Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
166/09.4TTOAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: CÁLCULO DA PENSÃO
RETRIBUIÇÃO
AJUDAS DE CUSTO
SUBSÍDIO DE TRANSPORTE
Nº do Documento: RP20141201166/09.4TTOAZ.P1
Data do Acordão: 12/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – Para que possa afirmar-se a existência de um erro de cálculo ou de escrita susceptível de ser rectificado nos termos do preceituado no artigo 614.º do CPC, é necessário que tal erro resulte ostensivamente do próprio conteúdo da decisão, ou dos termos que a precederam.
II – As LAT’s de 1997 e de 2009 deixaram de fazer remissão para os critérios da retribuição da lei geral, mas continuaram a conferir especial atenção ao elemento da regularidade no pagamento.
III – E exceptuam do conceito as prestações que se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, pois que não se traduzem num ganho efectivo para o trabalhador.
IV – Cabe ao empregador o ónus de alegar e provar a natureza compensatória de custos aleatórios dos valores regularmente pagos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 166/09.4TTOAZ.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
1.1. B…, intentou a presente acção declarativa emergente de acidente de trabalho contra:
Companhia de Seguros C…, SA e
D…, SA,
peticionando que a acção seja julgada procedente, por provada, e, por via dela, a condenação: a) da 2ª R., a pagar € 21.216,19 a título de indemnizações por incapacidades temporárias; b) de ambas as RR. a pagar ao A. pensão anual e vitalícia calculada com base no salário ilíquido anual de € 26.667,30; c) de ambas as RR. a pagar ao A. a quantia de € 14,00, a título de despesas de transporte; d) de ambas as RR. a pagar ao A. juros sobre as quantias em dívida até integral pagamento.
Em fundamento da sua pretensão, alegou, em síntese: que a 2ª R. é uma empresa de construção e o A. exercia a sua profissão de chefe de equipa ao serviço da mesma mediante a retribuição anual ilíquida de € 26.667,30; que no dia 5 de Junho de 2006, foi vítima de acidente de trabalho em consequência do qual sofreu lesões que foram causa de ITA por um período de 913 dias e ITP por um período de 128 dias de que apenas foi indemnizado pela seguradora; que não concorda com o resultado do exame médico que lhe atribuiu uma IPP de 16,1578%; que no momento do acidente trabalhava no interesse e por ordem, direcção e instruções da 1ª R., que a 2ª R. é uma empresa de construção e transferiu para a 2.ª a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho com os seus trabalhadores, sendo que quanto ao A. se encontrava transferida a responsabilidade pelo salário anual de € 14.806,96, “encontrando-se por transferir a parte da retribuição (€ 11.860,34) correspondente a outras retribuições que o A. auferia com carácter de regularidade, designadamente a retribuição por isenção de horário e as ajudas de custo como resulta dos recibos de vencimento juntos”; que a R. empregadora não reconheceu a responsabilidade pelo valor de € 11.860,34, por considerar que “o mesmo não deverá fazer parte da retribuição para efeitos de pagamento de quaisquer danos emergentes de acidente de trabalho”; que aquelas quantias a título de isenção de horário e ajudas de custo estão incluídas no conceito legal de retribuição e devem ser tidas em conta no cálculo da pensão a que tem direito.
A R. seguradora apresentou contestação, invocando que aceita a existência do contrato de seguro e o salário transferido, que discorda da incapacidade parcial permanente de que o autor se julga portador e que pagou a mais ao sinistrado o valor de € 1.345,26, que defende dever ser abatido aquando do pagamento do capital de remição. Requer, a final, a realização de exame por junta médica, formulando quesitos.
Igualmente a R. empregadora apresentou a contestação de fls. 333 e ss. na qual alegou, em suma: que reconhece o acidente de trabalho e a transferência para a Co-Ré Seguradora das responsabilidades decorrentes da retribuição anual de € 14.806,96, equivalente a € 749,00 x 14 meses (vencimento base) + € 164,78 x 14 (isenção de horário de trabalho) + € 121,00 x 11 meses (subsídio alimentação) + € 56,98 x 12 meses (outras retribuições); que não aceita que a quantia anual de € 11.860,34 faça parte do conceito de retribuição para cálculo da pensão e indemnização pelos períodos de incapacidade temporária; que as ajudas de custo tinham a finalidade de dotar o trabalhador de um fundo de maneio para fazer face às despesas pessoais acrescidas enquanto e por causa da sua situação de deslocado em relação à sua residência pessoal e não têm natureza retributiva nos termos da norma especial do artigo 260.º do CT, não tendo aplicação quanto a elas a presunção de retribuição e a extensão do conceito geral da LAT. Defende a sua absolvição do pedido.
O A. apresentou articulado de resposta às contestações nos termos de fls. 341 e ss., sustentando: que os pagamentos processados pelo empregador como isenção de horário e ajudas de custo integram a retribuição; que nunca suportou pessoalmente qualquer despesa devida pela sua deslocação da sua área de residência e foi sempre o empregador quem teve tais despesas; que o facto de se encontrar deslocado confere ao trabalhador o direito a receber, para além do salário base, e de outros montantes que sempre recebeu, uma retribuição acrescida devida exactamente por se encontrar deslocado; que se encontrava deslocado em Lisboa a exercer as suas funções profissionais e os montantes pagos a título de ajudas de custas eram-lhe devidos a título de retribuição normal; que a retribuição pela isenção de horário de trabalho deve ser levada em linha de conta no cálculo da pensão e que não há, no que às ajudas de custo respeita, qualquer compensação por gastos suportados pelo A. traduzindo-se simplesmente num acréscimo da retribuição normal durante todo o período em que o mesmo se mostre deslocado.
Foi proferido despacho saneador a fls. 347 e ss. e foram, também, seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória, peças que não foram objecto de reclamação.
Procedeu-se ao julgamento com observância das formalidades legais e foi decidida a matéria de facto em litígio, por despacho que também não foi objecto de reclamação (fls. 394 e ss).
Após, a Mm. Julgadora a quo proferiu sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
«1- Condena-se a ré Companhia de Seguros c…, SA a pagar ao Autor:
a) a quantia a liquidar em execução de sentença devida a título de incapacidade temporária parcial de 142 dias em função da retribuição anual de 14.806 96 € a que acrescem juros desde as datas de vencimento, mensais, de cada uma das referidas prestações.
b) a pensão anual de 1.674,65 € a que acrescem juros desde 27-09-2011.
c) o montante de 14 € a título de reembolso por despesas de deslocação a que acrescem juros desde 15-05-2012 e até efetivo e integral pagamento.
