Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3077/07.4TBPVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOANA SALINAS
Descritores: NRAU
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
NATUREZA DOS FUNDAMENTOS TIPIFICADOS
Nº do Documento: RP201011033077/07.4TBPVZ.P1
Data do Acordão: 11/03/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 1083º, Nº 2 DO CC
Sumário: I – As situações previstas nas als. a) a e) do nº2 do art. 1083º do CC, pela sua gravidade objectiva, dispensam o senhorio de alegar e provar outros factos que integrem a inexigibilidade da manutenção do contrato.
II – Nessas situações tipificadas, o locador tem apenas o ónus de alegar e provar factos que as integrem, deles decorrendo, por presunção, a inexigibilidade da manutenção do contrato.
III – Esta presunção é ilidível, ou seja, como excepção peremptória, o arrendatário tem sempre a possibilidade de alegar e provar factos dos quais resulte que continua a ser objectivamente razoável a manutenção do contrato.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3077/07.4TBPVZ.P1 - Apelação
Tribunal Recorrido: 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO

O Município ………. intentou a presente acção com forma de processo sumário contra B………. e C………., pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento referente à fracção autónoma identificada pela letra “E”, correspondente ao 1º andar esquerdo nascente, de tipo T3, do prédio urbano, sito na Rua ………., Bloco ., Entradas . e .., na freguesia e concelho da Póvoa de Varzim, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Póvoa de Varzim sob o artigo 7002, e que os réus sejam condenados a despejar o locado.
Alega para tanto, e em síntese, que arrendou o referido apartamento para habitação permanente dos Réus e respectivo agregado familiar, verificando-se que os Réus vêm albergando aí outros familiares, para além de, envolvendo-se em discussões e desacatos vários, violarem reiteradamente o regulamento para as habitações sociais municipais, que, aquando da atribuição do fogo, se comprometeram a cumprir.
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Na sua contestação os réus negam a prática dos factos invocados pelo Autor.
Na resposta o autor conclui como na petição inicial.
Pelo autor foram apresentados dois articulados supervenientes, onde, em síntese, se descrevem condutas perturbadoras dos réus e familiares contra pessoas e coisas, que obrigaram à intervenção das autoridades policiais, bem como a apreensão no locado de armas de fogo, munições e armas brancas.
Nas respostas respectivas os réus impugnam esses factos.
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A final foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os réus do pedido.
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Inconformado com essa decisão, o autor interpôs este recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
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Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do presente recurso – delimitado pelas conclusões das alegações do apelante – centra-se na análise das seguintes questões:
> Erro na apreciação da prova,
> Existência ou não, de factos que fundamentem a resolução do contrato de arrendamento e o consequente despejo.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na 1ª instância, foi considerada provada a seguinte matéria de facto:

1) Em 1987, o ora Autor, MUNICÍPIO ………., entregou aos ora Réus, B………, e C………., a fracção autónoma identificada pela letra “E”, correspondente ao 1º andar esquerdo nascente, de tipo T3, do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ………., Bloco ., Entradas . e .., na freguesia e concelho da Póvoa de Varzim, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Póvoa de Varzim sob o artigo 7002;
2) A. e RR. acordaram que a entrega da fracção era feita pelo prazo de um ano, renovável por iguais e sucessivos períodos, e que a fracção autónoma destinava-se exclusivamente à habitação permanente dos ora Réus e do respectivo agregado familiar, composto pelos filhos D……E……….;
3) A. e RR. acordaram que estes, devido à entrega da fracção autónoma, procederiam ao pagamento de uma renda mensal, a pagar na Tesouraria da Câmara Municipal ………., nos primeiros oito dias de cada mês, cujo valor é actualmente de €: 60,00 (sessenta euros).
