Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1857/19.7T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
SUB-ARRENDAMENTO
DIREITO DE RETENÇÃO
Nº do Documento: RP202010121857/19.7T8PRT.P1
Data do Acordão: 10/12/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Limitando-se os recorrentes a impugnar em termos latos, genéricos e em bloco, sem fazer concreta, especificada e contextualizada análise crítica das provas que impõem decisão diversa de cada questão e sem indicar, também, concreta e especificadamente, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as concretas questões de facto impugnadas, sempre seria de rejeitar o recurso, genérico, da decisão da matéria de facto, tendo as três alíneas do nº1, do art. 640º, do CPC, que consagram ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, de ser interpretadas de forma rigorosa e rígida, por razões de precisa delimitação do objeto do recurso e de garantia do contraditório.
II - Contudo, como nunca será possível alterar o julgamento da matéria de facto operado pela 1ª Instância, por a prova produzida não impor julgamento diverso, não ocorrer qualquer erro na apreciação dos factos impugnados, antes a matéria de facto foi livremente e bem decidida na 1ª instância, cumpre manter a decisão.
III - Uma vicissitude do contrato de arrendamento consiste no subarrendamento, contrato que tem por base um anterior, de arrendamento, em que o sublocador é o arrendatário e em que este celebra um novo contrato de arrendamento com um terceiro (o subarrendatário), contrato este que se sobrepõe ao anterior mas que a ele é subordinado e dele fica absolutamente dependente.
IV - Ao subarrendamento, relação de arrendamento, é, aplicável o regime geral da locação e o regime especial do arrendamento, com as especialidades de seu regime (encontrando-se a sublocação regulada genericamente nos arts. 1060º e segs e o subarrendamento especificamente regulado nos arts 1088º e segs, do Código Civil);
V - Objetivamente verificada mora do devedor por atraso no cumprimento da obrigação de pagamento de renda, por mais de três meses, ocorre o fundamento de resolução do contrato, pela contraparte, previsto no nº3, do art.º 1083.º e aquele, para excluir/anular a resolução comunicada pelo senhorio/sublocador, tem de pagar, no prazo de um mês, a contar de tal comunicação, para além do montante das rendas em atraso, a importância necessária a purgar a mora (nos termos do nº3, do art. 1084º), que persiste enquanto não forem pagas as rendas em atraso e a indemnização moratória a que alude o nº1, do artigo 1041º (cfr. art. 1042º), preceitos daquele diploma legal.
VI - Constitui requisito de celebração de arrendamento urbano o local, objeto do mesmo, ter aptidão para o fim do contrato, atestada pelas entidades competentes, designadamente através de licença de utilização, quando exigível (nº1, do art.º 1070.º, do Código Civil), sendo duas as licenças, eventualmente exigíveis, referentes à utilização de edifícios: uma atinente à genérica possibilidade de utilização; outra referente à específica atividade a nele exercer. Enquanto a obtenção da referida licença de utilização do imóvel - atinente à genérica possibilidade de utilização do edifício (prévia à celebração do contrato de arrendamento) - é a cargo do proprietário do imóvel, está na disponibilidade das partes a convenção de ficar a cargo do locatário a obtenção de licença relativa à específica atividade a nele exercer.
VII - O diploma próprio, que define os elementos a conter no contrato de arrendamento urbano, previsto no nº2, do art.º 1070.º, do CC, é o Decreto Lei n.º 160/2006, de 8 de agosto. Prevê a exigência de certas formalidades para o contrato de arrendamento, designadamente quanto à licença de utilização, e nele são conferidos ao arrendatário os direitos à resolução do contrato e a indemnização pelos danos sofridos, caso o locado não disponha de tal licença por motivo imputável ao senhorio (cfr. nº7, do art. 5º do referido diploma e ainda, nos termos gerais, o nº2, do art. 801º e o art. 798º, do Código Civil), no caso não exercitados, sequer verificada estando a inexistência de licença de utilização, não sendo de apreciar a arguida nulidade fundada na sua falta, sempre inútil à, contraditória, defesa (por não obstar à entrega do locado, sempre tendo a restituição do mesmo de ser decretada) e reveladora de abusivo exercício do seu direito (art. 334º, do CC).
VIII - Apesar de a necessidade de autorização do senhorio para o subarrendamento decorrer do artigo 1038º-f), acrescentando - no nº1, do art. 1088º, do CC - o regime do arrendamento a obrigatoriedade de forma escrita dessa autorização, o certo é que a falta pode ser suprida pelo reconhecimento pelo senhorio da posição do subarrendatário - v. nº2, do referido artigo - e, sendo a tal necessário um comportamento do mesmo do qual se possa deduzir que o senhorio conhece o subarrendamento e não se opõe ao mesmo, tal resulta quando a autora subarrendou à ré o estabelecimento comercial com o conhecimento e autorização da senhoria.
IX - O direito de retenção - dependente da verificação cumulativa dos pressupostos:- detenção de bem alheio; - dever de o entregar; - crédito sobre o credor da entrega resultante de despesas feitas por causa da coisa detida ou de danos por ela causados; - Conexão entre o crédito do retentor e o do credor da entrega - nunca é suscetível de se constituir sobre uma importância em dinheiro, na ausência de crédito do devedor sobre ela, nenhuma circunstância impeditiva do direito do credor se configurando.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 1857/19.7T8PRT.P1
Processo do Juízo Central Cível do Porto – Juiz 5

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: António Eleutério

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: A Ré, B…
Recorrido: A Autora, C…, Lda

Na presente ação de despejo, que C…, Lda propôs contra B…, em que, constitui objeto do litígio relativo:
- à ação, o despejo (sendo pedida a condenação da Ré no despejo do locado e na entrega do mesmo à autora livre de pessoas e bens e no pagamento de rendas vincendas), subsequente a resolução por falta de pagamento pontual de rendas;
- à reconvenção, indemnização por prejuízos sofridos (a) € 6.500,00, a título de prejuízo com produtos danificados; b) € 5.000,00, a título de prejuízos decorrentes do encerramento do estabelecimento; c) € 4.000,00, a título de redução da clientela e redução/baixa de vendas; d) € 2.000,00, a título de danos morais), danos decorrentes de violações de obrigações do locador,
veio esta recorrer da sentença proferida, com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, julgo a ação provada e procedente e, em conformidade:
− por ser válida e eficaz a resolução operada extrajudicialmente, condeno a ré, B…, a entregar a fração arrendada à autora, C…, Lda, livre de pessoas e bens, até à data de trânsito em julgado da sentença;
− condeno o(a/s) réu(é/s) no pagamento ao(à/s) autor(a/s) da(s) quantia(s) mensal(is) equivalente(s) à renda, no valor de € 2.500,00 mensais, que se vencer(em), no dia do mês em que se venciam as rendas, desde a data da presente decisão, até à entrega efetiva do locado, acrescidas todas estas quantias de juros de mora, a contar da data dos respetivos vencimentos e até ao seu efetivo pagamento, à taxa legal que em cada momento vigorar, através da portaria prevista no art. 559.º do Cód. Civil.
Julgo a reconvenção não provada e improcedente e, em conformidade, absolvo a autora dos pedidos reconvencionais.
Custas da ação e da reconvenção a cargo da ré/reconvinte, sem prejuízo de apoio judiciário.
Valor da causa: o dado pelas partes”.
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A Ré apresentou recurso de apelação solicitando a revogação da sentença, pugnando pela sua absolvição do despejo e pela procedência do pedido reconvencional, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
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A Autora/Apelada apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo:
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
A. Do erro da decisão da matéria de facto:
A.1. Ónus de impugnação da matéria de facto e do seu cumprimento pela apelante.
A.2- Se se impõe alteração da decisão da matéria de facto por da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento resultar a interpretação de os factos 42, 45 a 49, 52, 54, 55, 60 a 66, 72 e 73 da matéria dada como não provada terem de ser considerados provados.
B. Do erro da decisão de mérito:
B.1 - Quanto à reconvenção:
B.1.1 – Direito a indemnização;
B.2 - Quanto à ação:
B.2.1 – Da falta de fundamento da resolução (extrajudicial) do contrato de arrendamento operada pela recorrida e baseada em mora no pagamento de rendas;
B.2.2 – Da verificação das circunstâncias impeditivas da referida resolução:
a)- nulidade do contrato (por falta de licença de utilização do locado para o fim em causa e por falta de consentimento escrito do proprietário/senhorio para o subarrendamento);
b)- direito de retenção sobre o montante da indemnização moratória (de que a Apelante/Ré goza em garantia do seu invocado crédito).
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos considerados provados, com relevância, para a decisão (transcrição):
1.º A autora é arrendatária do estabelecimento comercial sito no R/C do prédio urbano com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, com entrada pelos números .. e .. da avenida …, da freguesia e concelho de Valongo.
2.º Por contrato de subarrendamento urbano para fins não habitacionais com prazo certo celebrado em 1 de setembro de 2012, a autora, com o conhecimento e autorização da senhoria, subarrendou à ré o estabelecimento comercial sito no R/C do prédio urbano com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, com entrada pelos números .. e .. da Avenida … da freguesia e concelho de Valongo, conforme documento junto a fls. 6 v., que aqui se dá por transcrito.
3.º O referido contrato de subarrendamento teve inicio em 1 de setembro de 2012, com a duração de 5 anos, tendo-se renovado em 1 de setembro de 2017, por igual período, nos termos do disposto na cláusula segunda do referido contrato de subarrendamento.
4.º A renda anual inicialmente acordada era de € 30.000,00, a pagar em prestações mensais de € 2.500,00 cada, no primeiro dia útil do mês a que disser respeito, nos termos do disposto na cláusula quarta do referido contrato de subarrendamento.
5.º Na vigência do mesmo, as partes acordaram reduzir a renda anual, tendo a mesma sido fixada em € 26.700,00 por ano, a pagar em prestações mensais de € 2.250,00 cada, no primeiro dia útil do mês a que disser respeito.
6.º A ré não entregou à autora a quantia correspondente às rendas dos meses de maio, junho e julho de 2018, no valor de € 2.250,00 cada.
7.º − Por esse motivo, a autora intentou um processo executivo contra a ré para pagamento de quantia certa, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Execução do Porto – Juiz 5, sob o processo n.º 14997/18.0T8PRT.
8.º No âmbito do acima referido processo executivo, em 25 de setembro de 2018, a autora recuperou, através da penhora de saldos bancários, o montante equivalente às rendas de maio, junho e julho de 2018, num total de € 6.750,00.
9.º A autora exigiu à ré o pagamento de uma indemnização igual a 50% das rendas relativas aos meses de maio, junho e julho de 2018, no montante de € 3.375,00, por cartas remetidas e não devolvidas à mesma em 14 de maio, 20 de junho e 12 de julho de 2018.
10.º A ré, até à presente data, não efetuou o pagamento dessa indemnização.
11.º Em 30 de outubro de 2018, a autora requereu a notificação judicial avulsa, nos termos constantes no documento junto de fls. 18 a 29, que aqui se dá por transcrito, concluindo pedindo que seja ordenada a notificação da ora ré “da cessação, por resolução, do contrato de arrendamento (…), por se encontrar em mora superior a três meses no pagamento das rendas”
12.º Em 2 de novembro de 2018, a ré recebeu a mencionada notificação judicial avulsa.
13.º A ré não procedeu ao pagamento da quantia correspondente a 50% das rendas respeitantes aos meses de maio, junho e julho de 2018, no montante total de € 3.375,00.
14.º A ré exerce no local arrendado a atividade de comerciante, vendendo, designadamente, pequenos objetos de uso doméstico, produtos de limpeza, adornos, roupas, cestos, malas de viagem e outras.
15.º No dia 18 de outubro de 2017, água suja saiu das caixas de saneamento situadas no chão da loja.
16.º Esta água, com mau cheiro, espalhou-se por parte do piso do estabelecimento.
17.º No mesmo dia, a ré comunicou à autora o ocorrido.
18.º A autora enviou ao estabelecimento um picheleiro para proceder à inspeção das caixas saneamento.
19.º Após uma intervenção dos serviços municipalizados de saneamento, numa caixa de saneamento pública, exterior ao imóvel onde se situa o estabelecimento da ré, e após a limpeza das caixas de saneamento situadas no interior do estabelecimento, o escoamento da água passou a fazer-se sem impedimentos.
20.º O cheiro proveniente das caixas de saneamento perturbou os clientes, que não permaneceram no estabelecimento depois de o sentirem.
21.º Em 12 de janeiro de 2018, ocorreu uma infiltração de água por uma parede do locado. 22.º Comunicado o facto à autora, constatou-se que a água era proveniente de uma caleira do edifício contíguo, entupida por um pássaro morto, tendo este sido removido.
23.º Em 9 de março de 2018, durante o dia, começou a cair água do teto da loja, na sua zona central.
