Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1414/21.8PIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ ANTÓNIO RODRIGUES DA CUNHA
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
MENSAGENS DO TELEMÓVEL
MEIO DE PROVA
CONVICÇÃO
RELAÇÃO DE NAMORO
CONCEITO
Nº do Documento: RP202304191414/21.8PIPRT.P1
Data do Acordão: 04/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O facto de não estarem juntas aos autos, por se ter revelado impossível, mensagens enviadas através do Whatsapp, não impede que o respetivo teor possa ser provado através de outros meios de prova, desde que considerados credíveis pelo Tribunal. Efetivamente, vigorando no processo penal o princípio da liberdade de prova, são admissíveis todas as provas que não forem proibidos por lei, como dispõe expressamente o art.º 125.º do CPP. Tal princípio encontra-se intimamente ligado ao princípio da livre apreciação da prova, previsto no art.º 127.º do referido diploma.
II - Dar ou não dar crédito à versão da ofendida, em detrimento da versão do arguido, é uma questão de convicção. Quando a atribuição de credibilidade ou de falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não é racional, se mostra ilógica e é inadmissível face às regras da experiência comum.
III - Não se encontrando definida na lei, a noção de relação de namoro deve ser judicialmente preenchida caso a caso, em função dos factos concretos apurados. Abarca um vasto leque de possíveis definições, que foram variando ao longo das épocas, ainda hoje se encontram em mutação, fruto, muito em particular, das mudanças sociais e económicas.
IV - Podemos, todavia, assentar que, em traços gerais, as relações de namoro são muito mais que uma simples amizade ou uma relação fortuita ou ocasional, traduzindo-se, genericamente, num relacionamento informal de natureza sentimental e afetiva entre duas pessoas, do mesmo sexo ou de sexo diferente, que se prolonga durante tempo indeterminado, que pode ser mais ou menos longo. A sua existência como tal não depende do seu conhecimento pela generalidade das pessoas. Não exige a coabitação, que, aliás, deixou de ser exigida para o preenchimento do tipo, nem um projeto de vida comum no futuro, desde logo porque podem iniciar-se sem que os namorados ainda se conheçam suficientemente para esse efeito. Não exige igualmente a fidelidade.

[Sumário da responsabilidade do Relator]
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1414/21.8PIPRT.P1

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO
Nos presentes autos de processo comum e com a intervenção do Tribunal Singular, por sentença de 24 de Novembro de 2022, foi o arguido AA condenado pela prática, em autoria matéria e sob a forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por 3 anos, sob a condição de cumprir um Regime de Prova, nos termos prescritos nos artigos 50.º, 53.º e 54.º todos do Código Penal.
Foi ainda aplicada ao arguido a pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, bem como proibição de se aproximar da sua residência e do seu local de trabalho, por um período de 3 anos, nos termos dos n.ºs 4 e 5 do art.º 152.º do Código Penal, com meios de controlo à distância.
Mais foi o pedido de indemnização civil formulado pela ofendida julgado parcialmente procedente, por provado, tendo o arguido sido condenado a pagar-lhe a quantia de € 800,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora contados à taxa legal, desde a data da presente decisão até efetivo e integral pagamento.
*
Inconformado, recorreu o arguido.
Termina a motivação do recurso com as seguintes conclusões [transcrição]:
1. Entende o arguido que não estão verificados os pressupostos do crime de violência doméstica a que acresce o facto de o tribunal a quo ter considerados como provados factos que não se verificaram.
2. Entendeu o Tribunal a quo que estavam verificados os pressupostos objetivos da alínea b) do artigo 152º do CP, ou seja, que o arguido tinha mantido com a ofendida uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação.
3. Urge assim, antes de mais, definir juridicamente “namoro”, ou “relação análoga à dos cônjuges”.
4. A jurisprudência tem-se debruçado sobre esta questão, especialmente porque o termo “namoro” na linguagem não jurídica tem um alcance muito mais lato e amplo que na sua vertente jurídica, veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no processo nº 9/17.5GBABF.E1.
5. Ora consta do 1º facto dado como provado o seguinte: “1.º a vítima BB e o arguido conheceram-se no início do mês de agosto de 2021 e, pouco tempo depois, iniciaram uma relação de namoro”.
6. Para dar como provado este facto, o Tribunal refere que o arguido negou que tivesse mantido uma relação de namoro com a ofendida, “mas demonstrou-se (porque foi confirmado pela família toda da ofendida) que o arguido chegou a passar férias com a família da ofendida na qualidade de namorado desta”.
7. No modesto entender da defesa, o simples facto do pai, mãe e irmã da ofendida considerarem o arguido como namorado daquela, não reveste a segurança jurídica necessária para ser dado como provado o facto elencado sobre o nº 1.
8. Mas estes depoimentos, por si só, não podem de forma alguma levar o tribunal a concluir que existia uma relação de namoro desde logo, a curtíssima duração da relação (menos de um mês), bem como o facto que o Tribunal desconsiderou, (embora indicado nos factos provados sob o nº 48), que o arguido é pai de uma menina de 9 meses, ou seja uma relação contemporânea com a descrita nos autos, o que no mínimo, levantaria a dúvida sobre o tipo de relação existente entre o arguido e a ofendida.
9. Como se refere também no Acórdão do Tribunal da relação do Porto Ac. TRP 3299/14.1TAMTS.P1 30/9/15, em que foi relator o Sr. juiz desembargador Horácio Correia Pinto. “É necessário caracterizar o namoro com elementos fácticos sólidos e indesmentíveis, já que a relação análoga à dos cônjuges implica um conjunto de deveres típicos da relação conjugal”.
