Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
466/09.3GDVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÂNGELO MORAIS
Descritores: VIOLAÇÃO
RAPTO FRAUDULENTO
Nº do Documento: RP20101103466/09.3GDVFR.P1
Data do Acordão: 11/03/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Pratica o crime de violação o agente que agarra a ofendida, empurra-a para o interior do veículo e, aqui, para o chão, deita-se sobre ela, agarrando-a pelos pulsos, e, pela força, consegue, não obstante os gritos e a luta da vítima para dele se libertar, introduzir-lhe os dedos na vagina.
II - Preenche os elementos do tipo do ilícito rapto a conduta do agente que, astuciosamente, sob falsa identificação e usando de conversa amena e cordial, logra conduzir a vítima até local ermo, no propósito de a forçar a manter consigo trato de cariz sexual, tudo conta vontade daquela.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec.nº466/09.3GDVFR.P1 – Santa Maria da Feira
Violação, rapto, arma proibida e indemnização.


Acordam, em conferência, no tribunal da Relação do Porto:

Nos autos com processo comum colectivo, em epígrafe, que correm termos no .ºjuízo criminal de Santa Maria da Feira, sentenciou-se:

«Por tudo o exposto, decide-se condenar o arguido B………., como autor de um crime de violação p. e p. pelo art. 164º, n.º1, alínea b), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, dois crimes de rapto p. e p. pelo art. 161º, n.º1, alínea b), do referido diploma legal, nas penas de 3 (três) anos e 6 (seis) meses por cada um deles e um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, n.º1, alínea d) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção que lhes foi dada pela Lei 17/2009, de 6 de Maio, na pena de 1 (um) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico das referidas penas condena-se o arguido na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Mais se decide julgar parcialmente procedente o pedido cível e, em consequência condenar o arguido a pagar à assistente C………. a quantia de € 3.000 (três mil euros) acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação do arguido e até efectivo e integral pagamento;
- Mais se condena o arguido nas custas criminais, com 6 U.C de taxa de justiça, 1/4 de procuradoria e em 1 % da taxa de justiça aplicada, nos termos do disposto no artigo 13º nº 3 do D.L. 423/91 de 30/10.
- As custas cíveis serão suportadas pelo arguido e pela assistente na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário».
Inconformado, o arguido interpôs e motivou o presente recurso,
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Respondeu, a fls.979 e segs., a assistente C………., concluindo pelo não provimento do recurso.
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Finalmente, também o Ministério Público respondeu, a fls 996/997, concluindo pelo não provimento do recurso.
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Subindo os autos, o Senhor procurador-geral adjunto exarou avisado parecer de parcial provimento do recurso.
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Observado o disposto no artº417º nº2 do Cód. Proc. Penal, não houve resposta.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir, para o que se transcreve a pertinente fundamentação e motivação decisória:

«2. Matéria de Facto Provada
1. B………., arguido, sofre de um atraso mental ligeiro, transportando consigo indeferenciação/imaturidade, que lhe condiciona de alguma forma o discernimento e volição, roubando margem de manobra no governo de si próprio;
2. O arguido vinha, ao longo dos tempos e, mais recentemente, em meados de 2009, a abordar indivíduos do sexo feminino, pretendendo constrangê-las, se necessário for, pela força, à prática de actos de cariz sexual;
3 - Para o efeito, deslocava-se à noite à danceteria D………., sita em Ovar, onde, após estacionar o veículo automóvel em que faz transportar, ficava a observar as viaturas automóveis e as pessoas que entravam da aludida danceteria, com o intuito de, posteriormente, e em momento oportuno, abordar as senhoras que se deslocavam sozinhas (ou acompanhadas de outras senhoras) àquele local;
4. Aliás, o arguido deixava, por várias vezes, bilhetes com o seu número de telemóvel nos veículos de senhoras que ali se deslocam;
5. O arguido ia, também, ganhando a confiança das senhoras que abordava (e que previamente observara a entrar na D……….), conversando com elas calma e educadamente, sobre os mais variados assuntos, apresentando-se com aspecto cuidado e asseado e demonstrando interesse pelas suas conversas. Apresentava-se com identidades diversas da sua, sendo a mais comum a de “B1……….”;
6. Tudo, com o objectivo de as convencer de que nunca as constrangeria a algo com que aquelas não concordassem;
7. Todavia, depois de ter a sua confiança, acabava por atentar contra a sua liberdade sexual e de movimentos, forçando-as a contactos de natureza sexual;
8. Após, e já em sua casa, sita na Rua ………., n.º …, em Ovar, o arguido ia anotando num caderno de sua propriedade os contactos que mantinha com as senhoras que ia abordando, apontando quer as informações que fornecia, quer as várias identidades com que se identificava àquelas, por forma a conseguir manter a sua versão em contactos posteriores;
9. Foi o que aconteceu com as ofendidas E………. e F……….;
10. No dia 7 de Junho de 2009, cerca das 01h00m, E………., ofendida, encontrava-se na discoteca/danceteria D………., sita em Ovar. A determinada altura, apercebeu-se que o arguido estava a olhar insistentemente para si. Não satisfeito, abordou-a e convidou-a para dançarem, o que a ofendida recusou;
11. Aliás, já no fim-de-semana anterior B………. a havia convidado para dançar, tendo obtido idêntica resposta por parte de E……….;
12. Cerca das 02h30m a ofendida saiu do referido estabelecimento. Quando se preparava para fechar a porta da sua viatura automóvel, um TOYOTA ………., matrícula ..-..-JS, onde já se encontrava, o arguido abordou-a, impedindo-a de fechar a porta do veículo, ao mesmo tempo que lhe dizia: “És tão meiguinha. Não tenhas medo que não te faço mal”;
13. A ofendida ia tentando fechar a porta e empurrando o arguido;
14. Todavia, este, pretendendo convencer E………. a permanecer consigo, segurava na porta, ao mesmo tempo que a convidava para se deslocarem até à discoteca G………., sita em ……….;
15. E………. recusou o convite, referindo que pretendia deslocar-se à H………., sita também na área desta comarca. A ofendida ia sempre tentando fechar a porta da viatura, no intuito de se ausentar daquele local; todavia, como o arguido a segurava com a mão, não conseguia fazê-lo;
16. Só quando E………. ameaçou gritar é que B………. permitiu que aquela se fosse embora;
17. Durante o trajecto para a H………., a ofendida apercebeu-se que o arguido a seguia. Acto contínuo, aumentou a velocidade, em ordem a despistá-lo, o que logrou fazer;
18. Todavia, e pelas 3h15m, quando se encontrava a dançar na mencionada discoteca, apercebeu-se que o arguido também se encontrava naquele local, observando-a;
19. Pouco tempo depois de se ter apercebido da sua presença, o arguido abordou a ofendida, demonstrando estar aborrecido por esta ter dançado com um indivíduo do sexo masculino que ali se encontrava e não ter dançado consigo;
20. Foi, então, insistindo com a ofendida para que esta lhe desse o seu número de telefone, facto que a ofendida foi sempre recusando;
21. No intuito de a convencer, o arguido disse-lhe que já reparava nela há cerca de meio ano. Embora E………. não demonstrasse vontade de continuar a conversa, o arguido permaneceu junto da mesma cerca de 10 minutos;
22. Porque o arguido disse que só sairia dali se a ofendida lhe desse o seu número de telefone, e porque E………. pretendia ver-se livre daquele, acabou por lhe dar o seu número de telefone profissional. O arguido apresentou-se à ofendida como “B1……….”;
23. Acto contínuo, o arguido deixou de importunar a ofendida, ausentando-se do local;
24. E………. saiu da H………. por volta das 3h30m. Quando entrava no seu veículo automóvel, foi novamente abordada pelo arguido, que lhe passou o braço pelo ombro, pretendendo abraçá-la. Acto contínuo, a ofendida afastou o braço daquele, ao mesmo tempo que dizia para a largar;
25. Não satisfeito, o arguido pediu à ofendida para que aquela lhe desse um beijo. E………. continuou a recusar tal acto, empurrando o arguido;
26. Conseguiu, então, arrancar com o veículo de sua propriedade;
27. A dada altura imobilizou a viatura, tendo constatado que o arguido seguia atrás de si. Apercebeu-se que tinha dois pneus furados. De imediato o arguido se ofereceu para a ajudar e acompanhá-la a um posto de abastecimento de combustível próximo;
28. Porque pretendia resolver o problema, a ofendida acabou por aceitar, com o compromisso de que cada um seguia na sua viatura;
29. O aludido posto de abastecimento, indicado pelo arguido, encontrava-se, contudo, desactivado;
30. B………. indicou, então, outro posto de abastecimento de combustível, sito em ………., junto à rotunda do monumento. Como conhecia o referido local, a ofendida aceitou deslocar-se até lá, arrancando nessa direcção. O arguido foi sempre atrás de si;
31. Todavia, pouco tempo depois, o arguido telefonou à ofendida, informando-a de que, afinal, tinha uma bomba no seu veículo automóvel, com a qual poderia encher os pneus furados. Deu-lhe, ainda, indicações sobre o caminho a seguir;
32. E……….. acabou por aceitar tal pedido, argumentando, contudo, que não sairia do seu veículo;
33. O arguido continuou a dar-lhe indicações sobre o local onde haveriam de parar, acabando por o fazer num local ermo, a cerca de 50 metros da aludida rotunda do monumento;
34. B………. começou, então, a encher os pneus do veículo da ofendida, permanecendo esta no seu interior;
35. A determinada altura, porém, o arguido começou a demonstrar sinais de irritação, solicitando à ofendida que saísse do carro para o auxiliar, pois que não era “seu criado”;
36. E………. decidiu, então, sair do veículo e ir, também ela, encher os pneus da viatura;
37. Acto contínuo, B………. pediu à ofendida que abrisse a porta da HIACE, para que se visse melhor, facto que esta negou. Todavia, e sem que nada o fizesse prever, o arguido abriu a porta lateral da carrinha daquela e, agarrando a ofendida com força, empurrou-a para o interior;
38. E………. foi reagindo consoante pôde, fazendo pressão contra a porta. Todavia, B………. agarrou-a, ao mesmo tempo que lhe dizia para não fazer força, pois que não lhe faria mal;
39. B……… deitou-se, então, sobre a ofendida, agarrando-a em ambos os pulsos. Debatendo-se consoante podia, E………. ainda logrou afastar o arguido do seu peito, levantando-o;
40. Contudo, o arguido empurrou a ofendida contra o chão da carrinha, fazendo pressão sobre o peito daquela, com a sua cabeça;
41. E………. gritou, com todas as forças que tinha, para que o arguido parasse. Todavia, indiferente a tal pedido, o arguido continuou nos seus intentos;
42. Nessa sequência, desapertou um botão da saia que a ofendida envergava, introduziu uma das mãos no interior das cuecas daquela e, após, introduziu os seus dedos na vagina de E……….., provocando-lhe uma forte dor;
43. Nesse instante, e já depois de o arguido ter logrado introduzir os seus dedos na vagina da ofendida, esta conseguiu libertar-se daquele, após o ter mordido com força no queixo;
44. Acto contínuo, e aproveitando que o arguido se queixava de dores e cessara os seus intentos, colocou-se em fuga do local, conduzindo o seu veículo automóvel;
45. Com a conduta descrita, perpetrada pelo arguido, resultaram, para a ofendida E………., vários hematomas, designadamente, equimose amarelo-arroxeada na região infra-clavicular esquerda com 50 x 30 mm, lesões que lhe determinaram doença por um período de 3 dias, todos sem afectação da capacidade para o trabalho – para além de um dente partido, na sequência da mordidela com que se defendeu do arguido;
46. E………. recorreu a tratamento hospitalar;
47. O arguido actuou deliberada, livre e conscientemente, com o propósito, conseguido de, com recurso à força física, constranger E………. a sofrer, contra a sua vontade, introdução vaginal dos dedos daquele;
48. Sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei;
49. Os pneus da viatura automóvel da ofendida encontravam-se furados com agrafos;
50. No dia 29 de Agosto de 2009, pelas 22h30m, F………., ofendida, deslocou-se à danceteria D………., sita em Ovar, como fazia, aliás, regularmente;
51. Deslocou-se sozinha àquele estabelecimento;
52. Utilizou, para o seu transporte, o veículo automóvel de marca RENAULT, modelo ………., matrícula ..-..-LO;
53. Cerca de uma hora depois, e quando se deslocou ao bar para pedir uma bebida, o arguido abordou-a, perguntando-lhe se estava sozinha;
54. Como não o conhecia, respondeu-lhe que estava acompanhada de uma amiga;
55. Com o desenrolar da conversa, e depois de o arguido ter ganho a sua confiança, com o seu discurso, F………. acabou por confidenciar àquele que se encontrava, efectivamente, sozinha;
56. Conversaram durante cerca de 30 minutos, sendo que o arguido demonstrou simpatia e cordialidade para com a ofendida;
57. Entretanto, o arguido convidou a ofendida para se deslocarem até um outro bar onde pudessem conversar melhor;
58. Inicialmente, F……….. recusou o convite. Contudo, e como o arguido aparentava ser de confiança, acabou por aceitar o seu convite, sendo que cada um se deslocou no respectivo veículo automóvel;
59. Todavia, logo após saírem do parque de estacionamento da aludida discoteca, o arguido imobilizou a marcha que imprimia ao seu veículo e dirigiu-se à ofendida, insistindo para que esta o acompanhasse na sua viatura. F………. acabou por aceitar a proposta daquele;
60. Deslocaram-se, então, até a um bar situado junto a uma praia, onde tomaram uma bebida cada um;
61. Permaneceram naquele local cerca de 15 minutos. O arguido ia sempre mantendo uma conversa calma, amena e cordial, incutindo na ofendida um sentimento de confiança;
62. Quando regressavam ao veículo da ofendida (pensava esta), F………. reparou que o arguido seguia por um caminho diverso daquele por que se haviam deslocado anteriormente;
63. Na verdade, o arguido conduzia agora numa zona de mato e contra a vontade daquela. Pretendia o arguido conduzir a ofendida para um sítio onde pudesse atentar contra a sua liberdade sexual;