24.º A água afetou o sistema elétrico, deixando o estabelecimento temporariamente sem eletricidade.
25.º A água provinha de um cano no andar superior, danificado no decurso de umas obras realizadas por um outro inquilino da autora, tendo tal cano sido depois por este inquilino reparado.
26.º No período de 9 de abril de 2018 a 19 de abril de 2018, surgiu água numa parede lateral da loja.
27.º A autora enviou um picheleiro para identificar e reparar a causa da infiltração.
28.º Para o efeito, o picheleiro abriu um buraco numa parede, tendo localizado e reparado a causa da infiltração.
29.º Por ficar ocultado atrás das prateleiras, e para permitir o acesso fácil à canalização, em caso de novo sinistro, o buraco referido no ponto 28.º − factos provados – não foi de imediato cheio com argamassa nem regularizada a parede.
30.º Em 28 de agosto de 2018, sem qualquer autorização ou conhecimento da ré, entraram três homens no estabelecimento desta, retiraram e mexeram em várias caixas de mercadoria, afastando-as de uma tampa de um poço existente no interior da loja, afirmando que iam arranjar a bomba, pois que o restaurante e o hotel vizinhos estavam sem água.
31.º Em 26 de outubro de 2018, a ré denunciou à Polícia de Segurança Pública a ocorrência dos factos descritos no ponto 30.º − factos provados.
32.º A ré nunca reclamou da autora o pagamento de uma indemnização por prejuízos resultantes dos factos acima descritos.
33.º A ré nunca declarou perante a autora pretender compensar as rendas ou a indemnização referida no ponto 13.º − factos provados – com um crédito seu sobre esta.
34.º No âmbito do processo executivo referido no ponto 7.º − factos provados –, a ré declarou prescindir do prazo de oposição, conforme documento junto a fls. 155, que aqui se dá por transcrito.
35.º Em três dias, os clientes não entraram no estabelecimento, durante parte do dia, por se encontrar em limpezas ou em operações de reparação de rutura na canalização.
36.º A água atingiu alguns produtos, designadamente, roupa, calçado e bijuteria.
37.º O teto do estabelecimento, na área central, encontra-se degradado, em resultado da infiltração de água oriunda do piso superior.
38.º Nesta área, o teto falso em gesso cartonado está deteriorado e com manchas de humidade.
39.º Na zona intermédia da loja, onde o teto se encontra afetado, faltam dois focos ou luminárias.
40.º A parede norte do estabelecimento apresenta descasque da pintura e do seu revestimento, provocado por água.
41.º O buraco referido no ponto 28.º − factos provados – não foi tapado (enchido), ficando encoberto pelas prateleiras dos expositores¸ assim se mantendo até à presente data.
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2. FACTOS NÃO PROVADOS
Todos os restantes factos descritos nos articulados, bem como os aventados na instrução da causa, distintos dos considerados provados – discriminados entre os “factos provados” ou considerados na “motivação” (aqui quanto aos instrumentais) –, resultaram não provados. Assim, resultou não provado, em especial:
42.º O espaço locado não dispõe de licença de utilização para o exercício do comércio.
43.º Logo no início do contrato, o estabelecimento sofreu quedas de água do teto e paredes, ainda que de pequena monta, situação que se passou a agravar sobretudo a partir de junho de 2015, com conhecimento ao senhorio,
44.º Entre o dia 5 de maio de 2017 e 12 de maio de 2017, o estabelecimento da ré sofreu queda de água proveniente de uma parede lateral divisória de um restaurante, causando inundação em parte da loja, estragando produtos, tendo a ré comunicado tal facto à autora
45.º A água referida no ponto 15.º − factos provados – causou estragos em centenas de objetos guardados e expostos para venda
46.º No dia 18 de outubro de 2017, o estabelecimento da ré teve de ficar encerrado ao público por falta de condições para o atendimento normal ao público.
47.º Em 12 de janeiro de 2018, e durante duas semanas seguidas, a loja esteve inundada com água cuja origem se desconhece.
48.º Comunicado o facto à autora, nada foi feito.
49.º A ré perdeu clientes, queixando-se estes dos maus cheiros e tendo receio de queda no chão do estabelecimento.
50.º Em resultado da entrada de água referida no ponto 23.º − factos provados –, as câmaras interiores de vigilância ficaram queimadas e por isso destruídas.
51.º O facto referido no ponto 23.º − factos provados – foi comunicado à autora, que nada fez.
52.º Após 9 de março de 2018 e até 3 de abril de 2018, voltou a cair água do teto na zona central da loja.
53.º Foi este facto comunicado à autora, nada tendo esta feito.
54.º A água referida no ponto 26.º − factos provados – causou estragos em centenas de objetos guardados e expostos para venda.
55.º No dia 19 de abril de 2018, o estabelecimento teve de ficar encerrado ao público
56.º O buraco referido no ponto 28.º − factos provados – ocasionou o aparecimento de baratas que se espalharam por todo o estabelecimento, infestando-o.
57.º A autora declarou à ré que, em 21 de abril de 2018, proceder-se-ia à reparação do interior da loja, nomeadamente, teto e eletricidade.
58.º Nesse dia, a ré encerrou o estabelecimento, para que se realizassem as obras de reparação
59.º No dia aprazado, ninguém compareceu para realizar a reparação do interior do estabelecimento.
60.º A 9 de maio de 2018, voltou a cair água do tecto da loja, do lado do vestiário, cheirando mal e danificando mercadoria diversa, nomeadamente, malas, carteiras e acessórios vários.
61.º No dia 2 de junho de 2018, ao fim do dia, a ré estava a proceder à limpeza do chão, quando de forma inesperada, caíram pedaços de tecto na zona central da loja.
62.º No dia 10 de julho de 2018, volta a cair água do tecto na zona central do estabelecimento, danificando vários e diversos artigos.
63.º No dia 26 de outubro de 2018, volta a cair pedaços do tecto na zona central do estabelecimento, danificando várias e diversas mercadorias.
64.º Em 27 de novembro de 2018, cai novamente água do tecto que se situa por cima das prateleiras do lado da farmácia, danificando diversos produtos expostos.
65.º Em 30 de dezembro de 2018, volta a cair água do tecto da entrada da loja, do lado direito relativamente à porta da entrada, danificando diversos produtos aí expostos.
66.º De todos estes acontecimentos foi dado conhecimento à autora, que nada fez.
67.º O estabelecimento da ré encontra-se sem energia elétrica.
68.º A partir do fim do ano de 2017, e até hoje, a ré viu-se impedida de fornecer e abastecer o seu negócio, deixando de comprar produtos para o seu comércio.
69.º A água que invadiu o estabelecimento provocou estragos nas mercadorias nele existentes, num valor não inferior a € 6.500,00.
70.º Com os dias em que foi obrigada a encerrar o estabelecimento, sofreu a ré um prejuízo não inferior a € 5.000,00.
71.º Por força dos factos descritos, a ré viu o lucro do seu negócio baixar em valor nunca inferior a € 4.000,00.
72.º Com todos os acontecimentos descritos, sofreu a ré angústia, ansiedade, vergonha, humilhação, desalento que perduraram no tempo e até ao presente.
73.º A ré sofreu de depressão, alteração do seu sistema nervoso e saúde, recorrendo ao psiquiatra e ao psicólogo, e médico de família, passando a ter de tomar medicamentos.
74.º O estado de saúde da ré ficou ainda mais debilitado quando se viu obrigada a não poder dinamizar o seu negócio.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A. Do erro da decisão da matéria de facto
A.1. Ónus de impugnação da matéria de facto e do seu cumprimento pela apelante
Atendendo ao objeto do recurso, delimitado, como vimos, pelas conclusões das alegações, cumpre, em primeiro lugar, fixar a matéria de facto para que, de seguida, se possa entrar na apreciação da decisão de mérito. Para tal, e atenta a impugnação da matéria de facto, cabe analisar, mesmo que oficiosamente, da observância pela apelante, impugnante, dos ónus legalmente impostos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, e que vêm enunciados nos arts 639º e 640º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, os quais constituem requisitos habilitadores a que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação.
O nº1, do art. 639º, consagrando o ónus de alegar e formular conclusões, estabelece que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, sendo as conclusões das alegações de recurso que balizam a pronúncia do tribunal (art. 635º).
E o art. 640º, consagra ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecendo no nº1, que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (negrito nosso).
O n.º 2, do referido artigo, acrescenta que:
a) … quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (negrito nosso).
Como resulta do referido preceito, e seguindo a posição de Abrantes Geraldes, quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; (negrito nosso)
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente[1].
Com efeito, com a reforma introduzida ao Código de Processo Civil pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, o legislador impôs o registo da audiência de discussão e julgamento, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes a possibilidade de impugnar a matéria de facto, passando o Tribunal de segunda instância a fazer um novo julgamento da matéria impugnada, assegurando, desse modo, um duplo grau de jurisdição em sede de impugnação da matéria de facto, como decorre do estatuído no nº1, do art. 662º, que consagra que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Verifica-se, assim, que a possibilidade de alteração da matéria de facto que, sendo excecional, passou a função normal do Tribunal da Relação, elevado a, verdadeiro, Tribunal de substituição, preenchidos que se mostrem os referidos requisitos legais, conferindo-se às partes um duplo grau de jurisdição, por forma a permitir-lhes reagir contra erros de julgamento, com vista a alcançar uma maior certeza e segurança jurídicas e a, desse modo, obter decisões mais justas e a alcançar maior equidade e paz social, sempre buscadas pelo Estado, verdadeiro interessado na realização da justiça.
O duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada e tal só é alcançado “perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados” por forma a permitir ao Tribunal da Relação “formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este que tido por absoluto transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil”[2].
Tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, à Relação cabe proceder a um novo julgamento, limitado, contudo, à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo nessa tarefa considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, apreciando livremente as provas, segundo a sua prudente convicção, acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (nº5, do art. 607º).
Contudo, o legislador, ao impor ao recorrente o cumprimento das supra referidas regras, visou afastar soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente[3]. Apenas se mostra consagrada a possibilidade de reapreciação pelo tribunal superior e, consequente, formação da sua própria convicção (à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido), quanto a concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido e a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver a reapreciação global de toda a prova produzida, continuando, por isso, o Tribunal da Relação, de 2ª instância, a ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto[4], não podendo conhecer de matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja objeto de impugnação.
E impõe-se, desde logo, por isso, ao recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes, esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) vem reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente (…) por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo[5].
É imposição da lei e entendimento doutrinal e jurisprudencial uniforme que, nas conclusões das alegações, que têm como finalidade delimitar o objeto do recurso (cfr. nº4, do art. 635º, do CPC) e fixar as questões a conhecer pelo tribunal ad quem, o recorrente delimite o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do recurso, como a lei adjetiva comina no nº1, do art. 640º.
Não obstante o consagrado alargamento e reforço dos poderes da Relação no domínio da reapreciação da matéria de facto, deve ser rejeitado o recurso, no atinente a tal ponto, quando o recorrente não cumpra os ónus impostos pelos nº1 e 2, a), do art. 640º [6], impondo-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra:
a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 641º, n.º 2, al. b);
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a));
c) falta de especificação (que pode constar apenas na motivação), dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.) que impõem decisão diversa da impugnada;
d) falta de indicação exata, (que pode constar apenas na motivação), das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, (que pode constar apenas na motivação), sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação”[7], critérios estes que têm sido aplicados pelo Supremo Tribunal de Justiça[8].
Este Tribunal Superior começou a distinguir, quanto aos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, entre ónus primário ou fundamental, que se reportam ao mérito da pretensão, dos ónus secundários, que respeitam a requisitos formais e, quanto aos primários, onde inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados e falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, requisitos estes sobre que versa o n.º 1, do art. 640º, do CPC, a jurisprudência tem considerado que aquele critério é de aplicar de forma rigorosa, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de algum desses ónus por parte do recorrente se impõe rejeitar o recurso[9].
Contudo, vem-se a assistir na Jurisprudência, principalmente na do STJ, a um decréscimo da exigência de rigor, quando razões de proporcionalidade e razoabilidade a não imponham, passando a admitir a aprciação do recurso mesmo em casos de conclusões omissas quanto aos concretos pontos impugnados desde que os mesmos se encontrem devidamente especificados no corpo das alegações[10].
Assim vem sendo entendido e decidido pelos vários Tribunais da Relação e foi-o em diversos acórdãos, designadamente em que a ora relatora foi adjunta no Tribunal da Relação de Guimarães[11] e, também, em relatados pela ora relatora[12]. E, com efeito, o “ónus de impugnação especificada”, emergente do disposto no art. 640º, n.º 1, do C. P. Civil, prende-se em especial com a definição do objeto da impugnação (clara enunciação dos pontos de facto em causa); com a seriedade da impugnação (meios de prova indicados ou meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido (indicação da decisão da matéria de facto diversa da decisão recorrida)[13].