2- Condena-se a Ré D…, SA, a pagar ao Autor:
a) 24 666 € a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta a que acrescem juros desde as datas de vencimento, quinzenais, de cada uma das referidas prestações;
b) pensão anual de 1.573,14 € a que acrescem juros desde 27-09-2011;
c) a quantia a liquidar em execução de sentença devida a título de incapacidade temporária parcial de 142 dias em função da retribuição anual de 13.909,40 € a que acrescem juros desde as datas de vencimento, mensais, de cada uma das referidas prestações.
Desde já se autoriza à compensação do valor de 1.547,96 € pela Companhia de Seguros C…, SA.
Custas por ambas as Rés na proporção dos seus decaimentos.
Valor da ação: 75.183,13 €»
1.2. A R. D…, SA, inconformada, interpôs recurso desta decisão, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“1ª
Do teor da douta sentença resulta que o fundamento da condenação da Ré ora Recorrente assenta na circunstância de o Digno Tribunal a quo ter dado por não provado os quesitos 7º e 8º da base instrutória, segundo os quais as quantias pagas sob a rubrica “ajudas de custo” e “subsídio de transporte” se destinavam a dotar o trabalhador de um fundo de maneio para fazer face às despesas decorrente de estar deslocado da sua residência – reposta negativa esta conjugada com a presunção do art.º 26.º nº 3, 4 e 5 da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (LAT).

A ausência de prova testemunhal sobre a matéria em questão não constitui, por si só, condição necessária e suficiente para a conclusão de que as quantias pagas pela Ré Recorrente sob as rubricas “ajudas de custo” e “subsídio de transporte”, não visavam dotar o trabalhador de um fundo de maneio para o mesmo fazer face às suas despesas pessoais decorrente de estar deslocado da sua residência.

Sendo a amplitude do conceito da retribuição nos termos e para os efeitos da Lei dos Acidentes de Trabalho meramente especial – relativamente ao regime geral do art.º 258.º do Código do Trabalho –, de acordo com as regras gerais de interpretação de normas jurídicas, ela já não prevalece sobre a situação excepcional consagrada na norma do art.º 260.º, CT.

A excepção expressamente consagrada na Lei quanto à natureza (não) retributiva das ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte e outros, afasta quer a mera presunção de retribuição do art.º 258.º do CT, quer a extensão do conceito geral da LAT, na medida em que esta se encontra assente na simples regularidade quantitativa das atribuições patrimoniais feitas ao trabalhador, mas que é notoriamente inaplicável ao caso das despesas/custos – e correspondentes reembolsos – também inevitável e quantitativamente regulares (em que, portanto, pelo menos até prova em contrário, inexiste ganho para o trabalhador).

Dos factos provados não resulta que o Autor tenha demonstrou (como lhe competia) que as importâncias recebidas a título de “ajudas de custo” e “subsídio de transporte” constituíam contrapartida directa do seu trabalho.

Pelo que, sem quebra do muito devido respeito pela douta decisão recorrida, o Tribunal a quo deveria ter concluído que as verbas atribuídas a título de “ajudas de custo” e “subsídio de transporte” visavam preencher o seu desiderato normal e legal: o de procurar que o trabalhador não tivesse que “empobrecer” por via de despesas apenas tornadas necessárias por força da sua deslocação.
Ainda que assim se não entendesse, no que se não concede,

Resulta do teor da douta sentença do Tribunal a quo que a determinação das quantias pagas pela Ré Recorrente ao Autor sob as rubricas “ajudas de custo” e “subsídio de transporte” emergiu da prova documental junta aos autos (recibos de remuneração).

Sucede que, comparando os montantes discriminados nos recibos de remuneração e os constantes do facto provado H), verifica-se que a média mensal de “ajudas de custo” e “subsídio de transporte” apurada pelo Tribunal a quo padece de erro de cálculo ou de escrita.

Ora, reconhecendo o Tribunal a quo que a média mensal de “ajudas de custo” e “subsídio de transporte” resultou dos montantes identificados nos recibos de remuneração juntos aos autos, por aplicação da fórmula de cálculo prevista no n.º 5 do art.º 26.º da LAT, temos, com o devido respeito, que se deverá proceder à rectificação dos mesmos, dando-se como provado que, sob a denominação “ajudas de custo” e “subsídio de transporte”, a Ré Recorrente pagou ao Autor os montantes anuais de € 10.943,73 e € 1.758,75, respectivamente.
Termos em que, e nos melhores de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando a douta sentença na parte aplicável, absolvendo-se desta forma a Apelante do pedido.”
1.3. O A. respondeu à alegação da R. nos termos de fls. 418 e ss., defendendo a improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.
Concluiu do seguinte modo:
“Considerando que
1ª - Resulta do exame quanto à decisão sobre a matéria de facto, e as respostas aos quesitos da Base Instrutória, que a Meritíssima Juiz “A Quo” fez uma análise exaustiva, perfunctória e pormenorizada de toda a prova, quer documental, quer testemunhal, e teve o cuidado, primoroso diga-se, de escalpelizar toda a prova, fazendo uma análise crítica e fundamentada da mesma ... Não emergindo daquelas respostas à matéria de facto, nem da prova valorada, qualquer contradição que pudesse apontar pelo erro na respectiva apreciação ... De tal modo que o raciocínio seguido na Sentença, com suporte nas respostas à matéria de facto, assenta na valoração feita dos factos e do direito, e revela-se perfeitamente coerente e lógica com a decisão, não padecendo de qualquer vício.
