Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
53/14.4SFPRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ELSA PAIXÃO
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
PERIGO DE CONTINUAÇÃO DE ATIVIDADE CRIMINOSA
Nº do Documento: RP2015050653/14.4SFPRT-B.P1
Data do Acordão: 05/06/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O perigo de continuação da actividade criminosa, previsto no artº 204º al.c) CP, deve ser interpretado como meio de impedir o arguido de praticar crimes das mesma espécie daqueles pelos quais está indiciado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 53/14.4SFPRT-B.P1
Instância Central - 1ª Secção Instrução Criminal (J3) da Comarca do Porto

Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
Na Instância Central - 1ª Secção Instrução Criminal (J3) da Comarca do Porto, no processo nº 53/14.4SFPRT, no dia 29.01.2015, foi submetido a primeiro interrogatório judicial o arguido B…, solteiro, nascido em 15.06.1984, filho de C… e de D…, natural da Freguesia …, concelho de Matosinhos, tendo-lhe sido aplicada a medida de coacção de prisão preventiva.
Foi proferida a seguinte decisão (transcrição):
“Os factos expostos ao arguido B…, sustentados pelos meios de prova que lhe foram comunicados, indiciam fortemente a prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21º nº 1 do D.L. nº 15/93 de 22/01 com referência à Tabela I-C anexa ao referido diploma legal, ao qual corresponde em abstracto, pena de prisão de 4 a 12 anos.
Com efeito, não foi por acaso que o OPC efectuou as vigilâncias externas nos dias 27/11/2014 entre as 9.00 horas e as 11.05 horas (fls. 8 e 9), 29/12/2014 entre as 9.30 horas e as 10.55 horas (fls. 65), 8/1/2015 entre as 9.30 horas e as 11.30 horas (fls. 68 e 69), mas porque teve notícia de que o arguido B… e demais arguidos que foram detidos nestes autos, se dedicavam à comercialização de produtos estupefacientes, presenciando 90 vendas nos períodos de tempo ali referidos (incluindo as vendas presenciadas nos dias 7/1/2015 e 9/1/2015, cfr. fls. 66 e 67 e 70).
De tais informações constava ainda que o aqui arguido B… não tem qualquer ocupação profissional.
E os factos constantes de tais informações comprovaram-se quer pelo resultado das vigilâncias, onde surge sempre o arguido B…, que saindo da residência buscada, conduzindo a viatura fotografada a fls. 123 a 125, com matrícula ..-CQ-.., cujo direito de propriedade se encontra registado em seu nome, faz a entrega ao seu irmão E… de um embrulho e recebe do E… várias notas, regressando a casa, quer pela apreensão do produto estupefaciente haxixe vendido e que foi apreendido aos clientes dos arguidos, logo no instante seguinte, conforme consta de fls. 10 a 30, 71 a 74.
O E… de seguida, procedia à venda directa do haxixe aos clientes consumidores essencialmente no …, no Porto e após, fazia a entrega, ao B…, do lucro obtido.
Por sua vez, na busca efectuada à residência do arguido B…, sita na Rua … nº …, no Porto, foi apreendida a quantia monetária de € 124.420,00, que na sua maioria estava fraccionada em notas de baixo valor facial e haxixe com o p.b.ta. de 19,97 gramas.
Este arguido, ao aperceber-se da presença do OPC na sua residência pelos toques da campainha e seguido arrombamento da porta, às 10.20 horas do dia 9/1/2015, dia útil, saltou em pijama e descalço, pela janela do seu quarto para a rua (cfr. fls. 127), colocando-se em fuga, correndo magoado (fraturando o tornozelo, em sua consequência) pelo salto que dera, refugiando-se em casa de um cunhado, que é comerciante de automóveis, a cerca de 500 metros de distância.
Diga-se em abono da verdade, que tal salto numa altura de 6 metros e fuga em pijama e descalço para a rua, arriscando-se a sofrer lesões com alguma gravidade e dolorosas, no caso fraturando o tornozelo e continuando a correr, é muito de estranhar para quem reclama a inocência nos factos que lhe estão imputados, como aqui faz o arguido, que por causa de tal comportamento ficou internado no hospital, para ser sujeito a intervenção cirúrgica ao tornozelo.
E na busca à residência do irmão, o co-arguido E…, que também não tem qualquer ocupação profissional, foram apreendidos haxixe com o p.b.t.a. de 3.430,52 Kg, a quantia monetária próxima de € 2.000,00 (€ 1.245,00 + € 154,99 + € 570,00 + € 14,37), 4 moinhos próprios para moer estupefaciente e outros utensílios próprios para o seu doseamento e condicionamento em doses individuais (tábua de madeira com resíduos, mortalhas, papel celofane, rolo de papel de alumínio, ligaduras e bloco de apontamentos).
O arguido neste interrogatório judicial, declarou exercer a actividade profissional de comerciante de automóveis (diga-se, a profissão do cunhado em cuja habitação se refugiou), pneus e legalização de veículos por conta própria, auferindo cerca de € 1.200,00 por mês, embora não colectado junto da Fazenda Pública, o que, para além de não estar minimamente comprovado, nem sequer é compatível com a quantidade de dinheiro que lhe foi apreendido na residência, pois se o arguido adquire as viaturas no estrangeiro para as vender em Portugal, e os pneus algures em Portugal, nem sequer ganha o suficiente para investir na compra de veículos para revenda ou de pneus, nem da busca à sua residência foram encontrados documentos indiciadores de que se dedique à legalização de viaturas para terceiras pessoas.
Note-se que o arguido a fls. 118 e 119 declarou desconhecer os rendimentos do agregado familiar composto por ele, pela companheira (que neste interrogatório afirmou ser empregada de limpezas e que faz unhas de gel por conta própria e que residem ambos em casa arrendada pela quantia mensal de € 11,00) e 2 filhos menores de ambos, não ter bens imóveis, nem contas bancárias, ou participações sociais.
Aliás, se o arguido efectivamente se dedicasse a tal alegada actividade comercial, ainda que com fuga ao Fisco, não se recusaria a abrir a porta da residência ao OPC, nem saltaria pela janela do quarto para a rua, numa altura de 6 metros, descalço e em pijama, às 10.20 horas de dia útil, correndo pela rua fora com o tornozelo fracturado, refugiando-se em casa do cunhado.
Como já diz o povo na sua sabedoria, " quem não deve não teme"!