4) O fogo referido em 1) trata-se de uma habitação social municipal, tendo-se os RR. comprometido, quando o mesmo lhe foi atribuído pelo A., a cumprir rigorosamente o Regulamento para as Habitações Sociais Municipais aprovado pela Assembleia Municipal ………., em 24 de Julho de 1984, em cujo teor, entre o mais constante de fls. 26 a 29 dos autos, se encontra o seguinte:
Artigo 1º - a habitação atribuída destina-se exclusivamente ao arrendatário e seu agregado familiar;
Artigo 2º - não é permitida a coabitação de pessoas estranhas ao agregado familiar, enquanto não autorizada pela Câmara Municipal;
(…)
Artigo 9º - São deveres dos arrendatários:
a) velar pela conservação da habitação;
b) …
c) não depositar lixo senão nos locais a isso destinados;
d) …
e) …
f) não utilizar a título individual os espaços comuns dos edifícios (…);
g) …
h) …
i) …
j) não fazer ruídos que perturbem os vizinhos, respeitando sobretudo as horas de descanso nocturno”;
(…)
Artigo 10º - As rendas a cobrar pela ocupação das habitações são fixadas de acordo com a Portaria nº288/83, de 17 de Março.
(…)
Artigo 12º - Os ocupantes das habitações podem ser despejados:
a) …
b) …
c) quando, depois de avisados por escrito, insistam no não cumprimento de qualquer dos deveres mencionados neste Regulamento;
(…)
5) O conteúdo do Regulamento para as Habitações Sociais Municipais foi explicado aos RR., de modo detalhado, por técnicos ao serviço do ora A., tomando os RR. conhecimento do mesmo e ficando com um exemplar do referido Regulamento;
6) Os Réus, desde que habitam na fracção, albergaram na mesma, durante períodos de tempo não concretamente determinados, outros familiares para além dos filhos referidos em 2), sem que para isso o Autor desse autorização;
7) Em finais de 2006, foi solicitado ao ora Autor que autorizasse que F………., genro dos ora Réus, residisse no locado com “pulseira electrónica”, não tendo o ora Autor concedido tal autorização;
8) Os ora Réus foram, por mais do que uma vez, advertidos por escrito pelo ora Autor para o facto de estar a ser por eles violada a regra do Regulamento para as Habitações Sociais Municipais que estipula que “não é permitida a coabitação de pessoas estranhas ao agregado familiar, enquanto não autorizada pela Câmara” (artigo 2º do Regulamento) e que tal violação, reiterada, constituía fundamento para a cessação do contrato de arrendamento;
9) Os ora Réus e as demais pessoas que com eles se encontrem na fracção produzem, em convívios e festas que realizam com uma frequência não concretamente apurada, barulhos/ruídos e palavras em tom elevado e, algumas dessas vezes, entram no prédio com sinais de abuso de bebidas alcoólicas e discutem entre si;
10) Os barulhos e discussões referidos em 9) ocorrem, algumas das vezes, durante a noite, sendo ouvidos por moradores do prédio;
11) Os ora Réus e as demais pessoas que com eles se encontrem, por vezes, entram e saem do prédio de modo ruidoso, tanto acontecendo isso de dia como de noite;
12) A porta da entrada do prédio já sofreu estragos e os respectivos vidros já foram partidos mais do que uma vez por familiares ou pessoas das relações dos Réus;
13) Após notificações do ora Autor para que os ora Réus assegurassem que tal não voltaria a acontecer, os vidros em causa foram novamente partidos, na noite do dia 2 de Fevereiro de 2007, pelo filho dos Réus, E……….;
14) Os moradores do prédio já solicitaram a presença da Polícia de Segurança Pública (PSP) no prédio, por mais do que uma vez, por causa dos factos referidos em 9) e 10);
15) No ano de 2007, o filho dos Réus E………. dormiu, por mais do que uma vez, no hall de entrada do prédio, deixando aí ficar cobertores e outros objectos;
16) E………. efectuava consumos de drogas e, ao longo deste ano de 2007, em mais do que uma ocasião, insultou moradores do prédio que com ele se cruzavam no prédio, fazendo ameaças aos mesmos quando estes diziam que iriam chamar a polícia;
