Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5619/08.9TBMTS-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: CONTRATO PROMESSA COM EFICÁCIA REAL
REGISTO DA PENHORA POSTERIOR AO DA PROMESSA
PREVALÊNCIA
VENDA FORA DA EXECUÇÃO
EMBARGOS DE TERCEIRO
Nº do Documento: RP201706265619/08.9TBMTS-B.P1
Data do Acordão: 06/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 654, FLS 59-79)
Área Temática: .
Sumário: I - Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.
II - A celebração de um contrato-promessa com eficácia real validamente constituída e registada confere ao promitente comprador a faculdade de adquirir o bem objecto da promessa, designadamente desencadeando essa aquisição sem o concurso do promitente vendedor e contra os actos de disposição do bem por este realizados.
III - A forma mais comum de accionar esta faculdade autónoma de aquisição corresponde à execução específica a que se refere o artigo 830.º do CCivil.
IV - No quadro de uma execução instaurada contra o promitente vendedor, na qual tenha sido penhorado o bem por este prometido vender, essa mesma faculdade, o direito de aquisição do bem pelo promitente comprador, actua através da venda directa, ao mesmo promitente, nas condições fixadas no contrato, nos termos previstos no artigo 903.º do CPC (actual 831.º) que expressamente referiu esse tipo de venda à promessa real na redacção nele introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8/03.
V - Porém, quando o promitente comprador tenha já instaurado a execução específica a venda judicial que venha a ter lugar na execução, sendo-o em momento em que ainda não se mostra definitivamente decidida aquela acção, terá de ser suspensa.
VI - Todavia, o promitente comprador não está impedido de outorgar escritura pública com o promitente vendedor referente à compra e venda prometida fora do quadro da execução e, quando assim aconteça, porque o artigo 824.º, nº 2 do CCivil apenas está previsto para a venda executiva, outra solução não restará que não seja o levantamento da penhora e consequente cancelamento do respectivo registo, a isso não se opondo o estatuído no artigo 819.º do CCivil, pois que, na situação de prévio registo de contrato promessa com eficácia real, tudo se passa no que se refere à prevalência em relação a terceiros, como se a compra e venda prometida tivesse sido efectuada na data em que a promessa foi registada.
VII - Desta forma e porque a penhora assim efectuada sobre o imóvel objecto da promessa com eficácia real ofendeu o referido direito real de aquisição daí decorrente, deverão os embargos de terceiros impetrados pelo promitente comprador ser julgados procedentes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 5619/08.9TBMTS-B.P1-Apelação
Origem: Comarca do Porto-Porto-Inst. Central-1ª Secção de Execução-J8
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
Sumário:
I- Na reapreciação da prova a Relação goza da mesma amplitude de poderes da 1.ª instância e, tendo como desiderato garantir um segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto impugnada, deve formar a sua própria convicção.
II- A celebração de um contrato-promessa com eficácia real validamente constituída e registada confere ao promitente comprador a faculdade de adquirir o bem objecto da promessa, designadamente desencadeando essa aquisição sem o concurso do promitente vendedor e contra os actos de disposição do bem por este realizados.
III- A forma mais comum de accionar esta faculdade autónoma de aquisição corresponde à execução específica a que se refere o artigo 830.º do CCivil.
IV- No quadro de uma execução instaurada contra o promitente vendedor, na qual tenha sido penhorado o bem por este prometido vender, essa mesma faculdade, o direito de aquisição do bem pelo promitente comprador, actua através da venda directa, ao mesmo promitente, nas condições fixadas no contrato, nos termos previstos no artigo 903.º do CPC (actual 831.º) que expressamente referiu esse tipo de venda à promessa real na redacção nele introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8/03.
V- Porém, quando o promitente comprador tenha já instaurado a execução específica a venda judicial que venha a ter lugar na execução, sendo-o em momento em que ainda não se mostra definitivamente decidida aquela acção, terá de ser suspensa.
VI- Todavia, o promitente comprador não está impedido de outorgar escritura pública com o promitente vendedor referente à compra e venda prometida fora do quadro da execução e, quando assim aconteça, porque o artigo 824.º, nº 2 do CCivil apenas está previsto para a venda executiva, outra solução não restará que não seja o levantamento da penhora e consequente cancelamento do respectivo registo, a isso não se opondo o estatuído no artigo 819.º do CCivil, pois que, na situação de prévio registo de contrato promessa com eficácia real, tudo se passa no que se refere à prevalência em relação a terceiros, como se a compra e venda prometida tivesse sido efectuada na data em que a promessa foi registada.
VII- Desta forma e porque a penhora assim efectuada sobre o imóvel objecto da promessa com eficácia real ofendeu o referido direito real de aquisição daí decorrente, deverão os embargos de terceiros impetrados pelo promitente comprador ser julgados procedentes.
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I-RELATÓRIO
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B..., Lda. com sede na Rua ..., nº ..., sala ., Porto veio, por apenso à acção executiva que C..., SA instaurara contra D..., E..., F... e G..., Lda. deduzir embargos de terceiro, pedindo que se determine o levantamento da penhora do imóvel que identifica e que se encontra penhorado nos autos de execução, com o consequente cancelamento do respectivo registo.
Alega, em síntese, que por escritura pública outorgada em 11/07/2007, celebrou com o executado D... um contrato promessa de compra e venda do prédio urbano sito na Avenida ..., nº ... e ..., na ..., Porto, pelo qual aquele prometeu vender-lhe o referido prédio, que o preço foi totalmente pago e que ao contrato-promessa atribuíram eficácia real, tendo a mesma sido registada em 08/08/2007.
Mais alega que a escritura só não foi logo celebrada por razões fiscais e que, desde essa data, começou a comportar-se relativamente ao imóvel como se fosse seu dono, passando a cobrar rendas relativas ao arrendamento do mesmo, procedendo à manutenção do mesmo e a desenvolver diligências com vista à revenda do imóvel, quer directamente, quer através de mediadoras imobiliárias.
Que em 12/01/2009 foi promovido o registo de uma penhora fiscal sobre o imóvel, tendo sido o executado D... quem a alertou para o facto mas recusando-se a pagar a divida por entender não ser devida.
Na altura não deduziu embargos porque estava em negociações para a venda do imóvel e não queria enfrentar a morosidade da justiça administrativa e fiscal.
Em 2010 a mediadora H... apresentou à embargante um novo interessado na compra do imóvel, tendo vindo a ser celebrado pela embargante, em 4/02/2011 um contrato-promessa de compra e venda do imóvel por um milhão de euros, tendo o promitente-comprador adiantado à embargante a quantia de € 35.000,00 para liquidação da divida fiscal, efectuado em 9/02/2011, com o consequente levantamento da penhora.
Após, a embargante diligenciou pela marcação da escritura de compra e venda pelo executado D..., a qual foi agendada para 23/02/2011.
Na manhã da data agendada ao imprimir a certidão que lhe havia sido disponibilizada em 18/02/2011, a embargante foi surpreendida pela existência de uma penhora registada em 21/02/2011, a favor do aqui embargado.
Mesmo assim, sem saber a que processo se referia aquela penhora, e porque já tinha pago o preço optou por outorgar a escritura de compra e venda.
Só em 1/03/2011 quando o registo da aquisição foi concluído é que ficou a saber que aquela penhora se referia a esta execução.
Afirma ser, desde 23/02/2011, a legitima proprietária do imóvel.
Mais alega ser, por ela e antecessores possuidora do imóvel, de forma pública, pacifica, titulada e de boa-fé, há mais de 10 anos.
O auto de penhora foi lavrado em data posterior a 23/02/2011.
Por força do contrato-promessa com eficácia real a embargante era titular de um direito creditório a adquirir os imóveis oponível a terceiros que não podia ser inviabilizado ou onerado com a penhora.
Conclui que a penhora ofende aqueles seus direitos e a sua posse.
Por despacho de fls. 76 foi homologada a desistência da instância relativamente à embargada G....
Inquiridas as testemunhas arroladas, foram os embargos recebidos e notificado o embargado para contestar.
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O embargado veio apresentar contestação, invocando a extemporaneidade dos embargos, impugnando ainda factualidade alegada pela embargante quer quanto ao pagamento do preço, quer quanto à justificação para não realização da escritura definitiva na data da realização do contrato-promessa.
Mais alega que o contrato-promessa tem efeitos obrigacionais e não torna aquela proprietária do imóvel, pelo que não o podia dar de arrendamento, sendo o mesmo nulo.
Quanto ao contrato-promessa invoca a sua caducidade, bem como a do registo da eficácia real, por ter decorrido o prazo fixado no mesmo para a realização da escritura de compra e venda.
Conclui que a penhora foi inscrita sobre o imóvel desonerado e que a aquisição posterior é inoponível ao embargado.