Ao contrário, antes se indicia nos autos que o arguido não tem qualquer ocupação profissional e obteve a consideravelmente elevada quantia monetária de € 124.420,00 -cfr. art. 202º b) do C.P.P. -(repartida em notas de baixo valor facial) com a venda de haxixe que entregava ao seu irmão E… para este, por sua vez, o partir, dosear, embalar e vender aos consumidores no …, no Porto.
Aliás, só assim se explica a aquisição, posse e inerentes despesas com a manutenção do veículo que tem registado em seu nome e que foi apreendido, no qual se deslocava até junto do irmão para fazer a entrega dos embrulhos contendo haxixe, o que de todo seria impossível para um desempregado, que tem como habilitações académicas apenas a 4ª classe do ensino primário e uma família composta por mais 3 elementos para sustentar, sendo 2 deles duas crianças de menor idade, sobretudo na actual conjuntura político-económica em que estão tão caros bens de primeira necessidade, tais como água, electricidade, gás e géneros alimentares. A isto acresce ainda os gastos com o vestuário e infantário para os 2 filhos menores.
Neste momento histórico, a conjuntura não ajuda, e o emprego é muito difícil de conseguir, mesmo para os que possuem uma licenciatura.
Desconhece-se quem seja o fornecedor do haxixe ao arguido B…, sendo plausível que uma parte da quantia monetária que lhe foi apreendida na residência se destinasse a ser entregue a esse fornecedor, sendo o arguido B… um intermediário na organização do tráfico do haxixe.
Restituir este arguido à liberdade ou pelo menos restringi-la, colocando-o obrigado a permanecer na habitação ainda que com controlo por meios técnicos à distância, seria permitir-lhe continuar a traficar pacatamente em casa, pois como se desconhece ainda a identidade do seu fornecedor, não seria possível in casu, cumular esta medida com a proibição de contactos com este, já que o fornecedor continuaria a ter acesso directo ao arguido e este poderia, a partir da residência, comandar a continuação do negócio do haxixe, através de outros intermediários, uma vez que o seu irmão E… se encontra preso preventivamente.
É certo que o arguido se encontra em liberdade neste momento e se apresentou voluntariamente neste tribunal no dia hoje, o que é de louvar.
Porém, tal atitude, sem outra colaboração do arguido que não prestou declarações sobre os factos apesar de se encontrarem fortemente indiciados, não é suficiente para se considerar atenuado os perigos de perturbação do inquérito, nomeadamente para a manutenção e veracidade da prova já adquirida e ainda a adquirir, de perturbação da ordem e tranquilidade públicas inerente ao crime em apreço pelos graves danos que causa na saúde dos toxicodependentes, pelo drama que causa nas respectivas famílias destruindo-as, pelos efeitos criminógenos de que é gerador, e de continuação da actividade criminosa.
Se tivesse sido outra a postura do arguido neste interrogatório judicial, reveladora de que estaria disposto a mudar de vida, seria de considerar não aplicar-lhe a medida mais gravosa, pela atenuação dos ditos perigos.
E é certo que no caso presente o perigo de continuação da actividade criminosa é muito forte, pois pelo que se deixou dito, o arguido faz desta actividade, indiciariamente o único e principal meio para a obtenção de ganhos económicos.
Como se exarou no Ac. da R.P. de 13/7/2011 " O crime de tráfico é, por natureza, um crime de repetição. Transforma-se facilmente, se não no modo de vida, pelo menos em actividade secundária, permanente, dificilmente repudiada, por quem a pratica. Implica ganhos económicos fáceis e consoante a natureza e estrutura do grupo em que o agente se insira, ou para quem actue, pode representar uma subida de estatuto económico e social, respeitabilidade no grupo e, até a garantia de protecção pessoal.
Quem trafica fá-lo para obter proventos económicos grandes, que justifiquem o risco que corre. O lucro implica que a actuação se transforme em actividade, repetida, frequente. (...).
Nesta medida, a ordem pública é particularmente sensível à reacção da justiça, face a este tipo de criminalidade. São particularmente intensas as necessidades de prevenção geral nesta área de criminalidade, que despertam um muito especial e particularmente intenso sentimento de reprovação social do crime.
A este sentimento não podem alhear-se os Tribunais, que têm o dever de, através das suas decisões, adequar a lei às específicas necessidades de pacificação social, que se evidenciem em cada momento. A comunidade sabe que é dever dos Tribunais resguardá-la do convívio com pessoas cuja actividade lhes seja particularmente nociva, gerando-se um sentimento de revolta, no cidadão comum, quando confrontado com situações que considera atentatórias da segurança da comunidade (...) ".
Afiguram-se-nos insuficientes para acautelar os mencionados perigos, as medidas de coacção não privativas da liberdade tipificadas no Código do Processo Penal, por exclusão e razões óbvias.
Pelo exposto este Tribunal decide:
-ordenar que o arguido B…, aguarde os ulteriores termos do processo sujeito às obrigações decorrentes do termo de identidade e residência que prestou e ainda, em Prisão Preventiva – cfr. arts. 191º a 193, 196º, 202º nº 1 a) e c), com referência ao art. 1º m) e 204º b) e c), todos do Código do Processo Penal;
Cumpra-se o disposto no art. 194º nº 10 do C.P.P.
Passe mandados de condução do arguido ao respectivo E.P.
Notifique.
Oportunamente, remeta os autos aos serviços do Ministério Público competentes.”
***
Inconformado, o arguido B… interpôs recurso, apresentando motivação, que remata com as seguintes conclusões:
I.
Entende que no caso não estão verificados os requisitos de aplicabilidade de prisão preventiva, não resultando do processado, forte indiciação quanto à recorrente muito pelo contrário.
O arguido não vende.
O arguido não detém na sua esfera pessoal o estupefaciente.
Os clientes.
Os artefactos.
O haxixe que lhe foi apreendido não é incompatível com a sua dependência aditiva.
Estava em sítio que indiciava o seu consumo.

Inexiste qualquer correlação entre o crime investigado, o apurado e o dinheiro apreendido, poderemos especular certamente mas não podemos concluir pela experiência comum da vida que tal numerário é já proveniente de actividade delituosa, pois é do conhecimento público que o haxixe droga considerada leve com custos aquisitivos baixos, não compatíveis com o apreendido.

No despacho de que se recorre o arguido é sancionado pelo seu direito ao silêncio, violando-se desta forma o disposto no artº 61 do CPP.

