Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
19728/19.5T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS GIL
Descritores: FIADOR
CRÉDITO BANCÁRIO
INTERPELAÇÃO
PROCEDIMENTO
REGULARIZAÇÃO
Nº do Documento: RP2021042619728/19.5T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 04/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A instituição bancária não pode prevalecer-se contra a fiadora do vencimento automático antecipado da obrigação garantida nos termos do artigo 91º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas decorrente da insolvência do devedor afiançado, quando não diligenciou, como devia, junto da fiadora, pela sua interpelação, no tempo devido e nos termos do artigo 21º do decreto-lei nº 227/2012 de 25 de outubro, em ordem a tentar a regularização da situação de mora.
II - O credor bancário não pode prevalecer-se da sua omissão, ilícita, porque violadora da lei vigente, subtraindo à fiadora soluções menos onerosas para liquidação das responsabilidades garantidas e confrontá-la com a necessidade do pagamento integral da dívida garantida, num prazo muito exíguo.
III - Essa conduta do credor bancário formalmente consistente no exercício de um direito de crédito é atentatória das exigência da boa-fé negocial e integra um exercício abusivo do direito na modalidade do tu quoque, devendo paralisar-se esse exercício abusivo do direito, no caso, não se admitir a invocação da existência de um incumprimento definitivo dos contratos afiançados já que se chegou a tal situação negocial sem que o credor tenha, como devia, desencadeado os mecanismos legais tendentes a permitir a tentativa de regularização do incumprimento verificado junto do seu cliente e bem assim junto da fiadora embargante.
IV - A violação dos deveres legais de tentativa de regularização dos contratos de crédito bancário, tal como se prevê no artigo 18º, nº 1, alínea b), decreto-lei nº 227/2012 de 25 de outubro, impede o credor bancário de intentar ações judiciais para obter a satisfação do seu crédito, sendo esta previsão legal também aplicável aos fiadores, por força do disposto no nº 5, do artigo 21º do referido diploma legal.
V - Este impedimento legal ao exercício do direito de ação constitui uma verdadeira causa legal de inexigibilidade da obrigação e opera entre a data de integração do cliente bancário ou do fiador no PERSI e a extinção deste procedimento e, por identidade de razão e até por maioria de razão, o regime deve ser o mesmo nos casos em que não chega a ser instaurado PERSI, pois que, a não se entender deste modo, facilmente se frustrariam os propósitos do legislador de sujeitar as instituições bancárias a um dever de tentarem a regularização dos contratos de crédito incumpridos, beneficiando-se as instituições infratoras desse dever legal em confronto com aquelas que dessem início a esse procedimento.
VI - A previsão legal que tipifica como contraordenação a violação pela instituição bancária dos deveres que decorrem, entre outros, do artigo 18º do decreto-lei nº 227/2012 (artigo 36º do decreto-lei nº 227/2012 de 25 de outubro), constitui uma sanção que visa a tutela do interesse público e não afasta as sanções específicas do direito civil destinadas à tutela dos interesses particulares.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 19728/19.5T8PRT-A.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 19728/19.5T8PRT-A.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório
Em 04 de dezembro de 2019, por apenso à ação executiva nº 19728/19.5T8PRT, pendente nos Juízos de Execução do Porto, Juiz 6, Comarca do Porto, sob forma ordinária, para pagamento de quantia certa, instaurada pelo Banco B…, S.A., C… veio deduzir embargos de executado arguindo, em síntese, a inexigibilidade da dívida exequenda, em virtude de não ter sido notificada do incumprimento do contrato, nem ter sido interpelada pelo banco exequente do vencimento da dívida, não lhe sendo extensível a perda do benefício do prazo verificada relativamente ao mutuário, a exoneração da embargante da fiança exequenda em virtude de se verificar a impossibilidade da exequente sub-rogar a fiadora nos seus direitos, a falta de interpelação da embargante pela exequente ao abrigo do PERSI e bem assim de informação de que a embargante podia solicitar a sua integração no PERSI, devendo o capital exequendo ser recalculado em função do valor que o banco exequente venha a receber no processo de insolvência do mutuário e, finalmente, suscita o abuso do direito por parte do banco exequente ao omitir que já recebeu ou, pelo menos, tem a garantia de que vai receber mais de cem mil euros no processo de insolvência do mutuário, litigando de má-fé ao alegar, falsamente, que interpelou os fiadores para proceder ao pagamento da quantia em dívida.