Impugna a demais factualidade alegada pela embargante, concluindo por pedir a improcedência dos embargos.
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A embargante respondeu à excepção da caducidade do contrato-promessa pugnando pela sua não verificação, alegando que o embargado confunde prazo de duração do negócio com prazo de cumprimento de uma obrigação, sendo que o contrato-promessa não tinha prazo de duração.
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A fls. 141 e ss. foi proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto, fixando-se os factos assentes e controvertidos.
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Realizou-se audiência de julgamento de acordo com as formalidades legais.
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A final, foi proferida decisão que julgou os embargos improcedentes por não provados.
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Não se conformando com o assim decidido veio a embargante interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
i. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou improcedentes os embargos de terceiro deduzidos pela recorrente.
ii. A decisão recorrida padece de erro na resposta ao ponto 2º da Base Instrutória, que em vez da resposta “não provado” deveria ter sido dado como parcialmente provado porquanto:
a) a propósito do alegado no art. 5º da p.i., que deu origem ao quesito em apreço, o que importava era apurar o animus possidendi;
b) a única testemunha ouvida, embora desconhecendo se as rendas vinham sendo pontualmente pagas, afirmou peremptoriamente que a B... se comportava como senhoria e cobrava à data em que foi negociado o contrato promessa referido no ponto 16º dos Factos Provados–datado de 04/02/2011-uma renda à inquilina I..., que identificou como sendo a Mãe do representante legal da embargante, J...;
c) está também demonstrada a outorga do aludido contrato promessa de venda do imóvel, onde além da embargante B..., como promitente vendedora, intervieram também J... e a aludida I..., que se comprometeram a deixar de ocupar o imóvel nos dois meses subsequentes à outorga da escritura;
d) Consta ainda dos autos um recibo de renda–Doc. 8 junto com a p.i., não impugnado– emitido pela embargante a favor de “I...”, inquilina que como vimos também interveio no aludido contrato promessa de fls. 36 e ss., comprometendo-se a entregar o imóvel devoluto de pessoas e bens no prazo subsequente à escritura ali aprazado;
e) Se a embargante se considerasse mera detentora do imóvel não teria emitido qualquer recibo de renda do mesmo em seu nome, como emitiu;
f) Se a embargante não se considerasse dona do imóvel não teria incumbido a mediadora H..., como incumbiu, de encontrar comprador para o mesmo;
g) Nem teria prometido vender o imóvel a um terceiro, ainda por cima Juiz-Desembargador (jubilado), como prometeu;
h) Nem este lhe teria prometido comprar o aludido imóvel, como prometeu.
i) Se a embargante não tivesse o imóvel como seu não teria desenvolvido essas negociações assumindo-se sempre como sua proprietária a quem faltava apenas formalizar a escritura de compra nem diligenciado pelo cancelamento de uma penhora em execução fiscal movida contra o terceiro executado titular inscrito do imóvel, como fez;
j) Se o executado primitivo dono do imóvel não considerasse a embargante como dona do imóvel não teria conferido a esta procuração para o vender e dar quitação do preço, como fez;
k) A perplexidade manifestada a fls. 6 e 7 da resposta aos quesitos por não ter sido desde logo outorgado o contrato definitivo, ou, pelo menos, convencionada expressamente a tradição do bem com a promessa de venda foi esclarecida pela testemunha e sempre se resolveria com uma mera consulta aos arts. 2º, nº2, al. a), 7º, nºs 1 e 3 e 11º, nº5 do CIMT, donde resulta que a isenção de IMT depende do comprovado exercício da actividade de compra de prédios para revenda no ano anterior e caduca ao fim de 3 anos e que a promessa também está sujeita a IMT quando acompanhada da tradição do bem.
l) Além disso, o Código Civil contém no seu art. 1252º, nº2 uma presunção (ilidível) de que se presume a posse naquele que exerce o poder de facto, que no caso em apreço era claramente da embargante, pelo menos desde o momento em que decorreram as negociações em que a testemunha interveio, que culminariam com a outorga do contrato-promessa de 04/02/2011 a fls. 36 e ss. dos autos, presunção que não foi ilidida pelo Banco recorrido nem pelos executados, que nem sequer contestaram os embargos.
m) Do exposto resulta que devia ter-se dado como provado, quanto ao quesito 2º da Base Instrutória que “pelo menos desde a celebração da escritura referida em A-), a embargante começou a comportar-se como verdadeira e única dona do imóvel objecto da mesma, passando a cobrar as rendas referentes ao arrendamento do mesmo”, ponto 10º-A a aditar aos Factos Provados, o que se requer.
n) Ou, no mínimo, que “desde data não concretamente apurada mas seguramente anterior a 04/02/2011 (data da promessa de fls.36), a embargante comportou-se como verdadeira e única dona do imóvel dos autos, passando a cobrar as rendas referentes ao arrendamento do mesmo”.
iii. Quanto ao ponto 3º da Base Instrutória, cuja resposta corresponde ao ponto 11º dos Factos Provados, deverá passar a ter a seguinte redacção: “A partir de data não concretamente apurada a mediadora H... vinha promovendo a venda do dito imóvel, apresentando a embargante como sua dona a potenciais interessados”, porquanto a testemunha afirmou peremptoriamente que a embargante lhe foi apresentada pela mediadora como sendo a dona do imóvel.
iv. Relativamente aos quesitos 17º e 19º, está provado por documento autêntico, com força probatória plena, que “Na escritura referida em H-) foi verificado, por consulta da certidão permanente do imóvel com o código de acesso PP-....-.....-......-......, que o prédio estava onerado com a inscrição de penhora pendente da Ap. .../........”-pois tal foi expressamente verificado pelo Notário e exarado na escritura–art. 371º, CC, o que deverá constituir o ponto 20º dos Factos Provados.
v. Donde resulta evidente que a consulta ao registo naquela data era a fls. 51 dos autos (Doc.7 junto com a p.i.) que não contém identificação do exequente, da execução ou do valor da mesma (tal informação só é disponibilizada depois do registo estar concluído).
vi. Para finalizar a impugnação da matéria de facto, importa aditar aos Factos Provados um último ponto-21º-com a redacção “A embargante tem utilizado o imóvel referido em A-) ao seu serviço e no seu interesse, designadamente recebendo rendas decorrentes do arrendamento do imóvel”, pelas exactas razões expostas na conclusão ii supra, aqui dadas por reproduzidas.
vii. Passando ao Direito, nos seus embargos, a recorrente alegou a seguinte factualidade essencial dada como provada:
a) A escritura de promessa de compra e venda com eficácia real em 11/07/2007 e respectivo registo em 08/08/2007;
b) Que à data da escritura as partes declararam que o respectivo preço se encontrava pago;
c) A inscrição em 12/01/2009 de registo de penhora sobre o imóvel objecto da escritura realizada no âmbito de uma execução fiscal movida contra o executado promitente vendedor;
d) Que após algum tempo de negociações, a embargante viria, por contrato outorgado a 04/02/2011, a prometer vender o dito imóvel a K... e este a prometer comprá-lo, por € 1.000.000,00, nos termos que constam do contrato de fls. 36 a 39;
e) Conforme estipulado nesse contrato, o promitente-comprador entregou à embargante € 35.000,00 para esta pagar a dívida fiscal e cancelar o referido registo de penhora, pagamento que foi feito a 09/02/2011, obtendo-se ulterior cancelamento daquele registo;
f) Em 21/02/2011 deu entrada registo de penhora nos autos principais sobre o aludido imóvel, resultando dos autos principais que o respectivo auto só viria a ser lavrado a 06/06/2011;
g) Por escritura de compra e venda outorgada a 23/02/2011 a embargante adquiriu o aludido imóvel, tendo nela o executado declarado já ter recebido o respectivo preço e o notário verificado a inscrição de penhora pendente de 21/02/2011 acima referida.
h) Concluindo que a penhora realizada nos autos ofende a propriedade e posse do imóvel ou, pelo menos, o direito real de aquisição do mesmo, anteriormente registado.
viii. Os factos tidos como não provados são no essencial instrumentais ou indiciários, pelo que mesmo a manter-se as repostas à matéria de facto a procedência dos embargos seria ainda assim a decisão correta.
ix. Na sua contestação, o Banco Embargado limitou-se a invocar a extemporaneidade dos embargos, que o contrato promessa teria efeitos meramente obrigacionais, que não teria nele sido convencionada a tradição do bem, que o arrendamento invocado na p.i. seria nulo e a caducidade do contrato promessa, não tendo qualquer um desses argumentos sido julgado como provado ou procedente.
x. O Tribunal a quo, na decisão recorrida:
a) considerou os embargos tempestivos;
b) Reconheceu que com o contrato promessa com eficácia real a embargante adquiriu o direito de exigir do executado D... a celebração do contrato prometido e que com a conversão do seu registo em definitivo, a 12/03/2008, esse direito passou a prevalecer sobre todos os direitos pessoais e reais que não beneficiassem de registo anterior;
c) Verificou que nem o contrato promessa nem a eficácia real do mesmo caducaram; e
d) Reconheceu que o contrato-promessa com eficácia real é oponível ao exequente titular de penhora registada ulteriormente.
xi. Aqui chegados, não oferece dúvidas que tendo a embargante celebrado e registado (anos) antes da penhora um contrato-promessa de compra e venda com eficácia real do imóvel em causa, nada obstava a que a venda prometida fosse outorgada-como foi-já depois de penhorado o imóvel, retroagindo os efeitos dessa venda à data do registo da promessa com eficácia real, devendo por isso a penhora realizada nos autos principais, porque ulterior a esse registo, ser levantada e cancelado o respectivo registo.