17) No dia 29 de Setembro de 2007, o referido E………., depois de uma discussão familiar, desceu as escadas do prédio aos gritos e com uma faca na mão e partiu o vidro da porta de entrada do prédio;
18) Em mais do que uma ocasião, tanto o Réu como seus familiares discutiram e dirigiram ameaças a moradores do prédio;
19) No dia 23 de Outubro de 2007, o Réu-marido, embriagado, tentou agredir as moradoras do 1º esquerdo poente com uma bengala, tendo-lhes ainda dirigido palavras insultuosas;
20) Em data não concretamente apurada do ano de 2007, depois de discussões ocorridas no interior da fracção autónoma atribuída aos RR., um dos filhos dos ora Réus saiu da habitação e partiu vidros de um automóvel, que se encontrava estacionado junto ao prédio;
21) No espaço localizado por baixo das janelas da fracção atribuída aos RR., o jardim está frequentemente com lixos, plásticos, roupa, restos de comida e outros detritos;
22) O jardim em causa é limpo regularmente por jardineiras ao serviço do Autor;
23) As fachadas do prédio, que foram reabilitadas e pintadas no ano 2006, no âmbito do Programa ………., encontram-se muito sujas na área junto aos parapeitos das janelas da fracção autónoma entregue aos RR.;
24) Os estores nas janelas da fracção atribuída aos RR., que foram colocados aquando da reabilitação das fachadas do prédio, foram partidos poucos meses depois;
25) Na mesma entrada do prédio em que residem os ora Réus residem outros 15 agregados familiares, estando pelo menos duas pessoas desses agregados acamadas ou confinadas à habitação 24 horas por dia;
26) Os serviços do ora Autor foram interpelados diversas vezes, verbalmente e por telefone, por outros moradores do prédio, no sentido de ser posto fim aos factos referidos de 9) a 24);
27) Os ora Réus já foram notificados mais de dez vezes, quer por escrito, quer verbal e pessoalmente, no Gabinete de Habitação do ora Réu, para porem termo aos factos referidos de 9) a 24);
28) A Ré tem vários filhos, recebendo visitas dos mesmos com uma frequência e com duração não concretamente apuradas, sabendo o Autor dessas visitas;
29) Em data e hora não concretamente apuradas do ano de 2008, alguns dos familiares dos ora Réus arremessaram paralelipípedos da rua contra uma palmeira localizada junto à entrada do prédio;
30) Em data e hora do ano de 2008 não concretamente apuradas foram disparados tiros para o ar junto ao prédio;
31) No dia 11 de Junho de 2008, um neto dos ora Réus partiu a cerâmica da fachada do prédio (Bloco .-., topo sul) em mais do que um local;
32) Em data e hora do ano de 2008 não concretamente apuradas, apresentaram-se junto ao prédio pessoas de etnia cigana desavindas com os RR., com armas em punho e na cintura;
33) No dia 7 de Julho de 2008, um dos filhos dos ora Réus, G………, apontou, pela janela da sala da fracção atribuída aos RR., uma caçadeira a uma moradora do prédio;
34) No dia 11 de Fevereiro, a Policia de Segurança Pública efectuou uma busca na fracção autónoma referida em 1), tendo, no âmbito dessa busca, sido apreendida uma pistola marca STAR, modelo …, calibre 9 mm, com o respectivo carregador municiado com oito munições, e ainda uma soqueira em metal amarelo;
35) Nessa ocasião, o R. marido foi detido;
36) Os RR. estão em período de luto devido ao falecimento do seu filho E………..
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IV – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
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Deste modo, alteram-se as respostas aos quesitos 4º e 30º, nos seguintes termos:

Provado apenas que actualmente residem no locado, além dos ora réus e dos filhos, D………. e E………., outras pessoas da sua família, designadamente, filhos, filhas, genros, noras, e netos, perfazendo mais de 10 pessoas.