64. F………., temendo o que o arguido pudesse fazer, nada disse;
65. A determinada altura, e aproveitando um espaço em terra na margem da estrada, B………. abrandou a marcha que imprimia ao veículo, mostrando intenção de parar naquele local;
66. Ao mesmo tempo, tentou beijar a ofendida na boca. Todavia, esta recusou, afastando a face;
67. F………. pediu, então, ao arguido para não parar ali e para a levar para o seu veículo, pois que não queria estar ali;
68. B………. prosseguiu, então, o seu caminho. Todavia, indiferente à vontade da ofendida, que conhecia, prosseguiu sempre na direcção de um monte, até que fez uma viragem brusca, acelerando a marcha que imprimia ao veículo e entrou num caminho de terra batida;
69. F………. permanecia aterrorizada, antevendo o que o arguido pretendia de si – tanto mais que, contrariamente ao combinado entre ambos, não a levara de volta para o seu veículo, prosseguindo antes, e contra a vontade daquela, por um caminho de mato, acelerando cada vez mais;
70. Nesse instante, enchendo-se de coragem, e temendo o que arguido lhe pudesse fazer, F………. abriu a porta da viatura automóvel e atirou-se para o exterior, fugindo do local;
71. A ofendida só logrou livrar-se da detenção a que o arguido a sujeitara, em virtude de se ter atirado para fora do veículo em que ambos seguiam;
72. Agiu o arguido de vontade livre e consciente, com o propósito de a manter presa contra a sua vontade no veículo automóvel e de a levar para o mato, em ordem a cometer crime contra a liberdade sexual daquela;
73. Para o efeito, e usando de astúcia, convenceu-a previamente de que se tratava de pessoa de confiança, que nunca lhe faria mal algum – facto que levou a que F………. aceitasse entrar no seu veículo automóvel;
74. Era intenção do arguido levar a ofendida, contra a vontade desta, para o meio do mato e atentar contra a sua liberdade sexual. Todavia, por razões alheias à sua vontade, não logrou atingir os seus intentos, pois que F………. saltou da viatura automóvel, antes de chegar a tal destino;
75. Sabia o arguido que a sua conduta não era permitida;
76. No dia 27 de Setembro de 2009, pelas 04h00m, quando C………. saía da discoteca H………., sita em ………., área desta comarca, apercebeu-se que se encontrava um papel preso no pára-brisas do seu veículo automóvel, marca RENAULT, modelo ………., matrícula ..-BO-.., com os seguintes dizeres: “LIGA-ME HOJE PARA O NÚMERO …; EU CONHEÇO-TE DA DISCOTECA H……….”.
77. Posteriormente, isto é, cerca das 12h30m desse mesmo dia, C………. telefonou para o aludido número, perguntando quem queria falar consigo. Passados poucos minutos, o arguido começou a telefonar para a ofendida, desligando, contudo, de imediato, sem que desse tempo para que a ofendida atendesse;
78. Pelas 22h30m, o arguido resolveu, então, telefonar a C………., convidando-a para tomar café, nessa mesma noite, convite que a ofendida recusou;
79. No dia 28 de Setembro de 2009, pelas 19h30m, o arguido voltou a telefonar à ofendida, convidando-a para um café, no dia seguinte, à tarde, por volta das 14h00m e num sítio público;
80. C………. acabou por aceitar, acreditando que, tratando-se de um local público, o arguido nada faria contra si;
81. Ofendida e arguido encontraram-se cerca das 15h00m, junto à praça de táxis sita em frente ao Hospital ……….., em Santa Maria da Feira;
82. B………. apresentou-se como “B1……….”;
83. O arguido disse, então, à ofendida para o seguir até um local de fácil acesso à auto-estrada, onde tomariam café e, após, a ofendida poderia regressar à sua residência, utilizando, para o efeito, a aludida via rápida;
84. Pretendia o arguido ir ganhando a confiança de C………., demonstrando que aquela nada devia temer;
85. Seguiram, então, até um café situa em local não concretamente apurado, onde tomaram a bebida referida;
86. Após, saíram do seu interior, tendo já dentro do seu veículo, o arguido solicitado à ofendida que fosse consigo procurar uma peça de uma mota que havia perdido;
86. C………. apenas aceitou seguir no aludido veículo, porque se convenceu que iriam, efectivamente, procurar a dita peça;
87. Todavia, B………. pretendia, uma vez ganha a confiança da ofendida, levá-la, contra a sua vontade, para um sítio ermo e, após, atentar contra a sua liberdade sexual;
88. Na verdade, o arguido começou a circular por locais ermos, até ir dar a uma estrada florestal;
89. C………. foi-se apercebendo da existência de prostitutas na estrada, tendo, por esse motivo, questionado o arguido sobre o sítio para onde a estava a levar;
90. Apercebendo-se das reais intenções do arguido, isto é, que este pretendia atentar contra a sua liberdade sexual, C………. de imediato solicitou a B………. que voltasse para trás e a deixasse junto do seu veículo automóvel;
91. Todavia, contrariamente a tal pedido, o arguido prosseguiu o seu caminho, tomando a direcção de uma estrada de terra batida, para o meio da mata;
92. Nesse desvio, o arguido imobilizou a viatura que conduzia, tendo a ofendida saído do veículo e pedido ao arguido para regressarem de imediato. B………. disse-lhe então para confiar nele, que a levaria de volta de imediato;
93. Acreditando-se nas “falinhas mansas” do arguido, C………. voltou a entrar na mencionada viatura automóvel, supondo que iriam regressar;
94. Todavia, e contrariamente à vontade da ofendida, B………. continuou na direcção do interior da mata ali existente;
95. A determinada altura, e já no interior do mato, o arguido imobilizou a viatura automóvel que conduzia e solicitou a C………. a manter relações sexuais consigo;
96. Como esta se recusou, o arguido ameaçou-a que, caso não acedesse ao seu pedido, a deixaria naquele local;
97. C……… manteve a sua recusa. Por esse motivo, o arguido deixou-a no interior da aludida mata, sozinha, abandonando o local;
98. O arguido agiu de vontade livre e consciente, com o propósito, conseguido, de manter C………. presa contra a sua vontade no veículo automóvel e de a levar para o mato, em ordem a cometer um crime contra a liberdade sexual daquela;
99. Para o efeito, e usando de astúcia, convenceu-a previamente de que se tratava de pessoa de confiança, que nunca lhe faria mal algum – facto que levou a que C………. aceitasse entrar no seu veículo automóvel;
100. Sabia o arguido que a sua conduta não era permitida;
101. No dia 8 de Julho de 2009, pelas 15h30m, B………., arguido, conduzia o veículo automóvel de matrícula ..-..-JP, marca OPEL, modelo ………., no ………., em Santa Maria da Feira, quando foi fiscalizado pela PSP de Santa Maria da Feira;
102. O arguido tinha em sua posse um bastão extensível de cor cromada, com punho de cor preta, com cerca de 53 cm de comprimento total;
103. Trata-se de objecto sem aplicação definida, destinado a ser utilizado exclusivamente como meio de agressão;
104. O arguido estava perfeitamente ciente de que, por falta de autorização especial para o efeito, estava legalmente vedada a detenção do aludido bastão extensível;
105. Actuou de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;
106. O arguido antes de lhe ser aplicada a medida de obrigação de permanência em instituição de saúde e subsequentemente prisão preventiva nos presentes autos, encontrava-se desempregado, vivendo do subsídio de desemprego e de alguns “biscates” como talhante;
107. O arguido foi condenado por decisões transitadas em julgado:
A - em 26.01.99, pela prática, em 14.10.96, de um crime de desobediência, na pena de 60 dias de multa;
B - em 11.02.00, pela prática, em 28.01.98, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, na pena de 25 meses de prisão suspensa na sua execução por 3 anos;
C - em 23.10.01, pela prática, em 05.11.99, de um crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos;
D - em 04.12.00, pela prática, em .12.97, de um crime de falsificação de documento autêntico, na pena de 2 anos de prisão, com um ano de perdão, entretanto revogado;
E - em 28.11.02, pela prática, em 10.11.00, de um crime de introdução em lugar vedado ao público, na pena de 50 dias de multa;
F - em 16.12.02, pela prática, em 03.09.00, de dois crimes de ofensa à integridade física simples, na pena única de 7 meses de prisão;
G - em 05.12.06, pela prática, em 04.11.05, de um crime de injúria agravada, na pena de 90 dias de multa;
H – em 21.12.09, pela prática em 14.04.07, de um crime de ameaça, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano;
108. Como consequência do comportamento do arguido em relação a si, a C………. sofreu momentos de terror e desespero;
109. Ao ser conduzida para o interior da mata, contra a sua vontade, sentiu muito medo e muita angústia;
110. Ao sentir-se ameaçada e coagida pelo arguido naquele sítio ermo, entrou em pânico;
111. Já depois do arguido a ter abandonado no interior da mata, a assistente andou perdida durante horas e completamente apavorada e desprotegida só tendo conseguido chegar à estrada já de noite;
112. Já na estrada conseguiu pedir ajuda, mas foi confundida com uma prostituta, o que aumentou mais o medo e a angústia que sentia;
113. Apoderada pelo medo e pela extrema angústia, a assistente chegou mesmo a perder a noção das coisas, a ponto de não se lembrar onde tinha deixado o seu automóvel;
114. Em virtude da conduta do arguido, a assistente sentiu-se vexada, muito humilhada e extremamente envergonhada.
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3. Matéria de Facto Não Provada
Com relevo para a decisão da causa é a seguinte a matéria de facto não provada:
1. Que pouco tempo depois de ter arrancado, a E………. se apercebeu que algo de anormal se passava com o veículo, parecendo-lhe um pneu vazio;
2. Que em relação ao item 61 dos factos provados, tenha sido cerca de uma hora;
3. Que em relação ao item 76 dos factos provados o número fosse o ………;
4. Que em relação ao item 86 dos factos provados, a C………. apenas aceitou entrar no aludido veículo, porque se convenceu que iriam, efectivamente, procurar a dita peça;
5. Que em relação ao item 95 dos factos provados, o arguido tenha tentado forçar C………. a manter relações sexuais consigo;
6. Que a C………. chegou a pensar que o arguido iria atentar contra a sua vida, sendo que por isso o terror se apoderou da mesma;
7. Que nas noites que se seguiram e durante meses, a assistente mal conseguia dormir;
8. Que quando finalmente conseguia adormecer, acordava aflita devido a pesadelos relacionados com os factos constantes da acusação;
9. Que ainda hoje a assistente não consegue sair à rua sozinha e se sente constantemente inquieta e nervosa;
10. Que sempre que algum desconhecido a aborda, a assistente fica apavorada;
11. Que desde aquele dia, a assistente ficou irremediavelmente abalada psicologicamente, encontrando-se num constante estado de profunda tristeza e angústia.
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4. Motivação
A convicção do tribunal baseou-se no seguinte:
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Apreciando e decidindo:

Este Tribunal conhece de facto e de direito, nos termos do art°428° do C. P. P., sendo determinado o âmbito do recurso pelas questões suscitadas, pelo recorrente, nas respectivas conclusões, mostrando-se impugnada a matéria de facto dada como provada e documentada a audiência.

O recorrente suscita as seguintes questões:
I- Impugna os factos vertidos sob os itens 2, 7, 24, 25, 26, 27, 33, 63, 66, 72, 74, 87, 90, 98, 104 e 105 da matéria de facto provada.
II- Os factos perpretados pelo arguido preenchem e integram tão só um crime de coacção sexual na forma tentada na pessoa da E………., de um crime de sequestro na pessoa da F………., ou quando muito um crime de rapto na forma tentada e no que se reporta à pessoa da C………., não configuram a prática de qualquer crime, ou quando muito, a prática de um crime de sequestro e, na pior das hipóteses, um crime de rapto na forma tentada, devendo ser absolvido do crime de detenção de arma proibida;
III- Medida das penas, que se reputam de excessivas, não devendo ser superior a 3 anos de prisão pelo crime de violação, aplicando-se pena de multa ao crime de sequestro da F………., ou de 2 anos de prisão se verificado um crime de rapto consumado, devendo ser absolvido pelos factos reportados à C………., ou, se improcedente esta, aplicar-se uma pena de multa pelo seu sequestro, ou, se verificado um crime de rapto na forma tentada, atenuar-se-lhe especialmente a pena, considerando-se o disposto no nº3 do artº161 do Cód. Penal, e, finalmente, aplicar-se uma pena de multa se verificado o crime de detenção de arma proibida.
IV- Em cúmulo jurídico, deve o arguido ser condenado numa pena única que não ultrapasse os 2 anos de prisão.
V- Deve ser absolvido do pagamento de qualquer quantia a título de indemnização cível à assistente C………., ou quando muito, ser reduzida a 500,00 € a quantia fixada de 3.000,00 €.
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I - Não resultam do texto da decisão recorrida quaisquer dos vícios taxados no artº410ºnº2 do Cód. Proc. Penal, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, uma vez que não é possível para a sua demonstração, o recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos prestados em audiência, o que decorre directamente do corpo daquele preceito.
O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, a qual é indissociável da oralidade e imediação com que decorre o julgamento em primeira instância, pelo que a «prova» ou «não prova» de um facto resulta quase sempre conjugação e relacionamento de todos os meios de prova produzidos na audiência de julgamento, podendo o juízo valorativo do tribunal assentar tanto em prova directa do facto como em prova indiciária, da qual se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova lhe mereça e circunstâncias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciária e esta só por si conduzir à sua convicção.

Os depoimentos das testemunhas, sejam ou não os ofendidos dos factos em apreço, são valorados pelo tribunal livremente, e de acordo com as regras da experiência, a credibilidade da testemunha, o modo como depõe e o conhecimento que revela dos factos.
Tratando-se do ofendido, é claro que possui conhecimento directo dos mesmos.

Ora, bem vista a exposição de motivos que fundamenta a decisão da matéria de facto e o meticuloso exame crítico das provas, é aquela manifestamente insusceptível de reparo e inexoravelmente infundada a discordância do arguido/recorrente, pois as provas de que o tribunal a quo se serviu, valorando-as livremente e de acordo com as regras da experiência comum, são bastantes para que, de forma perfeitamente lógica e coerente, se deva concluir que os factos ocorreram pela forma expressa na sentença, pelo que necessariamente improcede a deduzida impugnação.

