Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0830768
Nº Convencional: JTRP00041189
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA INICIAL
CORREIO ELECTRÓNICO
DESENTRANHAMENTO
PETIÇÃO INICIAL
Nº do Documento: RP200803130830768
Data do Acordão: 03/13/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 752 - FLS 09.
Área Temática: .
Sumário: A sanção prevista no art. 150º-A nº 3, parte final, do CPC tem aplicação na hipótese de não ser remetido a tribunal o comprovativo do pagamento da taxa de justiça, no prazo de cinco dias, contados a partir da data da correspondente distribuição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
B………. veio, na sequência de divórcio, instaurar inventário para partilha dos bens comuns.
Optou pelo envio do articulado por correio electrónico, que efectuou a 10.10.2007, juntando posteriormente cópia de segurança e comprovativo da autoliquidação, em 16.10.2007, da taxa de justiça inicial.

O processo foi depois apresentado ao Sr. Juiz com a informação de que a taxa de justiça não foi previamente efectuada.
Perante essa informação, foi proferida decisão a ordenar o desentranhamento da petição inicial.
Na fundamentação, afirma-se designadamente o seguinte:
Do cotejo das enunciadas disposições legais, resulta à saciedade que o pagamento da taxa de justiça tem de ser pago previamente à apresentação da peça processual.
E tal conclusão não é infirmada pelo constante do disposto no art.150º A nº3 do C.P.Civil, que concede à parte um prazo de cinco dias, contados da data da distribuição da petição inicial, para remeter ao tribunal o documento comprovativo da taxa de justiça, sendo certo que tal prazo tem apenas em vista permitir à parte que entregue tal documento posteriormente, sendo certo que o pagamento do mesmo terá de ser prévio.
Ora, nos presentes autos, uma vez que a parte remeteu via electrónica o requerimento inicial em 10 de Outubro, a taxa de justiça deveria ter sido paga nessa data, não obstante como referimos supra, a lei conceder à parte um prazo de 5 dias contados da distribuição da mesma (o que ocorreu em 11.10.07), para comprovar o respectivo pagamento e não conceder à parte qualquer prazo para autoliquidar a taxa de justiça.
“In casu” tendo em conta que tal normativo não foi cumprido, temos de considerar a taxa de justiça como não paga e, em consequência, ordenar o desentranhamento da petição inicial (deixando cópia da mesma), de harmonia com o disposto no nº3 do art.150º A do C.P.Civil.

Discordando desta decisão, dela interpôs recurso a requerente, de agravo, tendo apresentado as seguintes

Conclusões:
A) A ora agravante apresentou, via electrónica, a petição inicial;
B) E autoliquidou a taxa de justiça inicial, remetendo o respectivo comprovativo, juntamente com a petição inicial e os restantes documentos em 16-10-2007, ou seja, nos 5 dias após a distribuição;
C) O n° 1 do art. 150°-A do C.P.C. ao referir-se a "prévio pagamento", não pretende ter o alcance de que o pagamento tem de ser efectuado obrigatoriamente antes da prática do acto, já que ao conceder o prazo de cinco dias para a junção do mesmo, poderá o mesmo ser efectuado nesse prazo.
D) Nos termos do disposto no art.474°, nº 1, al. f), do CPC, a secretaria recusa o recebimento da petição inicial quando "não tenha sido junto o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial...".
E) E, nos termos do disposto no art. 476° do CPC, "o autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 474.°, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa do recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo".
F) Devendo por isso, considerar-se paga a taxa de justiça e ser admitida a petição inicial, de forma a evitar graves prejuízos para a agravante.
G) Caso contrário, estamos perante uma violação do disposto nos artigos 18° nº 2 e 20° da Constituição da República, na vertente da tutela jurisdicional efectiva.
Pelo exposto deve reparar-se o agravo e, em consequência, revogar-se o despacho recorrido, substituindo-se por outro que admita a petição inicial, considerando paga a taxa de justiça.

Não foram apresentadas contra-alegações.
O Sr. Juiz sustentou a sua decisão.
Após os vistos legais, cumpre decidir

II.

Questões a resolver:

Trata-se de decidir se, no condicionalismo referido – envio da petição inicial por meios electrónicos, pagamento da taxa de justiça e envio do respectivo comprovativo com os documentos no prazo de cinco dias – deve ser ordenado o desentranhamento da p.i., como se prevê no art. 150º-A do CPC[1].

III.

Os elementos a considerar são os que constam do relatório precedente.

IV.

