Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0120352
Nº Convencional: JTRP00032334
Relator: MARQUES DE CASTILHO
Descritores: CHEQUE
PRESCRIÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: RP200106120120352
Data do Acordão: 06/12/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: 1 V CIV PORTO
Processo no Tribunal Recorrido: 1252-A/99-2S
Data Dec. Recorrida: 11/02/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC EXEC.
Legislação Nacional: CPC95 ART46 C.
CCIV66 ART458 N1 ART805.
Sumário: Um cheque prescrito, subscrito pelo devedor a favor do credor, e vista a sua normal função de meio de pagamento implica o reconhecimento unilateral de uma obrigação pecuniária, constituindo, assim, título executivo face à alínea c) do artigo 46 do Código de Processo Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

Relatório
Na 1ª Vara do Tribunal Cível da Comarca do....., C....., Ldª., por apenso à Execução Ordinária nº ---/-- veio deduzir embargos de executada contra
António....., pedindo que os mesmos sejam julgados procedentes.
Alegou, em síntese, a prescrição do título dado à execução e, sem prescindir, alegou ainda não ser devedora da quantia titulada pelo cheque.
Contestou o embargado alegando que o cheque em causa não foi dado à execução tendo em conta a sua força de título executivo cambiário, mas sim como documento particular assinado pelo devedor que contém em si o reconhecimento de uma obrigação pecuniária de montante determinado, nos termos do artigo 46°, al. c) do Código Processo Civil como serão todas as outras disposições legais infra citadas de que se não faça menção especial, estando em causa a relação subjacente ao crédito cambiário concreto e criado com a emissão do cheque.
Impugnou ainda a restante matéria alegada.
Foi elaborado saneador - sentença, por se entender que o processo já continha todos os elementos necessários para a decisão designadamente para o conhecimento da invocada excepção da prescrição.
Os embargos de executado foram julgados procedentes e, em consequência, declarada extinta a execução.
Inconformado com o saneador - sentença, veio o embargado interpor tempestivamente recurso de apelação tendo formulado as seguintes conclusões:
- “Nos autos em questão é junto como título executivo um cheque apresentado a pagamento em 16/01/98 tendo a execução dado entrada em tribunal em 24/11/99;
- Ora, refere o art. 52° da LUC, um prazo de seis meses para a prescrição da obrigação pecuniária;
- Face ao disposto no art. 52° da LUC não pode concluir-se que o cheque em causa contém os requisitos que aquela lei uniforme exigiria para a sua exequibilidade;
- O certo é que perante a actual redacção do art. 46 do CPC não podemos tirar a mesma conclusão;
- O cheque em causa deve ser tido em conta enquanto documento particular , uma vez que preenche os requisitos do art. 46° do CPC pois está assinado pelo devedor/executado e contém em si um reconhecimento de uma obrigação pecuniária de montante determinado - servindo por isso de base à execução;
- Face ao exposto, a decisão ora posta em causa revela-se, neste circunspecto, infundada e ilegal, devendo ser substituída por outra que determine a exequibilidade do cheque junto aos autos”.
Colhidos os vistos legais pelo que cumpre decidir
THEMA DECIDENDUM
É sabido que a delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal decidir sobre matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso, art. 684 nº 3 e 690 nº1 e 3, bem como na Jurisprudência entre muitos outros Acs. do STJ. de 13/3/91 e de 25/6/80 Act. Juríd. Ano III nº 17-3 e BMJ 359-522.
A questão que constitui objecto do presente recurso traduz-se em determinar se será título executivo um cheque prescrito face à alínea c) do artigo 46° do Código de Processo Civil.
DOS FACTOS E DO DIREITO
São os seguintes os factos provados na decisão proferida que não são objecto de qualquer impugnação e consequentemente se consideram assentes:
1. “O exequente é portador do cheque n°. ----.--, datado de 18/01/97 e apresentado a pagamento em 16/01/98.