2ª - Resulta dos factos provados na Sentença sob os itens A), B), C), D), E), F), G) e H) que a Ré dedica-se à actividade de construção civil (al’A) dos factos assentes) … que no dia 05/06/2006, pelas 16 horas o A. encontrava-se a soldar quando a solda saltou e entrou para o ouvido interno provocando queimadura no canal auditivo externo (als.B) e C) dos factos assentes) que em 05/06/2006 a remuneração paga pela Ré ao Autor ascendia ao valor mensal de 749€ assinalado em recibo a título de retribuição base acrescidos de 162,14€ pela isenção de horário de trabalho, subsídio de refeição no valor de 5€ por cada dia de trabalho efectivo, subsídio de transporte à razão de 8,75€ por cada dia de trabalho efectivo. E, ainda, o valor mensal variável assinalado como “ajudas de custo” que foi: de 1006,70€ em Junho de 2005, 1126,49€ em Julho de 2005; de 650€ em Agosto de 2005; de 1378,1€ em Setembro de 2005; de 1059,80€ em Outubro de 2005; de 741,86€ em Novembro, de 1271,76€ em Dezembro de 2005; de 1430,73€ em Janeiro de 2006; de 1006,81€ em Fevereiro de 2006; de 1299,63€ em Março de 2006, de 981,66€ em Abril de 2006 e de 1165,78€ em Maio de 2006.
4ª - Nos termos do artº.342º, nº.1 do Código Civil àquele que invocar o direito cabe fazer prova dos factos constitutivos desse direito. A aplicação das regras estabelecidas no artº.342º do C. Civil é automática como refere Menezes Cordeiro, in O Direito, 121 – 89.
5ª - Não obstante os dizeres dos recibos de remuneração juntos aos autos constar que determinadas parcelas (identificadas nas als.a) e b) da al’H) do factos provados, eram pagas a título de ajudas de custo e de subsídio de transporte, tinham carácter regular e não se destinavam a cobrir quaisquer custos aleatórios do Autor. De facto, nos termos do nº.3 do artº.26º da LAT (Lei 100/97, de 13/09 “Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considera como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas mensalmente que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”. Desta redacção legal é legítimo extrair o entendimento de que se adoptou um conceito de retribuição mais abrangente do que o previsto no artigo 258º do Código do Trabalho, abarcando, para além do salário normalmente auferido pelo trabalhador, tantos as prestações pecuniárias de base, como as acessórias e pagamentos em espécie. Têm é de corresponder a uma vantagem económica do trabalhador/sinistrado.
6ª - No regime jurídico estabelecido no artº.26º da LAT o legislador conferiu especial atenção ao elemento periodicidade ou regularidade no pagamento. Esta característica da regularidade ou periodicidade que assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhado. Neste particular o artº.26º da LAT remete, necessariamente, para o critério geral constante do artº.258º do Código do Trabalho, que no seu nº.2 dispõe que a retribuição compreende a retribuição base mas também outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou espécie. Sendo que no nº.3 do mesmo dispositivo legal resulta que a presunção de que qualquer prestação do empregador ao trabalho traduz retribuição.
7ª - O legislador, ao lançar mão da expressão «regular», se referiu a uma remuneração não arbitrária mas que segue uma regra permanente, sendo, portanto, constante. Por outro lado, exigindo um carácter «periódico», a lei considera que ela deve ser relativa a períodos certo no tempo (ou aproximadamente certos), de modo a integrar-se na própria ideia de periodicidade e de repetência inserta no contrato de trabalho e nas necessidades recíprocas dos dois contraentes que este contrato de destina servir. Excluem-se do conceito de retribuição certas atribuições anormais e problemáticas, que por isso mesmo não devem ser computadas num rendimento com que se pode seguramente contar. Mas essas exclusões são compensadas pela abrangência de prestações, que muito embora sejam à partida retribuição, nela acabam por ser integradas dado o seu carácter regular e permanente, que faz com que o trabalhador as preveja como normais no seu orçamento, isto é, “conte com elas” – cfr. Bernardo Lobo Xavier in Curso de Direito do Trabalho, 2ª Ed.
8ª - Decorre da prova documental junta aos autos, que os valores mensais pagos ao Autor e constantes da al’H) dos factos provados, tinham carácter regular, ainda que variável no seu montante, devendo considerar-se como parte integrante da remuneração do Autor, sobretudo porque foram sempre pagos por forma a criar no espírito deste a convicção de que constituem complemento normal do salário.
9ª - O nº.3 do artº.258º do C. do Trabalho estabelece uma presunção legal de que constitui retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador. Do que resulta, tendo em conta os princípios de repartição do ónus de prova, e, especificamente, o disposto no nº.1 do artº.344º do Código Civil, que sobre o empregador impende o ónus de provar que certa prestação que o mesmo fez ao seu trabalhador não tem a natureza de retribuição – cfr. Ac. Do STJ de 4/7/2002, in www.dgsi.pt. … Para que uma qualquer prestação paga pela entidade empregadora ao trabalhador possa ser qualificada como retribuição, e assim dever integrar a mesma, carece, então, de revestir certas e determinadas características. Desde logo, tem de tratar-se de uma prestação regular e periódica, estando, assim excluídas do conceito de retribuição todas as prestações de carácter esporádico. Aliás, com a expressão regular a lei refere-se a uma prestação constante, não arbitrária, permanente.
10ª - Valem também como retribuição, no âmbito da LAT (lei 100/97, de 13/09), todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios – cfr. Ac. Tribunal Relação de Coimbra de 10/09/2009, in www.dgsi.pt. … E, indo ao encontro a esta previsão legal, o STJ, por Acórdão de 2/12/2004, in CJ/STJ, Tomo III, pg.286, decidiu que as “ajudas de custo” não podem ser consideradas no cálculo de uma pensão emergente de acidente de trabalho se não assumirem a natureza de prestações de carácter retributivo.
11ª - Está provado, para alem do mais, que a Ré pagava uma quantia a título de “subsídio de transporte” à razão de € 8,75 por cada dia de trabalho efectivo [al’H) dos factos provados], e um valor variável, mas regular, assinalado como “ajudas de custo” [al’H) dos factos provados].
12ª – Perante a factualidade dada por provada, não se pode considerar que essas quantias pagas a título de subsídio de transporte e de ajudas de custo se destinavam a compensar o Autor por custos aleatórios. Estamos perante prestações de carácter regular e periódico, que eram pagas sempre e quando o Autor se encontrasse a trabalhar … Aleatório é aquilo que está sujeito a contingências, dependente do acaso ou de circunstâncias imprevisíveis ... que é causal ou fortuito -. Cfr- Ac. Tribunal Relação de Coimbra de 10/09/2009, in www.dgsi.pt.