Destarte, cumpre ao recorrente indicar os pontos de facto que impugna, pretensão esta que, delimitando o objeto do recurso, deve ser inserida também nas conclusões (art. 635º).[14].
Como de forma elucidativa considerou o Tribunal da Relação de Guimarães, ao rejeitar o recurso no que se refere à impugnação da decisão que fixou a matéria de facto, “deverá o recorrente enunciar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do n.º 1), requisito essencial já que delimita o poder de cognição do tribunal ad quem, se a decisão incluir factos de que se não possa conhecer ex. officio e se estiverem em causa direitos livremente disponíveis. Deve ainda o recorrente indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b) do n.º 1), assim como apresentar o seu projecto de decisão, ou seja, expor, claramente, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do n.º 1)”, mais referindo “Sabemos que o preceituado no citado artº 640 em conjugação com o que se dispõe no artº 662º do mesmo diploma legal permite a este Tribunal de instância julgar a matéria de facto.
Todavia a redacção de tais normativos não permite a repetição por este Tribunal do julgamento, tal como rejeita a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas as divergências dos recorrentes - cf. neste sentido António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., 2016, Almedina, pág. 124 e entre outros, os Acórdãos do STJ de 9.07.2015, P.405/09.1TMCBR.C1. S1 e de 01.10.2015, P.6626/09.0TVLSB.L1. S1 in dgsi.pt. e Acórdão do STJ proferido no processo nº 471/10. T1 CSSC.L1. S1 com data de 09.02.2017.
O acolhimento da pretensão da recorrente traduzir-se-ia numa total reapreciação da prova pela 2.ª Instância e a abertura do caminho à admissibilidade de recursos genéricos, o que não foi querido pelo legislador- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 11 de abril de 2018 e proferido no processo nº 786/16.5T8VRL.G1. S1 consulta de todos in dgsi.pt.
(…) o escrutínio da matéria de facto por parte da Relação é seletivo não se confundindo com uma mais ou menos genérica, abstrata e difusa reapreciação dos factos e das provas- ver acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 18.01.2018 e proferido no processo nº 668/15.3T8FAR.E1: S2 in dgsi.pt
(…) Não apontam em concreto qualquer erro de julgamento, limitando-se a indicar provas – as que vão de encontro à sua pretensão - que avaliam de um certo modo – diferente do que o tribunal efectuou e propondo a seguir, conjuntamente, a alteração das respostas de acordo com a sua versão.
Porém a impugnação da matéria de facto não pode fundar-se na simples discordância sobre a valoração de um meio de prova devendo ter por fundamento um erro de percepção desse meio de prova ou os meios de prova – por ex.: o tribunal, na fundamentação, refere que determinada testemunha afirmou este e aquele facto, e ela não produziu tais afirmações.
Na essência, os recorrentes limitam-se a fazer a sua própria apreciação de parte da prova que apresenta em sentido diferente daquele que foi sufragado pelo Senhor Juiz do Tribunal a quo, pretendendo por esta via impor a sua própria valoração dos factos ao tribunal e atacando a convicção que o julgador formou sobre cada um desses depoimentos.
Acontece que não compete a este Tribunal sindicar a credibilidade do Tribunal recorrido.
A credibilidade de um depoimento decorre directamente da imediação, ou seja, do contacto direto com a testemunha na audiência, da forma como a mesma encara e responde às questões que lhe são colocadas, elemento que tem uma clara dimensão subjetiva inerente à apreciação do juiz e que escapa à sindicância do tribunal de recurso, na falta de bases objetivas que lancem a dúvida sobre a razoabilidade da credibilidade inspirada- neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 04.04.2018 proferido no processo nº 462/09.0TTBRP.L2.S1 in dgsi.pt
Pelo que pretendendo os recorrentes estribarem a impugnação da decisão da matéria de facto apenas na convicção diversa que formaram sobre a credibilidade de alguns meios de prova, sem que sustentadamente mostrassem que a mesma violou qualquer regra da experiência comum, naturalmente que isso impede que dela se conheça. (…)
Sob pena de se estar a considerar a “livre convicção dos Recorrentes”, em detrimento da “livre convicção do julgador”, é inaceitável que se fundamente o ataque à matéria de facto fornecendo apenas a versão dos factos que se considera mais correta.
Desde logo porque, tratando-se em ambos os casos de “livre convicção”, com o que ela tem de pessoal, incumbiria sempre a mesma pergunta: qual delas seria a mais consentânea com a realidade material?
«Pretende-se que o advogado apresente um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se «impunha» a formação de uma convicção no sentido pretendido pelo recorrente.
Se o não fizer, ainda que de forma deficiente, salvo se o erro na apreciação da prova for ostensivo, o tribunal de recurso não tem uma questão de facto para decidir, ou seja, à argumentação do tribunal recorrido não se opõe qualquer outra argumentação alternativa.» - Acórdão do TRP, de 17.03.2014 (processo 3785/11.5TBVFR.P1, Relator Alberto Ruço)”[15].
“Nos termos do nº1, al. b), recai sobre o apelante o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse que atua numa dupla vertente: cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinga o patamar da probabilidade prevalecente. Deve o recorrente aduzir argumentos no sentido de infirmar diretamente os termos do raciocínio probatório adotado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente”[16].
Assim, e como decidiu o STJ, “O apelante pretendendo que o Tribunal da Relação reaprecie o julgamento da matéria de facto, para dar cabal cumprimento ao preceituado na al. c) do nº1, do art. 640º, do NCPC (2013), deve ser claro e inequívoco, afirmando que os pontos da matéria de facto impugnados deveriam ter as respostas que segundo a sua apreciação deveriam ter tido, indicando-as, de harmonia com as provas que indicou.” e “Tal ónus não se satisfaz expressando o recorrente meras apreciações discordantes do julgamento e juízos de valor críticos, referidos aos depoimentos das testemunhas indicadas”. Mais esclarece “A mera indicação de que certos pontos da matéria de facto, que são indicados, não deveriam ter tido as respostas que tiveram, sem se dizer quais as respostas que numa correta apreciação deviam merecer, não cumpre aquele ónus”[17].
Das conclusões é exigível que, no mínimo, conste, de forma clara, quais os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto. E não observado o ónus primário de indicação da decisão a proferir, a que respeita a al. c) do nº 1 do artigo 640º por parte do recorrente é de rejeitar a reapreciação da decisão de facto[18].
É, pois, pacífico, na Doutrina e na Jurisprudência, que as conclusões, que balizam o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, têm de conter além da indicação de quais os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende, o concreto, específico, sentido e termos dessa alteração, “ónus que verdadeiramente permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto” (Ac. STJ de 3.03.2016, proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1 (Ana Luísa Geraldes)).
Assim, mesmo o “Supremo Tribunal de Justiça continua, de uma forma reiterada, a decidir que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.
São, assim, dois os ónus que, em sede das conclusões do Recurso, impendem sobre o Recorrente que pretende impugnar a matéria de facto.
O primeiro ónus é constituído pela indicação dos pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo Tribunal de Recurso.
O segundo ónus é constituído pela indicação da decisão alternativa que se pretende que o Tribunal de Recurso adopte.
Ora, é patente e manifesto que a Recorrente não cumpriu aqueles ónus, ao não indicar nas conclusões do Recurso, qual era a matéria de facto (provada e não provada) que pretendia, de uma forma especificada, impugnar.
Nessa medida, tem que se entender que a Recorrente, ao não cumprir esse ónus, acabou por não circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto nos termos exigidos pelo legislador.
Este não cumprimento deste ónus tornaria, assim, impossível a pronúncia do Tribunal sobre essa factualidade, pois que a consequência desse não cumprimento (imposto pela citada al. a), do nº1, do art. 640º, do CPC) é a rejeição da impugnação na parte correspondente – e caso o presente Tribunal se pronunciasse poder-se-ia até entender que incorreria no vício de excesso de pronúncia e, portanto, na nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC como de uma forma precisa se conclui no recente ac. do STJ de . 19.6.2019 (Relator: Helder Almeida) atrás citado”[19].
E a delimitação tem de ser concreta e específica. O recorrente tem de indicar, com clareza e precisão, os meios de prova em que fundamenta a sua impugnação, bem como as concretas razões de censura da decisão impugnada. Tal tem de ser especificado quanto a cada concreto facto. Não pode ser efetuado em termos latos, genéricos e em bloco por referência a “factos provados” ou “factos não provados” e, menos ainda, por referência aos factos alegados – com a menção “Resultam, assim, no essencial, provados os factos constantes dos itens 1º a 12º e 18º a 22º da peça processual impetrante”, sendo “de rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto, se a alusão a determinados meios probatórios bem como ao quadro factual alegado é efetuada de forma genérica, sem que se estabeleça a necessária ligação entre os meios probatórios (ou as circunstâncias processuais mencionadas) e um determinado ou concreto resultado[20].
Analisando as conclusões das alegações da Apelante, constata-se que a Recorrente, que impugna a decisão da matéria de facto, não faz referência a concretos pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados indicando, justificadamente, os elementos probatórios que conduziriam à alteração de cada concreto ponto, de cada concreta e especificada questão e a decisão que devia ter sido proferida quanto a cada concreto facto, procedendo a uma análise critica das provas e indicando a decisão que devia ter sido proferida sobre as concretas questões de facto impugnadas, em obediência às três alíneas do nº1, do referido art. 640º.
Na verdade, e após o que refere no corpo das alegações, formula a Ré as conclusões supra referidas, que, como se referiu, delimitam o objeto do seu recurso.
E, efetivamente, verifica-se que a recorrente, embora se possa considerar que indica especificadamente os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados:
- não especifica os meios probatórios que determinam/impõem decisão diversa da tomada em Primeira Instância para cada um dos factos impugnados, analisando criticamente as provas no contexto da análise efetuada pela decisão impugnada;
- e não especificam, para cada um deles, a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto que pretende impugnar.
Assim, e na verdade, o referido nas alegações e conclusões da alegação não basta para que se possa considerar cumprido aquele ónus, o que obsta ao conhecimento do objeto de recurso, pois que nesta Segunda Instância não se realiza novo julgamento sendo, tão só, de reapreciar os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados. A falta de indicação por parte da apelante quer dos concretos pontos, quer, ainda, dos elementos probatórios que conduziriam à alteração de cada um desses pontos nos termos por ela propugnados, quer da decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida e que se impunha, relativamente a cada facto concreto, situação esta que se verifica in casu, tem, como consequência, a imediata rejeição do recurso, na parte respeitante aos pontos da matéria de facto relativamente aos quais se verifica a omissão, pois que quanto ao recurso da matéria de facto não existe despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, por aplicação do disposto no nº3, do art. 639º[21].
Acresce que a Recorrente não faz, também, qualquer apreciação crítica dos meios de prova produzidos e considerados pelo Tribunal a quo, quanto a cada concreto facto, a justificar o erro de julgamento que invoca, em termos genéricos, tendo de o fazer, pois que só assim cumpriria a exigência de obrigatória especificação imposta pelo nº1, do art. 640º.
E, como se decidiu a Relação de Lisboa “Ao impugnar a decisão de facto, à luz do NCPC, cabe ao recorrente, em sede conclusiva, expressar o sentido da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica, de que não poderá demitir-se, dos meios de prova produzidos/invocados – exigência nova de reforço do ónus de alegação e conclusão, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente – sob pena de rejeição da impugnação, por insuficiência ou obscuridade, na parte não fundamentada em exame crítico das provas” e “Tais exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, em decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão de facto se transforme em simples manifestação de inconsequente inconformismo[22].
No mesmo sentido se orienta toda a jurisprudência – v., designadamente Ac. da Relação de Guimarães de 3/3/2016, Processo 283/08 e de 4/2/2016:Processo 283/08.8TBCHV.A.G1, ambos in dgsi.net – onde se refere que “Tal como se impõe, por mor do preceituado no nº4, do art. 607º, do CPC, que o tribunal de 1ª instância faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas) também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundamentar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos.
Não cumpre o ónus de impugnação da decisão relativa à matéria de facto a que se refere a al. b), do nº1, do art. 640º, do NCPC, o recorrente que se limita a transcrever uma parte … do depoimento, daí partindo para a formulação da sua pretensão de modificação de diversos pontos da matéria de facto que indicou em bloco”.
E, servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, nelas devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação (quanto aos demais previstos no art. 640º, é suficiente que constem de forma explícita na motivação do recurso)[23].
