Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
258/07.4TBMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ MANUEL DE ARAÚJO BARROS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
JUROS MORATÓRIOS
FALTA DE VISTORIA AD PERPETUAM REI MEMORIAM
RESPONSABILIDADE DO EXPROPRIANTE
Nº do Documento: RP20130613258/07.4TBMTS.P1
Data do Acordão: 06/13/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO. AGRAVO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO.
Área Temática: .
Sumário: I - Mesmo antes de tal ter sido expressamente previsto no nº 7 do artigo 20º do Código das Expropriações, com as alterações a este introduzidas pela Lei nº 56/2008, de 4 de Setembro, do não depósito da indemnização no prazo previsto na alínea a) do nº 6 daquele artigo, decorria para o expropriante a obrigação de pagar ao expropriado juros de mora
II – Se, por qualquer motivo anómalo, a entrada na posse da parcela expropriada por parte do expropriante ocorrer antes da publicação da declaração de utilidade pública, será às circunstâncias e condições de facto existentes naquela data que se terá de reportar o cálculo do valor real do bem expropriado, nomeadamente as atinentes à classificação do solo de acordo com o destino efectivo e possível
III - A constatação da não realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam, quando a mesma já não é viável, em virtude de a parcela expropriada ter sido completamente desfigurada pela expropriante, não importa a anulação de todo o processado posterior ao momento em que deveria ter sido efectuada a omitida vistoria, mas tão só a reconstituição da descrição da parcela, dentro do possível
IV - A responsabilidade do expropriante que, não respeitando os preceitos legais, viole o direito de propriedade do expropriado sobre a parcela a expropriar, causando-lhe danos, não deve ser conhecida no processo de expropriação, apenas destinado ao ressarcimento do prejuízo que para ele advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem expropriado
Reclamações:
Decisão Texto Integral:
3ª SECÇÃO – Processo nº 258/07.4TBMTS.P1
Tribunal Judicial de Matosinhos – 6º Juízo Cível

SUMÁRIO
(artigo 713º, nº 7, do Código de Processo Civil)
I - Mesmo antes de tal ter sido expressamente previsto no nº 7 do artigo 20º do Código das Expropriações, com as alterações a este introduzidas pela Lei nº 56/2008, de 4 de Setembro, do não depósito da indemnização no prazo previsto na alínea a) do nº 6 daquele artigo, decorria para o expropriante a obrigação de pagar ao expropriado juros de mora
II – Se, por qualquer motivo anómalo, a entrada na posse da parcela expropriada por parte do expropriante ocorrer antes da publicação da declaração de utilidade pública, será às circunstâncias e condições de facto existentes naquela data que se terá de reportar o cálculo do valor real do bem expropriado, nomeadamente as atinentes à classificação do solo de acordo com o destino efectivo e possível
III - A constatação da não realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam, quando a mesma já não é viável, em virtude de a parcela expropriada ter sido completamente desfigurada pela expropriante, não importa a anulação de todo o processado posterior ao momento em que deveria ter sido efectuada a omitida vistoria, mas tão só a reconstituição da descrição da parcela, dentro do possível
IV - A responsabilidade do expropriante que, não respeitando os preceitos legais, viole o direito de propriedade do expropriado sobre a parcela a expropriar, causando-lhe danos, não deve ser conhecida no processo de expropriação, apenas destinado ao ressarcimento do prejuízo que para ele advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem expropriado

Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto
I
RELATÓRIO
Nestes autos de expropriação em que é expropriante B……, SA, e expropriados C…… e mulher, D……, bem como E….., vieram os expropriados recorrer do acórdão arbitral, datado de 30/09/2005, que fixou a indemnização a atribuir àqueles na importância de 4.860,00 €.
No recurso do acórdão arbitral, defenderam os recorrentes que o valor indemnizatório fosse fixado em 55.000,00 €. A expropriada respondeu, pugnando pela manutenção da decisão arbitral.
Procedeu-se a avaliação, tendo sido apresentado um laudo, subscrito por dois dos peritos nomeados pelo tribunal e pelo indicado pelos expropriados, que atribuiu à parcela expropriada o valor de 37.047,78 €, outro, subscrito por um dos peritos indicado perlo tribunal, no valor de 35.608,75 €, e um terceiro, subscrito pelo perito indicado pela expropriante, no valor de 4.860,00 €.
Após alegações das partes, foi proferida decisão que, julgando parcialmente procedente o recurso interposto pelos expropriados, fixou em 37.047,78 € o valor da justa indemnização, quantia a ser actualizada nos termos do artigo 24º, nº 1, do Código das Expropriações.