Isto é, o que acontece é que o recorrente pretende inquinar a impugnada factualidade, apenas e tão só, através da apreciação da aludida prova pelo tribunal, que reputa obtida em violação dos princípios da sua livre apreciação e convicção e da presunção de inocência, substituindo-se, ele próprio, ao tribunal e em manifesto desprezo da sua indissociável oralidade e imediação com que decorre o julgamento em primeira instância, nela buscando a deduzida impugnação!

Ou seja, o recorrente esgota a sua impugnação em juízos de interpretação pessoal de truncadas transcrições de depoimentos prestados pelas ofendidas, expurgando-os, da sua configuração instrumental global e ao arrepio das elementares regras da experiência, atendo-se a meros pormenores irrelevantes na estrutura, preenchimento e consumação de cada um dos ilícitos cometidos, que manifestamente não impugna: por exemplo, factos descritos e provados sob os números 37 a 44, na pessoa da E………., 62, 65, 67 a 71 e 73, quanto à ofendida F………. e 76 a 86, 88 a 100, quanto à ofendida C………..

Na verdade a interpretação da ali descrita factualidade não só permite a configuração do facto, consumado quanto à E………., mas simplesmente projectado, quanto às restantes, de envolvimento de cariz sexual, ainda que não caracterizado, ao provar-se, sem impugnação, sob o nº63 «… o arguido conduzia agora numa zona de mato e contra a vontade daquela. Pretendia o arguido conduzir a ofendida para um sítio onde pudesse atentar contra a sua liberdade sexual»; sob o nº68 «B………. prosseguiu, então, o seu caminho. Todavia, indiferente à vontade da ofendida, que conhecia, prosseguiu sempre na direcção de um monte, até que fez uma viragem brusca, acelerando a marcha que imprimia ao veículo e entrou num caminho de terra batida»; sob o nº69 «F………. permanecia aterrorizada, antevendo o que o arguido pretendia de si – tanto mais que, contrariamente ao combinado entre ambos, não a levara de volta para o seu veículo, prosseguindo antes, e contra a vontade daquela, por um caminho de mato, acelerando cada vez mais»; sob o nº88 «Na verdade, o arguido começou a circular por locais ermos, até ir dar a uma estrada florestal»; sob o nº89 «C………. foi-se apercebendo da existência de prostitutas na estrada, tendo, por esse motivo, questionado o arguido sobre o sítio para onde a estava a levar»; sob o nº94 «Todavia, e contrariamente à vontade da ofendida, B………. continuou na direcção do interior da mata ali existente»; sob o nº95 «A determinada altura, e já no interior do mato, o arguido imobilizou a viatura automóvel que conduzia e solicitou a C………. a manter relações sexuais consigo».

Isto é a comprovada projectada ofensiva à liberdade sexual das ofendidas F………. e C………. tem decisivo suporte nos relatos destas, desde logo sedimentados pelas regras da experiência, pois que a comprovada condução das mesmas, a partir de determinado momento, contra a sua vontade, por zonas de terra batida e de mato, através de locais frequentados por prostitutas, objectiva manifestamente a busca pelo recorrente de local propício à intimidação dum projectado trato de cariz sexual com as mesmas.

A qualidade da prova, em contraponto à quantidade, tem assim um efeito decisivo na convicção do julgador, e para esta ganham relevância os princípios da imediação e oralidade, com o contributo inquestionável do contraditório, complementado com os da investigação e procura da verdade material.
Daqui resulta que, na formação da convicção do juiz, não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, mas também elementos intraduzíveis e subtis, apreensíveis na postura discursiva dos intervenientes processuais, bem como mímica e mesmo as próprias reacções quase imperceptíveis do auditório, que vão agitando o espírito de quem julga, só acessíveis pela oralidade e imediação da prova.

Mas isso torna necessário e também imprescindível que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal de 1ªinstância indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto dado como provado ou não provado, pois que o que o tribunal de recurso busca, não é uma nova convicção, mas o indagar se a convicção expressa e caracterizada por aquele tribunal tem razoável suporte naquilo que reputa de decisivo para a sua convicção, quando como no caso em apreço, tem esta Relação acesso à documentação da audiência, concretamente da produzida pela acusação, ou seja, tal convicção não pode ser arbitrária.

Assim, a simples convicção íntima do julgador não é por si só critério de verdade, bem podendo sedimentar no seu espírito a dúvida consentânea com a irrenunciável presunção de inocência do arguido.

E um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido.

Ora, bem vista a exposição de motivos que fundamenta a decisão da matéria de facto e o exame crítico das provas, designadamente pelo indispensável apelo às regras da experiência, é manifestamente coerente, lógica e fundada a motivação decisória e infundada a discordância do arguido recorrente.

Bem pode sintetizar-se que o recorrente, afinal, não coloca em causa qualquer facto dado como provado, só que os valora no seu interesse.

Na verdade e através da respectiva impugnação da matéria de facto, mais não pretende o recorrente, senão solicitar a este tribunal que efectue um segundo julgamento quanto à matéria de facto, quando o Tribunal ad quem não pode efectuar um novo julgamento da matéria de facto.

Como por diversas vezes tem afirmado o Prof. Germano Marques da Silva, o recurso é um remédio para os erros, não é novo julgamento; o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância: “o tribunal ad quem não procede a um novo julgamento, verifica apenas da legalidade da decisão recorrida, tendo em conta todos os elementos de que se serviu o tribunal que proferiu a decisão recorrida” (cfr. Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol I, Coimbra 2001) (no mesmo sentido o Prof. Damião da Cunha, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8º, fasc. 2, Abril/Junho 1998, págs. 259-260).
O que se compreende: por um lado, atendendo às funções do tribunal de recurso; por outro, tendo presente que este não goza nem da oralidade nem da imediação; por outro ainda, porque, como é sabido, a expressão não verbal, na grande maioria das vezes, é decisiva para formar a convicção. Da qual não usufrui o tribunal ad quem.

Ainda, como é jurisprudência constante dos tribunais superiores, porque este tribunal não goza nem da oralidade nem da imediação, a decisão quanto à matéria de facto só deve ser modificada se e quando for evidente que os meios de prova produzidos não podem conduzir à solução encontrada.