Sendo função das conclusões do recurso indicar, embora de forma sintética, os fundamentos porque se pede a alteração (seja de facto seja de direito) da decisão, nelas tem o recorrente, que impugna a matéria de facto, de especificar os concretos factos que entende estarem mal julgados. A aferição deste mau julgamento é a questão colocada à decisão do tribunal de 2ª instância e, como tal, tem de constar das conclusões ou estará fora do objeto do recurso. Já a especificação dos concretos meios de prova que impunham decisão diversa e o cumprimento da exigência indicada na al. a), do nº2, do art. 640º do NCPC têm a sua sede própria no corpo da alegação. Acresce, ainda, que cabe ter em conta, que, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, não existe a possibilidade de despacho de convite ao aperfeiçoamento, sendo este tipo de despacho reservado somente aos recursos em matéria de direito. A falta de especificação nas conclusões dos factos concretos que se consideram mal julgados não dá lugar a despacho de aperfeiçoamento no quadro do nº3, do art. 639º do NCPC[24].
Deste modo, impugnada a matéria de facto pela Apelante, verifica-se que não foram inteiramente cumpridos os ónus impostos pelo artº 640º, do C.P.C..
E vigorando no processo civil o princípio da auto-responsabilidade das partes, cabia à recorrente especificar, nas alegações e nas conclusões de recurso os pontos que pretendia ver abordados [25] observando os ónus adjetivamente impostos.
A recorrente faz comentários à análise probatória vertida na sentença recorrida em termos genéricos, omitindo o que impõe decisão diversa, que não indica, concreta e justificadamente, qual entende dever ser, bem se sintetizando no Acórdão de 17.12.2018, proc 1398/11.0TBBGC.G1, da Relação de Guimarães que “I- Deve ser rejeitado o recurso genérico da decisão da matéria de facto apresentado pelo Recorrente quando, para além de não se delimitar com precisão os concretos pontos que se pretendem questionar, não se deixa expressa a decisão que, no entender do mesmo, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. II. No que concerne à referida delimitação dos concretos factos impugnados exigida pelo art. 640º, nº 1, al. a) do CPC, o que o legislador pretende é que o Impugnante o faça por remissão para o elenco de factos estabelecidos na decisão Recorrida – como provados, ou como não provados – ou, se os factos não estiverem mencionados na decisão sobre a matéria de facto, por remissão para os factos oportunamente alegados. III. No entanto, nos casos em que a matéria de facto considerada como não provada resulta da resposta positiva restritiva a determinada matéria alegada, aquela indicação tem de ser efectuada com referência àquele ponto da matéria de facto considerada como provada, defendendo-se que a “resposta restritiva” devia ser alterada no sentido de ser dada como provada toda a matéria de facto que pertinentemente havia sido alegada. IV. Noutros casos, se tal não puder ser efectuado, terá o Recorrente que indicar que a matéria de facto alegada em determinado item dos articulados – que não se mostra mencionada na decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Recorrido – devia ser considerada como provada. V. Estas regras processuais não podem ser entendidas como dispensáveis ou menores, apelando-se a argumentos de mera razoabilidade, permitindo-se que os Recorrentes as infrinjam, de uma forma directa, e imputando ao Tribunal de Recurso a árdua tarefa de “procurar”, na peça processual apresentada, quais são, afinal, os pontos da matéria de facto que os Recorrentes pretendem impugnar; e com o risco, aliás, de, na ausência de especificação concreta dos pontos da matéria de facto, entender que determinados pontos da matéria de facto teriam sido impugnados, mas de uma forma que não correspondia à vontade daqueles, violando, além do mais, o princípio do contraditório, pois que sobre eles a parte contrária não se chegou a pronunciar, por não ter logrado entender quais eram os pontos da matéria de facto que estariam em causa. VI. Na verdade, é aos Recorrentes que o Legislador inequivocamente atribui essa tarefa de delimitação do objecto da Impugnação da matéria de facto, sendo bem explícito e concreto quando estabelece esses ónus processuais no art. 640º do CPC - que, aliás, não são difíceis de cumprir”.
Refere-se que, na “jurisprudência do Supremo, é notória a prevalência do entendimento no sentido de evitar a exponenciação dos ónus que a lei prevê nesta sede ou fazer deles uma interpretação excessivamente rigorista, a ponto de ser violado o princípio da proporcionalidade e de ser denegada a pretendida reapreciação da matéria de facto, com a invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador”[26], sendo, contudo, de considerar que é “evidente que a previsão destes ónus tem razão de ser, quer para garantia do contraditório, quer para efeito de rigorosa delimitação do objeto do recurso, até porque o sistema consagrado não admite recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto[27] , tendo de se considerar que “o modo como se interpretam as normas sobre recursos não deve alhear-se dos grandes objetivos do processo civil, os quais tutelam no essencial a apreciação do mérito das pretensões”[28], desde que fundadas, justificadas, contextualizadas e devidamente analisadas de modo critico, por forma a evidenciarem impor-se o entendimento apontado.
Ora, na verdade, no caso, não é efetuada análise crítica das provas nem análise critica e contextualizada do, sobre elas, decidido, sequer são apontadas respostas que se imponham.
Com efeito, a apelante pretende que factos dados como não provados, por falta de prova, passem a provados sem que, contudo, apresente a especificada análise crítica das provas, por forma a fundamentar erro de julgamento, e sem que indique o que impõe decisão diversa da dada, manifestando, sim, inconformismo, o mero não aceitar respostas dadas por ser outra a sua opinião quanto à versão das partes.
Aponta erro de apreciação da prova por parte do Tribunal a quo quanto a factos, mas não faz a análise crítica da bem fundamentada decisão - de acordo com a livre convicção formada pelo julgador e objetivamente revelada -, não apresentando a análise crítica das provas nem indicando decisão que se imponha.
No caso presente, ainda que se conceda que a apelante, ao impugnar, tenha cumprido o ónus da alínea a), apesar de fazer menção, em bloco, aos concretos pontos de facto incorretamente julgados, não satisfez as imposições supracitadas nas alíneas b) e c), pois não indicou os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (b) nem a concreta decisão a proferir sobre os mesmos (c). E, na verdade, a lei não se contenta com que o recorrente diga qual a matéria de facto que considera incorretamente julgada, impondo-lhe, além disso, que indique os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Ora, a recorrente não menciona as razões porque foi errada a decisão e porque decisão diversa da tomada se impõe facto por facto.
E fundamentou, de forma detalhada e extensa, o Tribunal a quo a sua livre convicção.
Na verdade, para que a decisão da matéria de facto possa ser impugnada necessário é que se especifique e fundamente o que impõe decisão diversa, não bastando mera convicção, opinião ou ato da vontade da recorrente de aceitar ou não aceitar, não bastando, pois o vão inconformismo do apelante.
Depreende-se a não concordância da apelante com a decisão proferida, nomeadamente quanto aos factos que refere mas não indica, nem nas conclusões nem no corpo alegatório e de forma expressa, como lhe era imposto, o sentido da decisão a proferir por referência a cada um dos pontos da decisão de facto que pretende atacar. Não observa, pois, o ónus primário de especificação do sentido decisório sobre as questões de facto impugnadas que lhe é imposto pela al. c) do nº 1 do artigo 640º do CPC.
Analisadas as conclusões de recurso bem como o corpo alegatório e no seguimento do que se referiu, constata-se a omissão pela recorrente do cumprimento dos ónus estatuídos nas als b) e c), do nº1 do art. 640º, designadamente do ónus primário de indicação da decisão a proferir, a que respeita esta alínea, pelo que se imporia rejeitar o recurso da matéria de facto interposto pela Ré Apelante, nesta parte.
Assim, por falta de observância integral do disposto nas alíneas b) e c), do nº1, do art. 640º, do CPC, nos termos supra expostos, seria de rejeitar o recurso, na parte respeitante à reapreciação da matéria de facto.

A.2- Do erro, a impor alteração da decisão da matéria de facto

Cumpre, contudo, deixar claro que nenhuma alteração cabe efetuar à decisão da matéria de facto, pois que se não impõe decisão diversa, antes a matéria de facto se mostra devidamente decidida e se mantem.
O art. 662º, nº1, ao estabelecer que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, que vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto.
O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve, pois, conter-se dentro dos seguintes parâmetros:
a)- o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b)- sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c)- nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Dentro destas balizas, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade.
Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova[29] (consagrado no artigo 607.º, nº 5, do CPC) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem.
Com efeito, no vigente sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo adquirido no processo. O que é essencial é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado[30].A lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4).
O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis[31].
E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. Impõe-se-lhe, assim, que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação (seja ela a testemunhal seja, também, a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser, também, fundamentada).
Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.
Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[32], devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.
Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação.
Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos que não transparecem na gravação.
Em suma, o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados.
E o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha tem de ser conjugado com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova.
Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjetivas – como a prova testemunhal -, a respetiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e o tribunal de 2.ª instância só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efetivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objetivos e com uma margem de segurança elevada, que houve erro na 1.ª instância.
Em caso de dúvida, deve, aquele Tribunal, manter o decidido em 1ª Instância, onde os princípios da imediação e oralidade assumem o seu máximo esplendor, dos quais podem resultar elementos decisivos na formação da convicção do julgador, que não passam para a gravação.
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Tendo presentes os mencionados princípios orientadores, vejamos se assiste razão à Apelante, nesta parte do recurso que tem por objeto a impugnação da matéria de facto nos termos por ela pretendidos.
Entende a apelante que os “factos constantes dos pontos 42, 45 a 49, 52, 54, 55, 60 a 66, 72 e 73 da matéria dada como não provada” devem ser dados como provados com recurso aos indicados “depoimentos (transcritos) mas também à experiência comum e ciência”.
Assim se não verifica, bem tendo o tribunal a quo considerado não haver prova produzida nos autos quanto aos mesmos.
Após análise da posição das partes assumida nos articulados e de toda a prova produzida, mormente a documental, e visto o despacho que fundamentou a decisão da matéria de facto, ficou-nos a convicção, como supra referido, de que, in casu, não existe qualquer erro de julgamento, sequer dúvida insanável a que alude o art. 414º.
E, na verdade, quanto à matéria impugnada tida como não provada, importa referir que não adveio ao conhecimento do Tribunal qualquer elemento seguro que permita afirmar a sua verificação. Assim, a resposta negativa ficou a dever-se a ausência de prova que permita dar resposta diversa.
Ora, o certo é que a referida matéria, independentemente da análise das regras do ónus da prova - a analisar no ponto seguinte -, se não encontra provada, por falta de prova nesse sentido.
E cada elemento de prova de livre apreciação não pode ser considerado de modo estanque e individualizado. Há que proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada dos aludidos elementos probatórios, para que se forme uma convicção coerente e segura. Fazendo essa análise crítica, conjunta e conjugada, e com base nas regras de experiência comum, não pode este Tribunal, com segurança, divergir do juízo probatório efetuado pelo Tribunal a quo, nada resultando que permita dar resposta diversa.
O Tribunal Recorrido decidiu de uma forma acertada quando considerou a referida factualidade não provada, por, evidente, falta de prova suficientemente, credível e convincente, que permita resposta diversa.
Com efeito, não resultam elementos de prova que permitam afirmar provados os factos:
O espaço locado não dispõe de licença de utilização para o exercício do comércio (f. n. p. 42º);
− A água referida no ponto 15.º − factos provados – causou estragos em centenas de objetos guardados e expostos para venda (f. n. p. 45º);
− No dia 18 de outubro de 2017, o estabelecimento da ré teve de ficar encerrado ao público por falta de condições para o atendimento normal ao público (f. n. p. 46º);
− Em 12 de janeiro de 2018, e durante duas semanas seguidas, a loja esteve inundada com água cuja origem se desconhece (f. n. p. 47º);
− Comunicado o facto à autora, nada foi feito (f. n. p. 48º);
− A ré perdeu clientes, queixando-se estes dos maus cheiros e tendo receio de queda no chão do estabelecimento (f. n. p. 49º);
− Após 9 de março de 2018 e até 3 de abril de 2018, voltou a cair água do teto na zona central da loja (f. n. p. 52º);
− A água referida no ponto 26.º − factos provados – causou estragos em centenas de objetos guardados e expostos para venda (f. n. p. 54º);
− No dia 19 de abril de 2018, o estabelecimento teve de ficar encerrado ao público (f. n. p. 55º);
− A 9 de maio de 2018, voltou a cair água do tecto da loja, do lado do vestiário, cheirando mal e danificando mercadoria diversa, nomeadamente, malas, carteiras e acessórios vários (f. n. p. 60º);
− No dia 2 de junho de 2018, ao fim do dia, a ré estava a proceder à limpeza do chão, quando de forma inesperada, caíram pedaços de tecto na zona central da loja (f. n. p. 61º);
− No dia 10 -de julho de 2018, volta a cair água do tecto na zona central do estabelecimento, danificando vários e diversos artigos. (f. n. p. 62º);
− No dia 26 de outubro de 2018, volta a cair pedaços do tecto na zona central do estabelecimento, danificando várias e diversas mercadorias. (f. n. p. 63º);
− Em 27 de novembro de 2018, cai novamente água do tecto que se situa por cima das prateleiras do lado da farmácia, danificando diversos produtos expostos. (f. n. p. 64º);
− Em 30 de dezembro de 2018, volta a cair água do tecto da entrada da loja, do lado direito relativamente à porta da entrada, danificando diversos produtos aí expostos. (f. n. p. 65º);
De todos estes acontecimentos foi dado conhecimento à autora, que nada fez. (f. n. p. 66º);
Com todos os acontecimentos descritos, sofreu a ré angústia, ansiedade, vergonha, humilhação, desalento que perduraram no tempo e até ao presente. (f. n. p. 72º);
A ré sofreu de depressão, alteração do seu sistema nervoso e saúde, recorrendo ao psiquiatra e ao psicólogo, e médico de família, passando a ter de tomar medicamentos. (f. n. p. 73º).
