Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
20/10.7TAAMT.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDA LOBO
Descritores: CRIME FISCAL
CONDIÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PRISÃO
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: RP2014030520/10.7TAAMT.P2
Data do Acordão: 03/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: ANULADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – De acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n° 8/2012, o tribunal não deve sus­pender a execução da pena de prisão determinada, pela qual tivesse optado inicial­mente, quando a concreta situação económica do arguido não permite prognosticar que ele virá a satisfazer ao Estado a prestação tributária e legais acréscimos que, nos termos do art. 14.º n.º l, do RGIT, condiciona obrigatoriamente a suspen­são da pena.
II – Em tal hipótese, o tribunal deve voltar a ponderar a aplicação da pena principal de multa ou a aplicação de pena de substituição diversa da suspensão da execução da prisão, quando a pena concretamente determinada o permita.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 20/10.7TAAMT.P2
1ª secção

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Coletivo que corre termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante com o nº 20/10.7TAAMT, foram submetidos a julgamento os arguidos B… e C…, Lda., tendo a final sido proferido acórdão, depositado em 04.07.2013, que, além do mais, condenou os arguidos:
- B…, como autor material de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. no artº 107º nº 1 do RGIT, na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada à condição de, no prazo de 1 ano e 6 meses, a contar do trânsito da presente sentença(?), demonstrar nos autos o pagamento das quotizações em dívida e legais acréscimos, mormente o valor dos juros de mora;
- C…, Lda., pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na forma continuada, p. e p. no artº 107º nº 1 do RGIT, na pena de 350 dias de multa à taxa diária de € 5,00, o que perfaz a multa de € 1.750,00.
Inconformado com o acórdão condenatório, dele veio o arguido B… interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1. Resulta provado que o arguido não entregou à Segurança Social o valor das cotizações, utilizando o dinheiro para liquidar salários aos empregados e aos fornecedores, tendo sido colocado perante um conflito: pagar fornecedores, com que trabalhava diariamente existindo uma recíproca dependência de vida, havendo por isso a necessidade de cumprir com os pagamentos em causa a estes ou dar preferência à segurança social entregando os valores devidos;
2. Em face disso, a intenção de apropriação dos valores por parte do arguido é condicionada pelo circunstancialismo atrás descrito. A sua atuação não foi assim livre e intencional, o arguido agiu em função da necessidade que tinha perante aqueles de quem dependia;
3. Assim, não se mostra acertado considerar que o arguido agiu de forma livre e consciente, apropriando-se dos valores das cotizações. Se é certo que o crime se mostra preenchido com a retenção do valor das cotizações, impõe-se por outro lado averiguar a que se deve tal comportamento, apurar das circunstâncias em que se deu tal comportamento;
4. Impunha-se, face aos factos considerados provados nos pontos 9 e 14, uma pormenorizada ponderação sobre essa realidade, pelo que assim não tendo ocorrido é nula a decisão – artº 374º nº 2 e 379º al. a) do CPP;
5. Em face disso, tendo em conta os factos provados, não se mostra verificado no comportamento do arguido o elemento subjetivo do tipo de crime pp pelo artigo 107º nº 1 e 2 do RGIT, não podendo o arguido ser condenado;
6. A conduta do arguido não foi ininterrupta. Ao longo dos anos verificam-se pagamentos à segurança social: de Agosto de 2001 a Dezembro de 2003; Outubro de 2002; Agosto de 2003; Janeiro de 2005; Abril e Maio de 2006. Esta circunstância contraria a decisão pois o sempre que teve condições entregou as cotizações que reteve o que contraria a conclusão de que não houve notícia da vontade de regularizar da situação;
7. Em respeito pelo preceituado no artº 127º do CPP o tribunal não podia ignorar que o arguido pagou alguns meses, circunstância que inviabiliza a conclusão de que o arguido teve um comportamento totalmente omissivo na sua obrigação;
8. Existe assim um erro na apreciação da prova – artº 410º nº al. c), impondo-se a alteração da decisão proferida na parte respeitante ao enquadramento penal dos factos.