Inconformados, vieram expropriante e expropriados interpor recursos, os quais foram admitidos como de apelação, com efeito meramente devolutivo.
Os recorrentes apresentaram as suas alegações.
Foram colhidos os vistos.
II
FUNDAMENTAÇÃO
1. PRESSUPOSTOS
1.1. Factos provados
1. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, sob o n.º 3071/20071106, freguesia da Senhora da Hora, o prédio rústico denominado “F…..”, sito no lugar da …., confrontando do norte com G….., do nascente e poente com H….. e do sul com caminho de servidão, inscrito na matriz sob o artigo 200º; (fls. 224)
2. A propriedade de tal prédio encontra-se inscrita em favor de I….., através da inscrição 48520, do livro G-48; (fls. 224)
3. Por escritura pública denominada de “habilitação”, outorgada em 4 de Fevereiro de 2004, no Primeiro Cartório Notarial de Matosinhos, C.... e E….., foram habilitados como únicos herdeiros de sua mãe I….., falecida em 20 de Novembro de 2003; (fls. 243 e 244)
4. Por despacho do Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, de 23 de Setembro de 2005, publicado no DR, II Série, n.º 193, de 7 de Outubro de 2005, foi proferida declaração de utilidade pública com carácter de urgência, de expropriação de imóveis, com vista à construção da obra da variante à EN 208 e 15; (fls. 42 e seguintes)
5. Entre esses imóveis consta aquele descrito em 1, do qual fazia parte a parcela identificada como 185, estando em causa uma área de 486 m2; (fls. 42)
6. Por acórdão de arbitragem datado de Maio de 2006 foi fixado em 4.860, 00 € o valor de indemnização devida pela expropriação da parcela em causa; (fls. 8 a 12)
7. Em Novembro de 1995 o expropriado (na altura J…..) e a então Junta Autónoma das Estradas acordaram na fixação da quantia de 704.700$00 como indemnização pela parcela objecto da expropriação; (fls. 48 a 53)
8. Mais se obrigou a JAE a requerer a declaração de utilidade pública da parcela em causa;
9. Do laudo de peritagem subscrito por dois dos Srs. Peritos nomeados pelo Tribunal retira-se ainda que (fls. 320 e seguintes):
• A parcela expropriada tem a área total de 486 m2;
• Distava cerca de 33 metros, em linha recta, da Rua da …., com todas as infra-estruturas urbanísticas, estando inserida em zona com blocos de habitação colectivos, com cérceas que atingiam os seis pisos acima do solo;
• Estava inserida em “zona urbana e urbanizável”, no limite entre “área verde de parque e cortina de protecção ambiental” e “área predominantemente residencial”, de acordo com o PDM de Matosinhos;
• Encontrava-se a parcela em causa a cerca de 1000 metros quer do centro de Matosinhos quer do limite do concelho do Porto;
• Tendo em conta o valor médio das construções existentes dentro dos 300 metros do limite da área a expropriar, o valor do solo em causa é de 76,23 € por m2.
1.2. Conclusões das alegações da expropriante
1. A presente expropriação funda-se na Declaração de Utilidade Pública publicada no Diário República II Série, n.º193 de 7 de Outubro de 2005;
2. Independentemente das vicissitudes quanto à situação de facto, o processo especial e consequente indemnização terão de ser determinadas pelo valor do solo tendo por Base critérios legais aplicáveis em 2005;
3. O presente processo coloca dois problemas: a consideração da situação de facto que resultou da DUP de 1995 e o valor real da parcela face à DUP de 2005;
4. Se é verdade que os expropriados ficaram sem o gozo e fruição da parcela desde 1995, não menos verdade que isso sucedeu por ausência de formalização do acordo estabelecido com a entidade expropriante;
5. Demonstrativo disto mesmo, foi o facto dos expropriados não terem reagido, antes tolerado a ocupação da parcela;
6. Logo, o presente processo coloca dois problemas: a consideração da situação de facto que resultou da DUP de 1995 e o valor real da parcela face à DUP de 2005;
7. Temos por isso que estabelecer um ponto de partida que permita corrigir a situação existente em 2005, que sem dúvida é uma estrada e só pode ser uma estrada, sendo que, perante esta, os expropriados já não tinham qualquer legítima expectativa de outro destino económico;
8. E por isso, à data da DUP, o único valor da indemnização é o fixado pelos árbitros e pelo perito minoritário, por ter a parcela um destino não construtivo;
9. Até porque, a querer entender um destino diferente, esse teria que ser determinado à data da primeira DUP, sendo que em momento algum os senhores peritos conseguem, não tão pouco os expropriados alegam, determinar qual a situação de facto da parcela em 1995;
10. Compreendemos que o estrito legalismo não deverá aqui ter lugar, na parte em que a sucessão de expropriações não pode prejudicar os expropriados que efectivamente ficaram sem um bem na sua esfera jurídica, mas também não se pode pretender imputar qualquer penalização à entidade expropriante, quando os próprios expropriados toleraram tal situação;
11. E aqui reside um facto relevante e que não pode de todo ser escamoteado: o valor aceite pelos expropriados como justa indemnização em 1995: 704.700$00. Este valor corresponde a € 3,515.03.