Do teor das vigilâncias (apenas é situado numa cujo teor não é compatível com o ulteriormente apurado).

Veja-se que o irmão E… estava dotado de meios para o exercício da actividade (objectos estupefaciente por grosso e a retalho, instrumentos de manuseamento etc).
O tribunal deveria considerar o “iter criminis” dos factos, foram visionados vários dias, apenas se fazendo referência à recorrente a um só dia como hipoteticamente tendo entregue algo que não foi apreendido, sendo que os demais dias tal não ocorre.

Questiona-se ainda a medida de coacção determinada aplicação de prisão preventiva, Verifica-se “in casu” falta de requisitos de aplicabilidade. As considerações aduzidas na atinente promoção e ulterior despacho, estão desadequadas ao caso concreto, não está suficientemente indiciada a co autoria muito pelo contrário.

A existência e conhecimento do presente processam já é “de per si inibidor de qualquer conduta.

As medidas de coacção não são estanques, podem ser alteradas se assim se justificar e de acordo com o grau de gravidade.

No caso,

Tendo em conta que é primário.

Que compareceu por sua livre e espontânea vontade em tribunal.

Não tinha qualquer contacto com os demais intervenientes no processo, aliás não é efectuada qualquer outra conexão exceptuando a já referida.

A sua inserção sócio familiar com estabilidade e regularidade, a debilidade física em que se encontra

Sujeitar este jovem a esta condição é ceifar o sentimento afectivo e o vínculo paternal aos filhos menores com sequelas irreversíveis, para além do facto que as razões aduzidas não se adequaram ao caso concreto.

O conhecimento do processo já tem de per si efeito dissuasor.

Assim,

I. Alterar-se o seu estatuto coactivo, para medida não privativa da liberdade com proibição contactos, ou casos e pugne de forma diferente, para o regime de permanência na Habitação cumulável e ainda com proibição de contactos com eventuais suspeitos
II. Por ser mais conforme à sua realidade pessoal e aos factos apurados, e aos elementares princípios do nosso ordenamento jurídico, requer se digne decidir em conformidade.
III. Ao proferir-se o presente despacho violaram-se os seguintes normativos 202, 204 artº 21 25 do DL. 15/93
***
Em resposta ao recurso do arguido B…, o Ministério Público em 1ª Instância concluiu que deve ser negado provimento ao mesmo, mantendo-se a decisão recorrida. Formulou as seguintes conclusões:
Primeira:
Há fortes indícios da prática, pelo Recorrente B…, como co-autor, do crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo artº 21º, nº 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, crime este punido com pena de prisão de máximo superior a 5 anos, e que integra o conceito de «criminalidade altamente organizada».
Segunda:
Em concreto existe perigo de, em liberdade, o Recorrente B… continuar a desenvolver a actividade de tráfico de estupefaciente.
Terceira:
Na aplicação ao Recorrente B… da medida de coacção de prisão preventiva, foram tidos em conta todos os princípios legalmente estabelecidos relativamente às medidas de coacção.
Quarta:
Porque as outras medidas de coacção, nomeadamente de obrigação de permanência na habitação, com fiscalização electrónica, não acautelam com eficácia o indiciado perigo de continuação da actividade criminosa de tráfico de estupefaciente, por parte do Recorrente B….
Quinta:
Não houve violação de qualquer norma jurídica pela Meritíssima Juíza de Instrução Criminal na decisão de aplicar ao Recorrente B…, a medida de coacção de prisão preventiva.
***
O recurso foi admitido.
***
Nesta Relação o Ilustre Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.
***
Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal).
1. Questões a decidir
Face às conclusões extraídas pelo recorrente B… da motivação apresentada, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
I. (In)existência de fortes indícios da prática, pelo arguido/recorrente, de um crime de tráfico de estupefacientes.
II. Falência dos pressupostos que fundamentaram a manutenção da prisão preventiva.
III. A conformidade aos princípios da “necessidade, adequação e proporcionalidade” da medida de coacção de prisão preventiva fixada ao Recorrente
Analisemos estas questões.

Comecemos por analisar se está verificada a condição da aplicação da prisão preventiva prevista no art.º 202.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, ou seja, se há fortes indícios da prática, pelo recorrente, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo art.º 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
O recorrente não aceita que esteja verificado o pressuposto específico de aplicação da prisão preventiva que se traduz em haver fortes indícios da prática de um crime doloso punível com prisão de máximo superior a 5 anos, no caso, a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo art.º 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Alega que o recorrente que não vende, não detém na sua esfera pessoal o estupefaciente, os clientes, os artefactos, sendo que o haxixe que lhe foi apreendido não é incompatível com a sua dependência aditiva e estava em sítio que indiciava o seu consumo, inexistindo qualquer correlação entre o crime investigado, o apurado e o dinheiro apreendido.
Ultrapassando algumas divergências doutrinárias e jurisprudenciais quanto ao conceito de “indícios fortes”, entendemos que estes são os que permitem adquirir a convicção segura, inequívoca de que, no momento em que é proferida uma decisão, o facto se verifica e, por conseguinte, mantendo-se os elementos de prova já recolhidos nesse momento, levarão, com maior probabilidade, à condenação do que à absolvição do agente. São, pois, sinais, vestígios, suspeitas, indicações e presunções, bastantes e suficientemente relevantes, de modo a convencerem que existe crime e que determinada pessoa foi o seu agente.
Revertendo para o caso concreto, resulta que existem fortes indícios da prática pelo recorrente de factos integradores do crime de tráfico de estupefacientes (em co-autoria com outros arguidos, nomeadamente E…, seu irmão), previsto e punível pelo art.º 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Com efeito indiciam fortemente os autos que:
O arguido B… vem-se dedicando há mais de seis meses, de forma organizada e com regularidade, à cedência a terceiros, mediante contrapartida monetária, para consumo por banda destes, de haxixe, fazendo-o junto ao …, no Porto, levando a cabo tal actividade conjuntamente com os arguidos F…, D…, G… e E….

No dia 27 de Novembro de 2014, entre as 9h10min e as 11h05min., no …, Porto, os arguidos E… e G… entregaram estupefaciente a cerca de 37 indivíduos cuja identidade se desconhece e ainda a H… (1,38 gramas de haxixe), I… (2,99 gramas de haxixe) e J… (2,25 gramas de haxixe) que a eles se dirigiram e receberam destes quantias monetárias em troca.