9. Como aliás resulta dos documentos juntos aos autos, o comportamento do arguido não pode ser enquadrado no tipo legal de crime pp pelo artº 107º e 105º do RGIT, pela falta de verificação do seu elemento subjetivo;
10. Tendo em conta que o valor a pagar à segurança social se fixa em € 56.840,76, quantia que fica aquém do limite máximo previsto no artº 50º do CP a que acresce a circunstância da situação profissional do arguido apesar de já definida não se saber ainda o valor da pensão de reforma, sendo certo que rondará uns parcos centos de euros, deve o período de suspensão alargar-se até ao máximo previsto no artº 14º do RGIT de 5 anos.
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Na 1ª instância o Ministério Público respondeu às motivações de recurso, concluindo que lhe deve ser negado provimento e mantida a decisão recorrida.
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Neste Tribunal da Relação do Porto a Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de ser anulado o acórdão recorrido nos termos do artº 379º nº 1 al. c) do C.P.P., em virtude de o tribunal recorrido não ter efetuado adequada ponderação sobre a capacidade de o arguido pagar a quantia a que ficou condicionada a suspensão da execução da pena de prisão, em conformidade com a jurisprudência fixada pelo AFJ. do STJ nº 8/2012 de 12.09.2012.
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Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.P., não foi apresentada qualquer resposta.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos: (transcrição)
1. O arguido B… é, desde a sua constituição em 1979, sócio gerente da sociedade arguida “C…, Lda.”, sendo quem, nomeadamente, assina toda documentação relativa à sociedade, dá instruções aos funcionários, contacta e contrata com fornecedores e clientes, faz pagamentos e recebimentos e sendo remunerado pelas suas funções de gerente.
2. A sociedade arguida é uma sociedade por quotas matriculada na Conservatória de Registo Comercial de Amarante, tendo por objeto social a fabricação e comercialização de urnas funerárias e móveis.
3. Em Julho de 2001, de Janeiro a Abril de 2002, de Junho a Setembro de 2002, de Novembro de 2002 a Julho de 2003, de Setembro de 2003 a Dezembro de 2004, de Fevereiro de 2005 a Março de 2006, de Junho de 2006 a Janeiro de 2008, inclusive, a sociedade arguida procedeu mensalmente à retenção das contribuições relativas aos salários dos seus trabalhadores (11%) e gerente (10%) sem que tivesse procedido à sua entrega à Segurança Social nos termos constantes do mapa dos valores deduzidos e não entregues (fls. 448 a 458 do apenso) seguinte:
4. Cotizações
Efetivamente
Salários Taxa de Cotizações retidas e não pagas
Mês/ano pagos contribuições retidas
Jul-01 2.200,03 € 11% 242,00 € 242,00 €
Jan-02 4.333,53 € 11% 476,69 € 476,69 €
Fev-02 4.351,11 € 11% 478,62 € 478,62 €
Mar-02 4.952,95 € 11% 544,82 € 544,82 €
Abr-02 4.790,79 € 11% 526,99 € 526,99 €
Jun-02 4.547,45 € 11% 500,22 € 500,22 €
Jul-02 8.767,63 € 11% 964,44 € 964,44 €
Ago-02 4.684,89 € 11% 515,34 € 515,34 €
Set-02 4.633,81 € 11% 509,72 € 509,72 €
Nov-02 10.944,32 € 11% 1.203,87 € 1.203,87 €
Dez-02 6.536,63 € 11% 719,03 € 719,03 €
Jan-03 6.618,99 € 11% 728,09 € 728,09 €
Fev-03 6.919,97 € 11% 761,20 € 761,20 €
Mar-03 5.943,54 € 11% 653,79 € 653,79 €
Abr-03 6.534,85 € 11% 718,83 € 718,83 €
