padecendo o assistente de incapacidade, com um determinado grau de invalidez (ver pontos 13 e 14 dos factos provados), a alusão a esse facto do foro pessoal, não é em si ofensivo da sua honra e consideração: trata-se antes da constatação de um facto, que volta a ser “estrategicamente” manipulado por adversário político (quando é relembrado que já havia sido questionada a autenticidade daquela incapacidade, embora o tribunal tivesse decidido em sentido contrário) e é objecto de comentário.
Essas frases e comentário dirigem-se, pois, ao assistente, enquanto “homem político”, o que pressupõe o exercício dessa função de forma séria e honesta (daí a alusão no final do texto a não ser “homem de palavra”).
Poder-se-á censurar essa tentativa de aproveitamento político (essa estratégia de actuação dos adversários políticos que dessa forma pretendiam retirar dividendos políticos) e até considerar que foi feita uma “grosseira” abordagem a tema ligado ao foro pessoal do assistente, que em princípio já deveria estar ultrapassado (face à alusão à existência de decisão da Justiça) e que ali surgia de novo, de forma impertinente.
No entanto, a discordância quanto a essa estratégia e impertinência política, não é suficiente para se concluir que dessa forma foi ofendida a honra e dignidade pessoal do assistente.
Aliás, nem se compreende o raciocínio seguido pelo julgador quando, em vez de fazer o enquadramento jurídico a partir dos factos que deu como provados, discorre e tece diversas considerações, retirando ilações (como bem diz o Sr. PGA), de argumentos que terão sido alegados na contestação, mas que não encontram apoio na decisão proferida sobre a matéria de facto (v.g. quanto à incapacidade do assistente ser forjada por ser pessoa “aparentemente saudável, que ao tempo do atestado médico, era Presidente e superintendia a Administração Regional de Saúde de Aveiro, a mesma entidade a que pertenciam os Médicos que subscreveram o dito atestado…”; quanto ao arguido insinuar que o assistente retirava alguns benefícios indevidos; quanto a circularem, entre os habitantes de ………., cópias do dito atestado; que o arguido “provou apenas que o atestado era verdadeiro, até porque decorreu um inquérito que determinou que havia prova bastante de se não ter verificado crime e de o … médico que presidiu à Junta Médica que atribuiu a incapacidade não o ter praticado a qualquer título”).
O julgador retira, do teor da contestação, ilações que não encontram suporte nos factos dados como provados, as quais, por isso, são irrelevantes para a conclusão a que chegou (no sentido de o arguido ter escrito sobre a vida privada do assistente, ultrapassando a sua liberdade de expressão, “por ter entrado na esfera intima do assistente, na sua honorabilidade e honestidade moral”), não a podendo fundamentar.
Com efeito, interpretando o que consta do texto em questão, publicado no dito blogue, não é possível concluir que, quando o arguido escreveu sobre a dita incapacidade de que o assistente era portador e sobre possíveis vantagens que poderia retirar, tivesse atingido a honra e consideração deste, quer a nível pessoal, quer a nível funcional.
Claro que faz crítica sarcástica e até jocosa (esta olhando para a forma como contou aquela “história”, nomeadamente quando se refere ao membro da Assembleia Municipal que era “um chato” e quando relata o episódio do “microfone”, estando “ainda nas mãos do K………”, gritando “o Presidente que o K………. queria raptar o micro”), com objectivos políticos, mas não se vê como é que por aquela forma ofendeu a honra e dignidade do assistente.
Quando muito, como diz o Sr. PGA, o texto revela uma crítica (obviamente discutível, como todas as demais opiniões) à legislação existente, no sentido de serem injustificadas aquelas regalias e benefícios fiscais concedidos a pessoas portadoras de incapacidade e até mesmo uma crítica velada à decisão do tribunal, mas não como uma ofensa da honra e dignidade do assistente.
Ofensa existiria se tivesse sido escrito que o assistente estava a obter benefícios indevidos, com uma pretensa incapacidade que não existia, que fora forjada ou que conseguira através de “artimanha”.
Mas não foi isso o que se escreveu, sendo certo que daquele texto, tal como se mostra redigido, não se pode extrair qualquer insinuação no sentido apontado pelo julgador na sentença sob recurso ou no sentido apontado pelo assistente a fls. 531.