Nos termos dos arts. 22º, 23º e 24º do CCJ, o autor deve pagar a taxa de justiça inicial devida, através de autoliquidação, devendo entregar no tribunal o documento comprovativo desse pagamento com a apresentação da petição inicial.
A omissão do pagamento da taxa de justiça inicial dá lugar à aplicação das cominações previstas na lei de processo – art. 28º do mesmo diploma.
Dispõe o art. 150º-A:
1. Quando a prática de um acto processual exija, nos termos do Código das Custas Judiciais, o pagamento de taxa de justiça inicial ou subsequente, deve ser junto o documento comprovativo do seu prévio pagamento ou da concessão do benefício de apoio judiciário, salvo se neste último caso aquele documento já se encontrar junto dos autos. (…)
3. Quando a petição inicial seja enviada através de correio electrónico (…) o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial deve ser remetido a tribunal no prazo referido no nº 3 do artigo anterior, sob pena de desentranhamento da petição apresentada.
Esse prazo é de cinco dias, contados a partir da data da respectiva distribuição (nºs 3 e 4 do art. 150º)
Dispõe também o art. 467º nº 3 que o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial (…).
E no art. 474º f) determina-se que a secretaria recusa o recebimento da petição inicial quando não tenha sido junto o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial (…).
Neste caso, o autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na al. f) do art. 474º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa (…), considerando-se a acção proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo – art. 476º.
No caso em apreço, a autora enviou a sua petição inicial para tribunal através de meios electrónicos, em 10.10.2007; autoliquidou a taxa de justiça inicial em 16.10.2007, remetendo para tribunal, nesta data, o respectivo comprovativo juntamente com a petição inicial e demais documentos; isto é, dentro do prazo de cinco dias a contar da distribuição (realizada a 11.10.2007).
Neste condicionalismo, a sanção de desentranhamento parece desajustada e não é aplicável.
Essa sanção é prevista no art. 150º-A nº 3 para a hipótese de não ser remetido a tribunal o comprovativo do pagamento da taxa de justiça no prazo de cinco dias[2].
No caso, porém, o pagamento foi efectuado e o documento comprovativo remetido a tribunal nesse prazo.

Portanto, apenas está em causa não ter a autora procedido à autoliquidação prévia da taxa de justiça, fazendo-o já depois do envio da petição inicial.
Nesta situação, contrariamente ao alegado pela agravante, não poderia haver recusa de recebimento por parte da secretaria, uma vez que a petição já tinha sido aceite e até distribuída.
Não sendo caso de desentranhamento, por o documento comprovativo do pagamento ter sido enviado a tribunal no prazo legal, nem de recusa de recebimento da p.i., por esta já ter sido recebida e distribuída, mas tendo o pagamento sido efectivamente realizado, cremos que a solução terá de ser a de considerar que a irregularidade cometida – a falta de prévia liquidação – ficou devidamente sanada[3].
É a solução que decorre do disposto no art. 288º nºs 2 e 3.

Saliente-se que em nenhuma das outras situações, se prevê como sanção imediata a perda do direito de a parte apresentar o correspondente instrumento processual – cfr. arts. 486º-A, 512º-B e 690º-B.
No caso específico da petição inicial, concede-se ao autor, após a recusa de recebimento pela secretaria, a faculdade de apresentar nova petição ou o documento em falta no prazo de 10 dias – arts. 474º f) e 476º.
Daí que se tenha a sanção prevista na parte final do art. 150º-A nº 3 (na redacção aqui aplicável) como desajustada e excessiva.
Não é harmónica com a solução consagrada para as demais situações referidas, nem é coerente com o incentivo do legislador para que as partes optem pela prática de actos processuais pela via aí referida – correio electrónico – pela economia de custos para as partes e para o Estado (cfr. art. 15º do CCJ).
De qualquer modo, como se referiu, a situação dos autos não é subsumível na previsão desse normativo, uma vez que o comprovativo do pagamento da taxa de justiça foi remetido a tribunal no prazo legal de 5 dias.
A autora não procedeu à prévia liquidação da taxa de justiça, mas esta irregularidade não subsiste, devendo considerar-se sanada.
Procedem, por conseguinte, as conclusões do recurso.

V.

Em face do exposto, decide-se dar provimento ao agravo, revogando-se a decisão recorrida, devendo ser determinado o prosseguimento dos autos.
Sem custas.

Porto, 13 de Março de 2008
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes

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[1] Serão deste diploma, com as alterações introduzidas pelo DL 324/2003, de 27/12, todos os preceitos legais adiante citados sem outra menção.
[2] Deve notar-se que no regime instituído pelo DL 303/2007, de 24/8 e pela Portaria 114/2008, de 6/2, não é também previsto o desentranhamento para a hipótese de não ser anexado o comprovativo do pagamento da taxa de justiça no momento da apresentação da petição inicial – arts. 5º nº 1 b) e 8º da citada Portaria; apenas o é na situação específica prevista no art. 8º nº 3 desta Portaria.
[3] Cfr. a solução dada por Lebre de Freitas (CPC Anotado, Vol. 2º, 248) para o caso de, por lapso da secretaria, só mais tarde detectado, a petição ter sido aceite e distribuída sem ter havido prévia liquidação da taxa de justiça.