Mai-03 7.311,74 € 11% 804,29 € 804,29 €
Jun-03 7.573,15 € 11% 833,05 € 833,05 €
Jul-03 6.761,47 € 11% 743,76 € 743,76 €
Set-03 6.763,60 € 11% 744,00 € 535,50 €
Out-03 6.741,32 € 11% 741,55 € 533,05 €
Nov-03 6.107,25 € 11% 671,80 € 463,30 €
Dez-03 14.863,05 € 11% 1.634,94 € 1.634,94 €
Jan-04 5.607,31 € 11% 616,80 € 616,80 €
Fev-04 5.609,15 € 11% 617,01 € 617,01 €
Mar-04 6.180,06 € 11% 679,81 € 679,81 €
Mar-04 166,11 € 10% 16,61 € 16,61 €
Abr-04 7.537,47 € 11% 829,12 € 829,12 €
Abr-04 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Mai-04 7.961,99 € 11% 875,82 € 875,82 €
Mai-04 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Jun-04 7.922,53 € 11% 871,48 € 871,48 €
Jun-04 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Jul-04 7.826,53 € 11% 860,92 € 860,92 €
Jul-04 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Ago-04 13.772,92 € 11% 1.515,02 € 1.515,02 €
Ago-04 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Set-04 7.371,17 € 11% 810,83 € 810,83 €
Set-04 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Out-04 7.372,29 € 11% 810,95 € 810,95 €
Out-04 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Nov-04 7.745,64 € 11% 852,02 € 852,02 €
Nov-04 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Dez-04 7.830,42 € 11% 861,35 € 861,35 €
Dez-04 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Fev-05 6.836,83 € 11% 752,05 € 752,05 €
Fev-05 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Mar-05 7.613,06 € 11% 837,44 € 837,44 €
Mar-05 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Abr-05 7.261,38 € 11% 798,75 € 798,75 €
Abr-05 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Mai-05 7.506,57 € 11% 825,72 € 825,72 €
Mai-05 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Jun-05 12.869,50 € 11% 1.415,64 € 1.415,64 €
Jun-05 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Jul-05 7.481,64 € 11% 822,98 € 822,98 €
Jul-05 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Ago-05 7.049,50 € 11% 775,45 € 775,45 €
Ago-05 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Set-05 7.019,11 € 11% 772,10 € 772,10 €
Set-05 553,60 € 10% 55,36 € 55,36 €
Out-05 7.098,88 € 11% 780,88 € 780,88 €
Nov-05 7.467,86 € 11% 821,46 € 821,46 €
Dez-05 13.683,02 € 11% 1.505,13 € 1.505,13 €
Jan-06 7.515,94 € 11% 826,75 € 826,75 €
Jan-06 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Fev-06 6.992,20 € 11% 769,14 € 769,14 €
Fev-06 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Mar-06 7.072,52 € 11% 777,98 € 777,98 €
Mar-06 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Jun-06 6.888,83 € 11% 757,77 € 757,77 €
Jul-06 14.180,37 € 11% 1.559,84 € 1.559,84 €
Ago-06 6.386,39 € 11% 702,50 € 702,50 €
Set-06 6.716,40 € 11% 738,80 € 738,80 €
Out-06 6.505,90 € 11% 715,65 € 715,65 €
Nov-06 5.669,87 € 11% 623,69 € 623,69 €
Dez-06 11.553,21 € 11% 1.270,85 € 1.270,85 €
Jan-07 5.950,30 € 11% 654,53 € 654,53 €
Fev-07 4.941,90 € 11% 543,61 € 543,61 €
Mar-07 4.577,78 € 11% 503,56 € 503,56 €
Abr-07 5.618,91 € 11% 618,08 € 618,08 €
Mai-07 7.403,91 € 11% 814,43 € 814,43 €
Mai-07 276,80 € 10% 27,68 € 27,68 €
Jun-07 7.333,24 € 11% 806,66 € 806,66 €
Jun-07 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Jul-07 7.261,53 € 11% 798,77 € 798,77 €
Jul-07 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Ago-07 12.380,95 € 11% 1.361,90 € 1.361,90 €
Ago-07 2.400,00 € 10% 240,00 € 240,00 €