De facto,
xii. O contrato promessa de compra e venda produz em regra efeitos apenas inter partes, tem eficácia meramente obrigacional, não sendo portanto oponível a terceiros.
xiii. Admite-se, porém, que a promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis produza efeitos em relação a terceiros, desde que se verifiquem os seguintes pressupostos todos verificados no caso concreto em análise: a) constar a promessa de escritura pública; b) as partes ali atribuírem, de forma expressa, eficácia real; e c) estarem inscritos no registo os direitos emergentes da promessa–art. 413º, Código Civil.
xiv. Quando assim é, a promessa, enquanto não for revogada, declarada nula ou anulada, ou não caducar, prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) que posteriormente se constituam em relação à coisa, tudo se passando, sob esse aspecto, como se a alienação ou oneração prometida, uma vez realizada, se houvesse efectuado na data em que a promessa foi registada.
xv. A “eficácia real” de um contrato-promessa traduz-se precisamente na possibilidade de este ser invocado contra terceiros, que, subsequentemente à sua conclusão, venham a adquirir direitos incompatíveis com o seu cumprimento.
xvi. A alienação ou constituição de direito real incompatível com aquele a que o promissário tem direito não são inválidas, mas apenas ineficazes relativamente a este, que poderá continuar não só a exigir do promitente o cumprimento da promessa, como a opor ao terceiro o direito que assim adquiriu.
xvii. O registo de contrato promessa dotado de eficácia real garante a pretensão creditória à celebração do contrato prometido e assegura também o direito real que pode vir a ser adquirido no futuro. O registo definitivo em apreço atribui ao direito de crédito decorrente do contrato promessa uma eficácia equiparada à dos direitos reais, afastando, por conseguinte, o perigo dele vir a ser inviabilizado, no todo ou em parte, por actos de alienação ou de oneração do objecto do contrato promessa registados posteriormente.
xviii. A redacção dada pelo DL38/2003, de 8 de Março, ao art. 903º do CPC apenas veio estabelecer a possibilidade de «quem queira exercer o direito de execução específica» adquirir o bem no próprio processo, sem ter de recorrer à acção de execução específica.
xix. Mas não lhe retirou a possibilidade de deduzir embargos de terceiro, queira ou não exercer o direito à execução específica, quer para defender a posse, se for caso disso, quer para manter intactas todas possibilidades que lhe assistem nos termos do contrato promessa–cfr. art. 351º, nº1, CPC.
xx. Até porque o art. 903º do CPC, norma de direito adjectivo ou processual, não pode prejudicar, derrogar ou revogar o art. 413º do Código Civil.
xxi. O direito adjectivo é instrumental à realização do direito material, serve para a realização das normas do direito objectivo material e os interesses ou direitos nele fundados, não o contrário.
xxii. Donde o art. 903º não deve ser interpretado como uma restrição ao art. 413º do CC mas antes como um instrumento suplementar à disposição do promitente-comprador que não possa ou não queira deduzir embargos de terceiro salvaguardar os seus interesses, concretizando a aquisição, sem necessitar do concurso da vontade do promitente vendedor, através da venda directa na execução.
xxiii. O que de resto no caso vertente seria de nula utilidade, na medida em que a venda directa terá de fazer-se sempre nos termos convencionados no contrato promessa e, de acordo com essa escritura de promessa de venda-que não foi posta em causa, nem impugnada nem arguido qualquer vício de vontade quanto à mesma–,nada há a pagar ao executado na data da escritura…
xxiv. Donde não se alcança o efeito útil para o exequente dessa penhora, a não ser o de forçar a embargante, se e quando encontrar novo comprador–porque o contrato prometido referido no ponto 16º dos Factos Provados naturalmente se gorou entretanto por causa da penhora a que aqui nos reportamos–a abrir mão de substancial quantia, enriquecendo-o sem causa só para que liberte a penhora.
xxv. Mas mesmo que assim se não entendesse, nada permite concluir que o contrato não pudesse entretanto ser cumprido: nada obriga as partes a esperarem pela venda directa no âmbito da execução, que pode demorar meses ou anos!
xxvi. De facto, como lapidarmente refere a Doutrina que mais profundamente estudou a questão, o direito real que venha a ser adquirido com a celebração do contrato prometido e aceda a registo prevalece em face de direitos reais incompatíveis constituídos, mas apenas publicitados após o registo do contrato promessa dotado de eficácia real, em virtude da ineficácia anterior de tais direitos perante a pretensão creditória que o antecedeu. Ineficácia que foi gerada pelo registo definitivo do contrato promessa dotado de eficácia real.
xxvii. Ora, está demonstrado nos autos que a embargante/recorrente passou, em 23/02/2011 a ser a dona e legítima possuidora do dito imóvel por força de escritura de compra e venda outorgada naquela data-arts. 408º, 874º e 879º, Código Civil.
xxviii. O ato de penhora posterior ao registo da promessa com eficácia real não pode sobrepor-se ao direito de cumprir aquela promessa registada em primeiro lugar, pois isso importaria uma subversão da regra da prioridade do registo consagrada no art. 6º, nº1, do Código do Registo Predial e da eficácia erga omnes do contrato devidamente publicitado consagrada no art. 413º do CC.
xxix. Conclui-se assim que quando o promitente-comprador, pese embora a penhora registada se consiga entender com o promitente vendedor para outorgarem conjuntamente em escritura de compra e venda do imóvel–como sucedeu nos autos–não restará outra alternativa que não a de levantar a penhora e ordenar o cancelamento do respectivo registo, sem que se possa objectar, no referente à penhora, com a disciplina constante do art. 819º CC, pois que a mesma, se bem que refira serem “inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados”, se inicia com a expressão “sem prejuízo das regras do registo”.
xxx. Ora, estas regras, na situação de prévio registo do contrato promessa com eficácia real, só podem significar que o direito do promitente comprador é oponível à penhora, tudo se passando, no que se refere à prevalência em relação a terceiros, como se a compra e venda prometida tivesse sido efectuada na data em que a promessa foi registada.
xxxi. Sem prescindir, e por mero dever de patrocínio, o Tribunal a quo reconheceu que provada a posse, se exercida de forma pública, pacífica e continuada por determinado lapso de tempo, a mesma será susceptível de conduzir à aquisição por usucapião do direito correspondente.
xxxii. A traditio consubstancia-se como o poder de facto sobre a coisa que o promitente-comprador conferiu ao promitente-comprador, ou seja, como um conjunto de atos materiais ou simbólicos demonstrativos do controlo sobre a coisa.
xxxiii. E não carece de ser expressamente acordada no contrato promessa reduzido a escrito: opera-se mediante o acto físico de entrega ou recebimento da própria coisa.
xxxiv. Ocorrida a traditio (corpus), pode o bem passar a ser detido em nome do promitente vendedor ou passar actuar por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, com a intenção de agir como titular desse direito real (animus).
xxxv. Tal é o que basta para se considerar provada a posse–arts. 1251º e 1253º, CC.
xxxvi. Sendo que se presume a posse naquele que exerce o poder de facto sobre o bem art. 1252º, CC.
xxxvii. Os quesitos que supra se defendeu deveriam ser aditados aos Factos Provados tornam evidente a posse do imóvel à data em que ocorreu o registo da penhora.
xxxviii. Donde também por aqui deviam os embargos proceder.
xxxix. Temos assim, para todos os efeitos, uma aquisição a favor do terceiro embargante que ocorreu para todos os efeitos antes da penhora, na medida em que os seus efeitos retroagiram à data do registo, claramente anterior à penhora.
xl. Ora, a penhora não pode recair sobre bens de terceiro–cfr. art. 821º do CPC em vigor à data da penhora, arts. 817º, 818º e 1305º, CC..
xli. A não se entender assim, o que se equaciona por mero dever de patrocínio, a penhora sempre ofenderia a posse do imóvel por parte do embargante, pelo que não poderia manter-se.