Assim, tendo-se procedido a nova análise dos articulados e da prova, e ponderando, de uma forma conjunta e conjugada e com base em regras de experiência comum, os meios de prova produzidos, que não foram validamente contraditados por quaisquer outros meios de prova, pode este Tribunal concluir que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne a esta matéria de facto, se mostra conforme com a prova, de livre apreciação, produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém, na íntegra, nada impondo decisão diversa.
Na verdade, e não obstante as críticas que são dirigidas pelo Recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados, qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência.
Ao invés, a convicção do julgador tem, a nosso ver, apoio nos ditos meios de prova produzidos, sendo, portanto, de manter a referida factualidade como não provada, tal como bem decidido pelo tribunal recorrido por falta de prova.
Destarte, não resultando, os pretensos erros de julgamento sequer dúvidas sobre realidade de factos, tem de se concluir pela improcedência da apelação, nesta parte.
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B. Do erro da decisão de mérito
B.1- Quanto à reconvenção: do direito à indemnização
Comecemos pela análise da reconvenção para se determinar da existência ou não do crédito, afirmado pela apelante, sobre a apelada, com eventual relevância para a análise da defesa que deduziu.
Fazendo-o, constata-se que a recorrente se insurge contra a decisão de mérito, que pretende ver alterada, desde logo, na sequência da procedência da impugnação da decisão da matéria de facto.
E, dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que à interpretação e aplicação do direito respeita, quanto à pretensão indemnizatória da Ré, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não tendo a apelante logrado impugnar, com sucesso, tal matéria, que, assim, se mantém inalterada, fica, necessariamente, prejudicado o seu conhecimento, o que aqui se declara, nos termos do nº2, do art. 608º, aplicável ex vi parte final, do nº2, do art. 663º e do nº 6, deste artigo.
De qualquer modo, sempre se dirá que, com efeito, e no que se reporta à reconvenção, não resultou provado que a ré tenha sofrido danos resultantes de uma concreta ação ou omissão imputável à autora.
Na verdade, relativamente às mercadorias, apenas se provou que alguns produtos foram atingidos pela água, mas não logrou a Ré demonstrar em que momento isso ocorreu, não resultou que tal afetação se deveu a evento imputável à autora, sequer se provou que as mercadorias tenham ficado inutilizadas e sem serem vendidas.
Também, relativamente aos momentos em que a loja não recebeu clientes, não se provou a perda de rendimentos, bem como qualquer relação causal entre os três períodos de limpeza e o resultado da atividade do estabelecimento comercial.
É, pois, evidente que, não existindo qualquer modificação na matéria de facto considerada provada, nenhuma crítica pode ser apontada à decisão de mérito proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, podendo, aqui, manter-se, a fundamentação de direito que o Tribunal de 1ª Instância desenvolveu, não podendo a reconvenção deixar de improceder, por falta de prova, desde logo, dos invocados danos, o que desde já se decide.
E incumprido, pela Ré reconvinte, o ónus da prova da existência de danos que invoca, constitutivos do seu direito, nos termos do nº1, do art. 342º, do Código Civil, abreviadamente CC, diploma a que pertencem todos os preceitos que doravante se citarem sem outra referência, tem a reconvenção de soçobrar.
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B.2 Quanto à ação
Tendo a sublocadora procedido à resolução extrajudicial do contrato de subarrendamento celebrado com a ora apelante, veio peticionar na ação, apenas, a entrega do locado.
E decretada que foi, pelo Tribunal a quo, insurge-se a apelante contra o reconhecimento daquela resolução, operada pela apelada, e o consequente despejo, por entender não se verificar e persistir o fundamento de resolução e por, de qualquer modo, sempre, se verificarem circunstâncias que impedem e entrega do locado, sendo elas:
a) - a nulidade do contrato de subarrendamento;
b) - a existência de direito de retenção sobre o montante da indemnização moratória.
Analisemos uma e outra das razões de defesa e do bem fundado das conclusões da apelação.

B.2.1 – Da falta de fundamento da resolução (extrajudicial) do contrato de arrendamento (assente em mora no pagamento de rendas)

Com relação à, peticionada e decretada, entrega do locado - que terá, até, sido, já, satisfeita pela Ré -, o pedido de despejo, dependente da demonstração e reconhecimento da cessação do vínculo locatício, não pode deixar de proceder, adiante-se, pois que, como resulta dos factos provados, a autora emitiu uma declaração de resolução e bem analisou o Tribunal a quo que, não podendo o direito potestativo de resolução ser exercido ad nutum, existe e demonstrado se encontra o fundamento de resolução e a efetiva resolução extrajudicial, por comunicação dirigida à outra parte - cfr. art. 1047º.
Vejamos.
Afirma a Autora que a Ré lhe não pagou três rendas - as de maio, junho e julho de 2018 - e a respetiva indemnização moratória, pelo que tem de suportar as consequências do incumprimento, previstas no nº3, do art.º 1083º, o que a legitima, ao abrigo do preceituado nos art.ºs 1047º e 1048º, a resolver o contrato, e, tendo-o validamente resolvido, extrajudicialmente, deve o Tribunal decretar o despejo.
Cumpre, pois, apreciar se se verificou o apontado fundamento de resolução do contrato, extintivo da relação contratual, de subarrendamento, por vontade de um dos contraentes (o sublocador), fundado no incumprimento do outro (o subarrendatário), gerador do direito à entrega do imóvel.
Analisando a matéria provada constata-se a celebração, pelas partes, de um contrato que a lei qualifica de subarrendamento.
Na verdade, em conformidade com o preceituado no art. 1022.º, locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição.
Em decorrência do plasmado no art.º 1023.º, a locação denomina-se aluguer quando recai sobre coisa móvel e arrendamento quando incide sobre coisa imóvel, sendo que este apresenta diversas modalidades, o arrendamento urbano, decomposto para fins habitacionais ou fins não habitacionais, e o arrendamento rústico, nas vertentes de arrendamento rural ou florestal.
O contrato de arrendamento positiva os seguintes elementos constitutivos: (i) a obrigação de proporcionar a outrem o gozo da coisa, a qual constitui a prestação característica da locação, de conteúdo tipicamente positivo, bastando abster-se de praticar actos que o impeçam ou diminuam (artigos 1031.º, al. b) e art.º 1037.º/1); (ii) o carácter temporário da relação locatícia, sendo que a locação não pode celebrar-se por mais de trinta anos, sendo reduzida a esse limite, quando celebrada por tempo superior ou como contrato perpétuo, consubstanciando um limite máximo do prazo inicial de duração e não um limiar máximo absoluto (art.º 1025.º); (iii) a retribuição, a título de contraprestação imputável ao locatário em sede contrato de locação como contrato oneroso, designada renda ou aluguer, normalmente uma prestação pecuniária, sendo que a pecuniariedade é obrigatória em sede de arrendamento urbano, e de carácter periódico, tal-qualmente o estatuído no art.º 1038.º, al. a).
No que concerne à situação jurídica do locador, decorrem para este obrigações, designadamente as consagradas no artigo 1031º.
Relativamente ao locatário/arrendatário, este adstringe-se a obrigações, entre elas a de pagamento da renda ou aluguer (artigos 1038.º e seguintes).
O arrendamento urbano pode ter fim habitacional ou não habitacional, sendo que, quando nada se estipule, o local arrendado pode ser gozado no âmbito das suas aptidões, tal como resultam da licença comercial (art.º 1067.º).
Uma vicissitude do contrato de arrendamento consiste no subarrendamento, estando a sublocação regulada genericamente nos arts. 1060º e segs e aquele especificamente regulado nos arts 1088º e segs. O subarrendamento consiste num subcontrato, já que, tendo por base um anterior contrato de locação em que é arrendatário, o sublocador celebra um novo contrato de arrendamento com pessoa diferente (o subarrendatário), contrato esse que se sobrepõe ao anterior, mas que dele fica dependente e, portanto, a ele se subordina. Sendo o subarrendamento uma relação de arrendamento como qualquer outra, é-lhe, também, aplicável o regime geral da locação e o regime especial do arrendamento, com algumas especialidades de regime[33].
E o subarrendamento depende, sempre, da manutenção do contrato de arrendamento, estatuindo o art. 1089º, que “o subarrendamento caduca com a extinção, por qualquer causa, do contrato de arrendamento, sem prejuízo da responsabilidade do sublocador para com o sublocatário, quando o motivo da extinção lhe seja imputável” (negrito e sublinhado nosso).
Efetuado o enquadramento jurídico do contrato celebrado entre as partes, vejamos se se verifica o invocado fundamento de resolução do contrato de subarrendamento, pela sublocadora, por violação da obrigação (da sublocatária) de pagamento de rendas.
E, como vimos, o artigo 1038º regula, pormenorizadamente, as obrigações do locatário (aplicável, como vimos, ao sublocatário).
Logo na alínea a) surge a obrigação do locatário/sublocatário de pagar a renda ou aluguer, constituindo esse pagamento a retribuição, que o artigo 1022º, apresenta como elemento essencial do contrato. O tempo e lugar do pagamento estão regulados no artigo 1039º, que se aplicam quando nada foi convencionado entre as partes.
Quanto à resolução do contrato, dispõe o art. 1083º, sob a epígrafe Fundamento da resolução:
“1. Qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte.
2. É fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, designadamente quanto à resolução pelo senhorio: (…)
3. É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário (…), sem prejuízo do disposto nos nºs 3 a 5 do artigo seguinte...”.
estatuindo o art. 1084º, do CC, o Modo de operar.
Consagra o nº2, deste artigo, relativamente à causa de resolução mora no pagamento de renda, que a resolução pelo senhorio quando fundada em causa prevista no nº3 do artigo anterior opera “por comunicação à contraparte onde fundadamente se invoque a obrigação incumprida”, prevendo o nº3 que tal “resolução pelo senhorio, quando opere por comunicação à contraparte e se funde na falta de pagamento de renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário, nos termos do número 3 do artigo anterior, fica sem efeito se o arrendatário puser fim à mora no prazo de um mês(negrito nosso), faculdade essa de que pode lançar mão uma única vez por cada contrato (v. nº4) .
Deste modo, com a entrada em vigor do NRAU, contrariamente ao que sucedia, a resolução do contrato de locação passou a poder “ser feita judicial ou extrajudicialmente” (art. 1047º), sendo que a resolução extrajudicial, a operar por simples comunicação ao arrendatário (art. 1084º, nº 2) apenas pode ter lugar nos limitados casos do art. 1083º, nºs 3 e 4, sendo um deles o subjudice.
No caso vertente, a autora recorreu ao mecanismo extrajudicial de resolução do contrato, invocando como fundamento resolutivo a falta de pagamento de renda, vindo, posteriormente, a exercer o seu direito ao despejo, extinto que estava o contrato.
E, na verdade, bem resultou a falta de pagamento de rendas, imputável à Ré, e a mora superior a três meses encontrando-se, pois, preenchidos os requisitos necessários à resolução do contrato, consagrados no nº 3, do art.º 1083.º, bem tendo o pedido de despejo sido julgado procedente, pois que a Ré não exerceu, validamente, a faculdade prevista no nº3, do art. 1084º, sendo que apenas poderia “obstar ao despejo, pagando as rendas em dívida acrescidas da indemnização moratória”, fazendo uso de uma “derradeira oportunidade de fazer renascer o contrato: pagar no prazo de um mês” a contar do receção da comunicação de resolução pelo senhorio[34], o que não procurou fazer. Com efeito, o arrendatário que queira pôr fim ao fundamento de resolução, há de pagar a indemnização prevista no nº1, do art. 1041º[35], o mesmo se aplicando, como vimos, ao subarrendatário.