Recebidos os embargos, a exequente foi notificada para, querendo, contestar.
O Banco B…, S.A. contestou impugnando a generalidade da matéria contida na petição de embargos, alegando que as cláusulas 16ª e 14ª, respectivamente, dos contratos exequendos lhe conferem o direito de face à falta de pagamento de uma prestação pelo mutuário, conforme se verificou, considerar vencidas a totalidade das prestações, independentemente de qualquer interpelação, tendo os fiadores dado o seu acordo a quaisquer modificações de prazo que viessem a ser convencionadas entre o embargado e os mutuários, valendo por isso quanto a eles a perda do benefício do prazo; mais alegou que procedeu à interpelação da embargante em 09 de julho de 2019, informando do montante em dívida e do vencimento desta por força da insolvência do mutuário e pedindo o pagamento dos montantes em dívida, sob pena de acionamento judicial, não tendo a embargante estabelecido qualquer contacto com o exequente com vista ao pagamento da dívida e à celebração de um acordo nesse sentido e, ainda que não tivesse procedido a tal interpelação, sempre a citação para a presente ação executiva constituiria interpelação judicial; acrescenta o embargado que a insolvência do mutuário em nada contende com a sub-rogação do crédito do credor primitivo, sendo antes uma potencial impossibilidade de cobrança do crédito sub-rogado; cumpria à fiadora, ao contrário do que sucederia com o mutuário, solicitar a sua intenção de integrar o PERSI, o que não fez na sequência da interpelação de 09 de julho de 2019, sendo certo que essa integração não seria viável por força da declaração de insolvência do mutuário e ainda porque no caso em apreço existe uma situação de incumprimento definitivo e não um incumprimento pontual e, em todo o caso, a indevida não integração nesse regime apenas determinaria a aplicação de sanções e nunca a desresponsabilização da embargante, concluindo pela total improcedência dos embargos.
Notificada da contestação, a embargante ofereceu requerimento impugnando a prova documental oferecida pela embargada e requereu a suspensão da instância com fundamento em pendência de causa prejudicial, em virtude de ainda não se saber quanto virá o exequente a receber no processo de insolvência do mutuário, o que só será possível logo que seja dado por findo o incidente de exoneração do passivo restante do mutuário, pretensão de suspensão que mereceu a oposição do banco embargado.
Solicitaram-se e obtiveram-se informações e prova documental do processo de insolvência do mutuário.
Entretanto a embargante veio insistir pela suspensão da ação executiva e, no essencial, com os fundamentos já anteriormente aduzidos.
Realizou-se audiência prévia, frustrando-se a conciliação das partes.
A instância foi declarada suspensa por acordo das partes pelo prazo indicado pelas partes.
Em 20 de outubro de 2020 foi proferida decisão final[1] que terminou com o dispositivo que na parte pertinente ao conhecimento do objeto do recurso se reproduz;
Pelo exposto, julgo procedentes os presentes embargos, por via da procedente excepção dilatória de preterição de sujeição do devedor ao PERSI e consequentemente, absolvo a embargante/executada da instância executiva.
Condeno o embargado/exequente nas custas do processo.
Fixo o valor da causa em 239 080,59 €.
Em 25 de novembro de 2020, inconformado com a decisão que precede, Banco B…, S.A. interpôs recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
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Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo, não tendo havido qualquer apreciação do pedido de reforma da sentença em sede de alguns dos factos provados e deduzido no corpo das alegações.