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Devidamente notificado contra-alegou o Banco embargado concluindo pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são duas as questões que importa apreciar:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
b)- decidir em conformidade face à alteração, ou não, da matéria factual e mesmo não se alterando a mesma, saber se a respectiva subsunção jurídica se mostra, ou não, correctamente efectuada.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pelo tribunal recorrido:

1º- Por acordo designado contrato promessa de compra e venda com eficácia real, celebrado no dia 11 de Julho de 2007, no Cartório Notarial da Licenciada Drª L..., sito na Rua ..., nº ..., 2.º piso, ..., Braga, a embargante prometeu comprar e M... na qualidade de procurador de D..., prometeu vender, pelo preço de € 199.519,16, o prédio urbano sito na ..., nº ... e ..., da freguesia ..., Porto, inscrito na matriz sob o art. 2150, e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 58.220.
2º- Na referida escritura, as partes declararam que o preço se encontrava pago e que a escritura definitiva deveria ser realizada no prazo máximo de três anos a contar desta data, devendo para o efeito a promitente compradora notificar o promitente vendedor, por meio de carta registada com aviso de recepção, com pelo menos quinze dias de antecedência.
3º- Tendo ainda declarado atribuir eficácia real ao contrato.
4º- Mediante a Ap. nº .., de 2007/08/08 foi registada na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto (1212/20070808, da freguesia ..., correspondente à inscrição em Livro nº 58220) a promessa de alienação descrita em A-) a favor de B..., Lda, pelo prazo de três anos a contar de 11 de Julho de 2007.
5º- O registo foi efectuado como provisório por natureza, tendo sido convertido em definitivo pela Ap. nº 2008/03/12
6º- Mediante a Ap. nº .... de 2009/01/12, foi inscrita a penhora a favor da Fazenda Nacional sobre o prédio descrito em 1º), para pagamento da quantia exequenda de € 30.612,85, reclamada no processo de execução fiscal nº .................
7º- Mediante a ap. nº ... de 2011/02/21 foi inscrito o registo da penhora a favor do C..., SA para pagamento da quantia exequenda reclamada nos autos principais.
8º- Por escritura pública de compra e venda celebrada no dia 23 de Fevereiro de 2011 no Cartório Notarial do Licenciado N..., sito da Rua ..., nº .., 1.º direito, Porto, D... declarou vender e J... na qualidade de procurador da sociedade embargante B..., Lda, declarou comprar, pelo preço de € 400.000,00, já recebido, o prédio urbano descrito em A-).
9º- Mediante a Ap. nº ... de 2011/02/23, foi inscrita a aquisição, por compra, a favor de B..., Lda, do imóvel descrito em A-).
10º- O auto referente à penhora decretada nos autos principais foi lavrado em 6 de Junho de 2011.
11º- A partir de data não concretamente apurada a mediadora H... vinha promovendo a venda do dito imóvel.
12º - A embargante pretendia encontrar um comprador para o imóvel.
13º- A embargante não deduziu embargos no processo de execução fiscal.
14º- Pela Ap. .... de 12/01/2009 foi inscrita sobre o imóvel objecto da escritura referida em A) uma penhora a favor da Fazenda Nacional para garantia da quantia exequenda de € 30.612,85 que estava peticionada no Processo de execução fiscal nº ................ no qual era executado D....
15º- Em data não concretamente apurada de 2010 a mediadora H..., apresentou à embargante um interessado.
16º- Após algum tempo de negociações, a embargante viria, por contrato reduzido a documento particular outorgado a 04/02/2011, a prometer vender o imóvel descrito em 1º dos factos provados a “K..., viúvo, residente na ..., número .., no Porto, portador do Bilhete de Identidade vitalício número .....” e este a prometer comprá-lo pelo preço de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), nos termos que constam do acordo de fls. 36 a 39 e que se dão aqui por integralmente reproduzidos.
17º- O promitente comprador referido em 16º dos factos provados entregou à ora embargante a importância de € 35.000,00, mediante cheque nº.........., sacado sobre o Banco O..., S.A, destinado ao pagamento da dívida exequenda no processo de execução fiscal nº ................, do Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim onde se tinha efectuado a referida penhora sobre o dito imóvel correspondente à inscrição Ap. ...., de 12/01/2009.
18º- A divida em causa nessa execução fiscal, no momento de € 27.292,22 foi paga a 9/02/2011, tendo poucos dias depois sido solicitado ao Serviço de Finanças competente o cancelamento do registo da penhora.
19º- Em 1/03/2011, aquela penhora da execução fiscal já não se encontrava registada.
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III. O DIREITO

Questão prévia:
Com as alegações recursivas veio a embargante juntar um documento (traduzido num contrato de imediação imobiliária) justificando a sua apresentação nesta fase processual em virtude do julgamento proferido pelo tribunal recorrido (cfr. artigo 651.º, nº 1 do CPCivil).
Vejamos, então, se tal admissão se mostra possível.
À questão da junção de documentos na fase de recurso se refere expressamente o artigo 651º, nº 1 do CPC, cujo teor ora se transcreve:
Artigo 651º
Junção de documentos e de pareceres
1-As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
E dispõe o artigo 425º para o qual remete o texto da norma acabada de transcrever:
Artigo 425º
Apresentação em momento posterior
Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
E importará ter presente, enfim, enquanto norma contendo o “princípio geral” que referencia, na dinâmica do processo, o momento da apresentação de prova por documentos, o artigo 423º do CPC:
Artigo 423º
Momento da Apresentação
1-Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2-Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3-Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Da concatenação destas normas decorre, que a junção de documentos em sede de recurso (junção que é positivamente considerada apenas a título excepcional) depende da caracterização (rectius, da alegação e da prova) pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, valendo aqui a remessa do artigo 651º, nº 1 para o artigo 425º; (2) o ter o julgamento da primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí-até ao julgamento em primeira instância-se mostrava desfasada do objecto da acção ou inútil relativamente a este.
Os documentos em referência nos citados artigos são habitualmente designados de documentos supervenientes, sendo que, e a sua superveniência pode ser objectiva, nos casos em que o documento só foi produzido em momento posterior ao do encerramento da discussão ou subjectiva, quando o documento, apesar de já existir, só chegou ao conhecimento da parte depois desse momento.
Como supra se referiu, refere a embargante recorrente que a junção do documento, ora em causa, se tornou “necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância” (parte final do artigo 651.º n.º 1 do Código de Processo Civil).
O normativo em referência e atrás transcrito, também admite, no seu trecho final, a junção de documentos com as alegações de recurso, nos casos em que o julgamento proferido em primeira instância torne necessária a consideração desse documento.
Todavia, pressupõe esta situação, a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.[1]
Com efeito, como refere expressivamente António Santos Abrantes Geraldes[2], “[p]odem […] ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, máxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo” e mais à frente acrescenta[3] “A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado”.
Ora, nada disso ocorre na situação sub júdice, aliás, nem os recorrentes aduzem qualquer fundamento para a sua junção dentro dos condicionalismos atrás referidos.
O facto em causa já constava da base instrutória tendo sido alegado pela recorrente no respectivo articulado (cfr. artigo 5º da petição de embargos) não podendo, obviamente, este normativo servir como pretexto para a junção de documentos já antes disponíveis para demonstração de factos sujeitos a prova e que se vieram a julgar indemonstrados.
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Em consequência, recusa-se a junção do referido documento e consequentemente, ordena-se o seu desentranhamento, condenando-se a embargante recorrente em multa que se fixa em 1 (uma) UC nos termos do artigo 543.º, nº 2 do CPC e do artigo 27.º, nº 1 e 3 do Regulamento das Custas Processuais.
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Como supra se referiu a primeira questão que importa apreciar e decidir consiste em:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.

Como resulta do corpo alegatório e das respectivas conclusões a embargante recorrente impugnou a decisão da matéria de facto tendo dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPCivil, pois que, faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ela propugnados, a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida e ainda as passagens da gravação em que se funda o recurso e que transcreveu [nº 2 al. a) do citado normativo].
Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, a embargante apelante não concorda com a decisão sobre a fundamentação factual relativa aos pontos 2.º, 3.º, 17.º, 19.º e 22.º, da base instrutória.
Quid iuris?
O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º nº 5) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.[4]
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”.[5]
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPCivil).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.[6]
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.[7]
Importa, porém, não esquecer que, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.[8]
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão à embargante apelante, neste segmento recursivo da impugnação da matéria de facto, nos termos por ela pretendidos.
*
O ponto 2. da base instrutória tinha a seguinte redacção:
Porém, desde a celebração da escritura referida em A) que a embargante começou a comportar-se como a sua verdadeira e única dona, designadamente, passando a cobrar as rendas referentes ao arrendamento do mesmo?”.