Nesse mesmo dia, pelas 10h31min., também no …, perto do ponto de venda, o arguido E… dirigiu-se ao arguido B… (seu irmão), após este imobilizar o seu veículo de matrícula ..-CQ-.., junto ao bloco 11, e recebeu das mãos do mesmo um embrulho envolto em fita castanha contendo quantidade não apurada de estupefaciente e entregou-lhe, em troca, um maço de notas, resultante das vendas efectuadas até àquele momento.

No dia 09 de Dezembro de 2014, pelas 10h50min., o arguido B… saiu da sua habitação e deslocou-se na viatura da marca VW … com a matrícula ..-CQ-.. para o junto do bloco .., entrada … do … no Porto. Após imobilizar a viatura, o arguido E… dirigiu-se para junto do seu irmão, arguido B…, recebendo deste um embrulho envolto em fita castanha, contendo quantidade não apurada de estupefaciente para este vender a terceiros, entregando-lhe em troca um maço de notas, proveniente das vendas de estupefaciente já efectuadas.

No dia 08 de Janeiro de 2015, entre as 9h30min e as 11h25min., no …, na parte lateral do bloco .., junto ao bloco .., o arguido E… vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a cerca de 24 indivíduos cuja identidade não se logrou apurar e que ali o aguardavam.

Pelas 9h58min., também no …, perto do ponto de venda, o arguido E… dirigiu-se ao arguido B…, após este imobilizar o seu veículo de matrícula ..-CQ-.., junto ao bloco .., e recebeu das mãos do mesmo um embrulho envolto em papel de alumínio contendo quantidade não apurada de estupefaciente para este vender.

No dia 09 de Janeiro de2015, cerca das 09h30m, no …, no Porto, o arguido E… entregou 5,79 gramas de haxixe a K…, para consumo deste, que, em troca, lhe entregou quantia monetária não concretamente apurada.

Nessas circunstâncias, o arguido E… foi interceptado por elementos da PSP, tendo sido encontrado na sua posse 10,70 gramas de haxixe e a quantia monetária de € 49,95.

Nesse mesmo dia, cerca das 10h20m, foi efectuada busca à residência dos arguidos E…, G…, F… e D…, sita no …, bloco .., entrada …, casa .., em …, Porto, tendo sido encontrado: - no interior do quarto do arguido E…: Vários pedaços de produto Estupefaciente - HAXIXE, com o p.b.t.a. de 3.430,52 kg, que, submetidos a Teste Rápido n.º 2848/2015, foi positivo para a referida substância que se encontrava dentro da mochila e dos cofres existentes no quarto do arguido E…;

A quantia monetária de €570,00 (quinhentos e setenta euros), no parapeito da janela, no interior de uma bolsa;

Uma embalagem em plástico transparente com tampa cor de rosa, contendo no seu interior €1.245,00 (mil duzentos e quarenta e cinco euros);

Uma caixa em plástico transparente, contendo a quantia de €154,99 (cento e cinquenta e quatro euros e noventa e nove cêntimos);

Junto ao guarda-fatos, uma caixa em cartão contendo no seu interior oito maços devidamente acondicionados de filtros em papel;
• Onze caixas de mortalhas com as inscrições "SMOKING De LUXE";
• Junto ao guarda-fatos, uma mochila de cor preta; contendo no seu interior:
• Uma tábua de madeira, com resíduos de produto estupefaciente;
• Duas facas de cozinha, com resíduos de produto estupefaciente; • Uma ligadura de cor amarela, enrolada e presa com um elástico;
• Um pedaço de tecido de borracha, antiderrapante com resíduos de produto estupefaciente.
• Uma caixa em madeira, contendo diversos elásticos;
• Um rolo de papel de celofane;
• Uma caixa de cartão contendo um rolo de papel de alumínio;
• Um cofre em metal de cor azul;
• Um cofre de cor cinzenta, marca "STANDERS";
• Um bloco de apontamentos com inscrições manuscritas;

O arguido G… detinha no seu quarto:
- A quantia monetária de €14,37 (catorze euros e trinta e sete cêntimos);
- Quatro moinhos próprios para moer estupefaciente Liamba;

Nesse mesmo, pelas 10h20, no interior da residência do arguido B…, sita na Rua …, nº …, habitação …, no Porto, foram encontrados e apreendidos:

No corredor por trás de um armário:
A quantia monetária de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), dividida em 50 maços de notas do BCE, cada um contendo a quantia de €1.000 (mil euros), no interior de um cofre metálico;

No quarto:
A quantia monetária de € 73.990,00 (sessenta e três mil novecentos e noventa Euros), dividida em 63 maços de notas do BCE, no interior do guarda-fatos, no interior de uma caixa em papelão;

Na sala:
Um telemóvel de marca Nokia, modelo …, com o IMEI ………/……/., cartão SIM da operadora L…, com o número ………… e ainda a quantia de € 430,00 (quatrocentos e trinta euros), no interior de uma bolsa, de cor preta de marca Adidas

Na cozinha:
Vários pedaços de produto Estupefaciente - HAXIXE, com o p.b.t.a, de 19,97 grs,

O arguido B…, pelas 10h20min., apercebendo-se da entrada dos agentes na sua residência e com vista a não ser detido, saltou pela janela da sua habitação e colocou-se em fuga, tendo vindo a ser encontrado pelas 10h45 na residência do seu cunhado, sita na Rua …, nº .., no Porto.

Os produtos estupefacientes apreendidos pertenciam aos arguidos que os destinavam à venda a terceiros mediante contrapartida monetária.

O dinheiro apreendido pertencia aos arguidos e era proveniente das vendas de estupefaciente que vinham, em conjugação de esforços e repartição de tarefas, fazendo.

