Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1933/18.3T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
ACÇÃO DE DIVÓRCIO
REGULAMENTO COMUNITÁRIO
CRITÉRIO DE NACIONALIDADE
Nº do Documento: RP201807111933/18.3T8VNG.P1
Data do Acordão: 07/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º678, FLS.388-394)
Área Temática: .
Sumário: I - A competência internacional pressupõe que o litígio, tal como o autor o configura na acção, apresenta um ou mais elementos de conexão com uma ou várias ordens jurídicas distintas do ordenamento do foro.
II - Caindo determinada situação no âmbito de aplicação v.g. de um concreto Regulamento Comunitário, e porque as regras internacionais integram-se no ordenamento jurídico de cada Estado, quando o Tribunal português é chamado a conhecer de uma causa em que haja um elemento de conexão com a ordem jurídica de outro Estado contratante, deverá ignorar as regras de competência internacional da lex fori e aplicar as regras uniformes do Regulamento.
III - Estabelecendo o artigo 3.º, nº 1, do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27 de Novembro, três critérios gerais fundamentais que definem a competência internacional de um Estado - Membro para conhecer de uma acção de divórcio, sendo um o da residência habitual, o outro o da nacionalidade de ambos os cônjuges, e, finalmente, o terceiro, o do domicilio comum, verificando-se um deles-o da nacionalidade de ambos os cônjuges-e coincidindo ele com Portugal, ter-se-á, forçosamente, que julgar o tribunal português, onde a acção foi interposta, como o competente (internacionalmente) para a julgar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1933/18.3T8VNG.P1 - Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia-J3
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
5ª Secção
Sumário:
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I - RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B…, residente em …, …, ….., na Alemanha, intentou a presente acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra C…, residente em …, …, ……, na Alemanha, pedindo que seja decretado o divórcio entre ela e o Réu, com a consequente dissolução do casamento entre ambos celebrado em 19/05/1991.
Como fundamento da sua pretensão, alegou a verificação de factos que, na sua óptica, demonstram a “ ruptura definitiva do casamento” entre ela e o Réu, traduzidos na existência de uma situação de separação de facto entre ela e o Réu desde Agosto de 2016, na ausência, desde essa data, de comunhão de vida entre ambos e no seu propósito de não reatar o convívio conjugal.
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Conclusos os autos foi exarado despacho que julgou procedente, ex officio, a excepção dilatória da incompetência absoluta deste Tribunal para conhecer do objecto da presente acção de divórcio, decorrente da infracção das regras de competência internacional, e, em consequência, indeferiu liminarmente a petição inicial de fls. 4/8, apresentada pela Autora B….
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Não se conformando com o assim decidido veio a Autora interpor o presente recurso concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
1 – Recorre-se da Sentença datada de 13 de Março de 2018, proferida nos autos supra referidos, que ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos. 59º, 62º, 96º, al. a), 97º, nº 1, 99º, nº 1, 278º, nº 1, al. a), 577º, al. a), e 590º, nº 1, todos do C.P.C., julgou procedente, ex officio, a excepção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal para conhecer do objecto da presente acção de divórcio, decorrente da infracção das regras de competência internacional, e, em consequência, indeferiu liminarmente a petição inicial de fls. 4/8, apresentada pela Autora B….
2 – Tal decisão teve como fundamento o facto de a situação em apreço não se enquadrar em nenhuma das situações previstas no artigo 62.º do Código de Processo Civil.
3 – Os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer do objecto da presente acção de divórcio.
4 – Tal incompetência internacional integra uma situação de incompetência absoluta, configurando-se como uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso (artigos 96º, al. a), 97º, nº 1, 278º, nº 1, al. a), e 577º, al. a), todos do C.P.C.).
5 – Além disso, essa excepção dilatória de incompetência absoluta resultante da infracção das regras de competência internacional, nesta fase do presente processo - que comporta despacho liminar–, dá lugar ao indeferimento liminar da petição inicial de fls. 4/8 (artigos 99º, nº 1, e 590º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil).
6 – Por sentença proferida nos autos supra identificados, foi indeferida liminarmente a petição inicial da acção de divórcio não consentido pelo outro cônjuge instaurada pela Autora, no âmbito dos presentes autos, nos termos dos artigos 59º, 62º, 96º, al. a) e 97º, nº 1, 99.º, n.º 1, do C.P.C., pelo facto de nenhuma das partes residir em Portugal, não se enquadrando este caso em nenhuma das situações previstas no artigo 62º, do C.P.C., o qual prevê os factores de atribuição da competência internacional aos tribunais portuguesas.