30º
Provado.
A resposta agora dada ao quesito 4º passa a incluir-se na alínea 6-A) dos factos provados, com a seguinte redacção:
6-A) Actualmente residem no locado, além dos ora réus e dos filhos, D………. e E……….., outras pessoas da sua família, designadamente, filhos, filhas, genros, noras, e netos, perfazendo mais de 10 pessoas.
A resposta agora dada ao quesito 30º altera a redacção da alínea 26) dos factos provados que passa a ser a seguinte:
26) Os serviços do ora Autor foram interpelados inúmeras vezes, verbalmente e por telefone, pelos restantes moradores do prédio, no sentido de ser posto fim aos factos praticados pelos RR. E familiares referidos de 9) a 24).
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> Quanto à resolução do contrato de arrendamento e o consequente despejo

Subscrevemos inteiramente a decisão recorrida no que concerne à aplicação da lei civil ao contrato dos autos, pelas exactas razões que transcrevemos:
“Esta Lei, Lei n.º 21/2009 (D.R. n.º 97, Série I de 2009-05-20) de todo o modo, estabeleceu ainda um regime transitório, identificando as situações em que, sem prejuízo das condições do título de ocupação do fogo, pode a entidade proprietária dos imóveis cedidos determinar a cessação da utilização do fogo atribuído.
No caso em apreço, o Município ………. não usou das respectivas prerrogativas administrativas para fazer cessar a utilização da fracção habitacional que entregou aos RR., antes tendo enveredado pela via judicial.
Já aquando da publicação do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo DL nº321-B/90, de 15 de Outubro, houve o cuidado de estatuir que ao chamado “arrendamento social”, apesar de o mesmo estar excluído do regime geral do arrendamento urbano, por se incluir entre os “arrendamentos sujeitos a legislação especial” (art. 5º, n.º 2 al. f) do RAU), se aplicavam também em primeiro lugar, o regime geral da locação civil e, depois, o regime do arrendamento urbano “na medida em que a sua índole for compatível com o regime de tais arrendamentos” (cfr. artigo 6º, nº2 do RAU). O Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, não contém norma idêntica ao anterior artigo 6º do RAU, mas afigura-se-nos claro que a circunstância de o “arrendamento social” estar sujeito a um regime especial em relação ao regime geral do arrendamento urbano, não afasta o facto de na sua base existir um acordo de vontades caracterizado pela cedência a outrem da utilização de um bem imóvel com a obrigação do beneficiário da utilização pagar uma “renda” a quem lhe proporciona o uso do bem, o que faz com que, na medida em que isso não for contrariado pelas especificidades do respectivo regime, lhe possa ser aplicável subsidiariamente o regime geral da locação civil. É que se é verdade que o nosso ordenamento jurídico proíbe a generalização de normas especiais (cfr. artigo 11º do Código Civil), isto mais não impede do que a utilização de normas de cariz excepcional para alcançar princípios ou determinações gerais, em nada interferindo com a possibilidade de os regimes gerais se aplicarem a situações de regimes especiais que consigo sejam compatíveis.
Assim, no caso sub judice, entende-se que, apesar das especificidades do regime legal que superintende à ocupação e utilização dos fogos municipais destinados à habitação social, não se verifica qualquer impedimento legal a que o Município ………. utilize a via judicial para obter a resolução da relação locatícia que existe entre si e os RR. Simplesmente, não tendo sido usada a via administrativa, apenas poderá este tribunal judicial aferir da existência de fundamentos para a resolução do contrato à luz do regime geral da locação civil”.
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O regime actualmente vigente, introduzido pela Lei n.º 6/2006, de 27/02 (NRAU) criou uma cláusula geral resolutiva, que descreve os requisitos gerais para a resolução do contrato por qualquer das partes, e limitou-se a indicar alguns exemplos de incumprimento do locatário (cfr. a expressão "designadamente quanto à resolução pelo senhorio") que podem dar lugar à resolução do contrato pelo senhorio verificados que sejam, obviamente, os requisitos constantes daquela cláusula geral resolutiva.