Tão pouco se pode concluir (como sugere o assistente na resposta ao Parecer do Sr. PGA) que a “citada incapacidade do assistente é utilizada em termos pejorativos e ofensivos.”
Trata-se antes de escrito cujo conteúdo poderá ser incómodo para o assistente, mas isso não significa que tivesse sido agredido na sua honra e consideração, apesar do arguido poder continuar a duvidar (o que é irrelevante, uma vez que também se referiu à decisão do tribunal em sentido contrário) da sua incapacidade.
E, repare-se que, não se podem confundir eventuais dúvidas que o arguido tivesse (por estar do lado dos adversários políticos do assistente, como ressalta do texto em questão) sobre a incapacidade do assistente, com a imputação (por escrito, no texto) de uma suspeita de o assistente ter forjado aquela incapacidade de que era portador.
Note-se que do texto em questão, mesmo articulado com os demais factos apurados, não ressalta qualquer desconfiança do autor do escrito (o arguido) em relação à incapacidade atribuída ao assistente (se isso foi alegado pelo arguido é matéria irrelevante uma vez que não decorre dos factos dados como provados).
Tão pouco se detecta que esteja a atacar (como se diz na sentença) «os pressupostos que levaram a Junta Médica a conceder a incapacidade dos 87,5%, estando subjacente a esta crítica a intenção de atingir a honra do assistente, ao dizer que recebe os “beneficiozitos” quando a eles não tem direito por não aparentar ter essa incapacidade, ou seja, que o assistente engana o Estado em prol de benefício económico.»
Essa conclusão, retirada na sentença impugnada, não tem qualquer suporte nos factos dados como provados.
Objectivamente, o que foi escrito naquele artigo de opinião não é (sequer indirectamente, uma vez que não se consegue encontrar qualquer insinuação que coloque em causa a autenticidade da incapacidade do assistente) ofensivo da honra, consideração e dignidade do assistente (ainda que seja utilizado facto da sua vida pessoal).
É, por isso, indiferente que subjectivamente o arguido quisesse atingir a honra e consideração do ofendido e que pensasse que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Ou seja: são inócuas as conclusões que se fizeram constar dos pontos 9, 11 e 12 dos factos provados, a nível do tipo subjectivo.
Recorde-se, também, que não incumbe ao direito penal proteger “a susceptibilidade pessoal” do assistente.
Concorda-se, como acima já se adiantou, que os limites da crítica admissível são mais amplos quando se está em face do homem político, que actua na sua qualidade de personalidade pública (ou personalidade conhecida) do que quando se está em face de um simples particular[27].
De qualquer modo, atento o teor do texto em questão, mesmo que articulado com os demais factos apurados, impõe-se concluir que o que ali se escreveu não é objectivamente ofensivo, nem tem conteúdo e capacidade difamatórias, mesmo considerando-se que era perceptível que o Presidente da Assembleia Municipal ali aludido era o assistente.
Daí que sejam inconsequentes as considerações que o julgador faz a propósito de incumbir ao arguido provar a verdade do que escrevera.
Em conclusão: não se extrai dos factos dados como provados que o arguido tivesse adoptado (quando escreveu e publicou o referido texto no blogue) conduta ilícita, pelo que se impõe a sua absolvição relativamente à acção penal.
Quanto ao pedido cível, como sabido, a indemnização por perdas e danos emergente de crime é regulada pela lei civil quantitativamente e nos seus pressupostos; sendo a nível processual regulada pela lei processual penal[28].
A competência do tribunal penal para conhecer do pedido cível conexo com a acção penal, decorre apenas de responsabilidade civil extracontratual do agente que pratique facto ilícito e culposo (ver arts. 129 do CP revisto e 483 nº 1 do CC)[29].
Para existir responsabilidade civil do agente, têm que estar preenchidos os pressupostos contidos no art. 483 nº 1 do CC, a saber:
- a existência de um facto (voluntário) do lesante;
- a ilicitude do facto;
- o nexo de imputação do facto ao lesante;
- a existência de dano;
- e o nexo de causalidade entre o facto e o dano[30].
Ora, faltando o pressuposto da ilicitude dos factos praticados pelo arguido, falece a obrigação de indemnizar, impondo-se absolver o arguido também quanto à condenação civil.
Procede, pois, o recurso do arguido, com a sua consequente absolvição.
Obviamente que se mostra prejudicada a questão da ilegitimidade do Ministério Público, suscitada no Parecer do Sr. PGA.
