Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
45/11.5PBCHV.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR OLIVEIRA
Descritores: CÚMULO JURÍDICO
PENAS
Nº do Documento: RP2014101545/11.5PBCHV.P1
Data do Acordão: 10/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: No conhecimento superveniente do concurso de crimes não devem ser cumuladas juridicamente uma pena de prisão e uma pena de prisão substituída por multa, extinta pelo pagamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA)
- no processo n.º 45/11.5PBCHV.P1
- com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade,
- após conferência, profere, em 15 de outubro de 2014, o seguinte
Acórdão
I - RELATÓRIO
1. No processo comum (tribunal singular) n.º 45/11.5PBCHV, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Chaves, em que é arguido B… e OUTRO, foi proferido o seguinte despacho [fls. 334-335]:
«(…) Por decisão do Venerando Tribunal da Relação do Porto foi decidido que o tribunal competente para o conhecimento superveniente do concurso das penas aplicadas ao arguido B… nos processos 423/11.0 GAVLP, 580/11.PBCHV e nos presentes autos é este 1° Juízo do Tribunal Judicial de Chaves, por ter sido neste autos que foi proferida a última condenação do arguido.
Nos presentes autos o arguido foi condenado numa pena de l ano de prisão, substituída por 360 dias de multa, à razão diária de € 5.
Após aquela decisão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, a pena aplicada ao arguido nos presentes autos foi declarada extinta por cumprimento da pena de substituição.
Ora, tendo vindo sido jurisprudência quase pacifica nos nossos tribunais superiores no que respeita às penas de prisão suspensas na sua execução já declaradas extintas que mas mesmas não devem ser englobadas no concurso supervenientes de crimes. Isto porque, "não tendo sido cumpridas as penas de prisão substituídas e, portanto, não podendo as mesmas serem descontadas na pena única, tal englobamento só agravaria injustificadamente a pena única final" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/03/2012, processo 117/08.3PEFUN-C.S1. disponível em www.dgsi.pt).
De facto, verificamos que nos termos do disposto no artigo 78°, n° 1 do C.P. mesmo que as penas aplicadas aos crimes em situação de concurso já tenham sido declaradas extintas, as mesmas são englobadas na pena única, sendo descontado a parte já cumprida. Porém, este desconto não se mostra possível no caso de a pena de prisão aplicada ter sido substituída por uma pena não privativa da liberdade e a extinção ocorra por cumprimento da pena de substituição. Neste caso como não foi cumprido tempo de prisão, não haveria lugar a desconto na pena final, mesmo tendo sido cumprida a pena de substituição.
Os fundamentos que são invocados para não englobar na pena única a apurar numa situação de concurso superveniente de crimes a pena de prisão suspensa na sua execução declarada extinta por cumprimento das regras/injunções inerentes e pelo decurso do tempo, têm a mesma validade na pena de prisão substituída por pena de multa declarada extinta por cumprimento da pena de substituição.
Também neste caso, que é o caso dos presentes autos, o cumprimento da pena de substituição (porque não privativa da liberdade) não poderia ser descontado na pena única.
Pelos motivos expostos, entendemos que a pena aplicada nos presentes autos não deve ser englobada no concurso superveniente de crimes e, assim sendo, entendemos que não é nos presentes autos que o mesmo deve ser realizado.
Notifique.
Dê conhecimento aos processos 423/11.0 GAVLP (a correr termos no Tribunal Judicial de Valpaços) e 580/11.5PBCHV.