Bem analisa o Tribunal a quo que o “direito de resolução é um “direito potestativo extintivo dependente de um fundamento” − cfr. JOÃO BAPTISTA MACHADO, «Pressupostos da resolução por incumprimento», in Obra Dispersa, Vol. 1, Braga, Scientia Iurídica, 1991, p. 130. A questão resolve-se, pois, na verificação dos pressupostos dos quais a lei faz nascer o direito potestativo de resolução pelos réus, em especial, o incumprimento pela contraparte” e fundamenta “Reza o art. 1083.º, n.º 1, do Cód. Civil, que “qualquer das partes pode resolver o contrato, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento pela outra parte”. Acrescenta, todavia, o n.º 2 deste artigo que só “é fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”. Esclarece, ainda, o n.º 3 deste artigo que “É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas (…)”, questionando-se a mora e a virtualidade de o pagamento efetuado ter feito “renascer” o contrato, ficando sem efeito a resolução (extrajudicial).
Ora, provado se encontra que a ré não entregou à autora a quantia correspondente às rendas dos meses de maio, junho e julho de 2018, no valor de € 2.250,00, cada, e que a mesma só a veio a obter, coercivamente, no âmbito de um processo executivo, sem que, no entanto, o valor da indemnização prevista no art. 1041.º, n.º 1, tenha sido liquidado em momento algum, pelo que a mora no pagamento das rendas persistiu.
Com efeito, tal artigo, com a epígrafe “Mora do locatário” estatuía, na redação anterior, a aplicável ao caso, que “[C]onstituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento”.
Esta prestação reforçada de rendas sempre foi encarada como uma espécie de multa a pagar, sendo que se o arrendatário quisesse conservar o arrendamento tinha de, assim, purgar eficazmente a mora[36] e a referida ressalva tem o alcance de esclarecer, de tornar indiscutível que o senhorio não poderá despejar o arrendatário e receber, simultaneamente, o reforço de renda[37] .
Da exegese do referido artigo decorre que, registando-se mora juridicamente relevante do arrendatário, o senhorio pode optar pela alternativa de resolver o contrato, exercendo o direito potestativo que a lei lhe confere, que, exercido extrajudicialmente, apenas poderia ser “neutralizado” através da faculdade consagrada no nº3, do art. 1084º.
Não pode, pois, deixar de se concluir que a mora no pagamento das rendas persistiu, pois que apesar de pago o valor das rendas – ainda que, para tal, tivesse sido necessário o recurso a meio coercivo – a indemnização, que a faria cessar (v. art. 1042º), o não foi, mantendo-se, por isso, o dito atraso (mora do devedor) no pagamento das rendas.
E, com efeito, perante uma situação de incumprimento de pagamento da renda, o arrendatário, para fazer extinguir o direito de resolução do senhorio tem de pagar, para além das rendas não satisfeitas, a indemnização das rendas em mora[38] nos termos do nº1, do art. 1041º (à data correspondente a 50%) e do art.1042º.
Assim, bem analisa o Tribunal a quo “Por força do disposto neste artigo, o arrendatário só porá fim à mora pagando ao senhorio a indemnização nele prevista – cf. o Ac. do TRL de 11-12-2018 15197/15.7T8LSB-8). Significa isto que, no caso dos autos, a ré nunca pôs fim à mora no pagamento das rendas dos meses de maio, junho e julho de 2018.
Resulta do raciocínio expendido que a autora gozava inelutavelmente – cf. o Ac. do TRL de 11-02-2010 (2154/07.6TJLSB.L1-2) – do direito de resolução que invocou na sua declaração dirigida à ré. A inquilina não fez uso da faculdade prevista no art. 1084.º, n.º 3, do Cód. Civil. A relação de arrendamento está extinta desde 2 de novembro de 2018, por resolução do contrato – o que pode ser meramente declarado (portanto, sem efeitos constitutivos) por sentença proferida numa ação de processo comum, conforme se sustentou no Ac. do TRL de 11-12-2018 (10901/17.1T8LSB.L1-2)”.
Destarte, o arrendatário, para excluir a resolução comunicada pelo senhorio, tem de pagar, no prazo de um mês, a contar de tal comunicação, para além do montante das rendas em atraso, a importância necessária a purgar a mora[39], que só cessa, nos termos do artigo 1042º, oferecendo aquele a este “o pagamento das rendas em atraso, bem como a indemnização fixada no nº1, do artigo anterior”.
Cumpre, ainda, referir que, como resulta da lei e da interpretação que dela é efetuada pela Doutrina e Jurisprudência, que uniforme é, o artigo 1083º objetivou as situações de mora do arrendatário no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por sua conta, que constituem fundamento para o senhorio promover a resolução do contrato de arrendamento, autonomamente e independentemente da gravidade ou consequências que para ele advenham da mora, não tendo, por isso, de ser densificados factos (para prova) que preencham o requisito geral do nº2, desse preceito[40] [41], operando por mera comunicação à contraparte, independente de procedimento judicial (cfr.nº1 e 2, do art. 1084º e art.1047º e seg.), e mantendo-se, válida e eficazmente, no caso de não ter sido posto fim à mora (cfr. nº1, do art. 1041º) no prazo de um mês (v. nº3 e 4, do referido art. 1084º e cfr., ainda, nº4, do art. 1048º).
Com efeito, bem esclarece esta Relação, no Acórdão citado, “o legislador da Lei nº 6/2006 pôs de lado a taxatividade das causas de resolução que vigorava no regime pretérito, introduzindo, porém, no proémio do nº 2 do art. 1083º um alargamento dos fundamentos de resolução legal, inserindo uma cláusula geral resolutiva que se funda na justa causa, a qual se encontra exemplificada nas suas várias alíneas.
Portanto, face ao NRAU não basta alegar e provar o fundamento (tipificado, ou não na nova lei) da resolução do contrato, impondo-se, ainda, alegar e provar que tal situação preenche a aludida cláusula geral (indeterminada) resolutiva, ou seja, que a conduta do arrendatário é de tal forma grave que “pela sua gravidade ou consequências torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento”.
Haverá, no entanto, que atentar que, à data da propositura da presente ação, a situação moratória da ré arrendatária se arrastava por mais de três meses, o que preenche a previsão do nº 3 do art. 1083º, sendo que, nessas circunstâncias, o legislador considera que tal constitui um comportamento que compromete de forma irremediável o sinalagma contratual tornando inexigível a manutenção do contrato”[42].
Não tendo a Apelante purgado a mora, impedindo tal resolução, usando da faculdade prevista no nº3, do art. 1084º, - nunca tendo, na verdade, posto fim à mora, pois que, apesar de pagas as rendas, nunca pagou a indemnização estatuída no nº1, do art. 1041º, cujo pagamento se impõe para que a mora no pagamento das rendas se considere cessada (cfr. artigo 1042º) e, assim, caduque a resolução operada pela comunicação do senhorio, por falta de pagamento da renda - operando, pois, a resolução do contrato, válida e eficazmente, extinguiu-se o mesmo e, findo o contrato, constituiu-se aquela na obrigação de “restituir a coisa locada” (al. i), do art. 1038.º).
*
B.2.2- Da verificação de circunstâncias impeditivas do despejo

Conclui a Apelante que, mesmo que fundamento para a resolução do contrato se verificasse e persistisse, a obstar ao despejo está o contrato celebrado padecer de nulidade, quer por falta de licença de utilização quer por falta de autorização para subarrendar, dada por escrito, e gozar de direito de retenção sobre a indemnização (art. 754.º do Cód. Civil).
Analisemos da verificação das referidas circunstâncias, alegadamente, impeditivas da entrega do locado à Autora.

a) - Da nulidade do contrato de subarrendamento, por falta de licença de utilização do locado e por falta de consentimento escrito do senhorio para subarrendar

Apreciando da arguida nulidade do contrato analisou o Tribunal a quo que a primeira das referidas circunstâncias não deixaria de poder ser relevante, nenhuma relevância tendo, contudo, a segunda, já que se não discute na ação uma ineficácia face ao senhorio (art. 1088.º do Cód. Civil) e a ré aceita (art. 1.º da contestação) o facto descrito no art. 2.º da petição inicial, do qual consta, que “a autora, com o conhecimento e autorização da senhoria, subarrendou à ré o estabelecimento comercial”, mas que, como a Ré não extrai qualquer consequência da arguição de nulidade, antes se referindo à relação entre as partes como sendo de natureza contratual e retirando do contrato de subarrendamento celebrado efeitos negociais, como o dever de o senhorio lhe proporcionar o gozo da coisa, sustentando que cumpriu o contrato, e pretende que o contrato continue a ser cumprido e que improceda o pedido de desocupação, sempre a ordenar no caso de nulidade do contrato, a invocação da nulidade é totalmente desprovida de efeito útil defensivo.
Justifica a irrelevância da primeira das referidas faltas “Quer porque traduz um comportamento absolutamente contraditório – venire contra factum proprium –, quer porque não tem qualquer utilidade para a ré – dolo agit qui petit quod statim redditurus est (a ré exige a improcedência do despejo, com base na invalidade contratual, tendo, de seguida, que entregar o imóvel com base nessa mesma invalidade)[43] –, a invocação da nulidade é abusiva, pelo que não pode proceder (art. 334.º do Cód. Civil) – cf. o Ac. do TRL de 13-01-2015 (1503/12.0TBPDL.L1).
Em face do exposto, revela-se inútil discorrer sobre a nulidade do contrato à luz dos arts. 2.º, al. d), e 4.º do Decreto-Lei n.º 160/2006 de 8 de agosto (já que não se mostra suprida a irregularidade formal respeitante à omissão de referência à existência da licença de utilização, ao seu número, à data e à entidade emitente) – e já não à luz do art. 5.º do mesmo diploma, pois não resultou provado que o locado não possui (nem que possui) licença de utilização”.
Nesta conformidade, e apesar de a necessidade de autorização do senhorio para o subarrendamento resultar do artigo 1038º, al. f), acrescentando o regime do arrendamento a obrigatoriedade de forma escrita dessa autorização, cf. nº1, do art. 1088º, o certo é que a falta pode ser suprida pelo reconhecimento pelo senhorio da posição do subarrendatário - v. nº2, do referido artigo - e, sendo a tal necessário um comportamento do mesmo do qual se possa deduzir que o senhorio conhece o subarrendamento e não se opõe ao mesmo[44], resulta, na verdade, provado que “a autora, com o conhecimento e autorização da senhoria, subarrendou à ré o estabelecimento comercial”.
Qualificado o contrato celebrado entre as partes como sendo de subarrendamento, proporcionando a Autora e Ré o gozo de um prédio urbano, de que era arrendatária aquele contrato está, como vimos, na inteira dependência e subordinação deste.
E a acrescer ao acordado no contrato celebrado, constata-se que se não provou que “o espaço locado não dispõe de licença de utilização para o exercício do comércio” (v. f. não provado 42º), não estando, contudo, documentada a licença de utilização do locado nos autos.
Nos termos do n.º 1, do art.º 1070.º, do Código Civil, o arrendamento urbano só pode recair sobre locais cuja aptidão para o fim do contrato seja atestada pelas entidades competentes, designadamente através de licença de utilização, quando exigível, sendo que, nos termos do n.º 2, do art.º 1070.º, diploma próprio regula o requisito previsto no número anterior e define os elementos que o contrato de arrendamento urbano deve conter.
O diploma previsto neste preceito é o Dec.-Lei n.º 160/2006, de 8 de agosto (alterado pelo Dec.-Lei n.º 266-C/2012, de 31.12).
O mesmo “regula a consequência da falta de licença de utilização, que será a sujeição do senhorio a uma coima e a possibilidade de o inquilino resolver o contrato com indemnização pelos danos sofridos. Quando exista licença de utilização para um fim, e o contrato seja celebrado para outro fim, a consequência é a nulidade do contrato. A licença de utilização foi criada pelo RGEU (Regime Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Dec.-Lei nº 38.382, de 7 de agosto de 1951), pelo que só exigível em relação a edifícios construídos ou alterados a partir da entrada em vigor daquele diploma, ocorrida em 1951”[45] (negrito e sublinhado nosso).
No art.º 2.º do Dec.-Lei n.º 160/2006, sob a epígrafe Conteúdo necessário, estipula-se que no contrato de arrendamento deve constar:
(…)
e) A existência da licença de utilização, o seu número, a data e a entidade emitente, ou a referência a não ser aquela exigível, nos termos do artigo 5.º.
Estatui o art.º 5.º sob a epígrafe Licença de utilização:
1 - Só podem ser objeto de arrendamento urbano os edifícios ou suas frações cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestada pela licença de utilização.
2 - O disposto no número anterior não se aplica quando a construção do edifício seja anterior à entrada em vigor do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 38382, de 7 de Agosto de 1951, caso em que deve ser anexado ao contrato documento autêntico que demonstre a data de construção.
3 - Quando as partes aleguem urgência na celebração do contrato, a licença referida no n.º 1 pode ser substituída por documento comprovativo de a mesma ter sido requerida com a antecedência mínima prevista na lei.
4 - A mudança de finalidade e o arrendamento para fim não habitacional de prédios ou frações não licenciados devem ser sempre previamente autorizados pela câmara municipal.