O legislador, no novo regime do arrendamento urbano, abandonou o sistema de enumeração taxativa dos fundamentos de resolução do contrato de arrendamento anteriormente previstos no art. 64º do RAU, que estavam consolidados por estudos aprofundados da doutrina e em numerosos acórdãos das Relações e STJ, optando pelo estabelecimento de uma cláusula geral, no n.º 2 do art. 1083º do Código Civil que estipula: “É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio.”
No entanto, nas cinco alíneas seguintes, enumera outros tantos fundamentos de resolução.
Com efeito, dispõe o citado artº 1083º como fundamento da resolução:
1 - Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.
2 - É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente, quanto à resolução pelo senhorio:
a) A violação reiterada e grave de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio;
b) A utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública;
c) O uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina;
d) O não uso do locado por mais de um ano, salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 1072.º;
e) A cessão, total ou parcial, temporária ou permanente e onerosa ou gratuita, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio.
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No caso concreto em apreço, estão em causa, segundo o apelante, as hipóteses previstas nas als. a) e b).
“A nova opção do legislador de estabelecer essa cláusula geral e de seguida enunciar exemplificadamente as cinco situações nas alíneas a) a e) do n.º 2 do citado artº 1083º, suscitou uma questão de particular relevância que é a de saber se nas situações previstas nas citadas alíneas a resolução operará automaticamente, verificada que esteja a factualidade objectiva que preencha essas previsões ou se também nelas é necessário apurar se cada um desses incumprimentos pela sua gravidade, ou consequências, torna inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento (posição defendida por Baptista Oliveira, em “A Resolução do Contrato no Novo Regime do Arrendamento Urbano”, pág. 29 e também por Maria Olinda Garcia, em “A Nova Disciplina do Arrendamento Urbano”, pág. 25, onde escreve): “todos os fundamentos tipificados nessas alíneas terão de preencher essa cláusula, ou seja, terão de atingir um nível de gravidade e gerar consequências tais que não seja razoavelmente exigível àquele senhorio (de um ponto de vista objectivo) a manutenção do contrato com aquele arrendatário”).
Em sentido contrário, Pinto Furtado, em Manual do Arrendamento Urbano, vol. II, 4ª edição, a fls. 1001, defende que os casos previstos nas alíneas do n.º 2 são típicos de resolução, não meras presunções ilidíveis de inexigibilidade da manutenção do arrendamento pelo senhorio, ou seja, provados tais factos nenhum juízo de valor se tem de acrescentar para se constituir ou afastar o direito à resolução por parte do senhorio.
Entendemos que as situações previstas nas alíneas a) a e) do n.º 2 do art. 1083º do Código Civil pela sua gravidade objectiva dispensam o senhorio de alegar e provar outros factos que integrem a inexigibilidade da manutenção do contrato”. – vg. Acórdão deste Tribunal de 06/05/2010, proferido no processo nº 451/09.5TJPRT.P1, relatado pelo Desembargador Leonel Serôdio, e publicado em www.dgsi.pt/jtrp
Consideramos pois que o locador nessas situações tipificadas tem apenas o ónus de alegar e provar factos que as integrem, deles decorrendo, por presunção, a inexigibilidade da manutenção do contrato.
Esta presunção é ilidível, ou seja, como excepção peremptória, o arrendatário tem sempre a possibilidade de alegar e provar factos dos quais resulte que continua a ser objectivamente razoável a manutenção do contrato.
Na resolução com fundamento na cláusula geral prevista no n.º 2 do art. 1083º do Código Civil, sem referência a qualquer das alíneas ali enumeradas, tem então o senhorio de alegar e provar factos que consubstanciem incumprimentos das obrigações do arrendatário e ainda que os mesmos pela sua gravidade ou consequências tornem inexigível a manutenção do arrendamento.