De resto, e em boa verdade, o Recorrente não impugna a matéria de facto, mas antes a convicção do tribunal que, na sua tese, deveria deixar-se convencer pela versão que ele próprio entende ser a verdadeira, e não por aquela que, na realidade, o convenceu.
Pois bem.
Na realidade, o CPP consagrou, no artº127º, de forma expressa, o princípio da livre apreciação das provas, por virtude do qual a decisão quanto à matéria de facto assenta na livre convicção do julgador, que deve ser devidamente fundamentada para poder ser sindicada pelos sujeitos processuais e pelo tribunal ad quem.
A decisão quanto à matéria de facto tem de se conformar, naturalmente, com as regras da experiência, sem o que seria arbitrária.
Conforme avisadamente se escreveu no Ac do TG de 29/01/2007, in www.dgsi.pt, “Do princípio da livre apreciação da prova, resulta que a decisão não consiste numa operação matemática, ou meramente formal, devendo o julgador apreciar as provas, analisando-as dialecticamente e procurando harmonizá-las entre si e de acordo com os princípios da experiência comum, sem que o julgador esteja limitado por critérios formais de avaliação.
A reconstituição processual da realidade histórica de certo facto humano não é ou dificilmente poderá ser a expressão precisa e acabada de um qualquer meio de prova e particularmente da prova testemunhal, dadas as naturais dificuldades em se reproduzir fiel e pormenorizadamente o que foi percepcionado ou vivenciado, geralmente de forma passageira e ocasional, muito antes da audiência de discussão e julgamento, local privilegiado para a produção e discussão das provas. Muito menos podem os vários depoimentos ser entendidos isoladamente, retirando-os do respectivo contexto, apenas com base em frases transcritas num mero suporte documental e em certas imprecisões de algum dos testemunhos - por vezes justificáveis desde logo pelas circunstâncias dialécticas em que são produzidos, durante o interrogatório cruzado, formal, surgindo sempre um novo elemento em cada questão suscitada por cada um dos sujeitos processuais.
Não se trata - na avaliação da prova - de uma mera operação voluntarista, mas de conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Envolve a apreciação da credibilidade que merecem os meios de prova, onde intervêm elementos não racionalmente explicáveis, v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova em detrimento de outro e onde tem essencial relevo a imediação.
Mas ainda deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, aspecto que já não depende substancialmente da imediação, mas deve basear-se na correcção do raciocínio, nas regras da lógica, da experiência e nos conhecimentos científicos.
Não obstante, a livre convicção ou apreciação não pode confundir-se com apreciação arbitrária da prova produzida nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador, como já sublinhara Cavaleiro de Ferreira.

Em sentido inteiramente coincidente aponta o STJ, em acórdão datado de 11-10-2007, in www.dgsi.pt:
“O artº127º do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulta da livre convicção do julgador”.
Tal como refere o Prof. Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol. II, pág. 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos.
Sobre a livre convicção refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta “é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade”- Cfr. “Curso de Processo Penal”, Vol. II, pág. 30.

Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é “... uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros” - Cfr., in “Direito Processual Penal”, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art.º 355º do Código de Processo Penal. É aí que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.
No dizer do Prof. Germano Marques da Silva “... a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela íntima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens” - Cfr. “Do Processo Penal Preliminar”, Lisboa, 1990, pág. 68”.
O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo: “Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...) Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais” - In “Direito Processual Penal”, 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 233 a 234.
Assim, e para respeitarmos estes princípios, se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.
Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de 2002 (C.J., ano XXVIII, 20, página 44) “quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
Assim é, com efeito.

No caso em apreciação, a matéria de facto está devidamente fundamentada; é verosímil; e conforma-se com as regras da experiência comum, tal como resulta, da própria motivação.

Ora, como evidencia a motivação da matéria de facto, o tribunal recorrido usou devidamente o princípio da livre apreciação da prova, valorando devidamente as provas, fundamentalmente as provas de livre apreciação, que sopesou adentro de uma visão global e crítica das mesmas, com base nas ilações e inferências que retirou das provas e nas regras da experiência comum, donde se extrai facilmente o porquê da certeza jurídica da prática dos factos, tal como os teve como provados.
Ao invés, o impugnante acorrenta-se a uma visão subjectiva, parcelar e esparsa de declarações e depoimentos, com manifesto desprezo da necessária análise global e crítica de todas as provas produzidas…

Não pode, pois, ser alterada a matéria de facto.
*
II, III e IV – Insurge-se o arguido quanto à qualificação e tipificação legal dos factos descritos e que se tiveram como provados, propugnando que preenchem e integram tão só um crime de coacção sexual na forma tentada na pessoa da E………., de um crime de sequestro na pessoa da F………., ou quando muito um crime de rapto na forma tentada e no que se reporta à pessoa da C………., não configuram a prática de qualquer crime, ou quando muito, a prática de um crime de sequestro e, na pior das hipóteses, um crime de rapto na forma tentada, devendo ser absolvido do crime de detenção de arma proibida e, bem assim, quanto à medida das respectivas penas parcelares e única em que se mostra condenado, não devendo ser superior a 3 anos de prisão pelo crime de violação, aplicando-se pena de multa ao crime de sequestro da F………., ou de 2 anos de prisão se verificado um crime de rapto consumado, devendo ser absolvido pelos factos reportados à C………., ou, se improcedente esta, aplicar-se uma pena de multa pelo seu sequestro, ou, se verificado um crime de rapto na forma tentada, atenuar-se-lhe especialmente a pena, considerando-se o disposto no nº3 do artº161 do Cód. Penal, e, finalmente, aplicar-se uma pena de multa se verificado o crime de detenção de arma proibida.
Em cúmulo jurídico, propugna a sua condenação numa pena única que não ultrapasse os 2 anos de prisão.

Apreciando:

Quanto à ofendida E……….:

Não merece o mínimo reparo a tipificação criminal decisória, reportada à ofendida E………., da prática pelo arguido de um crime de violação, previsto e punido pelo artº164º nº1, alínea b) do Cód. Penal, tal como motivado na decisão e que se transcreve:
«Mostra-se provado em primeiro lugar que o arguido agarrou a ofendida E………. com força, empurrou-a para o interior de um veículo, sendo que esta foi reagindo consoante pôde, fazendo pressão contra a porta. Todavia, o B………. dizia-lhe para não fazer força, pois que não lhe faria mal. O B………. deitou-se, então, sobre a ofendida, agarrando-a em ambos os pulsos. Debatendo-se consoante podia, E………. ainda logrou afastar o arguido do seu peito, levantando-o, contudo, o arguido empurrou a ofendida contra o chão da carrinha, fazendo pressão sobre o peito daquela, com a sua cabeça. Esta ainda gritou, com todas as forças que tinha, para que o arguido parasse. Todavia, indiferente a tal pedido, o arguido continuou nos seus intentos, pelo que nessa sequência, desapertou um botão da saia que a ofendida envergava, introduziu uma das mãos no interior das cuecas daquela e, após, introduziu os seus dedos na vagina de E………., provocando-lhe uma forte dor.
Assim sendo, o arguido, na expressão legal (art. 164º, n.º1, alínea b), do Código Penal), por meio de violência e colocando a ofendida na impossibilidade de resistir, constrangeu-a a sofrer introdução vaginal de parte do corpo daquele, pelo que evidentemente se mostra preenchido o tipo legal do crime de violação nos moldes em que se achava acusado».

Quanto às ofendidas F………. e C……….:

Prescreve o artº161º, nº 1, al. b) do Código Penal que comete o crime de rapto quem, por meio de violência, ameaça ou astúcia, raptar outra pessoa com a intenção de cometer crime contra a liberdade e autodeterminação sexual da vítima.