(…)»
2. Inconformado, o Ministério Público recorre, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [fls. 354-356]:
«A) Por decisão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, o tribunal competente para o conhecimento superveniente do concurso das penas aplicadas ao arguido B… nos processos com os n.º 423/11.0 GAVLP, 580/11.PBCHV e nos presentes autos é este 1º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves, por ter sido neste autos que foi proferida a última condenação do arguido;
B) O arguido foi condenado nos presentes autos na pena de 1 ano de prisão, substituída por 360 dias de multa, que pagou, razão porque foi aquela pena principal declarada extinta;
C) O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser designada data para a audiência de cúmulo jurídico, atenta a decisão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, referida em A);
D) Foi proferido despacho pelo Tribunal a quo no sentido de que, em síntese, a pena aplicada nos presentes autos não deve ser englobada no concurso superveniente de crimes e, assim sendo, entendemos que não é nos presentes autos que o mesmo deve ser realizado;
E) Decidiu o Tribunal a quo que mesmo que as penas aplicadas aos crimes em situação de concurso já tenham sido declaradas extintas, as mesmas são englobadas na pena única, sendo descontado a parte já cumprida. Porém, (...) no caso dos presentes autos, o cumprimento da pena de substituição (porque não privativa da liberdade) não poderia ser descontado na pena única;
F) É entendimento do Ministério Público que o cúmulo jurídico das penas em que o arguido B… foi condenado nos processos com os n.os 423/11.0GAVLP, 580/11.PBCHV e nos presentes autos é obrigatório, devendo englobar também as penas cumpridas e extintas;
G) O arguido foi condenado nos autos sub species numa pena, principal, de prisão, pena esta que foi declarada extinta pelo cumprimento, ainda que em virtude do pagamento da pena de multa substitutiva;
H) Não comungamos do entendimento perfilhado pelo Tribunal quo no sentido de que ao estarmos perante uma pena de multa, "(…) como não foi cumprido tempo de prisão, não haveria lugar a desconto na pena final, mesmo tendo sido cumprida a pena de substituição";
I) Não estamos perante uma situação de pena de execução suspensa que tenha sido declarada extinta pelo decurso do prazo sem revogação. Não estamos perante uma situação em que não há cumprimento da pena de prisão substituída;
J) O condenado tem direito à pena única, que o beneficiará, pois as penas em concurso, já cumpridas, sejam elas de multa e/ou de prisão, descontam-se "no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes";
K) O princípio constitucional da igualdade (art. 13º da CRP) sempre imporia a realização de cúmulo jurídico de penas de conhecimento superveniente e já cumpridas, cúmulo que beneficia visivelmente o condenado.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho ora posto em crise, e substituindo-o por outro que designe data para a audiência a que se refere o artigo 472.º do Código de Processo Penal e proceda ao cúmulo das penas em concurso. V. Excelências, no entanto, apreciando e decidindo, farão, como sempre, JUSTIÇA. (…)»
3. O arguido não respondeu.
4. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-geral Adjunta invoca a diferente natureza da pena destes autos, relativamente às outras que deverão integrar o concurso superveniente, para concluir não podem ser cumuladas e, como tal, que o recurso deve ser julgado improcedente [fls. 381-383].
5. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
II – FUNDAMENTAÇÃO
6. A questão objeto do recurso é a seguinte:
● em anterior acórdão, esta Relação decidiu que o juízo onde corre o presente processo [1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Chaves] é o competente para o conhecimento superveniente do concurso das penas aplicadas ao arguido nos autos e nos processos n.º 423/11.0 GAVLP [de 2 anos e 8 meses de prisão efetiva] e 580/11.PBCHV [90 dias de multa];
● nestes autos o arguido foi condenado na pena de prisão de 1 ano, substituída por 360 dias de multa, à razão diária de € 5;
● depois de proferida tal decisão, a pena destes autos foi declarada extinta, por cumprimento da pena de substituição [pagamento da multa];
● em face disso, a Exma. Juíza, em despacho preciso e objetivo, considera que “como não foi cumprido tempo de prisão, não haveria lugar a desconto na pena final, mesmo tendo sido cumprida a pena de substituição” – razão pela qual “a pena aplicada nos presentes autos não deve ser englobada no concurso superveniente de crimes e, assim sendo, entendemos que não é nos presentes autos que o mesmo deve ser realizado” [ver supra];
● por discordar, o Ministério Público [recorrente] sustenta que “o cúmulo jurídico beneficiará o arguido, pois as penas em concurso, já cumpridas, sejam elas de multa e/ou de prisão, descontam-se ‘no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes’” e “não estamos perante uma situação de pena de execução suspensa que tenha sido declarada extinta pelo decurso do prazo sem revogação. Não estamos perante uma situação em que não há cumprimento da pena de prisão substituída” [conclusões J) e I)].
7. Entendemos que a razão está com o despacho recorrido. É verdade que o artigo 78.º [Conhecimento superveniente do concurso] do Cód. Penal, na redação dada Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março [Código Penal de 1995], estabelecia:
1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes de a respetiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior. (…) [realce nosso].