Efetivamente, não foi por acaso que o OPC efectuou as vigilâncias externas nos dias 27/11/2014 entre as 9.00 horas e as 11.05 horas (fls. 8 e 9), 29/12/2014 entre as 9.30 horas e as 10.55 horas (fls. 65), 8/1/2015 entre as 9.30 horas e as 11.30 horas (fls. 68 e 69), mas porque teve notícia de que o arguido B… e demais arguidos que foram detidos nestes autos, se dedicavam à comercialização de produtos estupefacientes, sem qualquer ocupação profissional, presenciando 90 vendas nos períodos de tempo ali referidos (incluindo as vendas presenciadas nos dias 7/1/2015 e 9/1/2015, cfr. fls. 66 e 67 e 70).
Os contactos entre o arguido e o co-arguido E…, relatados nos autos de vigilância de 27.11.2014 (cfr. fls. 41 e 41), 09.12.2014 (cfr. fls. 78) e 08.01.2015 (cfr. fls. 81) são inequívocos, demonstrando como o comércio ilícito se desenrolava (um procedia às vendas e outro adquiria o estupefaciente, que entregava ao primeiro e guardava o dinheiro).
Ora, o exposto é comprovado pelo resultado das vigilâncias, onde surge sempre o arguido B…, que saindo da residência buscada, conduzindo a viatura fotografada a fls. 123 a 125, com matrícula ..-CQ-.., cujo direito de propriedade se encontra registado em seu nome, faz a entrega ao seu irmão E… de um embrulho e recebe do E… várias notas, regressando a casa, quer pela apreensão do produto estupefaciente haxixe vendido e que foi apreendido aos clientes dos arguidos, logo no instante seguinte, conforme consta de fls. 10 a 30, 71 a 74.
O E… de seguida, procedia à venda directa do haxixe aos clientes consumidores essencialmente no …, no Porto e após, fazia a entrega, ao B…, do lucro obtido.
Por sua vez, na busca efectuada à residência do recorrente B…, sita na Rua … nº …, no Porto, foi apreendida a quantia monetária de € 124.420,00, que na sua maioria estava fraccionada em notas de baixo valor facial e haxixe com o p.b.ta. de 19,97 gramas.
Ora, tal quantia, repartida por notas de baixo valor facial, só pode ser, razoavelmente, explicada através das referidas vendas.
E na busca à residência do irmão, o co-arguido E…, que também não tem qualquer ocupação profissional, foram apreendidos haxixe com o p.b.t.a. de 3.430,52 Kg, a quantia monetária próxima de € 2.000,00 (€ 1.245,00 + € 154,99 + € 570,00 + € 14,37), 4 moinhos próprios para moer estupefaciente e outros utensílios próprios para o seu doseamento e condicionamento em doses individuais (tábua de madeira com resíduos, mortalhas, papel celofane, rolo de papel de alumínio, ligaduras e bloco de apontamentos).
Ora, as apreensões de estupefaciente na posse de ambos os arguidos B… e E… (respectivamente haxixe com o p.b.ta. de 19,97 gramas e 3.430,52 Kg,) são em quantidade muito superior ao que seria razoável para o seu consumo médio individual, mesmo no caso do recorrente.
Também não podemos escamotear que o recorrente, ao aperceber-se da presença do OPC na sua residência, pelos toques da campainha e seguido arrombamento da porta, às 10.20 horas do dia 9/1/2015, dia útil, saltou em pijama e descalço, pela janela do seu quarto para a rua (cfr. fls. 127), colocando-se em fuga, correndo magoado (fraturando o tornozelo, em sua consequência) pelo salto que dera, refugiando-se em casa de um cunhado, que é comerciante de automóveis, a cerca de 500 metros de distância.
E como se refere na decisão recorrida “Diga-se em abono da verdade, que tal salto numa altura de 6 metros e fuga em pijama e descalço para a rua, arriscando-se a sofrer lesões com alguma gravidade e dolorosas, no caso fraturando o tornozelo e continuando a correr, é muito de estranhar para quem reclama a inocência nos factos que lhe estão imputados, como aqui faz o arguido, que por causa de tal comportamento ficou internado no hospital, para ser sujeito a intervenção cirúrgica ao tornozelo”.
Por outro lado, não esquecemos que o recorrente no interrogatório judicial, declarou exercer a actividade profissional de comerciante de automóveis (a profissão do cunhado em cuja habitação se refugiou), pneus e legalização de veículos por conta própria, auferindo cerca de € 1.200,00 por mês, embora não colectado junto da Fazenda Pública, o que, para além de não estar minimamente comprovado, nem sequer é compatível com a quantidade de dinheiro que lhe foi apreendido na residência e, ainda que o fosse, não se acredita que tais negócios sejam feitos em dinheiro, muito menos com notas de baixo valor facial, para além de que, nem na busca à sua residência foram encontrados documentos indiciadores de que se dedique à legalização de viaturas para terceiras pessoas.
Acresce que, se o recorrente efectivamente se dedicasse a tal actividade comercial, ainda que com fuga ao Fisco, não se recusaria a abrir a porta da residência ao OPC, nem saltaria pela janela do quarto para a rua, numa altura de 6 metros, descalço e em pijama, às 10.20 horas de dia útil, correndo pela rua fora com o tornozelo fracturado, refugiando-se em casa do cunhado.
E como bem refere a Sra. Juiz de Instrução “Como já diz o povo na sua sabedoria, " quem não deve não teme"!
Importa também dizer que, tendo decidido fazer uso do seu direito ao silêncio e, por conseguinte, não falar sobre os factos que lhe foram imputados, o arguido/recorrente não forneceu qualquer outra justificação credível para ter espalhada, por vários locais da sua residência, a elevada quantia monetária de € 124.420,00, que na sua maioria estava fraccionada em notas de baixo valor facial, que não fosse a da venda da droga.
Não se trata, no entanto, de censurar o arguido por ter exercido o direito de não prestar quaisquer declarações sobre os factos que lhe são imputados, mas o seu silêncio não pode impedir que se façam as inferências que as regras da experiência permitam ou imponham [vd. Ac. RP de 14.01.2015, disponível em www.dgsi.pt).
É que não podemos deixar de realçar que, se a proveniência do dinheiro encontrado na sua residência (€ 124.420,00) fosse de negócios de automóveis, de pneus ou de legalização de veículos, dificilmente se compreenderia que o recorrente, em vez de fornecer essa explicação, se tivesse remetido ao silêncio quando sujeito a interrogatório judicial.
É uma questão de puro bom senso.
Por outro lado, o arguido/recorrente foi informado dos factos que lhe eram imputados e dos elementos de prova que os indiciavam e foram respeitadas todas as demais garantias de defesa. Teve a oportunidade de apresentar a sua versão e assim refutar ou enfraquecer a consistência dos indícios existentes. O primeiro interrogatório judicial tem, também, essa finalidade: é o primeiro momento em que um arguido pode defender-se, dar a sua versão dos acontecimentos, contraditar os indícios existentes ou, pelo menos, enfraquecê-los.
O recorrente desperdiçou essa oportunidade e assim deixou incólumes os fortes indícios da prática de um crime de tráfico de estupefacientes.
Cumpre ainda dizer que a prática do crime de tráfico de estupefacientes não pressupõe a demonstração de que o arguido tenha vendido.