7 – Contudo, ora Alemanha não é a nacionalidade da Autora nem é a do Réu.
8 – A Autora já constituiu mandatária nos autos conforme resulta dos mesmos.
9 – A Deslocação das testemunhas para audiência discussão e julgamento, sabe-se lá por quantos vezes à Alemanha seria extremamente onerosa para a aqui Recorrente.
10 – Assim como, a contratação de tradutores pois nenhuma das testemunhas e representante legal da Recorrente fala Alemão, e até para o Recorrido uma vez que este tem também nacionalidade Portuguesa.
11 – A Recorrente desconhece a legislação alemã, não tem contactos na Alemanha e não sabe sequer como poderá interpor uma acção deste teor na Alemanha.
12 – Para além disso, o Estado Português é um Estado - Membro da União Europeia e está vinculado aos regulamentos europeus, sendo de aplicar neste caso concreto, não apenas as regras dos artigos 62º e 63º do C.P.C., como o faz o Tribunal “a quo”, mas também os regulamentos europeus, nos termos do art.º 59º, do C.P.C., segundo o qual, “Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62º e 63º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94º, do C.P.C.”.
13 – No caso dos presentes autos, tratando-se de uma acção de divórcio sem o consentimento do outro cônjuge, quando ambos os cônjuges são cidadãos portugueses, embora residentes na Alemanha, os tribunais portugueses estão vinculados à aplicação do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho de 27 de Novembro de 2003 relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, devendo aplicar-se o artigo 3º do referido diploma legal, segundo o qual, podem verificar-se três critérios susceptíveis de determinar a competência de um Estado - Membro para uma acção de divórcio, que são: a residência habitual, a nacionalidade de ambos os cônjuges e o do domicílio comum (este último não aplicável a Portugal).
14 – No caso dos autos, o facto da Autora e o Réu serem portugueses, já é suficiente e bastante para que lhes seja aplicado o critério da nacionalidade de ambos os cônjuges, o que leva a considerar os tribunais portugueses competentes para apreciar a acção de divórcio entre a Autora e o Réu instaurada no Tribunal da Comarca do Porto, Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia, contrariando a decisão recorrida.
15 – De resto, porque as regras internacionais integram-se no ordenamento jurídico de cada Estado, quando o Tribunal português é chamado a conhecer de uma causa em que haja um elemento de conexão com a ordem jurídica de outro Estado contratante, deverá ignorar as regras de competência internacional da lex fori, antes deve aplicar as regras uniformes do Regulamento.
16 – Em face do alegado pela autora, ora apelante, na petição inicial, manifesto é que, no caso a situação a abordar apresenta diversos elementos de conexão (vg. quanto ao local do casamento, nacionalidade de Autora e Réu, residência de ambos os sujeitos processuais e lugar da prática de factos) que se relacionam, quer com o ordenamento jurídico português, quer com a ordem jurídica Alemã.
17 – Estamos, portanto, perante litígio que, inquestionavelmente, encontra no âmbito Regulamento (CE) 2201/2003 de 27 de Novembro, relativo à competência, ao reconhecimento, e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental [que revogou o Regulamento (CE) nº 1347/2000] a solução para a questão com que nos deparamos.
18 – Em face das normas referidas, manifesto é que, do artigo 3º, nº1, decorrem três critérios gerais fundamentais que definem a competência internacional de um Estado - Membro para de uma acção de Divórcio poder conhecer, sendo um o da residência habitual (que por sua vez se subdivide em 4 outros critérios, todos eles outrossim interligados ao conceito de residência habitual), o outro o da Nacionalidade de ambos os cônjuges, e, finalmente, o terceiro, o do domicilio comum (mas neste caso aplicável apenas ao Reino Unido e Irlanda).
19 – Sendo em função da relação jurídica pelo autor delineada na petição que cabe determinar a competência do tribunal para de determinada acção poder/dever conhecer, emerge a circunstância de ambos os cônjuges, terem a residência na Alemanha, que não em Portugal, razão porque, desde logo, importa afastar a possibilidade do primeiro critério geral referido, a saber, o da residência habitual.