8. A redação atual, dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, dita:
1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes [realce nosso].
9. Realçámos o texto que o legislador entendeu dever omitir, relativamente ao que antes constava, e aquele que entendeu dever acrescentar. Do cotejo das duas versões resulta claro e inequívoco que o legislador quis que as penas cumpridas, prescritas e extintas passassem a ser incluídas no concurso [Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior…], devendo ser descontada (na pena única) a pena já cumprida […sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes].
10. Isso mesmo surge, com transparência, na Exposição de Motivos da proposta de lei n.º 98/x, que esteve na base da referida Lei n.º 59/2007. Aí se lê: “(…) Ao nível sancionatório, prescreve-se que o conhecimento superveniente de novo crime que integre a continuação criminosa ou o concurso acarreta sempre a substituição da pena anterior, mesmo que já executada, depois de se ter procedido ao correspondente desconto, no caso de a nova pena única ser mais grave.”
11. Desde que obedeçam aos demais requisitos do concurso de infrações, (mesmo) as penas cumpridas devem ser cumuladas com as restantes. Quando se diz “cumpridas”, a lei está a referir-se a penas efetivamente cumpridas – sob pena de grave contrassenso, como veremos.
12. No caso dos autos a pena efetivamente cumprida não foi a pena principal de prisão [1 ano] mas sim a pena de multa de substituição. O que significa que, a realizar-se o requerido cúmulo jurídico entre a pena de prisão destes autos [1 ano] e a pena de prisão do proc. n.º 423/11.0GAVLP [2 anos e 8 meses], seguido de desconto daquela pena [1 ano] estaríamos a dar como assente que o condenado havia cumprido um ano de prisão, quando não cumpriu. Não se pode descontar um ano de prisão quando a pena que o condenando cumpriu foi a pena de multa de substituição. Se o fizéssemos, estaríamos a realizar uma operação sem correspondência com a realidade: descontávamos uma pena que não foi cumprida. O que foi cumprida foi a pena de multa de substituição.
13. Em situações semelhantes, relativas ao cúmulo jurídico com penas de prisão suspensas, o STJ vem entendendo que “I - No concurso de crimes superveniente não devem ser englobadas as penas suspensas já anteriormente declaradas extintas nos termos do art.º 57.º, n.º 1, do CP, pois, não tendo sido cumpridas as penas de prisão substituídas e, portanto, não podendo as mesmas serem descontadas na pena única, tal englobamento só agravaria injustificadamente a pena única final” [Ac. STJ de 29.03.2012 (Cons. Santos Carvalho). Tb Ac. STJ de 15.11.2012 (Maia Costa), em www.dgsi.pt].
14. Assim, não é possível cumular a pena efetivamente cumprida nestes autos [pena de multa] com a pena de prisão determinada no proc. n.º 423/11.0GAVLP.
15. Resta a hipótese de cúmulo jurídico das penas de multa: 360 dias de multa em substituição de prisão e 90 dias (pena principal) do proc. n.º 580/11.5PBCHV. Só que aqui estamos perante penas de multa de natureza diversa, insuscetíveis, por isso, de ser cumuladas [ver Ac. RP de 12.03.2014 (Eduarda Lobo): “I – Para se proceder ao cúmulo jurídico de penas é necessário que estas, além de estarem em concurso, sejam da mesma espécie. II – Quando, pela prática de um dos crimes em concurso, o tribunal aplique pena de multa como pena principal e, pela prática de outro ou outros crimes, aplique pena de prisão ou de multa em substituição da pena de prisão, as penas em concurso devem ser cumuladas materialmente, pois têm diferente natureza” – em www.dgsi.pt].
16. Com o que improcede o recurso.
A responsabilidade pela taxa de justiça
Sem tributação – isenção do Ministério Público [artigo 522.º, do Cód. Proc. Penal].
III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, os Juízes acordam em:
● Negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo o despacho recorrido.
Sem tributação.
[Elaborado e revisto pelo relator – em grafia conforme ao Acordo Ortográfico de 1990]

Porto, 15 de outubro de 2014
Artur Oliveira
José Piedade