Uma vez que o objeto do recurso incide sobre matéria de facto provada com base exclusivamente em prova documental e que a vertente jurídica do mesmo recurso se reveste de simplicidade, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensaram-se os vistos, cumprindo apreciar e decidir de imediato.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da alteração dos pontos 3 e 13 dos fundamentos de facto;
2.2 Da inaplicabilidade ao caso dos autos do PERSI[2].
3. Fundamentos
3.1 Da correção dos pontos 3 e 13 dos factos provados
A recorrente pugna pela alteração dos pontos 3 e 13 dos fundamentos de facto da sentença recorrida, com base na sentença de verificação e graduação de créditos junta aos autos, no que respeita ao ponto 3 dos factos provados e com base no que consta dos contratos exequendos e bem assim dos aditamentos aos mesmos celebrados em 31 de janeiro de 2021 e 18 de dezembro de 2014, sustentando que essa correção deve operar por via da reforma da sentença.
Os pontos 3 e 13 dos factos provados têm o seguinte conteúdo:
- Nesse processo de insolvência[3], o embargado reclamou créditos no montante de 219.946,25 € (Duzentos e Dezanove Mil Novecentos e Quarenta e Seis Euros e Vinte e Cinco Cêntimos), incluindo o crédito exequendo, tendo tais créditos sido reconhecidos, verificados e graduados (ponto 3 dos fundamentos de facto);
- A morada da embargante, constante dos contratos e destes autos, é Rua …, nº …, Porto (ponto 13 dos factos provados na sentença recorrida).
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do disposto na alínea b), do nº 2, do artigo 616º do Código de Processo Civil, não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença, quando, por manifesto lapso do juiz constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.
Ora, no caso dos autos, cabe recurso da decisão que se pretende ver corrigida, pelo que o incidente de reforma da sentença recorrida não é o adequado, sendo antes a via de recurso a pertinente e que assim se irá conhecer.
Ainda assim, deve dizer-se que as pretendidas alterações não têm imediata utilidade tal como se configura o objeto do recurso. No entanto, mediatamente, se acaso a decisão recorrida não se mantiver, não é de excluir que as pretendidas alterações se revistam de interesse à luz das soluções plausíveis das diversas questões de direito e por isso se irão conhecer estas pretensões recursórias.
Debrucemo-nos sobre o ponto 3 dos factos provados.
Atendendo ao teor da certidão da sentença de verificação e graduação de créditos proferida em 26 de junho de 2019, no processo nº 12387/17.1T8LSB-A, do Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz 4, da Comarca de Lisboa, é inequívoco que o recorrente aí reclamou créditos nos montantes de € 197.349,67 e de € 26.607,46, créditos que foram verificados e graduados pelo montante global de € 223.957,13, que corresponde à soma dos valores parcelares antes indicados.
O valor que o tribunal a quo indica neste ponto de facto é o que foi reclamado no processo nº 7703/11.2YYPRT que correu termos na 1ª Secção de Execução do Porto, Juiz 4, Comarca do Porto, como se retira da documentação remetida com a certidão de 01 de julho de 2020.
Assim, nesta parte, é fundada a pretensão do recorrente de que seja retificado o ponto 3 dos factos provados, passando a constar o montante de € 223.957,13 onde ficou escrito € 219.946,25.
Debrucemo-nos agora sobre o ponto 13 dos factos provados.
Analisando a documentação oferecida pelo banco exequente com o requerimento inicial executivo constata-se que apenas no contrato de mútuo com hipoteca e fiança celebrado em 30 de abril de 2007 é indicado que a morada da fiadora é na Rua …, nº …, Porto, constando dos dois aditamentos a este contrato, celebrados em 31 de janeiro de 2012 e 18 de dezembro de 2014, que a morada da mesma é na Rua …, nº …, Porto e constando do contrato de mútuo com hipoteca e fiança celebrado em 27 de abril de 2010 que a morada da fiadora é na Rua …, nº …, Porto e nos aditamentos a este contrato, datados de 31 de janeiro de 2012 e de 18 de dezembro de 2014 que é na Rua …, …, Porto.
Além disso, na ação executiva, a fiadora foi citada em 14 de novembro de 2019, na Rua …, …, …, Porto, na morada que foi indicada pelo banco exequente no requerimento executivo e que é também a que se indica na petição de embargos de executada e também na procuração oferecida com a petição de embargos, ainda que aí se omita a indicação da localidade de “…”.