13ª – Embora formalmente apelidadas de “subsídio de transporte” e “ajudas de custo”, tal não significa que essas simples denominação confira, sem mais, tal característica ao pagamento de € 8,75/dia de trabalho e dos montantes de 1006,70€ em Junho de 2005, 1126,49€ em Julho de 2005; de 650€ em Agosto de 2005; de 1378,1€ em Setembro de 2005; de 1059,80€ em Outubro de 2005; de 741,86€ em Novembro, de 1271,76€ em Dezembro de 2005; de 1430,73€ em Janeiro de 2006; de 1006,81€ em Fevereiro de 2006; de 1299,63€ em Março de 2006, de 981,66€ em Abril de 2006 e de 1165,78€ em Maio de 2006.Verifica-se a natureza e regular do seu pagamento, e nada ficou provado acerca de se, com esse pagamento, a Ré procurava compensar as despesas concretas que o Autor suportava por se encontrar deslocado da sua residência.
14ª - Da factualidade concreta não resulta, como pretende a Ré/Apelante, que o seu pagamento se destinava a compensar o Autor por custos aleatórios, em sentido próprio. E o que é facto é que ele (Autor) sabia que fossem quais fossem as suas despesas, receberia sempre aquelas prestações (ainda que variáveis nos seus montantes). Assim sendo, não se pode considerar afastada a presunção de que tal pagamento constituía retribuição do Autor, constituindo ónus da Ré/Apelante elidir a mesma… o que não fez.
15ª - Da prova produzida em sede de julgamento, ficou provado que o trabalhador estava deslocado da sua residência, sendo o alojamento fornecido pela Ré, bem assim o transporte era feito em veículo desta com todas as despesas das viagens (combustível e portagens) a seu cargo (Ré).
16ª - Teria de ser a Ré/Apelante a alegar e provar que as quantias pagas a título de “subsídio de transporte” e “ajudas de custo” se destinavam a compensar o Autor pelas despesas realizadas por si por ocasião da prestação do trabalho para aquela ou por causa dele – cfr. Ac. Do STJ de 6/02/2008, in www.dgsi.pt. … E, face a esse non liquet probatório, terá de considerar-se como uma componente de cariz retributivo e, como tal, serem considerados no cálculo da pensão do Autor os montantes por si auferidos a título de “subsídio de transporte” e de “ajudas de custo.
17ª - Provados que foram os montantes que a Ré/Apelante pagava ao Autor sobre a denominação no recibo de vencimento de “ajudas de custo” e “subsídio de transporte”, o Tribunal “A Quo” procedeu correctamente ao cálculo da média mensal, com vista ao cálculo da pensão devida àquele. Sendo que os montantes constantes da Sentença revidenda, assentam na prova documental junta aos autos, tendo o seu cálculo efectuado à média do valor das prestações auferidas pelo Autor no ano anterior ao da ocorrência do acidente de trabalho.
18ª - Da factualidade dada por provada, tendo por base os documentos juntos aos Autos – recibos de vencimento do Autor relativos ao ano anterior ao acidente – o cálculo da média aludida naquele dispositivo legal foi feita com base nos dias de trabalho efectivamente prestado pelo Autor no ano imediatamente anterior ao dia do acidente (05-06-2006). Cálculo esse que o Tribunal “A quo” fez correctamente, nada havendo a ser corrigido ou alterado na sentença revidenda.
19ª – A Sentença ora objecto de recurso não violou qualquer dos dispositivos legais invocados pela Ré/ Apelante.”
1.4. Mostra-se lavrado despacho de admissão do recurso a fls. 435, tendo sido fixado o efeito suspensivo atenta a caução prestada pela R. recorrente.
1.5. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, cujo douto Parecer não mereceu resposta das partes, sustentou que o recurso não merece provimento.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso.
Assim, vistas as conclusões do recurso, verificamos que a este tribunal se colocam, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes questões:
1.ª da correcção dos valores indicados na alínea H) da matéria de facto como média mensal de “ajudas de custo-estrangeiro” e “subsídio de transporte”, ou da existência de erro de cálculo ou de escrita no seu apuramento pelo tribunal a quo;
2.ª – se as quantias que eram pagas mensalmente ao sinistrado a título de “ajudas de custo-estrangeiro” e “subsídio de transporte” têm a natureza de retribuição para efeitos do cálculo da pensão e indemnizações devidas em virtude do acidente de trabalho por ele sofrido;
3.ª – da responsabilidade da recorrente pela reparação do acidente.
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3. Fundamentação de facto
3.1. Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:
«[...]
São os seguintes os factos provados resultantes da tentativa de conciliação, da matéria assente da resposta às alíneas da base instrutória e do apenso para fixação de incapacidade:-.,
A) A Ré D1..., SA, dedica-se à actividade de construção de estradas, obras públicas e afins.
B) No dia 05 de Junho de 2006, pelas 16 horas encontrava-se a soldar quando a solda saltou e entrou para o ouvido interno.
C) Provocando queimadura no canal auditivo externo.
D) A Ré D… celebrou com a Ré Companhia de Seguros C…, SA um contrato de seguro de acidente de trabalho pelo qual esta assumiu a responsabilidade pelo pagamento de 60% das quantias devidas ao Autor no caso de acidente de trabalho pelo salário anual de 14.806,96 € e a E…, SA o pagamento de 40 % das mesmas.
E) A Ré Companhia de Seguros C…, SA incorporou, por fusão a E… Companhia de Seguros, SA.
F) A Ré Companhia de Seguros C…, SA pagou ao Autor o valor de 27.805,63 € por incapacidades temporárias por ele sofridas em virtude do acidente dos autos.
G) A Ré D… admitiu o Autor em 07-05-2001 para sob as suas ordens, direcção e fiscalização exercer a profissão de chefe de equipa.
H) Mediante remuneração então acordada e que em 05 de Junho de 2006 ascendia a:
a) valor mensal de 749 € assinalado em recibo a título de retribuição base acrescidos de 162,14 € pela isenção de horário de trabalho, subsídio de refeição no valo de 5 € por cada dia de trabalho efetivo, subsídio de transporte à razão de 8, 75 € por cada dia de trabalho efetivo.
b) valor mensal variável assinalado como "ajudas de custo" que foi: de 1006,70 € em Junho de 2005, 1126,49 em Julho de 2005; de 650 € em Agosto de 2005; de 1378,1 € em Setembro de 2005; de 1059,80 em Outubro de 2005; de 741,86 em Novembro, de 1271,76 em Dezembro de 2005; de 1.430,73 € em Janeiro de 2006; de 1006, 81 € em Fevereiro de 2006; de 1.299,63 € em Março de 2006, de 981,66 € em Abril de 2006 e de 1 165, 78 em Maio de 2006
I) Por causa do referido em C), o Autor esteve com incapacidade temporária absoluta por 912 dias.