Importa, agora, apreciar, se a factualidade provada integra ou não a previsão das als. a) e b) do artº 1083º, como defende o apelante.
Na nossa perspectiva verificam-se efectivamente factos que justificam a invocação das alíneas a) e e), mas não que possam integrar a alínea b), ou seja, não há factos que evidenciem a utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública.
Mas há factos que consubstanciam a violação reiterada e grave de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento do condomínio, como há factos que demonstram que os réus têm cedido parcialmente a habitação para residência temporária de vários dos seus familiares sem qualquer autorização da Câmara para o fazerem.
Tendo presente o regulamento camarário de utilização das habitações, que é equivalente a um regulamento do condomínio, integram-se nestas duas alíneas (a e e) os factos que a seguir sintetizamos.

Constituem violação reiterada e grave de regras de higiene, de sossego, de boa vizinhança e de normas constantes do regulamento camarário:
9) Os ora Réus e as demais pessoas que com eles se encontrem na fracção produzem, em convívios e festas que realizam com uma frequência não concretamente apurada, barulhos/ruídos e palavras em tom elevado e, algumas dessas vezes, entram no prédio com sinais de abuso de bebidas alcoólicas e discutem entre si;
10) Os barulhos e discussões referidos em 9) ocorrem, algumas das vezes, durante a noite, sendo ouvidos por moradores do prédio;
11) Os ora Réus e as demais pessoas que com eles se encontrem, por vezes, entram e saem do prédio de modo ruidoso, tanto acontecendo isso de dia como de noite;
12) A porta da entrada do prédio já sofreu estragos e os respectivos vidros já foram partidos mais do que uma vez por familiares ou pessoas das relações dos Réus;
13) Após notificações do ora Autor para que os ora Réus assegurassem que tal não voltaria a acontecer, os vidros em causa foram novamente partidos, na noite do dia 2 de Fevereiro de 2007, pelo filho dos Réus, E……….;
14) Os moradores do prédio já solicitaram a presença da Polícia de Segurança Pública (PSP) no prédio, por mais do que uma vez, por causa dos factos referidos em 9) e 10);
15) No ano de 2007, o filho dos Réus E………. dormiu, por mais do que uma vez, no hall de entrada do prédio, deixando aí ficar cobertores e outros objectos;
16) E………. efectuava consumos de drogas e, ao longo deste ano de 2007, em mais do que uma ocasião, insultou moradores do prédio que com ele se cruzavam no prédio, fazendo ameaças aos mesmos quando estes diziam que iriam chamar a polícia;
17) No dia 29 de Setembro de 2007, o referido E………., depois de uma discussão familiar, desceu as escadas do prédio aos gritos e com uma faca na mão e partiu o vidro da porta de entrada do prédio;
18) Em mais do que uma ocasião, tanto o Réu como seus familiares discutiram e dirigiram ameaças a moradores do prédio;
19) No dia 23 de Outubro de 2007, o Réu-marido, embriagado, tentou agredir as moradoras do 1º esquerdo poente com uma bengala, tendo-lhes ainda dirigido palavras insultuosas;
20) Em data não concretamente apurada do ano de 2007, depois de discussões ocorridas no interior da fracção autónoma atribuída aos RR., um dos filhos dos ora Réus saiu da habitação e partiu vidros de um automóvel, que se encontrava estacionado junto ao prédio;
21) No espaço localizado por baixo das janelas da fracção atribuída aos RR., o jardim está frequentemente com lixos, plásticos, roupa, restos de comida e outros detritos;
22) O jardim em causa é limpo regularmente por jardineiras ao serviço do Autor;
23) As fachadas do prédio, que foram reabilitadas e pintadas no ano 2006, no âmbito do Programa ………., encontram-se muito sujas na área junto aos parapeitos das janelas da fracção autónoma entregue aos RR.;