Set-07 6.279,57 € 11% 690,75 € 690,75 €
Set-07 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Out-07 5.800,89 € 11% 638,10 € 638,10 €
Out-07 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Nov-07 5.393,35 € 11% 593,27 € 593,27 €
Nov-07 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Dez-07 11.703,28 € 11% 1.287,36 € 1.287,36 €
Dez-07 1.200,00 € 10% 120,00 € 120,00 €
Jan-08 426,01 € 11% 46,86 € 46,86 €
TOTAL 525.456,57 € 57.466,26 € 56.840,76 €
5. O pagamento de tais contribuições deveria ter sido efetuado até ao dia 15 do mês seguinte àquele a que respeitam, sendo certo que tais contribuições também não foram pagas nos 90 dias seguintes a essas datas, nem tão pouco nos 30 dias após a notificação para o efeito da Segurança Social, nos termos das alíneas a) e b) do nº4 do art.º 105º RGIT, na redação introduzida pelo art.º 95º da Lei 53-A/2006, de 29/12 e nos termos do art.º 105º, nº 6 do RGIT na redação introduzida pelo art.º 60º da Lei nº 60-A/2005 de 30/12.
6. A sociedade arguida procedeu, assim, ao pagamento dos salários aos seus trabalhadores e gerente com retenção das contribuições descontadas aos mesmos sem que as tivesse entregue à Segurança Social.
7. O montante dessas cotizações retidas e não pagas ascende assim a 56.840,76 € (cinquenta e seis mil oitocentos e quarenta euros e setenta e seis cêntimos), no referido período compreendido entre Julho de 2001 e Janeiro de 2008.
8. Nos referidos períodos foram regularmente remetidas à Segurança Social as folhas de remuneração.
9. O arguido B… reiteradamente decidiu, no âmbito da sua atividade de gerência na sociedade arguida, reter e utilizar as referidas cotizações para pagamento a outros credores em vez de entregar tais montantes descontadas nos salários dos trabalhadores e gerente à Segurança Social.
10. Desta forma o arguido apropriou-se nos meses assinalados dos referidos montantes fazendo-os integrar no giro económico da sociedade arguida.
11. O arguido, na qualidade de gerente da sociedade arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que estava obrigado a entregar até ao dia 15 de cada mês as cotizações retidas aos trabalhadores e gerentes da referida sociedade no mês anterior, tendo de forma reiterada e deliberada integrado tais quantias no património da sociedade arguida, não obstante saber que tal conduta era proibida por lei e constituía crime.
12. A decisão reiterada e a utilização descrita no ponto anterior 9 foi levada a cabo em virtude das dificuldades económicas, financeiras e de tesouraria que a firma arguida enfrentava, sendo que a disponibilidade financeira e de tesouraria desta não permitia liquidar todos os débitos da mesma, tendo os mencionados arguidos privilegiado o pagamento dos salários aos trabalhadores e o pagamento a fornecedores, em detrimento do credor Segurança Social, por forma a garantir a continuidade da laboração e, assim, manter os postos de trabalho.
13. Até à data, os arguidos não procederam ao pagamento do montante a que se alude em 4) e 7) e respetivos acréscimos legais, tendo demonstrado, atualmente, disponibilidade para tentar pagar junto da Segurança Social.
14. Até à data de dedução do pedido de indemnização cível, mais rigorosamente com referência a 17-05-2011, os juros vencidos ascendiam a €31.041,18, perfazendo o total em dívida o montante de €87.881,94.