J) E esteve com incapacidade temporária parcial por 142 dias.
K) O Autor necessita de cuidados permanentes por causa da referida doença.
L) O Autor despendeu 14 € com deslocações para o Tribunal e o GML por causa do acidente dos autos.
M) O autor é portador de incapacidade parcial permanente de 16, 157% por causa do acidente dos autos.
N) O autor teve alta em 27-09-2011.
[...]».
3.2. Embora não impugne formalmente a decisão de facto, a recorrente formula claramente a pretensão de que se alterem os valores constantes da alínea H) da matéria de facto como média mensal de “ajudas de custo” e “subsídio de transporte”, alegando ter existido erro de cálculo ou de escrita no seu apuramento pelo tribunal a quo.
No desenvolvimento das alegações, invoca que a determinação das quantias pagas pela Ré ao Autor sob as rubricas “ajudas de custo” e “subsídio de transporte” emergiu da prova documental junta aos autos (recibos de remuneração) e que, comparando os montantes discriminados nos recibos de remuneração e os constantes do facto provado H), se verifica que a média mensal de “ajudas de custo” e “subsídio de transporte” apurada pelo Tribunal a quo padecer de erro de cálculo ou de escrita e sustenta que se deverá proceder à rectificação dos mesmos, dando-se como provado que, sob a denominação “ajudas de custo” e “subsídio de transporte”, a Ré pagou ao Autor os montantes anuais de € 10.943,73 e € 1.758,75, respectivamente.
Ora, para que possa afirmar-se a existência de um erro de cálculo ou de escrita susceptível de ser rectificado nos termos do preceituado no artigo 614.º do CPC, é necessário que tal erro resulte ostensivamente do próprio conteúdo da decisão, ou dos termos que a precederam.
O erro material verifica-se “quando o juiz escreveu coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da decisão não coincide com o que o juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real”[1] e o preceito que permite a sua correcção destina-se a colmatar casos em que do próprio conteúdo da decisão, ou dos termos que a precederam, se depreenda clara e manifestamente que se escreveu coisa diferente da que se queria escrever[2].
O que no caso não ocorre com a leitura da sentença, ou, sequer, com a leitura do despacho que decidiu a matéria de facto em litígio, que se apresentam lógicos e coerentes, não se descortinando dos mesmos que corporizem um qualquer erro de cálculo ou de escrita.
Tanto bastaria para que se não pudesse acolher a pretensão da recorrente, em face dos termos em que se mostra formulada.
De todo o modo, deve dizer-se que mesmo a análise dos meios probatórios indicados pela recorrente – os recibos juntos aos autos – não é, de per si, de molde a permitir a conclusão pela verificação do apontado erro.
Com efeito, ainda que a prova dos valores em causa tivesse resultado somente da ponderação dos recibos juntos aos autos e fosse lícito ao tribunal de recurso deles se socorrer para dar como assentes factos relativamente aos quais os mesmos se revistam de força probatória plena (artigo 376.º do Código Civil), também da leitura dos recibos se não retira com evidência ter-se verificado um erro de cálculo ou de escrita quando se julgaram provados os valores inscritos na alínea H) dos factos provados. A verdade é que o esforço argumentativo que a recorrente faz no sentido de demonstrar quais os valores que entende terem sido efectivamente auferidos a título de “ajudas de custo” e “subsídio de transporte” em cada mês e quais os que corresponderão à média dos doze meses que precederam o mês do acidente, não encontra um respaldo evidente naqueles documentos, sendo necessária uma análise dos dizeres e sinais deles constantes, análise que pode ter sido esclarecida no tribunal a quo pela prova pessoal produzida em audiência, o que não podemos averiguar, pois que não foi pedida a reapreciação da prova testemunhal.
O que não pode este tribunal de recurso é bastar-se com a singela análise dos documentos (inconclusiva sem o esclarecimento de quem conheça o exacto significado do que deles consta) e com a afirmação da R. constante das alegações de recurso de qual é o significado que ela própria pretendia atribuir aos termos e sinais (negativos) que fez constar dos recibos que emitiu, para alterar a alínea H) dos factos provados na parte em que se descrevem os valores auferidos mensalmente pelo A. ora recorrido a título de “ajudas de custo” e “subsídio de transporte”.
Acresce que, lido o despacho que decidiu a matéria de facto em litígio, se verifica que para responder ao quesito 2.º – que depois deu origem à alínea H) dos factos provados – a Mma. Julgadora a quo ponderou prova documental, é certo, mas também prova testemunhal, identificando várias testemunhas e analisando os seus depoimentos também quanto a esta matéria, não podendo afirmar-se neste momento com segurança que a demonstração dos valores que agora a recorrente pretende ver corrigidos resultou exclusivamente da prova documental em que consistem os recibos e não terá resultado, também, da ponderação daquela prova de natureza pessoal.
Assim, uma vez que não é patente a existência de um erro de cálculo ou de escrita e a recorrente não impugnou formalmente a decisão de facto, com observância dos ónus prescritos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho, não pode acolher-se a sua pretensão de ver alterada a alínea H) de tal decisão.
Improcedem, neste aspecto, as conclusões do recurso.
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4. Fundamentação de direito
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4.1. A questão de direito essencial suscitada pela recorrente prende-se com a invocação de que não têm a natureza de retribuição, para efeitos do cálculo da pensão e indemnizações devidas em virtude do acidente de trabalho sofrido pelo ora recorrido, as quantias que lhe eram pagas mensalmente a título de “ajudas de custo-estrangeiro” e “subsídio de transporte”.
4.1.1. Uma vez que o acidente ocorreu em 5 de Junho de 2006, aplica-se ao caso sub judice a Lei dos Acidentes de Trabalho aprovada pela Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2000, por força do disposto no art. 1.° do Decreto-Lei nº 382-A/99 de 22 de Setembro[3].
À data encontrava-se em vigor o Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, de cujo regime se deve lançar mão atento o disposto nos artigos 3.º, n.º 1 e 8.º, n.º 1 desta Lei.
4.1.2. A propósito dos princípios gerais da retribuição, dispõe o artigo 249.º do Código do Trabalho de 2003 que:
“1. Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2. Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou espécie.
3. Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador”.
Assim, começando por qualificar no n.º 1 as diferentes prestações que constituem retribuição, qualificação que deverá ser integrada pela presunção estabelecida no n.º 3, refere no n.º 2 o conteúdo da retribuição, a chamada "retribuição complexiva", que pode abranger numerosas prestações pecuniárias ou em espécie.
A noção legal de retribuição, conforme se deduz deste preceito, será a seguinte: o conjunto de valores (pecuniários ou não) que o empregador está obrigado a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida)[4].
A retribuição representa, assim, a contrapartida, por parte do empregador, da prestação de trabalho efectuada pelo trabalhador, sendo que o carácter retributivo de uma certa prestação exige regularidade (no sentido de constância) e periodicidade (no sentido de ser satisfeita em períodos aproximadamente certos) no seu pagamento, o que tem um duplo sentido: por um lado apoia a presunção da existência de uma vinculação prévia do empregador; por outro lado assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador, conferindo relevância à íntima conexão existente entre a retribuição e a satisfação das necessidades pessoais e familiares do trabalhador[5].
Do conceito legal apenas se excluem as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, por instrumento de regulamentação colectiva, por contrato individual ou pelos usos da profissão e da empresa e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da actividade pelo trabalhador ou uma situação de disponibilidade deste para essa prestação, prestações que tenham, pois, uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração da disponibilidade para o trabalho[6].
Especificamente no que diz respeito às ajudas de custo e outros abonos, dispõe o artigo 260º do Código do Trabalho de 2003 que:
"1. Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações ou novas instalações, feitas em serviço da entidade patronal, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte que excedam as respectivas despesas normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição ao trabalhador.
2. O disposto no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição".
Nestas situações em que as importâncias são pagas a título de ajudas de custo ou outros abonos, vg. de viagem, embora verificando-se a regularidade e periodicidade no pagamento, a prestação não constitui retribuição, justamente porque tem uma causa distinta da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho. Como observam Jorge Leite e Coutinho de Almeida, “tais importâncias não visam pagar o trabalho ou sequer a disponibilidade para o trabalho e não representam qualquer ganho efectivo do trabalhador, não sendo, por isso, retribuição”[7]. Trata-se, apenas, de ressarcir o trabalhador de despesas que este suporta em virtude da prestação do trabalho[8].
Por isso se compreende a excepção à excepção estabelecida na parte final da norma, que confere qualificação retributiva à parte das importâncias em causa que exceda os montantes normais das deslocações ou despesas que visa ressarcir, se aquelas importâncias foram previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador.
Ou seja, provando o trabalhador o pagamento regular de uma determinada prestação e gozando, por consequência, da presunção legal de que ela constitui retribuição (artigo 249.º, n.º 3), ao empregador compete ilidir tal presunção (art. 350º, nº 1, do Cód. Civil), ilisão que se mostra feita se demonstrar que a atribuição patrimonial por ele feita ao trabalhador constitui “ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes”, o que pode ser feito, quer demonstrando a natureza dos custos que ela se destina contratualmente a compensar, vg. através de previsão em instrumento normativo de natureza contratual (individual ou colectiva), quer demonstrando qual o tipo de gastos que efectivamente compensou quando foi paga.
E, se o empregador demonstrar que a prestação integra alguma destas situações que estão previstas no artigo 260.º do Código do Trabalho de 2003, competirá então ao trabalhador o ónus da prova de que, não obstante, tal prestação excedia as despesas normais e foi prevista no contrato ou deve considerar-se pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador (art. 342º, nº 2, do Código Civil)[9].
4.1.3. Quando se mostra necessário encontrar um valor que constitui a base de cálculo para atribuições patrimoniais colocadas na dependência da retribuição – no caso as indemnizações e pensões devidas por força do acidente de trabalho sofrido pelo trabalhador ora recorrido –, a determinação de tal valor da retribuição faz-se "a posteriori", operando sobre os convénios estabelecidos e a massa das atribuições patrimoniais consumadas pelo empregador em certo período de tempo, devendo o intérprete ter presente o especial regime jurídico a atender e o fim prosseguido com a respectiva norma.
Alcança-se assim a chamada "retribuição modular"[10], no sentido de que exprime o padrão ou módulo do esquema remuneratório do trabalhador, homogeneizando e sintetizando, em referência à unidade de tempo, a diversidade inorgânica das atribuições patrimoniais realizadas ou devidas.
O critério legal dos arts. 242º e segs. do Código do Trabalho constitui um instrumento de resposta ao problema da determinação "a posteriori" da retribuição modular, mas não é suficiente, nem se pode aplicar com excessiva linearidade, devendo o intérprete ter sempre presente a específica razão de ser ou função de cada particular regime jurídico ao fixar os componentes ou elementos que imputa na retribuição modular ou "padrão retributivo".
4.1.4. No âmbito do regime jurídico de natureza especial de reparação dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais estabelecido na Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (LAT) – aquele em que agora nos movemos – é o artigo 26.º que rege sobre a retribuição atendível para o cálculo das indemnizações e pensões e estabelece nos seguintes termos:
"1. As indemnizações por incapacidade temporária absoluta ou parcial serão calculadas com base na retribuição diária ou na 30a parte da retribuição mensal ilíquida, auferida à data do acidente, quando esta representar a retribuição normalmente recebida pelo sinistrado.
2. As pensões por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, serão calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente recebida pelo sinistrado.
3. Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
4 - Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras remunerações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.
(…)".
Este artigo 26.º da L.A.T. adopta um conceito de retribuição que, aproximando-se, num primeiro momento, do conceito genérico vertido no artigo 249.º do Código do Trabalho de 2003, acaba por nele integrar, num segundo momento, todas as prestações que assumam carácter de regularidade, perfilhando um conceito mais abrangente que apenas alude, para efeitos de exclusão retributiva, ao destino aleatório das prestações.
O legislador conferiu particular atenção ao elemento periodicidade ou regularidade no pagamento ao dispor que por “retribuição mensal” se entende "todas as prestações recebidas com carácter de regularidade", acrescentando expressamente que esta “não” abarca as prestações regulares que “se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”.