A este ponto da base instrutória o tribunal recorrido respondeu não provado.
Entende a recorrente que este facto devia ter sido considerado provado na íntegra ou então provado nos seguintes termos:
“Desde data não concretamente apurada mas seguramente anterior a 04/02/2011 (data da promessa de fls. 36), a embargante comportou-se como verdadeira e única dona do imóvel dos autos, passando a cobrar as rendas referentes ao arrendamento do mesmo”.
Para o efeito convoca o depoimento da testemunha P...-que trabalhava para uma empresa como consultor na área imobiliária-, o teor recibo de renda junto e ainda o teor do contrato promessa celebrado referido em 16. da fundamentação factual.
Não cremos porém, salvo o devido respeito, que os elementos probatórios convocados pela recorrente tenham a virtualidade de alterar a resposta dada pelo tribunal recorrido ao referido ponto factual.
Importa, desde logo, dizer que o ponto em causa alberga expressão manifestamente conclusiva quando nela se refere que “a embargante comportou-se como verdadeira e única dona do imóvel dos autos”.
Na verdade, essa era a conclusão a que o tribunal recorrido devia chegar a partir de outra realidade factual, nomeadamente a referente à cobrança de rendas, razão pela qual nunca o referido ponto devo conter essa expressão, mas contendo-a o tribunal não a podia dar como provada.
É que nos termos do artigo 607.º, nº 4 do CPCivil na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
Por outro lado, é manifesto que a referência feita na motivação da decisão da matéria de facto a J... como representante da embargada recorrida e não da embargante recorrente, como é, se deve a mero lapso de escrita, como tantas vezes acontece, razão pela qual não se entende o afirmado pela recorrente a este propósito nas suas alegações recursivas e que é, no mínimo, despropositada e sem qualquer consistência.
Isto dito, torna-se evidente que a testemunha P... prestou sob este conspecto um depoimento vago, pois que, respigando o mesmo o que dele se retira é, como se refere na motivação da decisão da decisão da matéria de facto, “que das vezes que foi visitar o imóvel, quem abria a porta era o representante da embargante J... e, ao que lhe foi dito, quem vivia no imóvel era a mãe deste. Afirma também que nas reuniões se falava de um valor acordado para ela sair”.
Portanto, a referida testemunha, nada sabia de concreto sobre os elementos essências inerentes ao referido arrendamento.
Desta forma, não se vê como, com base no depoimento da indicada testemunha, se pode dar como assente o facto em causa expurgado da sua parte conclusiva, a quem apenas terá sido dito que a Mãe do Legal representante da Recorrente, J..., vivia no prédio.
Importa ainda sopesar que existindo a referida relação locatícia a embargante não tenha tido a preocupação de juntar aos autos o contrato de arrendamento e tenha, pelo menos, vertido em sede de petição de embargos o prazo do referido contrato (início de vigência e termo) e o valor da renda.
Da mesma forma, que também não pode tal relação ser dada como provada com base na junção aos autos de um recibo de renda.
Efectivamente, como bem se obtempera nas contra alegações, se o contrato de arrendamento vigorou desde do ano de 2007 como alega a recorrente por que razão não foram juntos mais recibos de renda, pelo menos 3 ou 4, relativos a cada ano do período de vigência do contrato?
Por que razão juntou, apenas, um único recibo?
É que o ónus da prova dos factos em causa pertencia à recorrente e, portanto, a ela incumbia carrear para os autos a prova que entendesse pertinente.
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Diante do exposto, deve pois manter-se a resposta dada pelo tribunal recorrido ao ponto em causa, por a recorrente não ter convocado meios de prova constantes dos autos que impusessem decisão diversa.
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O ponto 3. da base instrutória tinha a seguinte redacção[9]:
Promovendo as diligências necessárias à sua manutenção e passando a desenvolver diligências tendo em vista a revenda do imóvel, quer directamente, quer através de diversas mediadoras imobiliárias, designadamente a Q... e a H...”?
A esse ponto o tribunal recorrido respondeu: “A partir de data não concretamente apurada a mediadora H... vinha promovendo a venda do dito imóvel”.
Entende a recorrente embargante que a resposta ao ponto em causa devia ter sido:
A partir de data não concretamente apurada a mediadora H... vinha promovendo a venda do dito imóvel, apresentando a embargante como sua dona a potenciais interessados”.
Para o efeito, convoca também o depoimento da testemunha P....
Diga-se, desde logo, que a resposta pretendida pela embargante recorrente sai fora do âmbito do mencionado ponto 3. da base instrutória e da alegação correspondente ao artigo 5º da petição inicial de embargos (este número encontra-se repetido na petição inicial).
Mas ainda que assim não fosse, também do depoimento da indicada testemunha P... se não retira que a mediadora H... apresentasse a embargante como dona do imóvel a potenciais interessados.
Efectivamente, o que a referida testemunha afirmou foi que era a embargante que tinha o imóvel e que só mais tarde, quando chegaram a acordo em relação aos termos do negócio, é que vieram a saber que a embargante estava como dona do imóvel.
Portanto, o que se retira deste depoimento é que a embargante nunca foi apresentada a potenciais interessados como dona do imóvel, pois que ter o imóvel não significa que fosse sua proprietária, antes assume o significado, neste contexto e na linguagem corrente, que estava encarregada de proceder à sua venda quer por si quer através de empresas mediadoras.
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Como assim, a resposta dada pelo tribunal recorrido ao referido ponto da base instrutória traduz o que resultou da prova produzida, devendo assim manter-se a sua redacção.
*
Os pontos 17. e 19. da base instrutória tinham, respectivamente, a seguinte redacção:
“-Porém, na manhã da data agendada para a escritura, 23/02/2011, ao imprimir a certidão permanente que lhe havia sido disponibilizada a 18/02/2011, a embargante foi, para sua surpresa, confrontada com uma nova apresentação de registo de penhora-Ap. ... de 21/02/2011, ainda pendente”?
“-Mesmo não sabendo a que processo se referia aquela apresentação”?
A estes pontos o tribunal recorrido respondeu não provado.
Entende a recorrente que pelo devia ter sido dado como provado que:
Na escritura referida em H-) foi verificado, por consulta da certidão permanente do imóvel com o código de acesso PP-....-.....-......-......, que o prédio estava onerado com a inscrição de penhora pendente da Ap. .../20110221”.
Consta, efectivamente, da referida escritura pública ter-se procedido à referida consulta com o referido resultado.
Mas será esta matéria factual juridicamente relevante, qualquer que seja a decisão que sobre a mesma venha a ser proferida à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito a solucionar?
A resposta é, como nos parece evidente, negativa.
Na verdade, não se vê, em termos de subsunção jurídica, qual a relevância do citado facto.
Ora, atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão, em homenagem à proibição da prática no processo de actos inúteis (artigo 137º do Código de Processo Civil, na redacção que vigorava antes da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho e a que corresponde actualmente o artigo 130º do vigente Código de Processo Civil, aprovado pela lei que antes se citou).
Como refere Abrantes Geraldes,[10] “De acordo com as diversas circunstâncias, isto é, de acordo com o objecto do recurso (alegações e, eventualmente, contra-alegações) e com a concreta decisão recorrida, são múltiplos os resultados que pela Relação podem ser declarados quando incide especificamente sobre a matéria de facto. Sintetizando as mais correntes: (…) n) Abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum com a solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados”.
No mesmo sentido cfr. os Acórdãos da Relação de Coimbra de 24.4.2012, processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, e da Relação de Guimarães de 10.09.2015, processo n.º 639/13.4TTBRG.G1.[11]
Por esse motivo, abstemo-nos de reapreciar a decisão da matéria de facto relativamente ao facto em questão.
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O ponto 22, da base instrutória tinha a seguinte redacção:
E tem-no utilizado ao seu serviço e no seu interesse, designadamente recebendo as rendas decorrentes do arrendamento do imóvel”?
A este ponto o tribunal recorrido respondeu não provado.
Entende a recorrente que a resposta a esse ponto deveria ter sido:
A embargante tem utilizado o imóvel referido em A-) ao seu serviço e no seu interesse, designadamente recebendo rendas decorrentes do arrendamento do imóvel”.
Para o efeito convoca as mesmas razões que aduziu a propósito do ponto 2. da base instrutória.
Ora, valendo aqui, mutatis mutandis, as considerações feitas a respeito do ponto 2. da base instrutória, mantém-se a resposta de não provado dada pelo tribunal ao citado ponto.
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Decorre do exposto que a apreciação da Mmª juiz a quo-efectivada no contexto da imediação da prova-, surge-nos assim como claramente sufragável, com iniludível assento na prova produzida e em que declaradamente se alicerçou.