24) Os estores nas janelas da fracção atribuída aos RR., que foram colocados aquando da reabilitação das fachadas do prédio, foram partidos poucos meses depois;
27) Os ora Réus já foram notificados mais de dez vezes, quer por escrito, quer verbal e pessoalmente, no Gabinete de Habitação do ora Réu, para porem termo aos factos referidos de 9) a 24);
29) Em data e hora não concretamente apuradas do ano de 2008, alguns dos familiares dos ora Réus arremessaram paralelipípedos da rua contra uma palmeira localizada junto à entrada do prédio;
30) Em data e hora do ano de 2008 não concretamente apuradas foram disparados tiros para o ar junto ao prédio;
31) No dia 11 de Junho de 2008, um neto dos ora Réus partiu a cerâmica da fachada do prédio (Bloco .-., topo sul) em mais do que um local;
32) Em data e hora do ano de 2008 não concretamente apuradas, apresentaram-se junto ao prédio pessoas de etnia cigana desavindas com os RR., com armas em punho e na cintura;
33) No dia 7 de Julho de 2008, um dos filhos dos ora Réus, G………., apontou, pela janela da sala da fracção atribuída aos RR., uma caçadeira a uma moradora do prédio;
34) No dia 11 de Fevereiro, a Policia de Segurança Pública efectuou uma busca na fracção autónoma referida em 1), tendo, no âmbito dessa busca, sido apreendida uma pistola marca STAR, modelo …, calibre 9 mm, com o respectivo carregador municiado com oito munições, e ainda uma soqueira em metal amarelo;
35) Nessa ocasião, o R. marido foi detido;

Constituem reiterada cedência parcial do locado para habitação temporária de terceiros, cedência essa ineficaz perante o senhorio, os seguintes factos:
6) Os Réus, desde que habitam na fracção, albergaram na mesma, durante períodos de tempo não concretamente determinados, outros familiares para além dos filhos referidos em 2), sem que para isso o Autor desse autorização;
6-A) Actualmente residem no locado, além dos ora réus e dos filhos, D………. e E………., outras pessoas da sua família, designadamente, filhos, filhas, genros, noras, e netos, perfazendo mais de 10 pessoas.
7) Em finais de 2006, foi solicitado ao ora Autor que autorizasse que F………., genro dos ora Réus, residisse no locado com “pulseira electrónica”, não tendo o ora Autor concedido tal autorização;
8) Os ora Réus foram, por mais do que uma vez, advertidos por escrito pelo ora Autor para o facto de estar a ser por eles violada a regra do Regulamento para as Habitações Sociais Municipais que estipula que “não é permitida a coabitação de pessoas estranhas ao agregado familiar, enquanto não autorizada pela Câmara” (artigo 2º do Regulamento) e que tal violação, reiterada, constituía fundamento para a cessação do contrato de arrendamento;
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O que tudo conduz à resolução do contrato de arrendamento em causa.
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V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente este recurso de apelação, e, em consequência revoga-se a sentença proferida, e em sua substituição julga-se a acção procedente, porque provados os factos que a fundamentam, em função do que se declara resolvido o contrato de arrendamento referente à fracção autónoma identificada pela letra “E”, correspondente ao 1º andar esquerdo nascente, de tipo T3, do prédio urbano, sito na Rua ………., Bloco ., Entradas . e .., na freguesia e concelho da Póvoa de Varzim, inscrito na matriz predial urbana da freguesia da Póvoa de Varzim sob o artigo 7002, condenando-se os réus a despejar o locado.
Custas pelos réus.
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Quanto ao recurso, custas pelos apelados.
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Porto, 3 de Novembro de 2010
(acórdão elaborado em computador, deixando em branco as folhas no verso, e revisto pela 1ª signatária - artigo 138º nº 5, do C.P.C.)
Joana Salinas Calado do Carmo Vaz
Pedro André Maciel Lima da Costa
Maria Catarina Ramalho Gonçalves