2. A execução apensa deu entrada neste tribunal no dia 24/11/99, tendo a executada sido citada no dia 09/12/99.”
No caso dos autos o cheque não foi apresentado a pagamento no prazo de oito dias nem a acção foi proposta dentro dos seis meses contados do termo do prazo de apresentação a pagamento, art. 52° da LUC ( Lei Uniforme sobre cheques).
Não só, portanto, não é, à face da LUC, título executivo como a respectiva acção está prescrita.
Contudo, alega o apelante que o cheque foi oferecido como documento particular e ao abrigo do art. 46º al. c).
Dispõe este normativo que “À execução apenas podem servir de base os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do art. 805°".
Optou-se na última reforma processual por uma significativa ampliação do elenco dos títulos executivos, conferindo-se força executiva aos documentos particulares que se revistam daqueles requisitos, assinados pelo devedor que importem o reconhecimento de obrigações pecuniárias cujo montante seja determinável nos termos do art. 805º em face do título ou da obrigação de entrega de quaisquer coisas móveis ou de prestação de facto determinado.
O legislador face à nova redacção do dispositivo legal deixou de referir-se aos títulos de crédito e passou a aludir aos documentos particulares.
Visou-se contribuir para a diminuição do número de acções declaratórias de condenação, evitando-se a desnecessária propositura de acções tendentes a reconhecer um direito do credor sobre o qual não recai verdadeira controvérsia.
Assim, os cheques, são hoje amplamente reconhecidos como título executivo, tendo desaparecido as condicionantes da LUC que lhe restringiam tal força, bastando que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias.
O que deve indagar-se é tão só se o cheque em causa nos autos preenche ou não os requisitos do citado artigo 46°, alínea c ).
Entende Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, 2ª Ed., pág. 49, que o exequente que se limita a dar à execução o título cambiário prescrito, se deste não consta a causa da obrigação, então só será título executivo se a dita causa vier a ser alegada na petição da execução.
O Mmº Juiz "a quo" considerou que do título não consta a causa da obrigação e, quanto à relação subjacente, o exequente limita-se a dizer que o cheque titulava o valor de uma transacção comercial o que é claramente insuficiente em seu entender .
Ora, salvo o devido respeito não tem razão a decisão recorrida.
Na verdade, a ordem de pagamento dada ao Banco através de um cheque representa, em princípio, o reconhecimento unilateral da dívida.
Daí que o portador do cheque usufrui do beneficio de presunção de existência de uma relação negocial ou extra negocial e o que conduz a uma situação de inversão do ónus probatório.
Ou seja, é a presunção de existência da dívida e da respectiva causa justificativa que resulta do art. 458°, nº1 do Código Civil, o que liberta o credor da alegação e prova da relação fundamental subjacente e, antes, onera o devedor com a prova da inexistência ou da cessação da causa.
Por força dessa presunção deixa de ser necessário que do título executivo conste a causa da obrigação
Assim, não obstante a causa continuar a ser elemento constitutivo e essencial da validade do negócio, o credor, todavia, fica dispensado do respectivo ónus probatório. E é sobre o devedor que recai o encargo de provar a inexistência, ilicitude ou falsidade, na medida em que se contemplam negócios formalmente abstractos e substancialmente causais [(Ac. do STJ de 11/5/99, CJ, Tomo II, pág. 88).].
Só se faz um pagamento quando se deve.
O cheque dos autos estando subscrito pelo apelado a favor do apelante e vista a sua normal função de meio de pagamento implica, assim, o reconhecimento unilateral de uma obrigação pecuniária, constituindo título executivo.
Assim, face ao exposto, acorda-se em dar provimento à apelação, revogando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelada.
Porto, 12 de Junho de 2001
Augusto José Baptista Marques de Castilho
Maria Teresa Montenegro V. C. Teixeira Lopes
Fernando Augusto de Beça