Como assim, temos de convir que, os elementos de prova convocados pela recorrente não são de molde a sustentar a tese que por ela vem expendida, pese embora se respeite a opinião em contrário veiculada nesta sede de recurso, havendo que afirmar ter a Mmª juiz captado bem a verdade que lhe foi trazida ao processo, com as dificuldades que isso normalmente tem, não existindo, portanto, fundamento probatório convocado pelos recorrentes para que este tribunal altere a decisão da matéria factual dada como assente pelo tribunal recorrido.
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Improcedem, desta forma, as conclusões i) a vi) formuladas pela apelante.
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Permanecendo inalterada a matéria factual que o tribunal recorrido deu como provada a segunda questão que vem colocada no recurso, prende-se com:

b)- saber se a respectiva subsunção jurídica se mostra, ou não, correctamente efectuada.

1º- Oponibilidade da venda do imóvel relativamente à penhora inscrita com data anterior sobre o mesmo.

No essencial e quanto a esta questão o tribunal recorrido, considerou que a venda feita após a penhora de um imóvel anteriormente prometido vender com eficácia real, em cumprimento desse contrato promessa, é inoponível à execução onde tal penhora ocorreu e que, nos contratos promessa com eficácia real, tal eficácia erga omnes se confina a conferir ao promitente comprador a possibilidade de obter na execução onde o imóvel entretanto foi penhorado a venda directa do mesmo.
Deste entendimento dissente a embargante recorrente alegando a inoponibilidade da penhora à referida venda.
Quid iuris?
O quadro factual a que importa atender para a dilucidação desta questão e que vem provado nos autos é o seguinte:
1º- Por acordo designado contrato promessa de compra e venda com eficácia real, celebrado no dia 11 de Julho de 2007, no Cartório Notarial da Licenciada Drª L..., sito na Rua ..., nº ..., 2.º piso, ..., Braga, a embargante prometeu comprar e M... na qualidade de procurador de D..., prometeu vender, pelo preço de € 199.519,16, o prédio urbano sito na ..., nº ... e ..., da freguesia ..., Porto, inscrito na matriz sob o art. 2150, e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 58.220;
2º- Na referida escritura, as partes declararam que o preço se encontrava pago e que a escritura definitiva deveria ser realizada no prazo máximo de três anos a contar desta data, devendo para o efeito a promitente compradora notificar o promitente vendedor, por meio de carta registada com aviso de recepção, com pelo menos quinze dias de antecedência;
3º- Tendo ainda declarado atribuir eficácia real ao contrato;
4º- Mediante a Ap. nº .., de 2007/08/08 foi registada na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto (1212/20070808, da freguesia ..., correspondente à inscrição em Livro nº 58220) a promessa de alienação descrita em A-) a favor de B..., Lda, pelo prazo de três anos a contar de 11 de Julho de 2007;
5º- O registo foi efectuado como provisório por natureza, tendo sido convertido em definitivo pela Ap. nº 2008/03/12;
6º- Mediante a Ap. nº .... de 2009/01/12, foi inscrita a penhora a favor da Fazenda Nacional sobre o prédio descrito em 1º), para pagamento da quantia exequenda de € 30.612,85, reclamada no processo de execução fiscal nº ................;
7º- Mediante a ap. nº ... de 2011/02/21 foi inscrito o registo da penhora a favor do C..., SA para pagamento da quantia exequenda reclamada nos autos principais;
8º- Por escritura pública de compra e venda celebrada no dia 23 de Fevereiro de 2011 no Cartório Notarial do Licenciado N..., sito da Rua ..., nº .., 1.º direito, Porto, D... declarou vender e J... na qualidade de procurador da sociedade embargante B..., Lda, declarou comprar, pelo preço de € 400.000,00, já recebido, o prédio urbano descrito em A-);
9º- Mediante a Ap. nº .... de 2011/02/23, foi inscrita a aquisição, por compra, a favor de B..., Lda, do imóvel descrito em A-);
10º- O auto referente à penhora decretada nos autos principais foi lavrado em 6 de Junho de 2011;
19º-Em 1/03/2011, aquela penhora da execução fiscal já não se encontrava registada”.
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Dentro deste quadro factual a questão a que importa agora dar resposta é se o promitente comprador, em contrato promessa de compra e venda dotado de eficácia real que viu registada penhora depois do registo daquele contrato promessa, estava impedido de outorgar escritura pública com o promitente vendedor referente à compra e venda prometida, por ter que exercer o seu direito no âmbito da respectiva execução.
Analisando.
Estatui o artigo 413.º, nº 1 do CCivil que: “Á promessa de transmissão ou constituição de direitos reais sobre bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo, podem as partes atribuir eficácia real, mediante declaração expressa e inscrição no registo”.
Decorre, portanto deste inciso que a atribuição de eficácia real a um contrato promessa implica, em primeiro lugar, que o objecto desse contrato promessa seja um contrato com eficácia real transmissiva ou constitutiva, e em segundo lugar que o objecto do contrato prometido seja um imóvel ou um móvel sujeito a registo.
Para além disso, torna-se necessário que as partes nesse contrato declarem expressamente a vontade de atribuição ao contrato promessa da eficácia real, que adoptará a forma que se imponha em função do nº 2 do citado artigo 413.º, e procedam à respectiva inscrição no registo.
Não obstante, a doutrina se encontre dividida quanto ao conteúdo jurídico da eficácia real[12], pode dizer-se como refere Ana Prata[13]:
“(…) a eficácia real do contrato promessa traduzir-se-á na possibilidade de o contrato promessa ser invocado contra terceiros que, subsequentemente ao registo dessa promessa, venham a adquirir direitos incompatíveis com o seu cumprimento”.
Dentro desta linha de pensamento, há pois que ponderar, se os direitos que emergem na situação dos autos para os terceiros titulares de registos subsequentes ao do contrato promessa de compra e venda com eficácia real se mostram incompatíveis com esta eficácia.
Numa primeira análise poder-se-ia sustentar que destinando-se o contrato de compra e venda a transferir o direito de propriedade, apenas se mostraria incompatível com a promessa real a transferência do direito de propriedade para um terceiro operada após o registo da promessa, ou seja, que a eficácia real do contrato promessa de compra e venda se destinasse apenas a produzir efeitos relativamente à situação da venda do imóvel a terceiro.
Efectivamente, sendo essa situação aquela que constitui o paradigma da eficácia real do contrato promessa de compra e venda-como quer que a mesma seja dogmaticamente entendida-a verdade é que não são apenas os actos de disposição do imóvel a favor de terceiro, mas também os actos da sua oneração, que se devem ter como abrangidos pela ineficácia dos negócios celebrados em oposição à promessa com eficácia real, na medida em que estes se mostram aptos a impedir o promitente vendedor de cumprir a promessa da venda do direito de propriedade plena.
A este propósito refere Mónica Jardim[14] “O registo de contrato promessa dotado de eficácia real garante a pretensão creditória à celebração do contrato prometido e assegura também o direito real que pode ver a ser adquirido no futuro. O registo definitivo em apreço atribui ao direito de crédito decorrente do contrato promessa, uma eficácia equiparada à dos direitos reais, afastando, por conseguinte, o perigo de ele vir a ser inviabilizado, no todo ou em parte, por actos de alienação ou de oneração do objecto do contrato promessa registados posteriormente”.
No mesmo sentido, Manuel Henrique de Mesquita[15] afirma “A eficácia real do contrato promessa traduz-se, assim, na faculdade atribuída a qualquer terceiro que adquira do promitente vendedor, sobre o objecto do contrato prometido, um direito que inviabilize, no todo ou em parte, o cumprimento do contrato promessa”.
Também a este propósito escreve Calvão da Silva[16] “No caso de contra promessa com eficácia real (artigo 413.º), o promitente comprador faz valer o próprio direito de crédito (ao cumprimento e execução específica), oponível erga omnes, por efeito do registo. Logo, a penhora realizada após aquele registo é ineficaz perante o promitente comprador. Pode, por isso, o promitente comprador reagir contra a penhora posterior da coisa, mediante embargos de terceiro”.
Podendo, por isso, afirmar-se que o legislador através do contrato promessa dotado de eficácia real “visou proteger aqueles que tem direito à alienação ou constituição de um direito real contra o subsequente titular registal inscrito”.[17]
O que significa, seguramente, que na pendência do registo do contrato promessa com eficácia real, a penhora do imóvel, seu objecto, torna-a ineficaz em relação ao promitente comprador, não obstante seja discutível a sua qualificação como direito real de garantia.[18]
Todavia, tendo em conta a perspectiva que está em apreciação no presente recurso, cremos que se deve configurar a penhora como direito real de garantia, pois que esse entendimento parece ser o que melhor se coaduna com a norma do artigo 604.º, nº 2 do CCivil, conjugada com a do artigo 822.º, nº 1 do mesmo diploma legal, que admite, para além da consignação de rendimentos, do penhor, da hipoteca, do privilegio e do direito de retenção, “outras causas legitimas de preferência admitidas na lei”, em que se enquadrará a penhora.