5 - A inobservância do disposto nos n.os 1 a 4 por causa imputável ao senhorio determina a sujeição do mesmo a uma coima não inferior a um ano de renda, observados os limites legais estabelecidos pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, salvo quando a falta de licença se fique a dever a atraso que não lhe seja imputável.
6 – (…).
7 - Na situação prevista no n.º 5, o arrendatário pode resolver o contrato, com direito a indemnização nos termos gerais.
8 - O arrendamento para fim diverso do licenciado é nulo, (…).
Assim, caso o locado não disponha de licença de utilização, por motivo imputável ao senhorio, o locatário poderá resolver o contrato, além de reclamar indemnização pelos danos sofridos.
A resolução, como vimos, consiste na destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato.
Constitui um direito potestativo extintivo que "assenta num poder vinculado, obrigando-se o autor a alegar e provar o fundamento, previsto na convenção das partes ou na lei, que justifica a destruição unilateral do contrato"[46].
Na verdade, estatuindo o n.º 1, do art.º 1070.º, do Código Civil, que o arrendamento urbano só pode recair sobre locais cuja aptidão para o fim do contrato seja atestada pelas entidades competentes, designadamente através de licença de utilização, quando exigível e o nº1, do referido art.º 5.º, que só podem ser objeto de arrendamento urbano os edifícios ou suas frações cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestada pela licença de utilização e consagrando o nº5, do referido artigo, que a inobservância do disposto nos nºs 1 a 4 por causa imputável ao senhorio determina a sujeição do mesmo a uma coima (…), salvo quando a falta de licença se fique a dever a atraso que não lhe seja imputável e o nº7, do mesmo, que na situação prevista no n.º 5, o arrendatário pode resolver o contrato, com direito a indemnização nos termos gerais, vista a atuação da Ré, que pretende a manutenção do contrato, nunca caberia, até na falta de mais elementos, invalidar o contrato, sendo que a existência de licença de utilização, atinente à genérica possibilidade de utilização do edifício, é a cargo do senhorio/proprietário do imóvel a arrendar e não do arrendatário (sublocador)[47].
Efetivamente, “A licença municipal obrigatória de utilização das edificações, segundo o estatuído no artigo 62º, nºs 1 do RJUE, aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, sucessivamente alterado, a última das quais pela Lei nº 60/2007, destina-se a verificar a conformidade da obra concluída com o projecto aprovado e com as condições de licenciamento ou da comunicação prévia, e não se confunde com a licença para o exercício de certo ramo de actividade, incumbindo a primeira ao proprietário/senhorio, cumprindo ao inquilino a obtenção de licenças ou alvarás para o exercício de actividade específica que se propõe”[48].
Como se refere no Acórdão do STJ de 14/10/2014, Processo 11291/10.9TBVNG.P1.S1, in dgsi.net “A licença de utilização tem por "finalidade específica compelir os proprietários ao cumprimento das regras legais relativamente a obras de construção ou que condicionam a utilização das novas edificações, regras essas de carácter predominantemente administrativo e que se destinam fundamentalmente à observância de requisitos de salubridade, segurança e estética dos edifícios"[49].
Diferentemente do que sucede com a licença de utilização específica para o exercício de uma determinada atividade no locado, cuja obtenção incumbe, por regra, ao arrendatário, a obtenção daquela licença de utilização para atividade genérica constitui obrigação do proprietário do imóvel[50].
Não decorre dos autos que o contrato de arrendamento padeça de vício que afete o de subarrendamento. E, ponderadas as questões, é evidente que, inexistindo qualquer modificação na matéria de facto considerada provada e não se verificando culpa da Autora, sublocadora, que celebrou com a Ré subarrendamento, nenhuma crítica pode ser apontada à decisão de mérito, sendo que a, meramente eventual, falta de licença de utilização do prédio locado não determina, por si, invalidade do contrato de subarrendamento[51], contratado com base no de arrendamento.
E, como bem se analisa no Ac. da RG de 10/1/2019, proc. 2049/17.5T8GMR.G1 (Relator: António Penha), em que a ora relatora foi adjunta “O abuso do direito – art. 334º, do C. Civil – traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Para Manuel de Andrade “há abuso do direito quando o direito, legitimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a de o titular do direito ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual”.
Para Vaz Serra, o ato abusivo é, em regra, o exercício de um direito que, intencionalmente, causa danos a outrem, por forma contrária à consciência jurídica dominante na coletividade social. Só excecionalmente se prescindindo da intenção de prejudicar terceiros quando a contraditoriedade àquela consciência, isto é, à boa fé e aos bons costumes, for clamorosa ou quando o direito for exercido para fim diverso daquele para que a lei o concede.
Noutra perspetiva, para Antunes Varela, “para que haja lugar ao abuso de direito, é necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito.”
Daí que o exercício de um direito só poderá haver-se por abusivo quando exceda manifesta, clamorosa e intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, ou seja, quando esse direito seja exercido em termos gritantemente ofensivos da justiça ou do sentimento jurídico socialmente dominante.
O instituto do abuso de direito visa “obtemperar a situações em que a concreta aplicação de um preceito legal que, na normalidade das situações seria ajustada, numa específica situação da relação jurídica, se revela injusta e fere o sentido de justiça dominante.”
Trata-se de uma válvula de segurança, uma das cláusulas gerais com que o legislador pode obtemperar à injustiça chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalecente na comunidade social, à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico imperante, em que redundaria o exercício de um direito por lei conferido.
No entanto, aceitamos que para a verificação do abuso de direito não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo; basta que, objetivamente, esses limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito exercido tenham sido exercidos de forma evidente, sendo esta a conceção objetivista do abuso do direito adotada pelo legislador.
Isto não significa, porém, que ao conceito de abuso do direito sejam alheios fatores subjetivos, como por exemplo a intenção com que o titular tenha agido. A consideração destes fatores pode relevar, quer para determinar se houve ofensa da boa fé ou dos bons costumes, quer para decidir se se exorbitou do fim social ou económico do direito”.
No caso em apreço, a Ré invoca a nulidade do contrato de subarrendamento por falta de uma licença que o proprietário/senhorio devia possuir para locar o imóvel e nenhuma defesa útil daí extrai, antes pretendendo que o contrato que celebrou se mantenha. É o comportamento da Ré contraditório e a invocação da arguida nulidade não tem qualquer utilidade para si, pois que, meramente se limitando a reclamar a improcedência do despejo, sempre teria, na procedência da arguida nulidade, que restituir o imóvel, sendo, por isso, aquela invocação, além e inútil, abusiva e não podendo, efetivamente, proceder, atento o disposto no art. 334.º.
É intolerável e chocante ao sentido de justiça e, até, inútil, que a Ré, que pretende a validade do contrato e extrair consequências da violação, pelo sublocador, de obrigações por ele assumidas, venha, em contradição com o referido, arguir a nulidade do contrato por si celebrado com quem era arrendatário do espaço em causa. Acresce que se não encontra, sequer, demonstrada a inexistência da licença de utilização, e salienta-se que, efetivamente, não resultou provado que o locado não possui tal licença, nem que a possua, sendo que a obtenção da mesma sequer cabe à contraparte (sublocador), mas ao proprietário (senhorio).
Assim, sendo o exercício, pela apelante, do direito à arguição da nulidade, como circunstância de defesa na ação, abusivo e inútil face à globalidade da defesa que apresenta e às pretensões que nos autos formula, nenhuma consequência dela extraindo que possa não passar pela restituição do locado, não cabe atender a invocada arguição, que bem foi julgada improcedente.
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b) - Do direito de retenção sobre o montante da indemnização.

Quanto à outra circunstância invocada, como vimos, não resultou provado ser a ré credora da autora pelo que quer que seja. E bem analisou o Tribunal a quo que, mesmo que o fosse, o “facto de o inquilino ser credor do senhorio só legitima o não pagamento de rendas se o primeiro invocar a compensação de créditos, funcionando esta como uma causa de extinção do direito à renda (até ao valor do encontro de créditos). No caso dos autos, não resultou provado que a ré tenha invocado qualquer compensação de créditos – nem mesmo o fez no âmbito do pedido reconvencional ou de uma oposição à pretérita execução – ou, sequer, tenha reclamado um crédito à autora, pelo que, mesmo que tivesse provado nesta ação ser detentora de um crédito indemnizatório – o que não logrou, repete-se –, nem por isso a sua defesa procederia, pois não praticou qualquer ato idóneo a extinguir (ou impedir dilatoriamente) o crédito à renda da autora”.
E analisando se a ré sofreu de uma privação do gozo do locado que, quer pela sua extensão temporal, quer pela sua extensão física, legitima o não pagamento de três meses de renda bem refere “Alega a ré que o gozo do imóvel foi constantemente perturbado por eventos danosos (infiltrações de água). A invocação de alguns dos factos em questão é incompreensível, já que a ré não imputa a sua autoria à senhoria. É o caso da factualidade descrita no ponto 30.º − factos provados –, que, note-se, a ré só denuncia às autoridades passados dois meses. O mesmo se diga do sinistro descrito no ponto 23.º − factos provados.
Noutros casos, os eventos são episódicos, assentando a perturbação do gozo num concurso de causas, constando-se que a autora interveio na eliminação do problema. Assim ocorreu na ocasião descrita no ponto 15.º − factos provados.
Finalmente, o último sinistro dado por provado – facto 26.º −, este imputável à autora, foi por esta solucionado. Nem neste caso, nem nos restantes ficou provado o encerramento do estabelecimento, em resultado da limitação da plena fruição do locado, por um período que se aproxime do correspondente a três meses de gozo do locado.
É certo que, quer causados por este último incidente, quer causados pelos anteriores, os estragos provocados nas paredes e tetos não foram reparados – designadamente, pintura da parede, substituição de parte do teto falso e enchimento do buraco na parede, e recolocação de uma placa de gesso cartonado. No entanto, o que se discute nestes autos é, neste ponto, apenas se a conduta da autora justifica, ou não, o não pagamento de três meses de renda.
Ora, constata-se que a ré continuou a explorar o seu estabelecimento, não tendo os estragos em causa sido impeditivos do gozo do locado – e estes estragos no locado são apenas, note-se, dito simplesmente, o buraco na parede (tapado pelas prateleiras), o descasque da pintura numa parede e dois pontos de luz não reparados. Os sinistros em si mesmos, como vimos, ou não são claramente atribuíveis à autora, ou não afetaram relevantemente o gozo do locado – não, seguramente, pelo tempo correspondente aos três meses de renda que a ré não pagou.
Em suma, não resultou provado um incumprimento por parte da autora justificativo da invocação da exceção de não cumprimento do contrato, como causa de justificação do ilícito contratual em que traduz o não pagamento de rendas – cfr. os Acs. do TRP de 04-07-2013 (858/12.0TJPRT.P1) e do TRL de 10-05-2012 (887/11.1TJLSB-A.L1-2) e de 13-09-2018 (12724/17.9T8LSB.L1-6)”.
E não resultando provada causa justificativa do não cumprimento do contrato quanto a pagamento de rendas, também se não provou a existência de qualquer crédito da apelante suscetível de fundamentar direito de retenção do montante da indemnização que tinha a pagar para purgar a mora no pagamento das rendas.
A invocação do direito de retenção da quantia correspondente à indemnização prevista no nº1, do art. 1041.º, não se revela inteligível, nenhum sentido fazendo a subsunção à hipótese legal vertida no art. 754.º, que estatui apenas para o caso de o devedor dispor de um crédito contra o seu credor e estar obrigado a entregar a coisa, resultando o crédito de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados.
Com efeito, o artigo anteriormente referido, com a epígrafe “Quando existe” estatui “[O] devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar a coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”.
Assim, a existência de direito de retenção depende da “reunião dos quatro pressupostos seguintes:
- detenção de bem alheio;
- dever de o entregar;
- crédito sobre o credor da entrega resultante de despesas feitas por causa da coisa detida ou de danos por ela causados;
- Conexão entre o crédito do retentor e o do seu credor (isto é, o credor da entrega)[52] .
E, na verdade, sem entrar na discussão sobre se o bem tem de pertencer ao credor da entrega ou pode pertencer a um terceiro (o que naquele caso inviabilizaria o reconhecimento ao subarrendatário, por a coisa pertencer ao proprietário/senhorio), desde logo a “quantia indemnizatória devida à autora não é uma “coisa”, no sentido considerado pela norma, e a ré não dispõe de nenhum crédito resultante de despesas feitas por causa de tal quantia nem resultante de danos causados por tal quantia”.
É, na verdade, manifestamente improcedente a invocada defesa, de nenhum direito de retenção gozando a Ré/Recorrente, que de nenhum crédito, resultante de despesas feitas por causa da quantia indemnizatória devida à Recorrida, nem resultante de danos causados por tal quantia, ou outro, dispõe.