12. Valor este que, devidamente actualizado conforme o artigo 24.º CE, se fixa em : 8.182,91€;
13. Este valor representa o valor real da indemnização aceite pelas partes, e que apenas não foi formalizado através de auto de expropriação amigável;
14. Não se pode querer fazer da parcela o que nunca foi, um solo com aptidão construtiva assente na expectativa dos expropriados;
15. Esta nunca existiu, pois a ter existido a mesma cessou com a ocupação da estrada, não sendo a DUP de 2005 qualquer facto novo que alterasse a expectativa daqueles, pois a parcela efectivamente, como já em 1995 os expropriados sabiam, não tinha aptidão construtiva — estava destinada a ser ocupada pela via pública. Veja-se nesse sentido o valor aceite pelos expropriados;
16. Nestes termos, face ao valor aceite pelos expropriados e ao destino não construtivo existente já à data da ocupação de facto, deve a parcela ser avaliada como solo para outros fins nos termos em que os árbitros avaliaram.
Logo, deve a decisão arbitral ser confirmada na íntegra em consonância com o relatório subscrito pelo perito indicado pela entidade expropriante;
17. SEM CONCEDER, sempre se dirá que há uma clara ausência e insuficiência de matéria probatória, pois os senhores peritos nunca avaliaram verdadeiramente a parcela atendendo à DUP de 2005, nem atendendo à data da ocupação da parcela em 1995. Isto porque em 2005 é indiscutível que o destino da parcela seria sempre e exclusivamente para fins não construtivos;
18. Caso seja julgado improcedente o acima alegado — o que não se aceita e apenas por mera questão de patrocínio se aflora — deve ser ampliada a matéria de facto assente, com vista a determinar: (i) qual era o destino económico da parcela em 1995, nomeadamente atendendo ao prescrito no PDM; (ii) que infraestruturas serviam o prédio, notificandose para o efeito as entidades competentes; (iii) se o valor aceite pelos expropriados (cfr. ponto 7 da matéria de facto assente) corresponde ao valor de um solo para outros fins em 1995.
19. SEM PRESCINDIR, Como refere a douta sentença a data a ter em conta para a fixação da indemnização a mesma apenas pode ser, em processo expropriativo, a da declaração de utilidade pública, conforme o disposto no artigo 24.º, n.º1 do C. Expropriações;
20. Logo, o valor da parcela será fixado em função do seu destino económico normal e esta só era um em 2005: estrada, i.é, para outros fins;
21. Posto isto, como avaliaram os senhores árbitros, deve a parcela ser classificada como para outros fins, por ser esse o destino real e potencial da parcela à data da DUP — cfr. artigos 23.º, n.º1, 24.º CE;
22. SEM CONCEDER, a parcela era interior e não dispunha de quaisquer infraestruturas;
23. Conforme decorre da descrição da parcela, a mesma encontravase encravada, uma vez que não dispunha de qualquer acesso à via pública;
24. A ocupação espacial e infraestruturas não podem ser relevadas por mera consideração métrica, como se as condicionantes e a interioridade da parcela não prejudicassem o seu valor fundiário;
25. É óbvio que esta situação de facto prejudica a parcela, ao não permitir a sua valorização nos termos do artigo 26.º, n.º7;
26. A capacidade construtiva, a ser reconhecida, é autónoma às infraestruturas e estas só contribuem para a valorização fundiária da parcela se efectivamente estiverem directamente disponíveis e acessíveis;
27. Não basta uma maior ou menor proximidade, tem que resultar dos autos que a parcela, pela sua localização, trazia uma vantagem económica por já se encontrar infraestruturada;
28. Aliás, o Tribunal não dá como provado — também não podia — que a parcela era servida por infraestruturas;
29. A parcela não era servida por infraestruturas, nem tão pouco tinha qualquer acesso directo às mesmas — incluindo acesso rodoviário —, não podem as mesmas ser contabilizadas para efeitos do n.º 7 do artigo 26.º CE;
30. Os senhores peritos, no qual a sentença se funda, decidem considerar outros critérios e destinos que não foram cogitados pelos expropriados no seu recurso, nomeadamente a autonomização de construção em cave;
31. A determinação do índice de ocupação médio não se basta na construção acima do solo, também se deve considerar para a construção abaixo do solo, caso se autonomize economicamente este;
32. O artigo 12.º, n.º1, do PDM invocado pelos senhores peritos não permite concluir que a previsão de construção em cave seja obrigatória;
33. O que resulta desta norma é que não será aprovado/viável qualquer projecto se não assegurar os lugares de estacionamento privativos dos edifícios a construir, bem como assegurar estacionamento público;
34. Ao que acresce o facto de existir na proximidade um zona de moradias (relembrese que a cércea era de 2 andares no máximo) que não tem qualquer aproveitamento em cave e do factos dos senhores peritos não indicarem nem identificarem qual a construção em cave existente e respectivas áreas;
35. Não pode ser contabilizada a título autónomo qualquer construção em cave, quer porque não foi demonstrado que tal constituía o destino económico normal face ao existente na envolvente, quer pela reduzida área da parcela.