15. A empresa arguida atualmente não tem trabalhadores, nem património, nem qualquer atividade.
16. É agora a filha do arguido quem, nas mesmas instalações da sociedade arguida, explora uma outra empresa com o mesmo objeto daquela, tendo ao serviço a quase globalidade dos funcionários da sociedade arguida.
17. O arguido tem 65 anos de idade, sendo divorciado.
18. Atualmente não desempenha qualquer atividade profissional, estando reformado e auferindo uma pensão mensal de reforma de € 670,00; suporta as despesas referentes à sua habitação, pagando uma renda de € 200,00, acrescida de gastos com energia elétrica, água e gás; da sua reforma 1/6 está penhorada.
19. Entre Outubro de 2012 e Janeiro de 2013, em virtude de problemas de visão, o arguido foi operado no sentido de recuperar a sua visão normal, estando, ainda, em processo de recuperação.
20. À data dos factos, o arguido residia com uma companheira, em casa desta, sendo que atualmente vive sozinho, tendo existido rutura daquela união de facto.
21. Tem duas filhas maiores.
22. Tem um Mercedes …, do ano de 2006.
23. Tem a 4ª classe.
24. Até Janeiro de 2012 esteve de baixa, após um período de atividade na empresa da sua filha, estando atualmente reformado.
25. Até ao presente momento, o arguido não sofreu qualquer condenação criminal.
26. O arguido confessou, no essencial, os factos de que veio pronunciado e revelou arrependimento.
27. O arguido sempre foi pessoa trabalhadora e é bem considerado por todos os que com ele convivem.
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A matéria de facto encontra-se motivada nos seguintes termos: (transcrição)
A convicção do julgador quanto aos factos dados como provados repousa, desde logo, na confissão do arguido, que admitiu ponto por ponto a correção da factualidade objetiva de que veio pronunciado, sendo que admitiu todos os factos de carácter subjetivo, ainda que de natureza meramente instrumental, necessários a que, de acordo com as regras da experiência comum, o tribunal pudesse, sem qualquer margem de dúvida, inferir a factualidade subjetiva dada como provada.
De resto, quanto à materialidade atinente à designação da sociedade arguida, respetivo objeto social, constituição, a gerência e seus titulares, ao longo do hiato temporal a que alude a acusação, valorou-se ainda o teor da certidão de matrícula da sociedade patenteada nos autos a fls.21 a fls.25 do apenso.
No que concerne ao valor das cotizações dadas como não entregues, respetivos juros e os períodos a que as mesmas respeitam, valeram ainda conjugadamente o teor dos Mapas com a Identificação das Cotizações em Falta de fls.2 a fls.11, o teor do mapa reformulado de fls.448 a fls.458, o extrato global das declarações de remunerações de fls.36 a fls.182, fls.189 a fls.191, de fls.194 a fls.202 (em particular quanto às remunerações do arguido B…), de fls.203 a fls.345, de fls.420 a fls.423, recibos de vencimento de fls.434, extrato de remunerações de fls.437 e seg., de fls.443 a fls.445, todos do apenso, e o teor do mapa de dívida de fls.96 a fls.99, dos autos principais, mormente para aferição do valor dos juros de mora devidos.
Tais elementos corroboram integralmente as declarações prestadas pelo arguido.
Relativamente às notificações nos termos e para efeitos do disposto no artigo 105º, nº 4, alínea b) do RGIT, na redação que lhe foi dada pelo artigo 95º da Lei nº 53-A/2006 de 29 de Dezembro, valeram os respetivos termos processuais patenteados a fls. 2 a fls. 20, 364 a fls. 385.
No que toca à situação (atual e pretérita) da empresa arguida, bem como o concreto uso dado ao valor das cotizações em apreço e o referido nos factos provados, valoram-se as declarações do próprio arguido, as quais se tiverem por sérias, coerentes e espontâneas.