Não se encontra, pois, verificada qualquer circunstância impeditiva da entrega nem justificativa do incumprimento da Ré apelante que possa obstar àquela entrega, sendo que a resolução do contrato (extrajudicial) efetuada pela Autora/Recorrida é válida e eficaz, nos termos dos artigos 1041º, 1042º, 1047º , 1083º n.º 3 e 1084º n.º 3 todos do Código Civil.
Bem foi, pois, no reconhecimento da resolução, válida e eficazmente operada, decretado o, inteiramente fundado, despejo.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
*
III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC –, sem prejuízo de benefício de apoio judiciário.

Porto, 12 de outubro de 2020
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
António Eleutério
_____________
[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, págs 155 e seg.
[2] Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
[3] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, 2017, pag. 153
[4] Ibidem, pág. 153.
[5] Ibidem, pags 155 e seg e 159
[6] Ac. da Relação do Porto de 18/12/2013, Processo 7571/11.4TBMAI.P1.dgsi.Net
[7] Abrantes Geraldes, idem, pags 155-156
[8] Acs. do STJ 12/5/2016: Proc. 324/10.9TTALM..L1.S1 e de 31/5/2016: Proc. 1184/10.5TTMTS.P1:S1, (Relatora: Ana Luísa Geraldes), ambos acessíveis in dgsi.net, onde, em ambos, se considerou: “No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe”, “Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso” e “O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado”.
[9] Acs. do STJ de 27/10/2016, proc. 110/08.6TTGDM.P2.S1 (Relator: Ribeiro Cardoso) e proc. 3176/11.8TBBCL.G1.S1 (Relator: José Rainho), este onde se decidiu “Omitindo o recorrente o cumprimento do ónus processual fixado na alínea c) do nº 1 do art. 640º do CPCivil, impõe-se a imediata rejeição da impugnação da matéria de facto, não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões”, “A rejeição da impugnação da matéria de facto não está dependente da observância prévia do contraditório no quadro dos art.s 655º e 3º do CPCivil” e “A interpretação dos art.s 639º e 640º do CPCivil no sentido de a rejeição da impugnação da matéria de facto não dever ser precedida de um despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões não viola o art. 20º da Constituição da República Portuguesa”, ambos acessíveis in dgsi.net
[10] Acs. do STJ de 8/2/2018, proc. 8440/14.1T8PRT.P1.S1 (Relatora: Maria da Graça Trigo), onde se entendeu “De acordo com a orientação reiterada do STJ, a verificação do cumprimento do ónus de alegação do art. 640.º do CPC tem de ser realizada com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal” e “Tendo a recorrente identificado, no corpo das alegações e nas conclusões, o ponto da matéria de facto que considera incorrectamente julgado, identificando e transcrevendo o depoimento testemunhal que, no seu entender, impõe decisão diversa e retirando-se da leitura das alegações, ainda que de forma menos clara, qual a decisão que deve ser proferida a esse propósito, mostra-se cumprido, à luz da orientação referida em III, o ónus de impugnação previsto no art. 640.º do CPC.” e de 6/6/2018, proc. 1474/16.3T8CLD.C1.S1 (Relator: Ferreira Pinto), onde se decidiu: “Na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade” e “Limitando-se o Recorrente a afirmar, tanto na alegação como nas conclusões, que, face aos concretos meios de prova que indica, “se impunha uma decisão diversa”, relativamente às questões de facto que impugnara, deve o recurso ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, por não cumprimento do ónus processual fixado na alínea c), do n.º 1, do artigo 640º, do CPC”, ambos acessíveis in dgsi.pt.
[11] Acs. RG de 31/10/2018, proc. 5151/16.7T8GMR-B.G1 e de 23/5/2019, proc.234/15.3T8AVV.G1 (Relator: José Alberto Moreira Dias), que seguimos.
[12] Ac da RG de 21/9/2017, proc. 8834/12.7TBBRG-A.G1, de 18/12/2017, proc. 4601/13.9TBBRG.G1, de 1/2/2018, proc. 1045/16.4T8BRG.G1 e Acs da RP de 13/1/2020, Proc. 2494/18.9T8VLG.P1 e de 18/11/2019, proc. 1592/13.0TBMTS-A.P1, este in dgsi, onde se decidiu “1-O apelante deve, nos termos do art. 639º, do CPC, apresentar a sua alegação concluindo, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão, por forma a que as conclusões sejam um resumo preciso do que alegou e pretende seja apreciado, delimitando elas o objeto do recurso. 2- Ao impugnar a decisão de facto, cabe ao recorrente, em sede conclusiva, definir o objeto fáctico da impugnação, não podendo deixar de indicar quais os concretos factos que deixa impugnados. As referidas faltas de indicação especificada por parte do apelante, têm, como consequência, a imediata rejeição do recurso”.
[13] Ac. RG de 24/4/2019, proc. 3966/17.8T8GMR.G1 (Relator: António Penha).
[14] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág.770
[15] Ac. RG de 14/3/2019, proc. 491/17.0T8BGC.G1 (Relatora: Maria Purificação Carvalho), in dgsi.pt
[16] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 770
[17] Ac. do STJ proferido em 3/5/2016, Processo 17482/13: Sumários, Maio/2016, p 2
[18] Acs da RP de 27/1/2020, proc. 192/17.0T8BAO.P1 e de 11/5/2020, proc. 4435/17.1T8VNG.P1 (Relatora M. Fátima Andrade, que a ora relatora subscreveu como adjunta), este onde se escreve “Pelo que das conclusões é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o(s) recorrente(s) considera(m) incorretamente julgados, sob pena de rejeição do mesmo.
Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório.
Embora na jurisprudência se encontrem posições mais ou menos exigentes quanto aos elementos que das conclusões devem constar, este é um denominador mínimo comum a todas elas.
Fazendo uma resenha alargada desta temática vide:
- Ac. TRG de 07/04/2016, Relator José Amaral in www.dgsi.pt/jtrg;
- Acs. STJ de 01/10/2015, Relatora Ana Luísa Geraldes, de 22/09/2015, Relator Pinto de Almeida, de 29/10/2015 Relator Lopes do Rego, de 06/12/2016 Relator Garcia Calejo (todos in www.dgsi.pt/jstj);
- Ac. STJ de 27/09/2018 Relator José Sousa Lameira, onde se afirma “Como decorre do artigo 640 supra citado o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorretamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objeto do recurso”;
- e mais recentemente, Ac. STJ de 21/03/2019, Relatora Rosa Tching, no qual e após se ter feito uma distinção entre ónus primários e secundários de alegação e concretização para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º do CPC (nos seguintes termos e tal como ali sumariado)
“I. Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.
E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.”,
se concluiu, para o efeito convocando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na aferição do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no artigo 640º no que concerne aos aspetos de ordem formal
“III. (…) enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.
IV. Tendo o recorrente, indicado, nas conclusões das alegações de recurso, o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas ou indicado o ficheiro em que os mesmos se encontram gravados no suporte técnico e complementado estas indicações com a transcrição, no corpo das alegações, dos excertos dos depoimentos relevantes para o julgamento do objeto do recurso, tanto basta para se concluir que o recorrente cumpriu o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos no artigo 640º, nº 2, al. a) do CPC, nada obstando a que o Tribunal da Relação tome conhecimento dos fundamentos do recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.””.
[19] Acs da RP de 18/11/2019, proc. 796/14.2T8VNG.P2 (Relator: Pedro Damião e Cunha, que subscrevemos como adjunta), onde se refere “Em cumprimento da obrigação de proceder à análise crítica da prova produzida, o Juiz, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda de liberdade de julgamento garantida pela manutenção da livre apreciação das provas (art. 607º, nº 5 do CPC), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos.
IV- Tal como se impõe que o tribunal faça esta análise critica das provas, também o Recorrente ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos, sendo que, quando isso suceda, deve tal conduta processual constituir motivo de rejeição da Impugnação da matéria de facto” e de 18/11/2019, processo151/14.4TBBAO.P1 onde se decidiu “Deve ser rejeitado o recurso genérico da decisão da matéria de facto apresentado pelos Recorrentes quando não se deixa expressa a decisão que, no entender dos mesmos, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
[20] Acs. RG de 9/4/2019, proc. n.º 673/17.5T8PTL.G1 e de 13/6/2019, proc. n.º 12903/17.9YIPRT.G1 (Relator: Paulo Reis), acessíveis in dgsi.pt, onde se refere “tal como resulta do sumário do Ac. STJ de 19-05-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza) , «A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
(…) Não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado»”.
[21] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 770
[22] Ac. RL de 13/3/2014, Proc. 569/12.7TVLSB.L1-6 (Relator: Vitor Amaral), acessível in dgsi.Net
[23] Ac. da Relação de Évora de 3/11/2016, processo 1070/13. dgsi.Net
[24] Acórdão do STJ de 3/5/2016, Processo 145/11, Sumários, Maio/2016, p.3
[25] Acórdão do STJ de 11/2/2016, Processo 5001/07: Sumários, fevereiro/2016, p 28 citado por Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição, 2017, pág 996.
[26] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág.770
[27] Ibidem, pág 770 e seg
[28] Ibidem, pág 771
[29] Acórdãos RC de 3 de Outubro de 2000 e 3 de Junho de 2003, CJ, anos XXV, 4º, pág. 28 e XXVIII 3º, pág 26
[30] Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 348.
[31] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, vol II, pag.635.
[32] Acórdão da Relação do Porto de 19/9/2000, CJ, 2000, 4º, 186 e Apelação Processo nº 5453/06.3
[33] Luís Menezes Leitão, Arrendamento urbano, 9ª edição, Almedina, pág. 124
[34] Edgar Valles, Arrendamento urbano Constituição E Extinção, Almedina, pág 116
[35] Jorge Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Outubro de 2019, Almedina, pág 472
[36] Ibidem, pág 491
[37] Ibidem, pág 492
[38] Ac. da RP de 18/2/2019, proc. 1668/17.4T8PVZ.P1 (Relator: Miguel Baldaia de Morais),in dgsi.pt
[39] Jorge Pinto Furtado, Idem, pág 492
[40] Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição Actualizada, Abril 2018, Ediforum, pág 1014
[41] Cfr. Ac. da RP de 22/5/2019, Proc. 2913/17.1T8MTS.P1 (Relatora: Judite Pires), onde se decide: “A resolução do contrato de arrendamento depende do preenchimento dos requisitos previstos no n.º 2 do artigo 1083.º do Código Civil, sendo fundamento de resolução o incumprimento que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento” e “A verificação de uma situação de inadimplência enquadrável no n.º 3 do referido normativo basta para, por si só, tornar inexigível para o locador a manutenção do arrendamento: ocorre mora relevante para efeitos de resolução do contrato de arrendamento por parte do locador se o locatário retardar o pagamento de uma renda, ou de parte dela, mantendo-se o atraso por três ou mais meses”.
[42] Ac. da RP de 18/2/2019, proc. 1668/17.4T8PVZ.P1 (Relator: Miguel Baldaia de Morais),in dgsi.pt
[43] Cf. ANTÓNIO DE MENEZES CORDEIRO, Litigância de Má-Fé, Abuso do Direito de Ação e Culpa “In Agendo”, Coimbra, Almedina, 2011, p. 104, Tratado de Direito Civil, Vol. V, Coimbra, Almedina, 2015, pp. 372 e 375 e segs., e Da Boa Fé No Direito Civil, Coimbra, Almedina, 2011 (4.ª reimp.), p. 856 e segs
[44] Ana Prata (Coord.) Código Civil Anotado, volume I, 2017, Almedina, pág 1330
[45] Ibidem, pág 1299.
[46] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., 275 e 276.
[47] No que concerne à existência de licença de utilização do locado, cumpre distinguir a licença a cargo do senhorio/proprietário do imóvel a arrendar, atinente à genérica possibilidade de utilização do edifício, da licença adstrita à específica atividade que o locatário irá exercer no locado (cuja obtenção poderá estar a cargo do locatário e não do senhorio) – cfr. Acs do STJ de 06.7.2011, processo 4438/06.1TBVFX.L1.S1 e de 19.02.2008, processo 08A194, Ac. RL de 11.9.2014, proc. 381/11.0TVLSB.L1-2 e da RP de 17.6.2013, proc. 139/10.4TJVNF.P1, todos acessíveis in dgsi.pt
[48] Acórdão da Relação de Lisboa de 11/9/2014, processo 381/11.0TVLSB.L1-2, in dgsi.net
[49] Acórdão do STJ de 29.09.2009, acessível em www.dgsi.pt.
[50] Acórdãos do STJ de 13.12.2007, de 19.02.2008 e de 06.07.2011, acessíveis em www.dgsi.pt.
[51] Cfr. Ac. RP de 17/6/2003: CJ, 2003, 3º, 190
[52] Rui Pinto Duarte, anotação ao referido artigo, in Código Civil Anotado, Ana Prata (Coord.), volume I, 2017, Almedina, pág. 943