Assim, face ao exposto, da conjugação de todos os elementos resulta e existência de fortes indícios.
Está, assim, verificado este pressuposto específico da prisão preventiva.
Passemos à análise da questão relacionada com a falência dos pressupostos que fundamentaram a manutenção da prisão preventiva.
O comando constitucional consignado no artigo 27º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa consagra o direito à liberdade das pessoas, tendo as respectivas limitações que ser devidamente justificadas (nºs 2 e 3 do citado artigo 27º e 28º do mesmo diploma).
Decorre do art. 191º, nº1 do Código de Processo Penal que as medidas de coacção são medidas intraprocessuais, consistentes em modos de limitação da liberdade pessoal, com natureza instrumental relativamente às finalidades intrínsecas do processo penal. “São meios processuais de limitação de liberdade pessoal ou patrimonial (…) que têm por fim acautelar a eficácia do procedimento, quer quanto ao seu desenvolvimento, quer quanto à execução das decisões condenatórias” (Germano M. Silva, Curso de Processo Penal, II, p. 232).
De facto, as medidas de coacção são “meios processuais” que limitam ou restringem a liberdade pessoal do arguido (arts. 192º, nº 1, 58º, nº 1, alínea b), 60º e 61º, nº 3, alínea d), do Código de Processo Penal) - sempre tendo em atenção o disposto no art. 18º, nºs 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa - com o fim de acautelar a eficácia do procedimento penal, tendo em vista a boa administração da justiça, a descoberta da verdade e o próprio restabelecimento da paz jurídica abalada pela prática do crime [Neste sentido, Maria João Antunes, «O segredo de justiça e o direito de defesa do arguido sujeito a medida de coacção», in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, p. 1249].
Visam satisfazer exigências cautelares exclusivamente processuais – de garantia do bom andamento do processo e do efeito útil da decisão – e que resultem da concreta verificação dos perigos previstos nas três alíneas do art. 204º do Código de Processo Penal, sendo de considerar ilegítima qualquer outra finalidade, de natureza substantiva, retributiva, preventiva, ou mesmo de protecção do arguido (contra reacções populares).
Estão em causa, por um lado, a protecção de direitos fundamentais das pessoas, sendo necessário, em cada caso concreto, fazer uma ponderação dos interesses em conflito para determinar a respectiva prevalência e grau ou medida da sua restrição.
Como condições gerais de aplicação exige-se, formalmente, a prévia constituição como arguido (art. 192º, nº1) e a existência de um processo criminal já instaurado; substancialmente, a verificação de um fumus comissi delicti, ou seja, um juízo de indiciação da prática de crime e a probabilidade de aplicação de uma pena (arts. 192º, 2; 193º, 197º…).
Por outro lado, do princípio da presunção de inocência (afirmado nos art. 11º da D.U.D.H., art. 6º, nº2 da C.E.D.H., art. 14º, nº2 do P.I.D.C.P. e art. 32º, nº2 da Constituição da República Portuguesa) resulta que seja sempre aplicada a medida de coacção menos gravosa de entre todas as admissíveis, com respeito pelos princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade (art. 193º, nº1 do CPP) e intervenção mínima (num critério de concordância prática). Ao respeito pelos princípios de adequação e de proporcionalidade chama Paulo de Sousa Mendes “critérios de escolha das medidas possíveis” (Sumários de Direito Processual Penal, 2008/9, p. 124).
Assim, exige-se uma adequação qualitativa (aptidão à realização dos fins cautelares visados) e quantitativa (quanto à sua duração) da medida, a qual deve ser ainda proporcional à gravidade do crime e à sanção que previsivelmente será aplicada ao arguido. Esta proporcionalidade obrigará à antecipação de um juízo de previsão quanto à sanção a proferir na decisão final.
No caso da prisão preventiva, a sua aplicação depende, para além das “condições gerais de aplicação” previstas no citado artigo 192º do Código de Processo Penal, também dos requisitos comuns a todas as medidas do artigo 204º, e ainda dos requisitos específicos do artigo 202º, ambos igualmente do Código de Processo Penal.
A prisão preventiva é uma medida de coacção legal, porque prevista na lei, para crimes dolosos puníveis com pena superior a 5 anos de prisão – artº 191º e 202º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Penal - e verificados que se mostrem os requisitos que a lei prevê e observância do principio da legalidade (artº 176º e 177º do Código Penal e artº 202º, 1 a) Código de Processo Penal), e só não deve ser aplicada se uma das medidas de coacção legalmente previstas e menos gravosas for adequada e suficiente face às exigências cautelares que o caso requer, e proporcional à gravidade dos crimes e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas - artº 193º Código de Processo Penal.
Do disposto naquele artigo 204º, decorre que, com excepção do Termo de Identidade e Residência, para aplicação de uma medida de coacção tem de se verificar em concreto e no momento da sua aplicação, uma das hipóteses plasmadas nas alíneas a) a c) do normativo em análise, a saber:
a) Fuga ou perigo de fuga;
b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
Para a imposição da medida coactiva de prisão preventiva é necessário que ocorra, pelo menos (alternativamente), uma das circunstâncias previstas no artigo 204º do Código de Processo Penal.
No despacho sob recurso entendeu-se ocorrer, perigo de perturbação do inquérito, nomeadamente, perigo para a manutenção e veracidade da prova já adquirida, perigo de continuação da actividade criminosa e perigo de perturbação da ordem e paz públicas, nos termos do artigo 204º als. b) e c).
O perigo constante da alínea b) do citado artigo é maior nas fases preliminares do processo e diminui com o decurso do tempo e com a realização de diligências probatórias mais importantes. Mas a manutenção do perigo de perturbação da instrução probatória pode ser justificada pelo tipo de crime imputado e pela extrema complexidade da investigação.
A propósito do requisito “perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de continuação da actividade criminosa” (artigo 204°, alínea c), do Código de Processo Penal) escreve Irineu Cabral Barreto, in A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 3ª edição, Coimbra Editora, 2005, páginas 95, no comentário ao artigo 5°, n°1, alínea c), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, citando um acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, esta norma, ao estabelecer que ninguém pode ser privado da sua liberdade salvo quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infracção, “não cobre uma politica de prevenção geral contra uma pessoa ou categoria de pessoas que se revelem perigosas” ela visa “evitar a prática de uma infracção concreta e específica”.