Seja como o for, o que importa saber, e está em causa é se a penhora cujo registo se mostre subsequente ao do contrato promessa de compra e venda com eficácia real, constitui um direito incompatível com o do promitente comprador daquele contrato promessa.
Não fora a norma do artigo 903.º do CPCivil[19] (actual artigo 831.º) a resposta a tal questão não poderia deixar de ser positiva, já que a penhora acabando na venda executiva, no caso de à promessa ter sido conferida eficácia real, o direito do promitente adquirente à execução específica, porque tem eficácia erga omnes, é oponível a quem quer que seja, inclusive ao terceiro adquirente do bem em processo executivo.
Atentemos, porém, o que resulta da referida norma do artigo 903.º (actual artigo 831.º).
Preceitua este normativo inserido em “Divisão” referente “A outras modalidades de venda” sob a epígrafe “Venda Directa” que: “Se os bens houverem por lei, de ser entregues a determinada pessoa ou tiverem sido prometidos vender, com eficácia real, a quem queira exercer o direito de execução específica, a venda é-lhe feita directamente”.[20]

Deste normativo resulta pois, que a penhora não contende com o direito à execução específica do contrato-promessa dotado de eficácia real, visto que o promissário que se encontre nessa situação, pode exercer o seu direito-ao cumprimento e à execução específica-no próprio processo executivo, sendo-lhe a venda feita directamente e pelo preço acordado no contrato promessa. [21]
De facto, o exercício da execução específica na própria execução em nada fere o promissário de tal promessa.
Como é referido no Ac. STA 12/1/2012 já citado, “no caso de promessa de compra e venda com eficácia real, o direito do promitente comprador, que se concretiza através da venda directa (cfr. art. 903.º do CPC), harmoniza-se com o escopo da execução fiscal-a obtenção de fundos destinados a pagar ao exequente e, eventualmente, aos credores reclamantes-integrando uma das fases do processo executivo (a venda) com uma única limitação, respeitante ao preço, pois a venda directa far-se-á pelo preço acordado pelos promitentes, ao invés de ser feita pelo melhor preço obtido, como sucede nas demais modalidades de venda, sendo que, em função do “ingresso” na execução desse valor, obter-se-á subsequentemente a satisfação do interesse do exequente e dos credores reclamantes nos termos da respectiva preferência.
Ora, se dúvidas não existem relativamente ao necessário exercício da execução específica na própria execução nas situações em que nesta se esteja na fase da venda- sendo que o promitente comprador em causa tem de ser notificado para o efeito-pois, só esse entendimento permite conciliar o interesse de evitar a falta de estabilidade da venda executiva, que comprometeria a sua realização, e “a possível mancomunação do promitente e promissário advinda de, através da constituição do ónus da eficácia real da promessa, manter indefinidamente fora do alcance dos credores um bem”, de tal modo, que não o exercendo aí, tal direito se precludirá, também não se terão dúvidas em que, na situação em que a execução não esteja na fase da venda, se não poderá impor ao promitente comprador que espere, por vezes, largos anos, para exercer o seu direito ao cumprimento voluntário, ou, se necessário, através de execução específica.
Isto dito, no caso dos autos o que se verifica é que o promitente vendedor e o promitente comprador, ora recorrente, procederam à compra e venda do imóvel fora da processo executivo onde se concretizou a referida penhora, fazendo-o negocialmente por escritura pública (facto supra descrito).
Evidentemente que igualmente poderia ter sucedido, caso um e outro não se tivessem entendido no sentido da realização dessa venda negocial, se a embargante (promitente compradora) tivesse optado pela interposição de acção de execução específica contra aquele (vendedor).
Portanto, um e outro desses comportamentos não pode deixar de ser admitido, não se podendo, como supra se referiu, impor-se ao promitente comprador que espere pela venda judicial do bem em função da penhora que sobre ele incide.
A questão que agora se coloca é esta: o que acontece ao registo da penhora?
Na verdade, o efeito extintivo previsto no artigo 824.º, nº 2 CCivil[22] está previsto para a venda executiva[23], e não se verifica, sem mais, na venda negocial.
Quando o promitente comprador na situação acima figurada interponha acção de execução especifica, parece que a venda judicial que venha a ter lugar na execução, sendo-o em momento em que ainda não se mostra definitivamente decidida aquela acção, terá de ser suspensa.[24]
Quando o promitente comprador, pese embora a(s) penhora(s) registadas se consiga entender com o promitente vendedor para outorgarem conjuntamente escritura de compra e venda do imóvel-como sucedeu nos autos- parece que não restará outra alternativa que não a de levantar as penhoras e ordenar o cancelamento do(s) respectivo(s) registo(s).
E contra isso, não se objecte com a disciplina constante do artigo 819.º do CCivil[25], pois que a mesma, se bem que refira serem “inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados”, se inicia com a expressão, “sem prejuízo das regras do registo”.
Portanto, estas regras, na situação de prévio registo de contrato promessa com eficácia real, só podem significar, que o direito do promitente comprador é oponível à penhora, tudo se passando, no que se refere à prevalência em relação a terceiros, como se a compra e venda prometida tivesse sido efectuada na data em que a promessa foi registada.
Neste sentido refere Antunes Varela[26] “(…) a promessa, enquanto não for revogada, declarada nula, ou anulada ou não caducar, prevalece sobre todos os direitos (pessoais ou reais) que posteriormente se constituam em relação à coisa, tudo se passando, sob este aspecto, em relação a terceiros, como se a alienação (…) prometida, uma vez realizada, se houvesse efectuado na data em que a promessa foi registada”.
No mesmo sentido, Jorge de Sousa[27]: “Neste caso o direito do promissário à aquisição da coisa prevalece sobre todos os direitos pessoais ou reais que posteriormente sobre ela se constituam (…) Nesta situação no que concerne à prevalência em relação a terceiros, tudo se passa como se a alienação prometida, uma vez realizada, se houvesse realizado na data em que a promessa foi registada”.
Da mesma forma, Mónica Jardim[28]: “Deste modo, o direito real que venha a ser adquirido com a celebração do contrato prometido e aceda a registo prevalece em face de direitos reais incompatíveis constituídos, mas apenas publicitados após o registo do contrato promessa dotado de eficácia real, em virtude da ineficácia anterior de tais direitos perante a pretensão creditória que o antecedeu. Ineficácia que foi gerada pelo registo definitivo do contrato promessa dotado de eficácia real”.
E mais adiante refere a mesma Autora a seguinte conclusão a respeito de hipótese semelhante à dos autos: “Após o registo definitivo do contrato promessa (dotado de eficácia real) o direito de crédito do promitente adquirente prevalece em face dos actos dipositivos conflituantes que não beneficiem de prioridade registal, quer assentem ou não num acto de vontade do titular registal (ou de um seu subadquirente) e, ainda, quer tenham ocorrido antes ou depois do registo definitivo do contrato promessa dotado de eficácia real”.
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Diante do exposto, torna-se evidente que a penhora sobre o imóvel, levada a cabo pela embargada, ofendeu o direito real de aquisição da embargante recorrente da celebração do contrato promessa com eficácia real referente ao mesmo imóvel e, tendo sido já celebrado o contrato prometido, terá que ser ordenado o seu levantamento com o consequente cancelamento do registo.
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Destarte, procedem as conclusões xii) a xxx) formuladas pela apelante embargante e, com elas, o respectivo recurso ficando, deste modo prejudicada a apreciação das restantes.
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IV-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta procedente por provada e, consequentemente, revogando-se a decisão recorrida, na procedência dos embargos deduzidos ordena-se o levantamento da penhora efectuada nos autos quanto ao dito imóvel e bem assim o cancelamento do respectivo registo, correspondente à Ap. ..., de 21/02/2011.
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Custas da apelação pela embargada apelada (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 26 de Junho de 2017.
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
__________
[1] Ou dito, de outra forma os casos em que a sua junção se torna necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância são apenas aqueles em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ter sido proferida.
[2] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 184.
[3] Obra citada pág. 185.
[4] De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.”-Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273).
[5] Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348.
[6] Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, processo n.º 3931/03.2TVPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Ac. Rel. Porto de 19 de Setembro de 2000, CJ XXV, 4, 186; Ac. Rel. Porto 12 de Dezembro de 2002, Proc. 0230722, www.dgsi.pt
[9] Esse ponto está formulado na sequência do anterior ponto 2.
[10] In Recursos em Processo Civil Novo Regime, 2.ª edição revista e actualizada pág. 297.
[11] In www.dgsi.pt.