1.3. Conclusões das alegações dos expropriados
1. A selecção da matéria de facto apurada nos autos não foi criteriosa, nem objectiva, nem fundada nos elementos deles constantes e nos factos aceites pelas partes.
2. A fls. 9 no item “4 – Descrição da parcela” os árbitros transcrevem parte da notificação que receberam da expropriante e cujo teor consta expressamente da comunicação da expropriante ao árbitro presidente, a fls. 28 e é nos seguintes termos: “… De facto, esta parcela estava integrada no projecto … IP4 – Sendim/Via Norte – 1º troço”, cuja a DUP datava de 1995, mas a parcela nº. 185 não constava dessa Declaração de Utilidade Pública. Posteriormente, tal parcela foi objecto de ocupação por parte da empreitada (DUP de 1995), mas não foi objecto de expropriação pelo que esta Direcção de Estradas decidiu publicar uma nova DUP para esta parcela.”
3. Confissão mais clara e inequívoca por parte da expropriante acerca da época em que tomou posse da parcela – Dezembro de 1995 – não pode haver, sendo certo que outrotanto vem reconhecido pela expropriante nos nºs. 6, 7 e 15 da resposta ao recurso dos expropriados que a parcela fazia parte do empreendimento IP4 – Sendim/Via Norte – 1º Troço (nº 6), não figurou na DUP datada de 1995 (nº.7) e “… já havia sido ocupada pelo empreiteiro contratado para a execução da obra.” (nº. 15),
4. Que corresponde à posição por ela assumida face aos factos invocados pelos expropriados no seu requerimento de interposição de recurso da arbitragem ao abrigo dos artºs. 52 e segs. C. E., nomeadamente o que consta de B) 3 e C) a fls. 275, aqui dado por integrado para os legais efeitos.
5. A correspondência trocada entre a então JAE/expropriante e o expropriado, a fls. 49 a 53, não deixa a mais pequena margem para dúvidas à cerca da data em que a parcela deixou de estar no património dos expropriados por ter sido apossada pela expropriante: Dezembro de 1995.
6. Tratando-se de facto de particular relevo quer na determinação da indemnização, quer na actualização da mesma, quer ainda para efeitos de juros e sanções, não pode deixar de integrar o acervo dos factos assentes tanto por resultar da documentação junta aos autos, como pelo irrecusável acordo de partes e confissão da expropriante, o que ora se requer.
7. Merecem referência quatro aspectos sobre os quais a sentença sob censura se debruça, muito embora quanto a natureza do recurso do acórdão arbitral nada de relevante se imponha destacar, dada a concordância das partes, a fls. 403, “…aceitando que a mesma se deva considerar como solo apto para construção”.
8. A sanção pecuniária compulsória já fora decidida pelo despacho de fls. 228/237, mais especificamente a fls. 236.
9. E, por consequência, a sentença padece de nulidade, nos termos do artº. 668 nº. 1 al. d) CPC em virtude de o Mº Juiz a quo se ter pronunciado sobre matéria de que não podia tomar conhecimento, por já ter sido objecto de apreciação jurisdicional, o que, para os legais efeitos, aqui se invoca.
10. Além disso, sempre a decisão seria inválida ou ineficaz e inaplicável nos presentes autos por virtude do princípio vertido no artº. 675º CPC atenta a manifesta contradição entre a decisão de fls. 236 e a de fls. 403/404.