Assim, tudo sopesado, verifica-se que o que consta do ponto 13 dos factos provados só em parte corresponde à verdade, na medida em que a morada da embargante, constante do requerimento inicial executivo, destes autos e do contrato de mútuo celebrado em 30 de abril de 2007, é na Rua …, nº …, Porto, sendo indicada como morada da embargante no outro contrato de mútuo e nos aditamentos a ambos os contratos de mútuo a Rua de … ou Rua …, nº …, Porto.
Deste modo, também neste ponto procede a pretensão da recorrente, devendo o ponto 13 dos factos provados passar a ter a seguinte redação:
- A morada da embargante, constante do requerimento inicial executivo, destes autos e do contrato de mútuo celebrado em 30 de abril de 2007, é na Rua …, nº …, Porto, sendo indicada como morada da embargante no outro contrato de mútuo e nos aditamentos a ambos os contratos de mútuo a Rua de … ou Rua …, nº …, Porto.
3.2 Fundamentos de facto exarados na decisão recorrida expurgados das meras remissões probatória e com as correções decididas no “capítulo” precedente
3.2.1 Factos provados
3.2.1.1
O exequente, no exercício da sua atividade bancária, celebrou dois contratos de mútuo com hipoteca, em 30/04/2007 e 27/04/2010, através dos quais mutuou a D… os montantes de € 210.000,00 (duzentos e dez mil euros) e € 27.000,00 (vinte e sete mil euros) – quantia de que aquele se confessou devedor.
3.2.1.2
D… foi declarado insolvente no processo que sob o número 12387/17.1T8LSB corre termos pelo Juízo de Comércio de Lisboa do Tribunal da Comarca de Lisboa, por sentença proferida em 29-05-2017.
3.2.1.3
Nesse processo de insolvência, o embargado reclamou créditos no montante de € 223.957,13 (duzentos e vinte e três mil novecentos e cinquenta e sete euros e treze cents), incluindo o crédito exequendo, tendo tais créditos sido reconhecidos, verificados e graduados.
3.2.1.4
Ainda nesse processo de insolvência, a fração autónoma designada pela letra “B” do prédio descrito sob o n.º …, da freguesia …, da 6.ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, inscrito na matriz predial sob o n.º 1858, foi objeto de liquidação e vendida à sociedade E…, Lda., à data de 13-04-2018 pelo preço de € 216.000,00 (Duzentos e Dezasseis Mil Euros).
3.2.1.5
Até à presente data, não foi feito qualquer pagamento ao Banco B…, S.A.
3.2.1.6
A remuneração dos referidos contratos de mútuo, prazo, plano de amortização e cálculo dos juros moratórios em caso de incumprimento, ficaram estipulados nos contratos.
3.2.1.7
O exequente entregou efetivamente ao mutuário a quantia mencionada, que este utilizou nos termos acordados, por crédito na sua conta de depósitos à ordem aberta junto do Banco Exequente.
3.2.1.8
Para garantia dos capitais mutuados, respetivos juros e demais despesas, o mutuário constituiu a favor do exequente hipoteca voluntária sobre o imóvel fração autónoma designada pela letra “B” do prédio descrito sob o nº … da freguesia … na 6ª Conservatória do Registo predial de Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo 1858.
3.2.1.9
Ainda para garantia de todas as responsabilidades assumidas perante o Banco Reclamante, F… e C… constituíram-se fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido ao exequente, responsabilizando-se pelo bom cumprimento de todas as obrigações assumidas pelo mutuário, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia.
3.2.1.10
O mutuário não efetuou o pagamento das prestações vencidas em 02/02/2017 – quanto a ambos os contratos -, nem das prestações subsequentes.
3.2.1.11
Em 09 de julho de 2019 o exequente enviou à embargante, para a morada “Rua …, … - … ….-… Porto” uma carta registada com aviso de receção, em que a informou do incumprimento e insolvência do mutuário, do vencimento da dívida, dos montantes vencidos e lhe concedeu o prazo de dez dias para proceder ao pagamento.