Tocantemente às condições socioeconómicas, profissionais e familiares do arguido, valeram as suas próprias declarações, posto que, neste item, surgiram igualmente de forma espontânea e natural, e bem assim o relatório social junto aos autos.
No que toca aos antecedentes criminais (ou ausência deles), o tribunal baseou-se no CRC de fls.167.
Resta por fim referir que se deu como provado que o arguido demonstrou atualmente disponibilidade para tentar pagar junto da Segurança Social, os montantes em causa nos autos, atento o documento que juntou na última sessão de julgamento.
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III – O DIREITO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
Considerando, porém, que a Srª Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal suscitou no seu parecer a nulidade do acórdão recorrido, importa conhecer previamente dessa questão, na medida em que a sua eventual procedência poderá tornar inútil a apreciação das questões suscitadas pelo recorrente.
O recorrente foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social p. e p. no artº 107º do RGIT na pena de um ano e seis meses de prisão suspensa na sua execução pelo igual período, subordinada à condição de, no mesmo prazo, a contar do trânsito da decisão, demonstrar nos autos o pagamento das quotizações em dívida e legais acréscimos, incluídos os juros de mora.
Ora, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 8/2012 de 12.09.2012[3], fixou jurisprudência nos seguintes termos: «No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.»
De acordo com tal uniformização de jurisprudência, o tribunal não deve suspender a pena de prisão concretamente determinada, pela qual tivesse optado inicialmente, quando a concreta situação económica do arguido não permita prognosticar que o arguido virá a satisfazer ao Estado a prestação tributária e legais acréscimos que, nos termos do artigo 14.º n.º 1, do RGIT, condiciona obrigatoriamente a suspensão da pena. Nessas hipóteses, pode ler-se na fundamentação do mesmo AFJ, o tribunal deve voltar a ponderar a aplicação da pena principal de multa ou a aplicação de pena de substituição diversa da suspensão da prisão quando a pena de prisão concretamente determinada o permita.
Da leitura do acórdão recorrido resulta que o tribunal a quo não efetuou a ponderação determinada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência acima identificado.
A introdução do nº 3 do art. 445º do Código de Processo Penal, levada a efeito pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, retirou carácter obrigatório à jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, permitiu, por conseguinte, aos tribunais de instância uma maior margem de iniciativa quanto ao eventual reexame da questão objeto de jurisprudência que tenha sido fixada no âmbito da função uniformizadora da aplicação da lei.
Assim, a jurisprudência uniformizada, sendo certo que já não tem hoje o carácter vinculativo que tinham os Assentos, possui, necessariamente, uma força acrescida em relação a qualquer outra decisão judicial, mesmo do STJ. Não se trata de mais uma decisão; ela é a decisão que, na respetiva matéria, todas as que se lhe seguirem devem ter presente e que em relação a elas terá uma força persuasiva[4].
É o valor reforçado que têm os acórdãos de uniformização de jurisprudência e os fins que eles visam, que justificam que, nos termos do disposto no artigo 446º do Cód. Proc. Penal, seja sempre admissível recurso das decisões proferidas contra a jurisprudência uniformizada pelo STJ. A possibilidade de nessas circunstâncias se recorrer, independentemente do valor da causa e da sucumbência, pretende potenciar a obediência a tais acórdãos. Por isso, a discordância, a existir, deve ser antecedida de fundamentação convincente, baseada em critérios rigorosos, em alguma diferença relevante entre as situações de facto, em contributos da doutrina, em novos argumentos trazidos pelas partes e numa profunda e serena reflexão interior[5].
A segurança do comércio jurídico exige que as discussões das questões de direito tenham limites, nomeadamente temporais; não é possível a manutenção, por anos e anos, de uma guerra jurídica. Também aqui, findo o combate, a sociedade anseia por usufruir dos inestimáveis benefícios da paz, que no caso é a paz jurídica.