11. A invocada nulidade por inexistência de vistoria ad perpetuam rei memoriam foi indeferida, na sentença, com esta mera afirmação: “… não se pode falar de omissão de uma formalidade essencial quando a sua realização é impossível.”
12. A sentença sub júdice, nesta parte, viola frontalmente o disposto nos artºs. 659 e 660 do CPC, pois não indica quaisquer fundamentos, sejam eles de facto ou direito e, por isso, incorre na nulidade a que alude a al. b) do nº. 1 do artº. 668 CPC.
13. A essencialidade da VAPRM emerge com clareza da tibieza dos árbitros que resolveram “inventar” um critério completamente desfasado da realidade, nomeadamente quanto à localização e potencialidades edificativas e nem sequer se deram ao cuidado de consultar algum das dezenas de processos a que o IP4-Sendim/Via Norte deu origem como o fez a perita avaliadora a fls 43/46 fixando o valor da indemnização em € 38.800,00 e também fizeram os Peritos do relatório maioritário.
14. No que concerne à data a que deve reportar-se a avaliação, a sentença sob censura refere (a fls 403, 5º§): “Assim sendo a ocupação de uma parcela de terreno em data anterior à DUP não pode ser levada em conta neste processo de expropriação, mas sim em processo autónomo.”
15. Este entendimento não vem apoiado em argumentos que possam convencer da bondade e justeza de tal solução, tanto do ponto de vista processual, como em termos substanciais, enfermando, portanto, da já denunciada ausência de fundamentação. Artºs 659,660 e 668 nº 1 al. b CPC
16. Em termos de direito adjectivo, todas as reformas introduzidas no direito adjectivo laboral, pelo menos, desde 1995, são no sentido de se alcançarem “…claros índices de eficácia” para “… que opere a justa e definitiva composição do litígio …”
17. O princípio da economia processual “ É uma aplicação do princípio de menor esforço ou da economia de meios. Deve procurar-se o máximo resultado processual com o mínimo emprego de actividade; o máximo rendimento com o mínimo custo”., vide Manuel de Andrade, Noções Elementares, Coimbra Editora, 1963, pág. 359.
18. Salienta-se já no relatório do DL nº 329-A/95 que a revisão do Código de Processo Civil tinha em vista que “o direito de acesso aos Tribunais envolverá identicamente a eliminação de todos os obstáculos injustificados à obtenção de uma decisão de mérito, que opere a justa e definitiva composição do litígio, privilegiando-se assim claramente a decisão de fundo sobre a mera decisão de forma”.
19. Como ensina Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, pág. 359, “...o resultado processual deve ser atingido com a maior economia de meios. Esta economia de meios exige que cada processo, por um lado, resolva o maior número possível de litígios (economia de processos)...”
20. No mesmo sentido, Lebre de Freitas, (Introdução ao Processo Civil, pág. 164), depois de citar (fls. 163) aquele Mestre, salienta “da imposição da economia de processos, em conjugação com outros princípios processuais, derivam ainda as disposições, em grande parte decorrentes da última revisão do código, que visam o aproveitamento da acção proposta e, indirectamente evitar a propositura de nova acção para conseguir a resolução do litígio”.
21. O princípio da economia processual “… tem aplicação directa no processo expropriativo, traduzindo-se na imposição de ser aí que todas as questões devem ser resolvidas”, salienta José Osvaldo Gomes, in Exp. por Utilidade Pública, 1ª ed., fls. 375 que cita o acórdão a seguir transcrito.
22. Assim se entendeu e declarou no Ac. Rel. Porto, de 18.08.1988, in BMJ, pag. 538, no qual se decidiu:
“…. É no próprio processo de expropriação que todas as questões relacionadas com a fixação da indemnização hão-de ser resolvidas, não sendo legítimo deixá-las para averiguar posteriormente, nomeadamente em execução de sentença.”Ac. T. Relação do Porto de 18.10.88, B.M.J., nº. 380, p. 538, que se anexa por certidão (doc. 1)
23. Em termos do direito substantivo, também a recusa da tomada de posição, assumida na sentença, quanto à apropriação em Dezembro de 1995 pela expropriante, da parcela, se revela carecida de fundamento e violadora doa mais elementares princípios do ordenamento jurídico nacional.
24. Está claramente comprovado nos autos todo o historial que acompanha a apropriação pela expropriante da parcela em apreço em Dezembro de 1995.
25. Constitui dado pacificamente assente que é no momento em que é retirado o bem ao património do expropriado que surge o crédito indemnizatório.