Deixou pois a LAT de fazer remissão para os critérios da lei geral (como sucedia no âmbito da Base XXIII da Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965, em que o legislador começava por definir retribuição através de uma remissão genérica para "tudo o que a lei considere como seu elemento integrante"), mas continuou a conferir especial atenção ao elemento da regularidade no pagamento.
E exceptua agora expressamente do conceito as prestações que se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios que tenha que suportar por causa do trabalho, consagrando o que já anteriormente constituía entendimento uniforme da jurisprudência do STJ, no sentido de que as prestações que constituam ajudas de custo regulares não se qualificam como retribuição quando têm efectivamente uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração da disponibilidade para o trabalho, e não se traduzem num ganho efectivo para o trabalhador[11].
A característica essencial da retribuição que a LAT releva – marcada apenas pela regularidade da sua percepção e com a excepção das prestações destinadas a compensar custos aleatórios – assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador e, por essa via, confere relevância ao nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares do mesmo.
Bem se compreende que assim seja.
Procurando-se com as indemnizações ou pensões fixadas na sequência de um acidente de trabalho, compensar o trabalhador da falta ou diminuição da sua capacidade laboral e, consequentemente, da falta ou diminuição dos rendimentos provenientes do trabalho, lógico é que, para o cálculo daquelas indemnizações ou pensões, se atenda a todas as prestações que o empregador satisfazia e em função das quais o trabalhador programava regularmente a sua vida (por não serem desde logo absorvidas em custos aleatórios).
Só não deverão contabilizar-se neste módulo retributivo assinalado essencialmente pela medida das expectativas de ganho do trabalhador aquelas prestações que, na palavra do artigo 26.º da LAT de 1997, se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, ou seja, aquelas que têm uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho.
Tal ocorre manifestamente nos casos da recepção pelo trabalhador do valor correspondente ao preço do transporte, alojamento e alimentação no caso de transferência de local de trabalho, bem como das ajudas de custo e subsídio de deslocação devidos como compensação enquanto perdurar a execução de determinada tarefa, numa área de laboração distinta da habitual e num condicionalismo que não permita ao trabalhador organizar a sua vida pessoal e familiar nos termos normais, tendo custos acrescidos pelo facto de trabalhar. Estes valores estão arredados do cômputo da "retribuição-base" para o cálculo das pensões e indemnizações por acidentes de trabalho por força do especial regime que emerge do artigo 26.º, n.º 3 da LAT, e sem necessidade de lançar mão do regime geral emergente dos artigos 249.º e 260.º do Código do Trabalho de 2003.
4.1.5. Em face deste quadro normativo – geral e especial –, é de considerar que as quantias efectivamente pagas ao sinistrado por virtude do trabalho prestado nos meses que antecederam o acidente a título de “ajudas de custo” e “subsídio de transporte”, atento o seu carácter de regularidade, são susceptíveis de se integrar no "padrão retributivo" ou "retribuição modular" a que fizemos referência. A regularidade do seu pagamento assim o determina à face do artigo 26.º da LAT de 1997.
Na verdade, provou-se nestes autos que à data do acidente o autor auferia um valor mensal de 749 € assinalado em recibo a título de retribuição base acrescidos de 162,14 € pela isenção de horário de trabalho, subsídio de refeição no valor de 5,00 € por cada dia de trabalho efectivo, subsídio de transporte à razão de 8,75 € por cada dia de trabalho efectivo e um valor mensal variável assinalado como "ajudas de custo" que foi: de 1006,70 € em Junho de 2005, 1126, 49 em Julho de 2005; de 650 € em Agosto de 2005; de 1378, 1 € em Setembro de 2005; de 1059, 80 em Outubro de 2005; de 741, 86 em Novembro, de 1271, 76 em Dezembro de 2005; de 1 430, 73 € em Janeiro de 2006; de 1006, 81 € em Fevereiro de 2006; de 1 299, 63 € em Março de 2006, de 981, 66 € em Abril de 2006 e de 1 165, 78 em Maio de 2006 (facto H).
A prestação mensal assinalada nos recibos a título de “ajudas de custo”, é manifestamente de natureza regular. A despeito de o seu montante ter sofrido alguma variação ao longo dos 12 meses que precederam o acidente, foi paga em todos eles, em valores que oscilaram entre os cerca de € 1.000,00 e € 1.400,00, havendo constância no seu pagamento.
O mesmo se diga quanto ao denominado “subsídio de transporte”, pago à razão de 8,75 € por cada dia de trabalho efectivo.
E, assim, constituindo prestações recebidas com carácter de regularidade e periodicidade, devem ser qualificados como retribuição à luz da previsão da primeira parte do artigo 26.º, n.º 3 da LAT (sem necessidade, sequer, de lançar mão da presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 249.º do Código do Trabalho).
A questão que se coloca consiste em saber se se verifica a excepção a esta regra que se retira da 2.ª parte do indicado n.º 3 do artigo 26.º da LAT: destinarem-se aqueles valores a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
Com efeito, constituindo a LAT lei especial face ao regime geral da retribuição que emerge dos artigos 242.º e ss. do Código do Trabalho (incluindo o que prescreve o seu artigo 260.º) é aos seus preceitos que deve o intérprete recorrer em primeira linha, sem prejuízo do contributo da lei geral naquilo que não tiver regulação expressa na lei especial.
É ao empregador que cabe o ónus da prova dos factos integrantes da excepção enunciada na parte final do artigo 26.º, n.º 3 da LAT, nos termos prescritos no artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil. Com efeito, não se trata já aqui de ilidir uma presunção como ocorre à face da lei geral (pois que a primeira parte da norma afirma a qualificação retributiva, não indicando que a mesma se presume como ocorre com o artigo 249.º do CT) pelo que não cabe lançar mão do artigo 350.º do Código Civil, mas de provar o facto impeditivo da natureza retributiva que é enunciado na segunda parte do n.º 3 do artigo 26.º da LAT.
Seja como for, é pacífica a jurisprudência no sentido de que cabe ao empregador o ónus de provar a natureza compensatória de custos aleatórios dos valores pagos[12], bem como de que o que é determinante para aferir a natureza das atribuições patrimoniais não é a sua denominação ou o modo como o empregador as classifica nos recibos emitidos, mas o fim a que se destinam[13].