Por sua vez, dispõe o artº158º nº1 do Cód. Penal que comete o crime de sequestro quem detiver, prender, mantiver presa ou detida outra pessoa ou de qualquer forma a privar da liberdade é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

E, quanto às mesmas, motivou-se na decisão recorrida, como se transcreve:

«No caso vertente, o arguido raptou, isto é transferiu as vítimas F………. e C………. de um local para outro (cfr. Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbrincense ao Código Penal, vol. I, págs. 403), através de um meio astucioso, pois fez as vítimas entrarem no seu veículo, identificando-se falsamente, incutindo-lhes um sentimento de confiança, designadamente através de uma conversa calma, amena e cordial, dizendo-lhes que iriam a certos locais e combinados entre o arguido e as vítimas, quando na verdade as ludibriou, conduzindo-as para locais ermos contra a vontade daquelas e com o intuito de praticar crimes contra a liberdade sexual das vítimas, nos moldes que se deram por assentes. Em face do exposto, é pois inequívoco o cometimento de tais crimes de rapto pelo arguido e ambos na forma consumada.
De facto, apesar de em relação à F………. se ter entendido na acusação que o rapto foi cometido na forma tentada, a verdade é que já se mostravam praticados todos os actos de execução, pois que o arguido já a havia deslocado, contra a vontade desta para outros locais ermos, caminhos de mato, com o intuito de atentar contra a sua liberdade sexual, sendo que o facto de não ter atentado contra a sua liberdade sexual apenas leva a que não tenha cometido um crime desta natureza e não já que o crime de rapto na forma tentada, pois que para o seu preenchimento na forma consumada, como bem se compreende, basta a intenção, como sucedeu no caso vertente, de atentar contra a liberdade sexual da ofendida, sendo, assim, para este efeito, anódina a fuga posteriormente encetada pela ofendida. Não se mostra, deste modo, preenchida qualquer das hipóteses tipificadas no art. 22º do Código Penal, uma vez que foram praticados todos os actos de execução».

Também, tal como se mostra motivado, não merece censura o enquadramento jurídico penal de consumação do tipo legal de crime de rapto, quanto a estas ofendidas, pois que é manifesta a astúcia desenvolvida pelo arguido por forma a determinar a condução das referidas ofendidas no seu veículo para locais inesperados, “in casu” mesmo inusitados e ao arrepio de todas as suas expectativas, no oculto e firme propósito de as forçar, assim, a manter consigo trato de cariz sexual, ainda que não caracterizado.
Sempre, porém, contra a vontade daquelas.

A consumação do crime de rapto não está, assim, dependente da caracterização «ex ante» de qual dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual das ofendidas, estando-lhe apenas subjacente a intencionalidade da conduta do arguido, como bem se mostra motivado, pese a inexistência de violência por parte do arguido e, muito menos, da sua consumação.
O seu preenchimento basta-se com a astúcia usada na intencionalidade subjacente atentatória da liberdade sexual de cada uma das ofendidas, independentemente da sua caracterização típica, só determinável «ex post», com a sua consumação.

Não merece por isso reparo, sob tal prisma, a decisória tipificação legal da prática de um crime de rapto por parte do arguido, na pessoa destas ofendidas.

Finalmente e quanto ao crime de detenção de arma proibida, é igualmente transparente o seu cometimento por parte do arguido, como motivado na decisão recorrida, «pois que ficou vertido como assente que quando conduzia um veículo automóvel tinha em sua posse um bastão extensível de cor cromada, com punho de cor preta, com cerca de 53 cm de comprimento total, objecto sem aplicação definida, destinado a ser utilizado exclusivamente como meio de agressão, sendo que o arguido estava perfeitamente ciente de que, por falta de autorização especial para o efeito, estava legalmente vedada a detenção do aludido bastão extensível.
Efectivamente, de acordo com o art. 86º, nº 1, al d), da Lei nº 5/2006, de 23/2, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 17/2009, de 6/5, na parte que ora importa reter incorre na prática de tal ilícito quem sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver ou transportar bastão extensível, arma enquadrável nas als. g) e i) do nº 2 do art. 3º do citado diploma e que de acordo com o art. 4º ainda do mesmo diploma só em casos muito contados, mediante e autorização especial, pode ser detida, o que, obviamente, não sucedia no caso vertente».

Da medida das penas parcelares e única, aplicadas ao recorrente:
Foi o recorrente condenado nas seguintes penas parcelares e única:

Como autor de um crime de violação p. e p. pelo art. 164º, n.º1, alínea b), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, de dois crimes de rapto p. e p. pelo art. 161º, n.º1, alínea b), do referido diploma legal, nas penas de 3 (três) anos e 6 (seis) meses por cada um deles e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, n.º1, alínea d) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção que lhes foi dada pela Lei 17/2009, de 6 de Maio, na pena de 1 (um) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Em cúmulo jurídico das referidas penas condena-se o arguido na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Na sua determinação e escolha, motivou-se na decisão recorrida:

«A determinação definitiva da pena é alcançada através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira investiga-se e determina-se a moldura penal (medida abstracta da pena) aplicável ao caso; na segunda investiga-se e determina-se a medida concreta (dita também individual ou judicial); na terceira, não necessariamente posterior, de um ponto de vista cronológico, à segunda, escolhe-se (de entre as penas postas à disposição pelo legislador e através dos mecanismos das penas alternativas ou das penas de substituição) a espécie de pena que, efectivamente, deve ser cumprida (cfr. Figueiredo Dias, in “As Consequências Jurídicas do Crime”, págs. 198).
O crime de violação é punido nos termos do art. 164º, nº 1, do Código Penal com pena de prisão de três a dez anos.
Os crime de rapto são punidos, nos termos do art. 161º, nº 1 do Código Penal, com penas de dois a oito anos
O crime de detenção de arma proibida é punido, nos termos do art. 86º, nº 1, da Lei nº 5/2006, de 23/2, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 17/2009, de 6/5, com prisão até quatro anos ou com pena de multa até 480 dias
Tendo em conta o estatuído nos arts. 40º, nº 1 e 70º, ambos do Código Penal, cremos que, como é óbvio, em relação ao crime de detenção de arma proibida, que a admite, a pena de multa não se mostra adequada nem suficiente para satisfazer as necessidades de prevenção especial e garantir as exigências de prevenção geral, visto desde logo por o agente ter os supra descritos antecedentes criminais com várias condenações que se vêm repetindo com alguma frequência ao longo da sua vida, por crimes de natureza vária, e inclusivamente com penas de prisão efectiva aplicadas, sendo que o seu extenso rol de crimes se mostra engrossado para além do crime de detenção de arma proibida por mais um de violação e dois de rapto, pelo quais necessariamente irá ser condenado em pena de prisão.
Nos termos do art. 40º do Código Penal, a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena em caso algum ultrapassar a medida da culpa.
Para apurar a medida da pena ter-se-á que atender aos critérios plasmados no art. 71º do Código Penal - em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes e atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), deponham a favor do agente ou contra ele.
Comecemos pelo crime de violação.
A conduta do arguido pautou-se por um grau de ilicitude médio/baixo, já que a sua actividade delituosa se prolongou “apenas” durante alguns momentos e a violação consumou-se é certo, como todas as violações, de uma forma grave - introdução de dedos na vagina -, mas e uma forma menos gravosa que por exemplo as situações de coito, sendo que o acto praticado aconteceu uma vez.
O dolo revestiu a modalidade de directo, o que nesta sede pouco releva, denotando, porém, intensidade e perduração, pois que o arguido não acedeu aos pedidos desesperados da vítima para parar, sendo ainda que esta ofereceu bastante resistência que o arguido teve de vencer e venceu.
Negativamente há ainda que valorar a conduta preparatória do arguido, que igualmente denota a tenacidade e também a premeditação da sua conduta.
As consequências são valorizáveis negativamente, pois para além de ter provocado uma forte dor na ofendida, resultaram ainda vários hematomas para esta, com 3 dias de doença, a que acresce um dente partido na sequência de mordidela com que se defendeu do arguido.
Negativamente há que considerar o facto de o arguido ter uma multiplicidade de antecedentes criminais.
Por fim há que não olvidar uma imputabilidade diminuída por parte do arguido, que atenua de alguma forma a sua responsabilidade, embora de forma - tal como a sua imputabilidade - diminuída.
Ponderando tudo o que anteriormente se referiu, julga-se adequada a pena de cinco anos de prisão.
Quanto aos crimes de rapto, os mesmos foram praticados com um grau de ilicitude médio/baixo, pois que a privação da liberdade das vítimas se cifrou em alguns momentos que não terão atingido uma hora, sendo ainda que o método utilizado para o rapto, dentro dos que o citado art. 161º, nº do Código Penal prevê foi o mais suave, a astúcia, sendo que porém a prática dos crimes apenas cessou num caso porque a ofendida se atirou perigosamente do veículo em movimento e no outro porque a vítima não acedeu a manter relações sexuais com o arguido, abandonando-a no meio de uma mata.
O dolo revelou em ambos os casos perduração e intensidade, atento, mais uma vez o elaborado percurso preparatório e o facto de ter sido pelo comportamento das vítimas que o arguido cessou a sua actividade delituosa, se bem que no caso da ofendida C………, o arguido acabou por a deixar no meio do mato, se bem que neste caso se apurou que as consequências da conduta do arguido foram mais gravosas, conforme decorre dos itens 108 a 114 dos factos provados, pelo que ponderados globalmente ambos os ilícitos, se julga adequado aplicar penas idênticas, sopesando também aqui os antecedentes criminais do arguido e a sua imputabilidade diminuída.
Assim, sendo julgam-se justas e adequadas as penas de 3 anos e meio de prisão por cada um dos crimes de rapto.
Por fim, quanto ao crime de detenção de arma proibida, tendo em atenção que o bastão extensível era, digamos, “normal”, apenas se tendo apurado a sua detenção e transporte nos momentos que precederam a sua apreensão e tendo em conta também aqui os apontados antecedentes criminais e a imputabilidade diminuída, acha-se justa e adequada a pena de 1 ano e meio de prisão.
Determinadas as penas concretamente aplicáveis por cada um dos crimes cometidos pelo arguido, resta proceder ao cúmulo jurídico dessas penas, já que está em causa um concurso de crimes, conforme previsto no art. 30º, nº 1, do Código Penal e com as consequências apontadas no art. 77º do mesmo Código, ou seja, a formação de uma pena única, apreciando, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido.
Atendendo ao nº 2 do citado art. 77º, a limite máximo da pena a formar situa-se, in casu, nos 13 anos e meio de prisão (correspondentes à soma das 4 penas concretamente aplicadas), sendo o limite mínimo de fixar em 5 anos de prisão (já que não há pena concreta superior a esse quantum).
Assim, construída a moldura do concurso, a pena terá de ser encontrada entre os 5 e os 13 anos e 6 meses de prisão.
Todas as asserções que até aqui foram feitas dispensam a extensão e rigor postos anteriormente, sem embargo de haver um dever acrescido de fundamentação por ser preciso considerar, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (cfr. Figueiredo Dias, in “Consequências Jurídicas do Crime”, págs. 291).
Globalmente, afigura-se-nos revestirem uma gravidade alta, porque foram cometidos 4 crimes, num espaço temporal não muito dilatado, não estando encadeados, pelo que mesmo visionados em conjunto não limitam o juízo negativo que se fez sobre cada um isoladamente. Por outro lado, as condutas criminosas do arguido não se afiguram actos isolados, achando-se integrados numa carreira criminosa plurifacetada inclusive com penas de prisão efectivas, a que acresce que os actos praticados têm de ser considerados como ignóbeis e próprios de alguém que revelou uma personalidade doentia, julgando-se assim adequada a pena única de 9 anos e 6 meses de prisão».

Acresce, ainda, que tais penas possam lograr a socialização ou advertência individual e a segurança ou inocuização.

A pena tem, sempre, o fim de servir para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos –e, assim, no ordenamento jurídico-penal. É o instrumento, por excelência, destinado a revelar perante a comunidade que a ordem jurídica é inquebrantável, apesar de todas as violações que tenham lugar — vide Figueiredo Dias, in “Temas Básicos da Doutrina Penal”, págs. 74 e segs.

É a chamada prevenção geral positiva ou de integração, que dentro dos limites da medida da culpa determina a pena que, em caso algum, deverá pôr em causa o limite inferior constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.

Assim e em obediência e aplicação de tais parâmetros normativos, plasmados na motivação decisória e que aqui se sufragam, sem reparo, entendemos contudo algo excessivas as penas concretamente aplicadas, parcelares e única, ao recorrente, pelo que se nos afiguram adequadas e proporcionais à gravidade dos ilícitos cometidos, danos causados e personalidade do arguido, a sua condenação nas seguintes penas parcelares:
a) Quatro anos de prisão, pela prática de um crime de violação, perpetrado na pessoa de E……….;
b) Dois anos e seis meses de prisão, pela prática de cada um dos crimes de rapto, perpetrados na pessoa das ofendidas F………. e C……….;
c) Sete meses de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida.
d) E, em cúmulo jurídico de todas as referidas penas, na pena única de sete anos e dez meses de prisão.

V – Da discordância do montante da condenação em indemnização civil à assistente C………..

O respectivo pedido de indemnização civil a título de danos não patrimoniais tem o valor de 5.000,00 €.

Nos termos do Dec. Lei nº303/07, de 24/08, que entrou em vigor em 1/01/08, a alçada da 1ªinstância em matéria cível e para os efeitos do artº400º nº2 do Cód. Proc. Penal, passou a ser de 5.000,00 €.
Ora, nos termos do nº2 do artº400º do Cód. Proc. Penal, tal decisão não admite recurso, pelo que será rejeitado a final, por aplicação conjugada ainda do disposto nos artºs414º nº2 e 420º nº1, alínea b) e nº3 do Cód. Proc. Penal.

Decisão:

Acordam os juízes, desta Relação:

A- Em rejeitar, por sua inadmissibilidade legal, o recurso da condenação em indemnização civil;
B- Em dar parcial provimento ao recurso, reportado à medida das penas parcelares e única, aplicadas, pelo que, reduzindo-as, condenam o arguido B……….:
I- Como autor de um crime de violação, previsto e punido pelo artº164º nº1, alínea b) do Cód. Penal, na pena de quatro anos de prisão;
II- Como autor de dois crimes de rapto, previstos e punidos, respectivamente, pelo artº161, nº1, alínea b) do Cód. Penal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, por cada um deles;
III- Como autor de um crime de detenção de arma proibida, na pena de sete meses de prisão.
IV- E, em cúmulo jurídico de todas as fixadas penas parcelares, condenam o mesmo arguido na pena única de sete anos e dez meses de prisão.

Custas pelo recorrente, fixando-se em 6UC a taxa de justiça, a que acresce a condenação no pagamento da importância de 3 UC – ut artº420º nº3 do CPP.

Porto, 03/11/2010.
Ângelo Augusto Brandão Morais
José Carlos Borges Martins