3.2.1.12
Tal carta foi devolvida ao remetente com a menção “não existe lote/nº de porta”.
3.2.1.13
A morada da embargante, constante do requerimento inicial executivo, destes autos e do contrato de mútuo celebrado em 30 de abril de 2007, é na Rua …, nº …, Porto, sendo indicada como morada da embargante no outro contrato de mútuo e nos aditamentos a ambos os contratos de mútuo a Rua de … ou Rua …, nº …, Porto.
4. Fundamentos de direito
Da inaplicabilidade ao caso dos autos do PERSI
O banco recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida alegando para tanto, em síntese, que as situações de incumprimento definitivo, como se verifica no caso em apreço, estão excluídas do regime jurídico do PERSI, que, em todo o caso, a declaração de insolvência do mutuário implica a extinção do PERSI e, quando muito, no caso dos autos, a conduta do banco embargado apenas seria passível de ser sancionada a título contraordenacional, tal como previsto no artigo 36º, do decreto-lei nº 227/2012, de 25 de outubro.
Por seu turno, na decisão recorrida fundamentou-se a procedência dos embargos nos termos que de seguida se reproduzem, de forma resumida:
O vencimento da obrigação em mora, conforme o alegado pelo próprio exequente, ocorreu em 02/02/2017.
Após tal data, tinha o exequente 15 dias para informar os fiadores nos termos do nº 1 do citado preceito [artigo 21º, nº 1, do decreto-lei nº 227/2012, de 25 de outubro].
A insolvência só foi decretada em 29-05-2017, mais de três meses depois, pelo que não era impeditiva do cumprimento de tal obrigação.
A tese do embargado só podia ser considerada se a insolvência ocorresse antes do termo de tal prazo, o que não é manifestamente o caso.
Se os fiadores tivessem sido informados da mora podiam ter a oportunidade de cumprir ou requerer o PERSI, ainda antes da insolvência.
O exequente não lhes deu sequer tal oportunidade – não alega em momento algum que informou, no prazo legal, os fiadores, da possibilidade de integrarem o PERSI.
Não é a mesma coisa ter a oportunidade de por fim à mora de apenas uma prestação ou negociar um plano de pagamentos, e ter a oportunidade de pagar toda a dívida vencida de uma só vez, como pretende o embargado.
(…)
Quanto aos fiadores, não basta à instituição de crédito informar os fiadores do incumprimento do devedor principal, e interpelá-los ao cumprimento; com essa interpelação, nos termos do artº 21°, nº3 do Decreto-Lei nº227/2012, a instituição de crédito está obrigada a informar o fiador de que este pode solicitar a sua integração no PERSI, bem como sobre as condições para o seu exercício; e está obrigada a integrar esse fiador no PERSI, caso este o solicite (artº 21°, nº2, do Decreto-Lei nº 227/2012).
Desta forma, a omissão da informação ao fiador de que este pode solicitar a sua integração no PERSI, bem como sobre as condições para o seu exercício, por parte da instituição de crédito; e a falta de integração do fiador no PERSI, pela instituição de crédito, quando solicitado por este à instituição de crédito, constituem violação de normas de carácter imperativo, que configuram, também, excepções dilatórias atípicas ou inominadas, por falta de pressuposto (antecedente) da instauração da acção.
(…)
Da conjugação das referidas normas resulta que, relativamente ao cliente bancário, a instituição de crédito está impedida de «intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito» (artigo 18º, nº1, al. b), do DL nº 227/2012, de 25 de Outubro). E o mesmo obstáculo surge relativamente ao fiador por via da previsão do artigo 21º do citado diploma.
Consequentemente, a acção executiva só poderia ser intentada contra os obrigados após a extinção deste procedimento. E isto porque existe um conjunto de direitos concedidos aos clientes bancários e a concretização dessas garantias não é compatibilizável com a existência de um processo em curso.
Nesta conformidade, se existe um quadro de proibição de accionamento de «acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito», é manifestamente inviável, na pendência da lide, suprir a irregularidade verificada, e a interpelação operada por via da citação para os presentes autos não pode considerar-se como cumprindo os deveres previstos naquele art. 21º.