No mesmo sentido se pronuncia Germano Marques da Silva, ao escrever in Curso de Direito Penal, II, Verbo, páginas 269 que “A aplicação de uma medida de coacção não pode servir para acautelar a prática de qualquer crime pelo arguido, mas tão só a continuação da actividade criminosa pela qual o arguido está indiciado”.
Procedendo à interpretação da alínea c), do artigo 204º, do Código de Processo Penal, com o sentido exposto, há que determinar se, continuando o recorrente em liberdade, há o perigo concreto de voltar a praticar factos integradores do mesmo tipo de ilícito.
O perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas há-de resultar do perigo baseado em factos capazes de mostrar que a libertação do arguido poderia efectivamente perturbar a ordem pública.
O perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa há-de resultar: ou das circunstâncias do crime imputado ao arguido ou da sua personalidade.
Atentamos, uma vez mais, no teor da decisão recorrida.
(…)
“Porém, tal atitude, sem outra colaboração do arguido que não prestou declarações sobre os factos apesar de se encontrarem fortemente indiciados, não é suficiente para se considerar atenuado os perigos de perturbação do inquérito, nomeadamente para a manutenção e veracidade da prova já adquirida e ainda a adquirir, de perturbação da ordem e tranquilidade públicas inerente ao crime em apreço pelos graves danos que causa na saúde dos toxicodependentes, pelo drama que causa nas respectivas famílias destruindo-as, pelos efeitos criminógenos de que é gerador, e de continuação da actividade criminosa.
Se tivesse sido outra a postura do arguido neste interrogatório judicial, reveladora de que estaria disposto a mudar de vida, seria de considerar não aplicar-lhe a medida mais gravosa, pela atenuação dos ditos perigos.
E é certo que no caso presente o perigo de continuação da actividade criminosa é muito forte, pois pelo que se deixou dito, o arguido faz desta actividade, indiciariamente o único e principal meio para a obtenção de ganhos económicos.”
Efectivamente, é claro o perigo de continuação da actividade criminosa dados os consideráveis rendimentos que o arguido retira de tal actividade ilícita. O perigo da continuação da actividade criminosa também é patente na quantidade de produto estupefaciente apreendido (tal como a quantia em dinheiro apreendida ao recorrente). O perigo de continuação da actividade criminosa resulta desde logo da natureza do crime indiciado, o qual está associado à obtenção de meios económicos e de elevados lucros.
Com efeito, o arguido/recorrente assume-se como toxicodependente, mas não tem qualquer atividade compatível com a sustentação desse consumo.
Tal como é claro o perigo de perturbação das ulteriores diligências de inquérito, justificado pelo tipo de crime imputado ao recorrente, sendo que a actividade ilícita em causa envolve sempre terceiros, a quem se vende e a quem se compra. E a manutenção do arguido, em liberdade, propicia os contactos com as eventuais testemunhas, nomeadamente os consumidores que adquiriram produto estupefaciente e, cuja fragilidade, é evidente.
Não obstante as provas que foram recolhidas ao mesmo tempo que o arguido/recorrente foi detido (buscas, apreensões) e outras que haviam sido reunidas entretanto, o perigo para aquisição e conservação da prova subsiste, considerando o tipo de crime em causa, o número de pessoas envolvidas e o cuidado por parte do mesmo na ocultação da actividade ilícita.
E é evidente que também o perigo de perturbação da ordem e paz públicas existe, considerando o exercício da actividade de tráfico de estupefacientes, com as inerentes compras e vendas a terceiros, fazendo uso das respectivas habitações para armazenamento do produto estupefaciente, dinheiro e outros utensílios. Não podemos esquecer o contexto em que o crime foi praticado: um bairro onde o consumo e o tráfico foi censurado, motivando a sua denúncia às autoridades, no intuito de provocar a sua intervenção. O sentimento de insegurança que gerou essa denúncia requer um actuação pronta e eficaz.
Perante todo este quadro fáctico, não assume relevância a apresentação voluntária do recorrente.
Verificam-se, por isso, os perigos enunciados, no despacho sob recurso.
Aqui chegados passemos a conhecer a última das questões suscitadas: A conformidade aos princípios da “necessidade, adequação e proporcionalidade” da medida de coacção de prisão preventiva fixada ao Recorrente.
Cumpre averiguar se uma medida de coacção não privativa da liberdade, ou no limite, a medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica é necessária, adequada e proporcional aos enunciados perigos, e, portanto deve substituir a medida de coacção de prisão preventiva, como defende o recorrente.
Dispõe o artigo 193º, nº 1 do Código do Processo Penal: «As medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.»
Com fundamento constitucional, decorrente do princípio do Estado de direito democrático, temos o princípio da proibição do excesso ou princípio da proporcionalidade em sentido amplo que constitui, na realidade, um princípio de controlo a respeito da medida tomada pela autoridade judicial, no sentido de saber da sua conformidade aos subprincípios da “necessidade”, da “adequação”, da “proporcionalidade”.
Há, pois, que ter em conta os princípios da conformidade ou adequação de meios, da exigibilidade ou da necessidade e da proporcionalidade em sentido restrito.
A aplicação da prisão preventiva está, assim, condicionada à inadequação e à insuficiência de qualquer outra medida – é o que resulta do apontado princípio da proporcionalidade, na vertente de proibição de excesso.
Analisemos os pressupostos do decretamento das medidas de coação e a sua especial incidência no caso em apreço.
Em primeiro plano, o requisito da necessidade da medida de coacção. A qual se enuncia no nº 1 do artigo 193º do Código de Processo Penal, colhendo todavia o seu filtro no artigo 204º do Código de Processo Penal.
Compulsados os autos, por referência a este último, e tendo em conta que as circunstâncias enumeradas neste último preceito não são cumulativas, parece que dos factos resulta, como já se disse, a verificação dos perigos previstos nas alíneas b) e c).
Com o que revertemos para o princípio da adequação, previsto na primeira parte do nº 1 do artigo 193º do Código de Processo Penal, nos termos do qual as medidas devem ser adequadas às exigências cautelares.
O qual comporta uma formulação positiva, conexa com a eficácia, que sem dúvida se obtém através da medida no caso em apreço, pois os inconvenientes que resultariam da perturbação das ulteriores diligências de inquérito, da continuação da actividade criminosa e da perturbação da paz pública são eficazmente evitados com a mesma.