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III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a sentença na parte impugnada, absolvendo-se o arguido B………. desta acção penal e do pedido cível nela enxertado.
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Sem custas.
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(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária – art. 94 nº 2 do CPP)
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Porto, 25/2/2009
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
Jaime Paulo Tavares Valério

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[1] Deve ler-se “assistente” e não arguido, lapso de escrita que aqui se corrige nos termos do art. 380 nº 1-b) e nº 2 do CPP.
[2] Ver, ainda, a Declaração de Rectificação nº 102/2007 de 31/10.
[3] Assim José Faria Costa, em “anotação ao art. 180 (difamação)” e em “anotação ao art. 181 (injúria)”, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 607 e 629.
[4] José Faria Costa, ob. cit., p. 609-610.
[5] José Faria Costa, ob. cit., p. 611. Como salienta o mesmo Autor a destrinça dos dois conceitos é, ainda assim, importante «quando se tiver que lidar com a específica causa da exclusão do ilícito em que a noção de facto constitui um ponto nuclear (“imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar – art. 180 nº3).» Sobre o entendimento de que «a exigência da prova da veracidade dos factos para não ser punido é irrealizável quanto a juízos de valor e constitui um atentado à liberdade de opinião», ver acórdão do TEDH de 23/5/1991, caso Oberschlick c. Áustria (citado na Sub judice nº 28, Abril/Setembro 2004, p. 152).
[6] Quanto a esta matéria ver José Faria Costa, Direito Penal Especial, Contributo a uma sistematização dos problemas “especiais” da Parte Especial, Coimbra Editora, 2004, pp. 108-110. Sobre a prova da verdade dos factos (art. 180 nº 2-b) do CP) como “causa de exclusão da ilicitude da divulgação”, ver Taipa de Carvalho, Direito Penal, Parte Geral, vol. II, Teoria Geral do Crime, Publicações da Universidade Católica, 2004, p. 56.
[7] Sendo pacífico que, por exp., como assinala Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, II, Teoria do Crime, Verbo, 2005, p.75, “a enumeração feita no art. 31 nº 2 [do CP], se refere apenas aos principais tipos justificadores, pois as causas de justificação não estão sujeitas a qualquer princípio de numerus clausus como resulta, aliás, da cláusula geral de justificação do nº 1 do mesmo artigo”.
[8] Efectivamente, uma determinada conduta pode na sua literalidade ser considerada típica, mas não ser punida por também ser socialmente adequada (o que tem a ver com a sua insignificância e com o facto de ser «socialmente tolerada»). Isto, não obstante, Claus Roxin, Derecho Penal, Parte General. Fundamentos. La estructura de la teoria del delito (trad. da 2ª ed. de Strafrecht. Allgemeiner Teil. Band I: Grundlagen. Der Aufbau der Verbrechenslehre, 1994, tradução e notas por Diego-Manuel Luzõn Peña, Miguel Díaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal), reimp., vol. I, Editorial Civitas, 2000, pp. 292-297, concluir que a teoria da adequação social apesar de «[perseguir] o objectivo, em si mesmo correcto, de eliminar do tipo condutas não correspondentes ao específico tipo (classe) de ilícito, não constitui um “elemento” especial de exclusão do tipo e inclusivamente como princípio interpretativo pode ser substituído por critérios mais precisos».
[9] Sobre esta matéria, ver, entre outro, Germano Marques da Silva, ob. cit. pp. 83 a 85
[10] José Faria Costa, em “anotação ao art. 184 (agravação)”, Comentário Conimbricense, p. 652.
[11] José Faria Costa, ob. ult.. cit., p. 654.