20 – No entanto, tal como o alegado pela autora, ambos os cônjuges têm a nacionalidade portuguesa, o que equivale a dizer que se verifica o critério da Nacionalidade de ambos os cônjuges, tal como o refere o nº 2, do artigo 3º, do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27 de Novembro, o qual releva no âmbito da situação em apreço.
21 – A competência do Tribunal, em geral, deve ser aferida em função do pedido formulado pelo autor e dos fundamentos (causa de pedir) que o suportam, ou seja, de acordo com a relação jurídica tal como é configurada pelo autor.
22 – A competência internacional pressupõe que o litígio, tal como o autor o configura na acção, apresenta um ou mais elementos de conexão com uma ou várias ordens jurídicas distintas do ordenamento do foro.
23 – Caindo determinada situação no âmbito de aplicação v.g. de um concreto Regulamento comunitário, e porque as regras internacionais integram-se no ordenamento jurídico de cada Estado, quando o Tribunal português é chamado a conhecer de uma causa em que haja um elemento de conexão com a ordem jurídica de outro Estado contratante, deverá ignorar as regras de competência internacional da lex fori, antes deve aplicar as regras uniformes do Regulamento.
24 – Estabelecendo o artigo 3º, nº1, do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27 de Novembro, três critérios gerais fundamentais que definem a competência internacional de um Estado-Membro para de uma acção de Divórcio poder conhecer, a saber: o da residência habitual; o da Nacionalidade de ambos os cônjuges; o do domicílio comum.
25 – Verificando-se um deles (no caso, o da Nacionalidade de ambos os cônjuges) e apontando ele para Portugal, é competente internacionalmente o tribunal português para julgar a acção de divórcio.
26 – Donde em face do exposto, impõe-se julgar o tribunal português como competente (internacionalmente) para julgar a acção, impondo-se nessa medida a procedência da apelação, devendo em consequência os autos prosseguirem os seus ulteriores trâmites legais.
27 – Como é de inteira justiça.
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Não foram apresentadas contra - alegações.
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Foram dispensados os vistos.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, nsº 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão a decidir:
a)- saber se o tribunal recorrido é, ou não, competente internacionalmente para a acção de divórcio impetrada pela Autora.
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A) - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria a ter em conta é que a que resulta do relatório e que aqui se dá por reproduzida e ainda a seguinte:
1º)- Autora e Réu são ambos de nacionalidade Portuguesa (cfr. Assente de casamento junto aos autos).
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III. O DIREITO
Como supra se referiu é apenas uma questão que importa apreciar e decidir:
a) - saber se o tribunal recorrido é, ou não, competente internacionalmente para a acção de divórcio impetrada pela Autora.
Como se evidencia da decisão recorrida aí se julgou, oficiosamente, verificada a incompetência absoluta dos tribunais portugueses com fundamento no disposto nos artigos 62.º e 72.º do CPC.
Deste entendimento dissente a recorrente por considerar ser competente internacionalmente para os termos da acção o tribunal recorrido.
Quid iuris?
A propósito da questão da competência internacional dos tribunais portugueses para poderem conhecer de determinada acção, como bem refere o STJ no seu acórdão de 08/04/2010[1] , justifica-se que seja ela trazida à colação quando a causa, através de qualquer um dos seus elementos, tem conexão com uma outra ordem jurídica, além da portuguesa , ou , melhor, quando determinada situação, apesar de possuir, na perspectiva do ordenamento jurídico português, uma relação com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras, apresenta também uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa, sendo que, é aos tribunais portugueses que cabe aferir da sua própria competência internacional, de acordo com as regras de competência internacional vigentes entre nós.
Ou seja, como refere Antunes Varela[2] “a competência internacional (…), designa a fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, para julgar as acções que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídica estrangeiras. Trata-se, no fundo, de definir a jurisdição dos diferentes núcleos de tribunais dentro dos limites territoriais de cada Estado”.
Isto dito, importa, desde logo, sublinhar que é em face do pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos em que o mesmo se apoia, e tal como a relação jurídica é pelo autor delineada na petição, que cabe determinar a competência do tribunal.[3]
E, nos termos do artigo 37.º, n.º 2 da Lei n.º 62/2013 (LOSJ), de 26/08 “A lei de processo fixa os factores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais”, sendo que “a competência se fixa no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente” (artigo 38.º, n.º 1 do mesmo diploma).