O que tudo leva à estamos verificação de uma uma exceção dilatória inominada – preterição de sujeição do devedor ao PERSI – de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 573º, nº 2 in fine e 578º do Código de Processo Civil, o que implica a absolvição da instância.
Atenta a procedência da referida excepção dilatória, está prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
Cumpre apreciar e decidir.
O decreto-lei nº 227/2012, de 25 de outubro, como se refere no seu preâmbulo, definiu, além do mais, “um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor.
Porém, para que os referidos objetivos do legislador se possam vir a concretizar, incumbe às instituições bancárias desencadear oficiosamente junto do cliente bancário o PERSI, devendo também e junto dos fiadores do seu cliente, no prazo de quinze dias após o vencimento da obrigação em mora, informar do atraso no pagamento e dos montantes em dívida (artigo 21º, nº 1, do decreto-lei nº 227/2012 de 25 de outubro); além disso, aquando da interpelação do fiador para o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito que se encontrem em mora, a instituição de crédito deve informar o fiador da faculdade que lhe assiste de requerer a sua integração no PERSI, bem como sobre as condições para o seu exercício (artigo 21º, nº 3, do decreto-lei nº 227/2017, de 25 de outubro).
No caso dos autos, que fez o banco embargado?
Nada, rigorosamente nada, já que não integrou o seu cliente no PERSI, nem informou os fiadores do seu cliente da situação de incumprimento verificado, dos montantes em dívida e da faculdade dos mesmos requererem a sua integração no PERSI, assistindo impávido e sereno à apresentação do seu cliente bancário à insolvência, à declaração de insolvência deste e ao consequente vencimento automático antecipado dos créditos exequendos nos termos do disposto no artigo 91º do CIRE[3], remetendo para uma morada da fiadora que resulta de alguns dos contratos juntos aos autos uma interpelação volvidos mais de dois anos sobre a insolvência do devedor afiançado, informando do incumprimento e insolvência do mutuário, do vencimento da dívida, dos montantes vencidos, concedendo-lhe o prazo de dez dias para proceder ao pagamento.
A questão que se coloca neste momento é a seguinte: pode o embargado prevalecer-se deste vencimento automático antecipado da obrigação garantida quando não diligenciou, como devia, junto da fiadora, pela sua interpelação, no tempo devido e nos termos antes referidos, em ordem a tentar a regularização da situação de mora, confrontando-a com uma situação de vencimento antecipado automático decorrente da insolvência do devedor afiançado?
A nosso ver, o credor bancário não pode prevalecer-se da sua omissão, ilícita, porque violadora da lei vigente, subtraindo à fiadora soluções menos onerosas para liquidação das responsabilidades garantidas e confrontá-la com a necessidade do pagamento integral da dívida garantida, num prazo muito exíguo.
Essa conduta do embargado formalmente consistente no exercício de um direito de crédito é atentatória das exigência da boa-fé negocial e integra um exercício abusivo do direito na modalidade do tu quoque[4], devendo paralisar-se esse exercício abusivo do direito, no caso, não se admitir a invocação da existência de um incumprimento definitivo dos contratos afiançados, já que se chegou a tal situação negocial sem que o credor tenha, como devia, desencadeado os mecanismos legais tendentes a permitir a tentativa de regularização do incumprimento verificado junto do seu cliente e bem assim junto da fiadora embargante.
A afirmação do embargado de que a declaração de insolvência do mutuário implicou a extinção do PERSI é uma falácia na medida em que não se pode extinguir algo que não existe nem nunca existiu.
De facto, o que resulta do disposto no artigo 17º, nº 1, alínea d), do decreto-lei nº 227/2012, de 25 de outubro é que o PERSI se extingue com a declaração de insolvência do cliente bancário, ou seja, o PERSI existente extingue-se por força dessa declaração.