[12] Para uns, a eficácia real consubstancia-se na constituição a favor do credor da promessa de um direito real de aquisição (cfr. neste sentido Assim, Galvão Telles, «Direito das Obrigações», 6ª ed p 17 e 131/132; Almeida Costa, «Direito das Obrigações», 4ª ed, pag. 271; Oliveira Ascensão, «Direito Civil-Reais», pag. 494-495; Orlando de Carvalho, «Direito das Coisas», p 134-135; Mota Pinto, «Direitos Reais», p 141 e 143; Menezes Cordeiro, «O Novíssimo Regime do Contrato Promessa», p 12); para outros, não se trata propriamente da produção de um efeito com natureza real, antes de uma tutela do direito de crédito mais forte, semelhante àquela de que gozam os direitos reais (cfr. Pessoa Jorge, «Direito das Obrigações», I, 201, Calvão da Silva, «Sinal e Contrato Promessa», 177-178, Pedro Pais Vasconcelos, «O efeito externo da obrigação», p 21 a 23, Henrique Mesquita, «Obrigações Reais e Ónus Reais», 252 a 254; Antunes Varela, «Contrato Promessa», 61 nota 2). Para os primeiros, a eficácia real gera a invalidade ou ineficácia dos negócios celebrados em oposição à promessa; para os segundos, “o promissário disporia, como em qualquer contrato promessa, de um direito creditício que, no entanto, seria oponível a terceiros através da retroacção dos efeitos da sentença que decrete a execução específica da obrigação de contratar à data do registo do contrato promessa com eficácia real” (cfr. Ana Prata, “O Contrato Promessa e Seu Regime Civil”, 2ª reimpressão á ed de 1994, p 611). Neste entendimento, só a retroactividade que a eficácia real imprime à eventual execução específica da promessa pode prejudicar a eficácia dos negócios celebrados em oposição à promessa.
[13] Obra citada pág. 617.
[14] In “Efeitos Substantivos do Registo Predial”, 2015, Reimpressão, pag. 886.
[15] In “Obrigações Reais e Ónus Reais” pág. 252 e 235
[16] In “Sinal e Contrato Promessa”, Almedina, 12ª Ed, pág. 179.
[17] Mónica Jardim, obra referida.
[18] Entendia-a como tal, Castro Mendes (cfr. Direito Processual Civil (Acção Executiva) Ed AAFDL, 1971, pág. 72) referindo-se-lhe como “uma inoponibilidade objectiva ou situacional, inoponibilidade no processo de execução a qualquer interveniente–exequente, tribunal, arrematantes, credores, etc., entendendo criar-se a favor do exequente «um direito real de garantia envolvendo preferência sobre os bens penhorados”.
Já Teixeira de Sousa (Acção Executiva Singular, Lex, 1998, pág.) 242 conclui que a penhora não pode ser incluída no âmbito dos direitos reais de garantia, porque, em hipótese de transmissão do bem onerado, “em vez de acompanhar o bem transmitido e de sujeitar o seu adquirente à execução, a penhora ignora a transmissão do bem (cfr. art. 819.º CCivil) e rejeita qualquer substituição do executado. Enquanto o direito real de garantia se adapta à dinâmica, a penhora ficciona a estática (…) embora seja inerente a uma coisa e afecte a execução desta à satisfação do crédito do exequente, a sua função é conservatória: é isso que justifica a regra da inoponibilidade dos actos de disposição ou oneração posteriores a ela”.
[19] Ainda aplicável a estes autos.
[20] No Ac. STA de 12/1/2012 in www.dgsi.pt explica-se bem a génese e função desta venda directa, dizendo-se: “Quem quereria comprar um bem sobre o qual recai um ónus oponível à venda e que pode determinar a ineficácia da venda? Quem quereria comprar um bem sobre o qual estivesse registada uma promessa de alienação com eficácia real? Essa venda seria ineficaz relativamente ao promissário, que (a menos que o contrato-promessa viesse a ser declarado nulo, anulado ou resolvido, ou se o crédito do promissário se extinguisse por causa diferente do cumprimento, tudo hipóteses que estão fora do controlo do terceiro adquirente) sempre poderia, a qualquer momento, vir exercer o seu direito como se essa venda a terceiro não tivesse sido realizada. Mal se compreenderia, pois, que o legislador tivesse consagrado uma solução que não ponderasse e prosseguisse a estabilidade da venda (cfr art. 9º/3, 1ª parte, do CC), sabido que esta é, sobretudo na execução fiscal, em que está essencialmente em causa a cobrança de créditos tributários (que são a principal fonte de receitas públicas.) (cfr art 148º do CPPT), um valor do interesse público. Ninguém entenderia que o legislador, desprezando esse valor e a consequente estabilidade da venda, permitisse a realização de uma venda executiva que pudesse vir a ser declarada ineficaz a todo o tempo (…). Por outro lado, também não faria sentido que, pela existência do registo de uma promessa de alienação com eficácia real sobre um bem, este ficasse excluído do âmbito da universalidade do património do devedor que responde pelas dívidas do mesmo (cfr. arts 601º (…) 817º do CC (…) e art. 821º/1 do CPC (…). Muito menos se compreenderia que, se não fosse estabelecido prazo para a celebração do contrato prometido e este não fosse efectivamente celebrado, o bem objecto do contrato pudesse ficar ad aeternum numa situação de intangibilidade pelos credores do promitente, o que abriria as portas a que este, mancomunado com o promissário, dispusesse de um eficaz meio de subtrair bens à execução. A lei não poderá ter querido, nem sequer permitir, que a eficácia real conferida ao contrato-promessa, por razões que se prendem com a protecção dos interesses do promissário no caso em que está em causa a aquisição de bens sujeitos a registo, pudesse abrigar consequência tão perversa. Terá sido para dar resposta a todas estas questões e no sentido de obter uma solução que ponderasse e conciliasse de forma ajustada os diversos interesses em confronto, que o legislador, no que se refere ao contrato-promessa de compra e venda com eficácia real, estabeleceu que o promitente comprador tem o ónus de comprar o bem prometido vender na execução fiscal–através da venda directa prevista no art. 903º do CPC (…), sob pena de ver extinto o seu direito à compra e à execução específica (Neste sentido, Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa 1998, pág. 389, Marco Gonçalves, Embargos de Terceiro na Acção Executiva, Universidade do Minho, pág. 199 e segs., Rui Pinto, A Acção Executiva depois da Reforma, JVS, Lisboa 2004, pág. 204 e segs.)”.
[21] Cfr. neste sentido para além do já referido Ac. do STA também os Acs. do mesmo tribunal de 6/4/2011 e 8/6/2011 e Ac. RC 16/4/2013.
[22] Este artigo tem a seguinte redacção:
Venda em execução
1. A venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.
2. Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo.
3. Os direitos de terceiro que caducarem nos termos do número anterior transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens.
[23] E que, segundo Marco Gonçalves, in “Embargos de Terceiro na Acção Executiva”, Março 2010, pág. 102, se destina “não só a favorecer a alienação de bens em sede executiva relativamente ao exequente e ao executado–o primeiro porque consegue obter mais facilmente o pagamento da quantia exequenda e o segundo porque consegue amortizar a divida com um numero menor de bens para esse efeito–como também garantir que o terceiro seja confrontado com um ónus que diminua a utilidade da coisa adquirida em sede executiva, sem que no entanto o legislador deixe de proteger os titulares dos direitos que caducarem por efeito dessa venda, dado que esses direitos “transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens (nº 3), ou seja, o titular desse direito irá receber o respectivo credito através do produto da venda executiva, tendo em atenção, naturalmente, a ordem de graduação dos créditos dos respectivos credores”.
[24] Assim o entende Jorge Lopes de Sousa in “Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado”, Áreas Editora, 6.ªedição, volume III, anotação 9 ao art. 172º, pág. 246 que afirma que, para o efeito do disposto no art. 172º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, se deverá considerar como acção que tem por objecto a propriedade do bem penhorado, a acção em que o promitente-comprador da coisa penhorada pretende ver concretizado o seu direito à execução específica, nos termos do art. 830º do CC, e que, nesse caso, haverá que suspender a execução fiscal, pelo menos no que a esse bem se refere, até que a acção esteja decidida: “se a acção de execução específica for julgada procedente, o órgão de execução fiscal terá de levantar a penhora; caso contrário, a penhora mantém-se e a execução fiscal poderá prosseguir com a venda desse bem”.
No mesmo sentido Calvão da Silva obra citada pág. 179.
[25] Este inciso tem a seguinte redacção:
Disposição ou oneração dos bens penhorados
Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados
[26] In Das Obrigações em Geral,10ª ed. I, pág. 329
[27] In Código de Procedimento e Processo Tributário, Anotado e Comentado, III, pág. 246
[28] Obra citada pág. 886.