E, por assim ser, no âmbito da lei de processo (CPCivil) é o seu artigo 62.º que define os factores de atribuição da competência internacional que sob a epígrafe “Factores de atribuição da competência internacional” estatui que:
Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
a) Quando a acção possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da acção no estrangeiro, desde que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
Todavia, logo o artigo 59.º do mesmo diploma legal preceitua que há que salvaguardar aquilo que se encontra estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, referindo expressamente que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos naquele artigo 62.º, mas sem prejuízo do que se encontra naqueles estabelecido.
Portanto, no âmbito da aferição da competência internacional dos tribunais portugueses, importa salvaguardar o que se encontra estabelecido em regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais, que vinculem internacionalmente o Estado Português, reconhecendo-se, assim, o primado do direito internacional convencional ao qual o Estado Português se encontre vinculado sobre o direito nacional, designadamente a prevalência do direito comunitário sobre o direito nacional.
Primado que, justamente, resulta também do artigo 8.º, da Constituição da Republica Portuguesa que sob a epígrafe (Direito internacional) estatui:
1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português.
2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.
3. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos.
4. As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo Direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático”.
Portanto, a aplicação das disposições legais do CPC que fixam e estabelecem os factores de atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses, mostra-se negativamente delimitada pelo das convenções internacionais regularmente ratificadas e/ou aprovadas, e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.
Daqui emerge que caindo determinada situação no âmbito de aplicação de um concreto Regulamento, as normas deste último prevalecem sobre as normas de direito interno que regulam a competência internacional[4], como será o caso quando o Tribunal Português é chamado a conhecer de uma causa em que haja um elemento de conexão com a ordem jurídica de outro Estado contratante.
Nestas situações devem, por conseguinte, ignorar-se as regras de competência internacional da lex fori, devendo antes aplicar-se as regras uniformes do Regulamento.[5]
No caso concreto perante o alegado pela apelante na petição inicial, torna-se evidente que o quid dedidendum apresenta alguns elementos de conexão (quanto à nacionalidade da Autora e Réu, residência de ambos os sujeitos processuais e lugar da prática por um dos sujeitos processuais de factos relevantes) que se relacionam, quer com o ordenamento jurídico português, quer com a ordem jurídica alemã.
Estamos, portanto, perante litígio ao qual se aplica o Regulamento (CE) 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro, relativo à competência, ao reconhecimento, e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental que, no artigo 3.º, sob a epígrafe de “Competência Geral“, e inserido no respectivo capítulo II, Secção 1 (com o título de Divórcio, Separação e Anulação do Casamento), estabelece o seguinte:
1 - São competentes para decidir das questões relativas ao divórcio, separação ou anulação de casamento, os tribunais do Estado ­ Membro:
a) Em cujo território se situe:
- a residência habitual dos cônjuges, ou
- a última residência habitual dos cônjuges, na medida em que um deles ainda aí resida, ou
- a residência habitual do requerido, ou
- em caso de pedido conjunto, a residência habitual de qualquer dos cônjuges, ou
- a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos, no ano imediatamente anterior à data do pedido, ou
- a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido, pelo menos, nos seis meses imediatamente anteriores à data do pedido, quer seja nacional do Estado - Membro em questão quer, no caso do Reino Unido e da Irlanda, aí tenha o seu “domicilio”;
b) Da nacionalidade de ambos os cônjuges, ou, no caso do Reino Unido e da Irlanda, do “domicílio” comum"
2. Para efeitos do presente regulamento, o termo “domicílio” é entendido na acepção que lhe é dada pelos sistemas jurídicos do Reino Unido e da Irlanda.
Preceitua, por outro lado o artigo 6.º, do mesmo Regulamento sob a epígrafe “Carácter exclusivo das competências definidas nos artigos 3.º, 4.º e 5.º” que:
Qualquer dos cônjuges que:
a) Tenha a sua residência habitual no território de um Estado-Membro; ou
b) Seja nacional de um Estado-Membro ou, no caso do Reino Unido e da Irlanda, tenha o seu “domicílio” no território de um destes dois Estados-Membros, só por força dos artigos 3.º, 4.º e 5.º pode ser demandado nos tribunais de outro Estado-Membro.