[12] Anabela Rodrigues, A determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade (Os Critérios da Culpa e da Prevenção), Coimbra Editora, 1995, pp. 287-296, chamando à atenção que da Constituição se podem extrair indicações mais estritas e precisas para a definição do bem jurídico-penal, escreve que “no art. 18 nº 2 da CRP a consagração do critério da necessidade social, como critério legitimador primário de toda a intervenção penal, possibilita uma melhor concreção dos bens jurídicos que é possível tutelar penalmente. Aquele critério - é Figueiredo Dias que o explica - vincula ao «princípio da congruência ou da analogia substancial entre a ordem axiológica constitucional e a ordem legal dos bens jurídicos protegidos pelo direito penal. Cujo significado reside em que, se só está legitimada a intervenção penal para proteger bens jurídicos, falece essa legitimação «fora da ordem axiológica constitucional» e «da sua natureza inevitavelmente fragmentária», para além de que «não impõe qualquer criminalização em exclusiva função de um certo bem jurídico». E isto porque a valoração político-criminal da necessidade é comandada por critérios que «não se esgotam no puro apelo à dignidade punitiva do facto». Na verdade, «não pertence à legitimidade de princípios constitucionais determinar a necessidade ou a medida de criminalização imposta». Ou seja: a valoração da necessidade implica agora uma outra categoria - a da «carência de tutela penal» -, de sentido predominantemente pragmático, integrada pelos princípios da subsidiariedade e eficácia, a conformarem ainda também critérios definidores do bem jurídico-penal.” Ver ainda Jorge Figueiredo Dias, “Sobre o estado actual da doutrina do crime - 1ª parte: sobre os fundamentos da doutrina e a construção do tipo-de-ilícito”, RPCC, ano 1, fasc. 1º, Janeiro-Março 1991, p. 18 e “Para uma dogmática do direito penal secundário”, in Direito Penal Económico e Europeu: Textos doutrinários, Volume I, Problemas gerais, Coimbra Editora, 1998, p. 58.
[13] Jorge Figueiredo Dias, “Oportunidade e sentido da revisão do Código Penal Português”, in Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, vol. I, Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 1996, p. 23. Significa isto que, «onde possam ser considerados suficientes meios não criminais de política social, a pena e medida de segurança criminais não devem intervir» (no mesmo sentido, entre outros, Américo Taipa de Carvalho, As Penas no Direito Português Após a Revisão de 1995, Lisboa, CEJ, 1998, pp.19-22).
[14] Jorge Figueiredo Dias, “Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português», in RLJ, ano 115º (1982), p. 101, nota 1. Também, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 429, assinalam que «a liberdade de informação (…) compreende o direito de informar, de se informar e de ser informado, correspondendo o exercício do primeiro direito a uma atitude activa e relacional, o segundo a uma atitude activa e pessoal e o terceiro a uma atitude passiva e receptícia». Por sua vez, Nuno e Sousa, A liberdade de Imprensa, Coimbra, 1984, pp. 150 e 151, salienta que «a liberdade de informação, como base da opinião democrática, é um parceiro necessário da liberdade de expressão.» E, mais à frente (ob. cit., p. 159) adianta que, «todo o cidadão é titular da liberdade de imprensa, que não é monopólio da profissão jornalística».
[15] Artigo 10.º (Liberdade de expressão) da CEDH:
1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia.
2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.
[16] Entre outros, ver acórdãos do TEDH de 28/9/2000, no caso Lopes da Silva c. Portugal (que pode ser consultado quer na RPCC ano 11º, fasc. 1º, Janeiro-Março 2001, pp. 131-155, com anotação de José Faria Costa que participou com conselheiro do Governo Português, quer na RMP nº 84, Out/Dez 2000, pp. 179-191, com comentário de Eduardo Maia Costa), de 30/3/2004, no caso Radio France e outros c. França, de 29/2/2000, no caso Fuentes Bobo c. Espanha, de 21/3/2002, no caso Nikula c. Finlândia, de 29/11/2005, no caso Urbino Rodrigues c. Portugal, de 18/4/2006, no caso Roseiro Bento c. Portugal e de 24/4/2008, no caso Campos Dâmaso c. Portugal (consultados em www.echr.coe.int, tal como os demais citados).
[17] Manuel da Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Uma Perspectiva Jurídico-criminal, Coimbra Editora, 1996, p. 269, destaca na “liberdade de expressão o direito que a todos assiste de participar e tomar posição (designadamente sob a forma de crítica) na discussão de todas as coisas e de todas as questões de interesse comunitário”.
[18] Neste sentido, entre outros, Ac. do TEDH de 8/7/1986, no caso Lingens c. Áustria, Ac. do Tribunal Constitucional (TC) nº 113/97 (consultado em www.tribunalconstitucional.pt) e Ac. do STJ de 13/1/2005, in RMP nº 101, Jan-Mar 2005, p.141 – 159 (com comentário de Eduardo Maia Costa). Também, Costa Andrade, ob. cit., p. 308, salienta, que «o controlo público das public figures é o fundamento irrenunciável da vida política em liberdade. Tudo aqui se conjuga no sentido de uma mais [19] Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit., p. 289.