26. A expropriante reconhece e declara, ter tomado posse da parcela em Dezembro de 1995, ainda que à margem do empreendimento IP4/Sendim/Via Norte, por a parcela não ter sido incluída na DUP respectiva.
27. Esta circunstância é de todo estranha ao expropriado e exclusivamente imputável à expropriante, razão pela qual aquele não pode ser, de modo algum, prejudicado no quantum da respectiva indemnização.
28. É justamente para obviar as demoras e dilações do processo expropriativo que o artº. 24 nº. 1 CE determina a actualização da indemnização.
29. O valor da indemnização, como concretização do princípio da igualdade, visa colocar o expropriado na situação em que se encontram pessoas que, tendo coisas idênticas às suas, não foram expropriadas.
30. Assim sendo, o valor da indemnização só alcançará a sua verdadeira dimensão se fôr calculado a partir do momento em que se começarem a sentir os efeitos ablativos da propriedade, o que, na hipótese em apreço, aconteceu quando “… tal parcela foi objecto de ocupação por parte da empreitada (DUP de 1995) …”, como expressamente afirma a expropriante a fls. 28, igualmente transcrito a fls. 9, pelos árbitros.
31. Se assim não se entendesse, seria violado o regime prescrito no artº. 2º C. Exp. e infringidos pela expropriante os princípios da legalidade, justiça, igualdade, proporcionalidade, imparcialidade e boa fé.
32. A sentença sob censura não fez correcta apreciação e selecção da matéria de facto, nem a mais rigorosa interpretação e aplicação do direito, violando as normas e orientações jurisprudenciais e doutrinárias supra referidas pelo que deve ser revogada e substituída por outra que atribua aos recorrentes a indemnização por eles peticionada, tanto no seu requerimento nos termos dos artºs 52 e segs e como na alegação a que alude oartº64º, todos do C Exp. aqui dados por reproduzidos na parte útil.
***
2. Discussão
2.1. Do agravo
A expropriante agravou do despacho de fls 228 e sgs, pelo qual foi determinada a sua notificação para, “no prazo de dez dias, proceder ao depósito dos juros moratórios, calculados à taxa legal, sobre o montante de 38.800,00 €, fixado nos termos do artigo 10º, nº 4, do Código das Expropriações, desde o 91º dia útil subsequente à publicação da declaração de utilidade pública (tendo ocorrido esta a 7-10-2005) até à data do depósito da indemnização fixada no acórdão arbitral (o qual ocorreu a 20-11-2006), vencendo-se a partir do termo do prazo ora fixado a sanção pecuniária compulsória a que alude o nº 4 do artigo 829º-A do Código Civil”.
Aduz a agravante, nas conclusões das suas alegações de recurso:
1. Os juros moratórios apenas são devidos na fase da expropriação litigiosa, pelo que não são devidos quaisquer juros por atraso na realização do depósito prescrito no artigo 20º, nº 5, alínea a), do CE;
2. O valor do depósito previsto no artigo 20º, nº 5, alínea a), do CE não se encontra na disponibilidade directa dos expropriados, nem o mesmo se consubstancia no valor indemnizatório a deferir a título de justa indemnização;
3. O dever e prazo de depósito que recai sobre a entidade expropriante é por isso acessório ao processo expropriativo não influindo no andamento e cumprimento dos prazos e actos procedimentais com vista à fixação da indemnização;
4. O atraso na sua realização não causa qualquer dano ou lesão nos expropriados, apenas incorreu numa irregularidade não invocada tempestivamente, em sede de fase administrativa do procedimento de expropriação, que em nada bule ou prejudica o cumprimento e andamento do processo expropriativo;
5. Não há, portanto, lugar ao pagamento de qualquer indemnização nos termos do artigo 70º, por atraso na realização do depósito do artigo 20º, nº 5, alínea a), e artigo 10º, nº 4, do CE.
A questão levantada pela expropriante consiste em saber se deve ou não ser sancionado, com o pagamento aos expropriados de juros de mora, o incumprimento do prazo de depósito previsto na alínea a) do nº 5 (ora nº 6) do artigo 20º do Código das Expropriações.
Para a interpretação de tal preceito é fundamental atentar em que a Lei nº 56/2008, de 4 de Setembro, alterou o referido 20º, prescrevendo expressamente no nº 7 que são devidos juros de mora ao expropriado pelo atraso naquele depósito.
Temos para nós que tal preceito, não consubstanciando um acrescento inovador, se limita a explicitar a interpretação mais consentânea do regime já antes vigente.