Porém, mesmo que o embargado tivesse instaurado um PERSI relativamente ao seu cliente bancário, como devia ter feito, e este viesse a ser declarado insolvente com a consequente extinção desse procedimento, isso não obstava à existência e subsistência de um PERSI que eventualmente tivesse sido instaurado relativamente aos fiadores e a pedido destes (veja-se o nº 4, do artigo 21º do decreto-lei nº 227/2012, de 25 de outubro).
A violação dos deveres legais de tentativa de regularização dos contratos de crédito bancário, tal como se prevê no artigo 18º, nº 1, alínea b), decreto-lei nº 227/2012 de 25 de outubro, impede o credor bancário de intentar ações judiciais para obter a satisfação do seu crédito, sendo esta previsão legal também aplicável aos fiadores, por força do disposto no nº 4, do artigo 21º do referido diploma legal.
Este impedimento legal ao exercício do direito de ação constitui uma verdadeira causa legal de inexigibilidade da obrigação e opera entre a data de integração do cliente bancário ou do fiador no PERSI e a extinção deste procedimento.
Porém, que sucede, como se verificou no caso em apreço, quando a instituição bancária de todo se demitiu dos seus deveres legais de regularização dos contratos de crédito bancário, nada diligenciando quer junto do seu cliente bancário, quer junto dos fiadores do mesmo?
A nosso ver, por identidade de razão e até por maioria de razão, o regime deve ser o mesmo que seria aplicável se acaso tivesse sido instaurado o PERSI, pois que, a não se entender deste modo, facilmente se frustrariam os propósitos do legislador de sujeitar as instituições bancárias a um dever de tentarem a regularização dos contratos de crédito incumpridos, beneficiando-se as instituições infratoras desse dever legal.
A previsão legal que tipifica como contraordenação a violação pela instituição bancária dos deveres que decorrem, entre outros, do artigo 18º do decreto-lei nº 227/2012 (artigo 36º do decreto-lei nº 227/2012 de 25 de outubro), constitui uma sanção que visa a tutela do interesse público e não afasta as sanções específicas do direito civil destinadas à tutela dos interesses particulares.
Por isso, em sede de direito civil, a violação do impedimento legal ao exercício do direito de ação, constitui causa legal de inexigibilidade das obrigações exequendas, patologia de conhecimento oficioso (artigo 578º do Código de Processo Civil) e não suprível no processo judicial indevidamente instaurado.
Assim, face a quanto precede, conclui-se pela total improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida, não obstante as alterações factuais antes decididas.
As custas do recurso são da responsabilidade do banco recorrente dado que decaiu no essencial a sua pretensão recursória, sendo inócuas para a solução final do pleito as alterações factuais que procederam em conformidade com o requerido pelo recorrente (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
5. Dispositivo
Pelo exposto, os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar improcedente o recurso de apelação interposto por Banco B…, S.A., salvo no que respeita às alterações factuais precedentemente deferidas e, em consequência e no mais, confirmar a decisão recorrida proferida em 20 de outubro de 2020.
Custas a cargo do recorrente, sendo aplicável a secção B, da tabela I, anexa ao Regulamento das Custas Processuais, à taxa de justiça do recurso.
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O presente acórdão compõe-se de catorze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo primeiro signatário.

Porto, 26 de abril de 2021
Carlos Gil
Mendes Coelho
Joaquim Moura
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[1] Notificada às partes mediante expediente electrónico elaborado em 21 de outubro de 2020.
[2] Acrónimo com que se identificará o Procedimento Extrajudicial de Regularização das Situações de Incumprimento, aprovado pelo decreto-lei nº 227/2012, de 25 de outubro.
[3] O processo de insolvência é o que sob o número 12387/17.1T8LSB corre termos pelo Juízo de Comércio de Lisboa do Tribunal da Comarca de Lisboa e no qual foi declarada a insolvência do mutuário, D….
[4] Acrónimo com que se identifica o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[5] Sobre esta modalidade de abuso do direito veja-se, por todos, Código Civil Comentado, I – Parte Geral, Almedina 2020, coordenação do Professor António Menezes Cordeiro, páginas 937 a 940, anotação IX da responsabilidade do coordenador da obra.