Ora, apesar da alegação que fez constar da sua contestação, não logrou a recorrente empregadora provar que qualquer das quantias que pagava ao sinistrado se destinasse a compensar custos aleatórios. Especificamente no que diz respeito aos valores assinalados nos recibos como “ajudas de custo”, ficou demonstrado que as prestações em causa foram auferidas em 12 meses no ano que antecedeu o acidente e não logrou a recorrente provar, apesar do que ficou perguntado nos pontos 7.º e 8.º da base instrutória, factos demonstrativos de que as mesmas tivessem a natureza de “ajudas de custo”, nada permitindo afirmar que as ditas prestações regularmente conferidas, e em valores relevantes, pagavam (e em que medida) despesas acrescidas que o A. teria que suportar consigo por força de se encontrar a trabalhar deslocado.
Não pode, pois, proceder a crítica que a recorrente assacou à decisão recorrida no sentido de que a mesma devia ter concluído que as verbas atribuídas a título de “ajudas de custo” e “subsídio de transporte” visavam preencher o seu desiderato normal e legal de procurar que o trabalhador não tivesse que “empobrecer” por via de despesas apenas tornadas necessárias por força da sua deslocação.
Uma vez conferida resposta negativa aos quesitos 7.º e 8.º, nunca poderia o tribunal a quo, por via presuntiva ou qualquer outra, afirmar que se verificava a realidade neles perguntada.
Conforme constitui jurisprudência pacífica, não é possível extrair dos factos provados ilações que contrariam ou entram em colisão com um facto que foi submetido a concreta discussão probatória e que o tribunal houve como não provado, caso em que se patenteia uma contradição factual susceptível de inviabilizar a decisão jurídica do pleito[14].
Em suma, mostra-se preenchida a hipótese da primeira parte do artigo 26.º, n.º 3 da LAT relativamente a todas as prestações percebidas pelo recorrido, sem que a recorrente haja logrado demonstrar que qualquer delas se destinasse a compensar custos aleatórios, pelo que a retribuição-base para o cálculo das prestações reparadoras do acidente de trabalho sofrido pelo recorrido deve contemplar todas aquelas prestações.
Improcedem, também aqui, as conclusões das alegações da recorrente.
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4.2. Em face da decisão conferida à segunda questão enunciada, impõe-se reconhecer ao recorrido o direito à reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho sofrido através de prestações calculadas com base na retribuição modular a que atendeu o tribunal a quo.
Uma vez que não foram postos em causa na apelação os cálculos efectuados com vista a alcançar as prestações devidas – mas apenas a retribuição-base a atender para o seu cálculo, pretensão que não logrou o acolhimento deste tribunal – deve confirmar-se in totum a condenação constante da sentença da 1.ª instância, com o não provimento do recurso.

4.3. Uma vez que a recorrente ficou vencida no recurso, deverá suportar as custas nele devidas [artigo 527.º do novo Código de Processo Civil].
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5. Decisão
Em face do exposto, nega-se provimento à apelação.
Custas pela recorrente.

Porto, 1 de Dezembro de 2014
Maria José Costa Pinto
João Nunes
António José Ramos
____________
[1] Vide Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol . V, p., 132.
[2].Acs. do STJ 94.03.02 (in BMJ 435/710), de 94.05.17 (in BMJ 437/465), de 98.02.10 (proferido na Revista n.º 1016/97 da 2ª Secção) e de 2002.04.24 (proferido na Revista n.º 686/02 da 7ª Secção).
[3] A Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro actualmente em vigor, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do artigo 284.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, apenas se aplica aos acidentes verificados a partir de 1 de Janeiro de 2010 – cfr. os artigos 187.º e 188.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.
[4] Vide Jorge Leite e Coutinho de Almeida in "Colectânea de Leis do Trabalho", Coimbra, 1985, p. 89 e Monteiro Fernandes in "Direito do Trabalho", 13.ª edição, Coimbra, 2006, pp. 438 e segs.
[5] Vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.12.16, processo n.º 2065/07.5TTLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[6] Vide Monteiro Fernandes, in ob. citada, p. 458 e o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2004.10.19, Recurso n.º 2711/04, da 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
[7] In ob. citada, p. 92.
[8] João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, p. 302.
[9] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.05.02, Recurso n.º 362/07 - 4.ª Secção, e de 2006.07.13, Recurso n.º 1539/06, sumariado in www.stj.pt. Segundo o primeiro aresto citado, “a norma especial do art. 87.º da LCT torna inaplicável, no estrito âmbito da sua regulamentação, as presunções dos n.ºs 2 e 3 do art. 82.º do LCT”.
[10] Vide Monteiro Fernandes, in ob. cit., p. 368.
[11] Vide os Acs. do STJ de 2004.10.19.(Revista n.º 2711/04 da 4.ª Secção), de 2004.02.19 (Recurso n.º 3478/03 da 4ª Secção), de 2003.01.29 (Recurso n.º 1192/02 da 4ª Secção), de 2001.01.17 (Recurso n.º 2367/00 da 4ª Secção) e de 1997.06.25 (Recurso n.º 230/96 da 4ª Secção).
[12] Vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 26-03-2014, Processo n.º 1837/12.3TTLSB.L1-4, in www.dgsi.pt e Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2010, Recurso n.º 436/09.1YFLSB- 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
[13] Vide o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 2010, Recurso n.º 108/07.1TTBRR.S1 - 4.ª Secção, sumariado no mesmo sítio e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 08 de Setembro de 2010, Processo: 530/06.0TTVFX.L1-4, in www.dgsi.pt.
[14] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2001.12.18, Revista n.º 1815/01, de 2009.03.19, Processo n.º 3049/08, de 2009.06.17, Processo n.º 3845/08 e de 2009.07.07, Processo n.º 228/09, todos sumariados in www.stj.pt.
_______________
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I – Para que possa afirmar-se a existência de um erro de cálculo ou de escrita susceptível de ser rectificado nos termos do preceituado no artigo 614.º do CPC, é necessário que tal erro resulte ostensivamente do próprio conteúdo da decisão, ou dos termos que a precederam.
II – As LAT’s de 1997 e de 2009 deixaram de fazer remissão para os critérios da retribuição da lei geral, mas continuaram a conferir especial atenção ao elemento da regularidade no pagamento.
III – E exceptuam do conceito as prestações que se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios, pois que não se traduzem num ganho efectivo para o trabalhador.
IV – Cabe ao empregador o ónus de alegar e provar a natureza compensatória de custos aleatórios dos valores regularmente pagos.

Maria José Costa Pinto