Convém não esquecer que a segurança é um dos fins do Direito ou uma das exigências feitas ao Direito[6], pois é ela que nos permite prever os efeitos jurídicos dos nossos atos e, em consequência, planear a vida em bases razoavelmente firmes[7].
A solução a que se chegou, que visou substituir os Assentos, criou uma figura, naturalmente em moldes diferentes, e que é perfeitamente suficiente para assegurar, em termos satisfatórios, a desejável unidade da jurisprudência[8].
No caso dos autos, a decisão recorrida foi proferida em 04.07.2013, por isso em data posterior àquela em que foi proferido e tornado público o acórdão do STJ de fixação de jurisprudência acima citado, pelo que o tribunal coletivo não podia deixar de conhecer o sentido da jurisprudência fixada.
Não se encontrando invocadas fortes razões ou razões ponderosas[9] que justifiquem que não se siga a orientação dela decorrente, a falta do juízo de prognose de razoabilidade sobre a capacidade financeira do condenado para satisfazer a condição legalmente imposta no artº 14º do RGIT, implica a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia – artº 379º nº 1 al. c) do C.P.P..
É conhecida a controvérsia sobre o conhecimento oficioso ou dependente de arguição das nulidades da sentença previstas no artº 379.º n.º1 do C.P.P.
A jurisprudência dos tribunais superiores – no caso do S.T.J., ao que sabemos, unanimemente[10] -, diversamente da doutrina, tem sustentado que se trata de nulidades oficiosamente cognoscíveis em recurso, visto que as nulidades da sentença enumeradas no artº 379.º do C.P.P. têm tramitação própria e diferenciada do regime geral das nulidades dos restantes atos processuais, estabelecendo o preceito que tais nulidades “devem ser arguidas ou conhecidas em recurso” (n.º 2).
Em todo o caso, como o que importa é a substância das coisas e não o seu nomen iuris, não podemos deixar de realçar que, sem fazer referência ao citado AFJ, o recorrente não deixa de invocar a sua incapacidade financeira para satisfazer a condição, no prazo fixado na decisão recorrida, pelo que entendemos que a omissão detetada não deixou de ser arguida pelo recorrente, ainda que sem o enquadramento que agora lhe conferimos no âmbito das nulidades da sentença.
Os autos devem, assim, baixar à 1.ª instância para que se proceda à elaboração de novo acórdão, onde se deverá ponderar da razoabilidade acerca da satisfação da condição legal por parte do arguido/recorrente, nos termos determinados pelo AFJ nº 8/2012.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em anular parcialmente o acórdão recorrido nos moldes sobreditos, devendo proferir-se novo acórdão, se possível pelos mesmos juízes que integraram o anterior tribunal coletivo, em que se efetue o “juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação da condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura”, decidindo-se a final em conformidade com tal ponderação.
Sem custas.
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Porto, 05 de Março de 2014
(Elaborado e revisto pela 1ª signatária)
Eduarda Lobo
Alves Duarte
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[1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Publicado no DR. I Série de 24.10.2012.
[4] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, pág. 425.
[5] Cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit. pág. 427.
[6] V. Batista Machado, in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 18.ª Reimpressão, pág. 55.
[7] V. Santos Justo, in “Introdução ao Estudo do Direito”, 4.ª Edição, pág. 75.
[8] Preâmbulo do Decreto-Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro.
[9] V. Abrantes Geraldes, ob. cit. págs. 426 e 427.
[10] Cfr., entre outros, Acs. do STJ de 13.01.2010, Proc. nº 274/08.9JASTB.L1.S1, de 21.06.2007, Proc. nº 07P2059-5ª, de 22.03.01, Proc. n.º 353/01-5.ª, de 18.10.01, Proc. n.º 3066/01-5.ª, de 06-02-02, Proc. n.º 4106/01-3.ª, e de 14.05.03, Proc. n.º 518/03-3.ª.