Os argumentos aduzidos pela expropriada, aliás sufragados no acórdão da Relação de Guimarães de 25.06.2009 (Antero Veiga), in dgsi.pt, não nos convencem. Nem o relativo à ausência de dano do expropriado, que só em fase posterior poderia dispor da quantia depositada. Nem o de que a expropriante tem, em certos casos, a possibilidade de substituir o depósito por caução. Este último é aliás frontalmente contrariado pelo nº 3 do artigo 70º, que expressamente prevê que o montante da caução abranja também os juros moratórios.
Parece-nos, isso sim, que, por força do princípio da simultaneidade do pagamento da indemnização e da expropriação, consagrado no artigo 1º do Código das Expropriações, o pagamento previsto no nº 4 do artigo 10º, fora do prazo previsto na alínea a) do nº 6 (então nº 5) do artigo 20º, teria sempre de implicar o pagamento de juros de mora. Não se podendo interpretar o nº 1 do artigo 70º com o alcance restritivo de limitar tal direito aos depósitos efectuados fora de prazo, na fase litigiosa do processo. Sob pena de aquela cominação resultar inócua. Em prejuízo da unidade do sistema jurídico. Tendo todo o sentido que sejam os expropriados, à ordem de quem os depósitos são efectuados, os beneficiários do pagamento dos referidos juros. Nesse sentido se pronunciou, antes da referida alteração legal, o acórdão da Relação de Coimbra de 5.06.2007 (Isaías Pádua), in dgsi.pt.
Pelo exposto, conclui-se que a inovação do preceito do nº 7 do artigo 20º, introduzido pela Lei nº 56/2008, de 4 de Setembro, teve um alcance meramente interpretativo, no intuito de esclarecer as dúvidas que anteriormente se suscitavam. Nada havendo a censurar à decisão agravada.
2.2. Das apelações
2.2.1. Da expropriante
2.2.1.1. A expropriante pretende que a parcela expropriada seja avaliada como solo para outros fins, porquanto a natureza do solo expropriado é o que se reporta à situação existente em 2005, data da DUP, na qual nela estava construída uma estrada, sendo que os expropriados já não tinham qualquer legítima expectativa de outro destino económico.
Não lhe assistirá razão. O facto de a expropriante se ter apropriado da parcela em 1995, nela construindo uma estrada, e de a DUP só ter sido efectuada em 2005, não implica que a parcela deva ser avaliada de acordo com o destino que entretanto lhe foi dado.
A expropriante lê o nº 1 do artigo 23º do Código das Expropriações da forma que mais lhe convém, ignorando ostensivamente a primeira parte do mesmo.
Na verdade, quando nesse preceito se determina que são as condições de facto existentes aquando da publicação da declaração de utilidade pública que ditam o valor real e corrente do bem expropriado, pressupõe-se que só nessa altura o expropriante se apropria deste, pois só tal acto o legitima. Acontece que, no presente caso, a expropriante tomou posse da parcela a expropriar e nela construiu a estrada que motivou a expropriação, cerca de 10 anos antes daquela publicação.
Face a tal anormalidade, resultam completamente alterados os pressupostos que estão na génese daquele preceito. Como parece óbvio, as circunstâncias de facto a ter em conta são as existentes aquando da apropriação (que tipicamente apenas deveria ocorrer após a DUP) e não as que se verifiquem passados dez anos se, anomalamente, a DUP só vier a ser publicada transcorrido esse tempo após a apropriação.
Ou seja. Quando aquele preceito se reporta à data da DUP é tão só porque só após esta pode a expropriante tomar a posse do bem expropriado, como decorre do disposto no artigo 20º do Código das Expropriações. Assim, se por qualquer motivo anómalo essa tomada de posse ocorrer antes da publicação da DUP, será às circunstâncias e condições de facto existentes nessa data que se terá de reportar o cálculo do valor real do bem expropriado, nomeadamente as atinentes à classificação do solo de acordo com o destino efectivo e possível.
Assim sendo, bem andou a sentença recorrida em perfilhar o valor do laudo dos senhores peritos do tribunal e dos expropriados, que atenderam ao circunstancialismo de 1995, para fixarem os critérios de avaliação da parcela, considerando-a como solo apto para construção.
2.2.1.2. Pelas razões aduzidas, também não poderemos concordar com a expropriante quando afirma que haverá insuficiência de matéria probatória, já que os senhores peritos nunca teriam avaliado verdadeiramente a parcela, nem atendendo à data da DUP de 2005 nem à data da ocupação da parcela, em 1995.