[20] A este propósito, Manuel Costa Andrade, ob. ult. cit., p. 155, refere-se ao «efeito-de-irradiação e ao consequente efeito-recíproco que (...) a nova compreensão jurídico-constitucional empresta aos direitos fundamentais em geral».
[21] Manuel da Costa Andrade, ob. ult. cit., p. 13, sublinhando que «a dignidade humana configura, assim, a matriz e o étimo directamente fundante dos bens jurídico-penais de índole pessoal».
[22] Manuel da Costa Andrade, Consentimento e Acordo em Direito Penal (Contributo para a Fundamentação de um Paradigma Dualista), Coimbra Editora, 1991, pp. 492-493, precisa que “(...) as expressões de liberdade concretamente protegidas caracterizam-se por uma estrutura marcadamente relacional: é por via dialógica e não pelo monólogo que elas se realizam. De forma mais ou menos ostensiva, todas elas se analisam em mecanismos essenciais de comunicação e intersubjectividade. Daí que, com a sua intervenção o direito penal mais não vise do que preservar a integridade dos modelos de «comunicação ideal» em concreto pressupostos.”
[23] Sobre a igual valência normativa do direito à honra e do direito de informação ver José Francisco Faria Costa, Direito Penal da Comunicação, alguns escritos, Coimbra Editora, 1998, p. 55.
[24] José Carlos Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3ª ed., Almedina, 2004, pp. 222-224, depois de enunciar situações de normas ordenadoras “que se limitam a introduzir e acomodar os direitos na vida jurídica”, entre outras, aquelas que, embora condicionando o exercício de direitos, não podem ser consideradas como leis restritivas, chama à atenção (ob. cit., pp. 231 e 232) para a distinção (“relevante para efeitos do grau ou do tipo de vinculação legislativa aos preceitos constitucionais”) entre “a lei restritiva propriamente dita” [que “pressupõe a prefiguração constitucional da necessidade de sacrificar o conteúdo protegido de um direito, seja por se considerar esse direito (muitas vezes, a liberdade ou uma liberdade), como potencialmente «agressivo» relativamente a outro direito, potencialmente «vítima» (pois que seria prejudicado pelo exercício não limitado daquele), seja para assegurar um valor comunitário, cuja realização efectiva exige «forçosamente» aquela limitação”] e as “leis harmonizadoras” [que solucionando “problemas de colisão têm um objectivo diferente, já que visam resolver um conflito não prefigurado ao nível constitucional (mas que se revela inevitável ou para o qual o legislador considera conveniente uma solução geral e abstracta), através de critérios de harmonização, dirigidos à limitação de ambos os direitos ou de um direito e de um valor comunitário, na proporção do respectivo peso normativo nas situações legislativamente hipotizadas”].
[25] Figueiredo Dias, ob. cit. in RLJ ano 115º, p. 101, nota 3, refere que, neste sentido amplo o direito de informação “surge como correspectivo necessário da liberdade de expressão enquanto base de formação da opinião pública democrática”.
[26] Figueiredo Dias, ob.ult. cit., p. 102.
[27] Ver nesse sentido, entre outros já citados, Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Uma Perspectiva Jurídico-criminal, p. 261, quanto a diferenciações da tutela jurídica «em função do lugar de cada um na comunidade (do relevo público da sua pessoa ou dos seus actos) e da sua maior ou menor exposição aos holofotes da publicidade». A nível do TEDH, ver, ainda, Ac. de 26/4/1995, no caso Prager e Oberschlick c. Áustria.
[28] No mesmo sentido, entre outros, Ac. do TRL de 26/10/2000, CJ 2000, IV, 154 ss.
[29] Cf. “Assento” nº 7/99, DR I-A de 3/8/1999, fixando jurisprudência no sentido de que “se em processo penal for deduzido pedido cível, tendo o mesmo por fundamento um facto ilícito criminal, verificando-se o caso previsto no artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou seja, a absolvição do arguido, este só poderá ser condenado em indemnização civil se o pedido se fundar em responsabilidade extracontratual ou aquiliana, com exclusão da responsabilidade civil contratual”.
[30] Cf. Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, I vol., 4ª ed., Coimbra Editora, 1987, p. 471.