Finalmente, estatui o mesmo Regulamento, no seu artigo 17.º sob a epígrafe “Verificação da competência” que: “O tribunal de um Estado-Membro no qual tenha sido instaurado um processo para o qual não tenha competência nos termos do presente regulamento e para o qual o tribunal de outro Estado-Membro seja competente, por força do presente regulamento, declara-se oficiosamente incompetente“.
Dos citados preceitos resulta, assim, que são três critérios gerais fundamentais que definem a competência internacional de um Estado-Membro para poder conhecer de uma acção de Divórcio:
a) - o da residência habitual (que por sua vez se subdivide em 5 outros critérios, todos eles interligados ao conceito de residência habitual);
b) - o outro o da nacionalidade de ambos os cônjuges;
c) e, finalmente, o terceiro, o do domicílio comum (mas neste caso aplicável apenas ao Reino Unido e Irlanda).
Resulta igualmente dos citados incisos que, verificando-se concomitantemente diversos critérios ao dispor do requerente/autor, pode ele lançar mão de qualquer deles, desde que, em todo o caso, a sua opção não colida com o disposto no citado artigo 6.º (não poder o demandado, desde que com residência habitual no território de um Estado-Membro, ou nacional de um Estado-Membro, ser demandado nos tribunais de outro Estado-Membro, a não ser que tal possibilidade resulte dos artigos 3.º, 4.º e 5.º do Regulamento).
Portanto, os critérios de competência em matéria matrimonial são de aplicação alternativa, o que significa que não existe nenhuma hierarquia e, consequentemente, nenhuma ordem de precedência entre eles.[6]
Aqui chegados, e porque como vimos supra é em função da relação jurídica pelo autor delineada na petição que cabe determinar a competência do tribunal para de determinada acção poder/dever conhecer, certo é que ambos os cônjuges têm a residência na Alemanha, que não em Portugal, razão porque, desde logo, importa afastar a possibilidade do primeiro critério geral referido, a saber, o da residência habitual.
Todavia, ambos os cônjuges têm a nacionalidade portuguesa, o que equivale a dizer que se verifica o critério da Nacionalidade de ambos os cônjuges, tal como o refere o nº 1 al. b), do artigo 3.º, do Regulamento (CE) 2201/2003 de 27 de Novembro.
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Procedem, desta forma, as conclusões formuladas pela recorrente.
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E, sendo assim como é, em face de tudo o supra exposto, ter-se-á, forçosamente, que julgar o tribunal português onde a acção foi interposta como competente (internacionalmente) para a julgar impondo-se, pois, a procedência da apelação, devendo em consequência os autos prosseguirem os seus ulteriores trâmites legais.
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IV - DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente por provada e, consequentemente revogando-se a decisão recorrida julga-se competente para acção o tribunal recorrido onde os autos deverão seguir a sua normal tramitação.
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Sem custas (artigo 527.º, nº 1 do CPCivil).
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Porto, 11 de Julho de 2018.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais (dispensei o visto)
Jorge Seabra (dispensei o visto)
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[1] In www.dgsi.pt.
[2] In “Manual de Processo Civil” , Coimbra Editora, pág. 188.
[3] Cfr. Manuel de Andrade, “in Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 91.
[4] Cfr. Dário Moura Vicente, in Direito Internacional Privado, vol. I, página 249.
[5] Cfr. Mota Campos, in Revista de Documentação e Direito Comparado, nº 22, 1986, pág. 144.
[6] Cfr “Guia prático para a aplicação do Regulamento Bruxelas II-A”, da Comissão Europeia, in http://ec.europa.eu/justice/civil/files/brussels_ii_practice_guide_pt.pdf, com referência ao acórdão do TJUE de 16 de Julho de 2009, Hadadi/Hadadi, no processo C-168/08, Colet. 2009, p. I-6871 em que o TJUE teve de decidir se essa hierarquia existia, respondendo que “O sistema de repartição de competências instituído pelo Regulamento em matéria de dissolução do vínculo matrimonial não visa excluir a pluralidade de foros competentes. Pelo contrário, prevê-se expressamente a existência paralela de vários foros competentes hierarquicamente equiparados”. Daí que “os tribunais dos Estados-Membros da nacionalidade dos cônjuges são competentes ao abrigo desta norma, podendo estes últimos escolher o tribunal do Estado-Membro em que pretendem instaurar o processo”.