O laudo destes, de fls 320 e seguintes, é bem claro. Foram consideradas as circunstâncias existentes em 1995 (o que, na ausência da vistoria ad perpetuam rei memoriam, resultou da observação da área circundante e da respectiva planta cadastral), com base nas quais se avaliou a parcela por referência a 2005, pelo critério previsto no nº 12 do artigo 26º do Código das Expropriações – valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar. Ignorou-se, portanto, e muito bem, o destino que a expropriante deu à parcela e as obras que entre a data da tomada de posse e a da DUP nela efectuou.
Não há que fazer sequer nenhuma investigação complementar, irrelevante para o cálculo do valor da parcela, atento o critério de avaliação correctamente utilizado.
Tal critério foi o plasmado no nº 12 do artigo 26º do Código das Expropriações, com o auxílio dos parâmetros dos nºs 6, 7 e 10 do mesmo artigo, tendo por referência o valor das construções existentes na zona envolvente. Pelo que também não pode colher a alegação da expropriante, na parte em que realça o facto de se tratar de uma parcela sem infraestruturas e encravada.
Pelo exposto, nada há a censurar à sentença, que se louvou no referido laudo para determinar a justa indemnização.
2.2.2. Dos expropriados
2.2.2.1. Começam os expropriados por se insurgir contra a pronúncia da sentença relativa à sanção pecuniária compulsória, que já fora decidida pelo despacho de fls. 228/237, arguindo a nulidade da mesma nos termos do artigo 668º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil, por ter conhecido matéria de que não podia tomar conhecimento.
Terá razão. Mas essa declaração de nulidade seria perfeitamente inócua, já que a parte decisória da sentença nada concretiza relativamente à questão suscitada. Nem esta, que apenas tem a ver com o cumprimento do despacho de fls 236, deveria ter sido sequer apreciada na sentença.
Continuará, assim, o requerimento de fls 374 a aguardar que o senhor juiz a quo se pronuncie sobre o requerido sancionamento do alegado não cumprimento do referido despacho, ora aliás reforçado pelo não provimento do agravo que dele foi oportunamente interposto.
2.2.2.2. Quanto à nulidade, por inexistência de vistoria ad perpetuam rei memoriam, o senhor juiz a quo tomou a única atitude possível. Na verdade, se fosse anulado todo o processado posterior ao momento em que deveria ter sido efectuada a omitida vistoria, como prevê o nº 2 do artigo 201º do Código de Processo Civil, nada seria alterado. Ou melhor, ordenava-se a repetição de um acto, que se resumiria à descrição da estrada que entretanto foi construída na parcela. Ficando tudo na mesma. O que não tem remédio, remediado está…
Bem andaram, pois, os senhores peritos ao tentarem reconstituir o que existia antes da ocupação. Na ausência de elementos, recorreram à área envolvente. Inventaram? Quem não tem cão caça com gato…
2.2.2.3. Espraiam-se os expropriados em considerações no sentido de que o princípio da economia processual impunha que se computasse na indemnização o valor que se entendesse dever a expropriante pagar aos expropriados pelos danos que a estes causou, em virtude de ter entrado na posse da parcela em data anterior à DUP.
O processo de expropriação destina-se ao cálculo da justa indemnização. Qual seja o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem expropriado – confronte-se, entre outros, os artigos 23º, nº 1, e 38º do Código das Expropriações.
Assim, se é certo que “deva ser no processo de expropriação que todas as questões relacionadas com a fixação da indemnização hão-de ser resolvidas, não sendo legítimo deixá-las para averiguar posteriormente, nomeadamente em execução de sentença”, como se refere no acórdão da Relação do Porto de 18.10.88, in BMJ nº 380, p. 538, aliás citado pelos recorrentes, não é menos verdade que o ressarcimento de que aqui se trata é apenas do que contende com o cálculo da justa indemnização, correspondente ao valor real e corrente do bem expropriado.
O que, evidentemente, não abrange possíveis indemnizações por danos resultantes para os expropriados de actuação da expropriante que viole o direito de propriedade daqueles sobre a parcela a expropriar.
III
DISPOSITIVO
Pelo exposto,
- não se dá provimento ao agravo do despacho de fls 228 e seguintes, outrossim se alertando para que está por apreciar o requerimento de fls 374, relativo a alegado não cumprimento do referido despacho
- na improcedência das apelações da expropriante e dos expropriados, confirma-se a sentença recorrida.
Custas do agravo pela agravante e das apelações pelos apelantes – artigo 446º do Código de Processo Civil.

Notifique.

Porto, 13 de Junho de 2013
José Manuel Ferreira de Araújo Barros
Judite Lima de Oliveira Pires
Teresa Santos