E uma vertente garantística, que se reconduz ao princípio da subsidiariedade, nos termos do qual a aplicação de cada uma das medidas de coacção só se justifica quando todos os outros meios se revelem ineficazes para tutelar os interesses subjacentes. Estando as medidas de coacção tipificadas numa lógica de crescente gravidade, sendo o termo de identidade e residência (artigo 196º) a menos gravosa e ao prisão preventiva a mais grave de todas as medidas. Assim, consagra-se nos artigos 193º, nº 2, e 202º, nº 1º, o princípio de que só será de aplicar a prisão preventiva se todas as outras medidas se mostrarem inadequadas ou insuficientes.
Na subsunção daqueles princípios normativos ao caso concreto a medida da prisão preventiva mantida parecerá conforme ao princípio da adequação.
Prefigurando-se como objectivos da medida evitar o receio de que o arguido perturbe as ulteriores diligências de inquérito, perturbe a ordem e paz públicas e continue a actividade criminosa, seguramente a privação da liberdade será meio adequado a consegui-lo.
Igual juízo de conformidade valerá a respeito do princípio da proporcionalidade em sentido restrito ou princípio da “justa medida” na consideração de que, por aquela mesma razão, o meio utilizado – dizer, privação da liberdade - é proporcionado aos fins visados.
No caso em apreço, não há dúvidas, a medida de prisão preventiva é proporcional à gravidade do crime fortemente indiciado, mormente o de tráfico de estupefacientes, o que resulta da moldura penal respectiva (cfr. art. 21º do DL 15/93, de 22.01)
Muito embora a medida de coacção da prisão preventiva não seja aplicada no espírito de preparação de uma posterior condenação, nem co-envolva qualquer juízo de antecipação de futura condenação, sempre se dirá que, se tivermos em atenção as quantidades de produto estupefaciente em causa, as quantias monetárias envolvidas, o nível organizacional da actividade em causa, o tempo que perdurou essa mesma actividade, e, bem assim, as acentuadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir, relativamente ao tipo de crime em causa, é previsível que ao arguido venha ser a aplicada prisão efectiva, consoante exigência do artigo 193º, n.º1 do Código de Processo Penal, do que decorre a proporcionalidade da medida de prisão preventiva às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas ao arguido, não obstante ser primário.
E que dizer quanto ao princípio da necessidade, segundo o qual se procura exactamente saber se o decisor judicial podia ou não adoptar outro meio, igualmente eficaz, e menos desvantajoso para o arguido?
Importa, pois, atentar no que dispõe o art. 193º do Código de Processo Penal: «2. A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção. 3. Quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares.»
A prisão preventiva está sujeita, como se referiu, ao princípio da necessidade, só podendo aplicar-se, como última ratio das medidas de coacção, quando a obrigação de permanência na habitação não se mostre suficiente para satisfazer as exigências cautelares do caso – artº 193º, nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal.
Os perigos que importa aqui prevenir são o de perturbação das ulteriores diligências de inquérito, de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e paz públicas.
Ora, atentos os referidos princípios, nenhum reparo merece a decisão recorrida quando considera a prisão preventiva como medida coactiva necessária (única medida coactiva) para obviar aos perigos enunciados (“Afiguram-se-nos insuficientes para acautelar os mencionados perigos, as medidas de coacção não privativas da liberdade tipificadas no Código do Processo Penal, por exclusão e razões óbvias”).
Com efeito, as medidas coactivas avançadas pelo recorrente, quer a não privativa da liberdade, quer a medida coactiva de obrigação de permanência na habitação mediante vigilância electrónica, prevista no artigo 201º, n.º1 do Código de Processo Penal, são insuficientes para obviar aos assinalados perigos de perturbação das ulteriores diligências de inquérito, de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e paz públicas, considerando a actividade ilícita em causa, os meios usados para esse efeito, entre eles o uso do telemóvel, sem que seja necessário sair de casa, a facilidade com que se encetam contactos e encontros, a residência com acesso a tais meios seria um óptimo local para continuar a exercer tal actividade, inclusivamente receber pessoas para esse efeito, o resguardo da habitação (com os contactos apropriados, pelos meios de comunicação disponíveis em qualquer habitação, como sejam os telefones, os telemóveis, a internet, o email), é propício à continuação de tal actividade.
E concordamos com a decisão recorrida, quando refere: “Restituir este arguido à liberdade ou pelo menos restringi-la, colocando-o obrigado a permanecer na habitação ainda que com controlo por meios técnicos à distância, seria permitir-lhe continuar a traficar pacatamente em casa, pois como se desconhece ainda a identidade do seu fornecedor, não seria possível in casu, cumular esta medida com a proibição de contactos com este, já que o fornecedor continuaria a ter acesso directo ao arguido e este poderia, a partir da residência, comandar a continuação do negócio do haxixe, através de outros intermediários, uma vez que o seu irmão E… se encontra preso preventivamente”.
Assim, afigura-se-nos que no caso a medida de obrigação de permanência na habitação, não serve para obstar aos referidos perigos, entre eles o de continuação da actividade criminosa, em crimes como aquele que se encontra fortemente indiciado nos autos.
Ora, pelo exposto, a obrigação de permanência na habitação, como sucedâneo da prisão preventiva e com preferência sobre esta, não se mostra adequada e suficiente à realização das finalidades cautelares visadas - impedir os enunciados perigos.
E se esta medida não garante as necessidades cautelares que o caso exige, muito menos as garantirá qualquer outra medida menos gravosa, afastada desde logo por não acautelar minimamente as exigências cautelares requeridas pelo caso.
Em suma, face à especial gravidade do ilícito fortemente indiciado e aos concretos e enunciados perigos de perturbação das ulteriores diligências de inquérito, de continuação da actividade criminosa e de perturbação da ordem e paz públicas a medida de coacção de prisão preventiva é a única que se mostra adequada e proporcional, aos perigos demonstrados, e às exigências cautelares que o caso requer.
Em conclusão, a única medida de coacção que se revela suficiente, adequada e proporcional, sendo também necessária, é a medida de coacção de prisão preventiva, atento o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 191.º a 195.º, 202.º, n.º 1, al. a) e c) e 204.º, al. b) e c), todos do Código de Processo Penal.
Improcede, pois, o recurso, confirmando-se a decisão recorrida, proferida sem violar qualquer disposição legal, mormente as invocadas pelo recorrente.
***
III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e em consequência confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs.
Notifique.
***
Porto, 06 de Maio de 2015
Elsa Paixão
Maria dos Prazeres Silva