10. Nos presentes autos, temos tudo menos elementos fáticos sólidos e indesmentíveis: o arguido diz que não a ofendida diz que sim.
11. Mas como bem refere o Acórdão da Relação de Évora já citado: “A existência de duas pessoas numa relação de namoro exige a dualidade, por parte dos seus dois membros, da aceitação e vontade real de participação e permanência nesse vínculo sentimental e afectivo, não bastando que só um dos intervenientes o pretenda e aceite”.
12. Precisamente a situação dos autos: por um lado o arguido que afirma que para ele nunca existiu um namoro, mas sim uma “relação efémera” (veja-se relatório social do arguido dado como provado pelo Tribunal).
Na total inexistência de outras provas ou elementos com exceção da família da ofendida, que naturalmente e segunda as regras de experiência seria de crer que a família da ofendida considerava que o arguido era o namorado da ofendida! Que outros nomes lhe dariam? Amigo colorido? Amigo com benefícios? Claro que não. Teria necessariamente o princípio do in dúbio pro reu funcionar e não ser considerada provada a existência de uma relação de namoro, no que a alínea b) do artigo 152º do CP importa.
13. Pelo que aqui se pugna, pois apenas assim se fará justiça naturalmente sendo o arguido absolvido do crime de violência doméstica.
14. Mas ainda que como hipótese académica se considerasse que a relação entre arguido e ofendida era de namoro, no sentido que lhe atribui a alínea b) do artigo 152º do CP, salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao dar como provados os factos 4 a 19.
15. Dá erradamente o tribunal como provado que o arguido, à porta de casa dos seus pais, exigiu que a ofendida entrasse primeiro e como esta recusou, desferiu-lhe um pontapé na perna esquerda.
16. uma vez mais, temos duas versões contraditórias: a do arguido que refere que os pais não queriam que a ofendida entrasse em casa e a da ofendida que diz que porque o AA tinha uma relação complicada com os pais queria que ela entrasse primeiro.
17. Atente-se inclusive no depoimento da ofendida prestado em sede de audiência de julgamento para perceber a leviandade com que a mesma encara a situação em apreço – a gravidade que é imputar a alguém um comportamento como aquele que afirma que o arguido teve para com ela e que configura um crime grave.
18. Ao ser instada pela Sra. Juiz sobre com quantos pontapés foi a mesma agredida, responde “é melhor por mais de um!
19. A ofendida não sabe se foi um, dois ou mais, mas é melhor por mais que um! E será que existiu algum pontapé?
20. Perante alguém com este tipo de discurso, com esta falta de credibilidade, seremos forçados a afirmar que o tribunal deveria ter dado crédito à versão do arguido quando refere que não agrediu a ofendida.
21. As mais elementares regras da experiência conduzem à conclusão que é muito mais lógico que os pais do arguido não quisessem que a ofendida entrasse porque não era namorada do filho do que ser o arguido a obrigar a ofendida a entrar primeiro na sua casa porque não tinha “uma relação muito saudável” com os pais!
22. Pelo que não poderia o tribunal ter considerado como provado o vertido em 4º.
23. De seguida, sob o nº 7, 8 e 9, dá o tribunal como provado que na garagem o arguido agarrou a ofendida pelo pescoço e começou a agredi-la com vários socos na cabeça e que a projetou no solo, e desferiu-lhe vários pontapés nas pernas e que depois de a mesma se levantar do chão a projetou contra um veículo ali presente, tendo embatido com a sua cabeça na mala do referido carro.
24. Na motivação, o Tribunal a quo indica o depoimento da ofendida que se “sobrepôs em termos de credibilidade” e (para o que aqui importa) o relatório da perícia de avaliação de dano corporal.
25. E é precisamente o relatório – este sim prova pericial e isenta – que contradiz a versão da ofendida, senão vejamos:
26. Perante a brutalidade das agressões descritas pela ofendida – vários socos na cabeça com queda no chão e vários pontapés nas pernas, a ofendida apresenta (fls 42 e segs dos autos) numa agressão com vários socos na cabeça uma escoriação de menos de 1 cm, uma agressão com vários pontapés nas pernas e não apresentar qualquer lesão?
27. Como pode alguém ser projetado contra uma viatura e embater com a cabeça na mesma e apresentar a escoriação acima referida? A única resposta possível é necessariamente: não pode!
28. Quanto aos insultos dados como provados sobre o nº 10, apenas diremos que não pode bastar a ofendida afirmar que sim, para, sem mais, ser dado como provado que o arguido os proferiu.
29. Mais grave ainda é o Tribunal a quo ter dado como provado que o arguido passou a enviar “mensagens de teor ameaçador, designadamente, “vou-te apanhar”, “quando formos ao Tribunal vou-me rir, “vou estragar o teu carro todo”. (facto nº 13).
30. E é grave porque tendo a ofendida feito chegar aos autos mensagens que trocou com o arguido, curiosamente estas não foi possível fazer chegar aos autos!
31. Ou seja, e uma vez mais, temos apenas a palavra da ofendida que facilmente poderia ser corroborada se a mesma tivesse junto aos autos as mensagens, o que não fez pelo que erradamente deu o Tribunal este facto como provado.
32. Quanto ao dado como provado em 14º e 16º, ou seja que em Outubro de 2021, à noite, o arguido dirigiu-se à residência da vítima, sita na Rua ..., Porto e permaneceu nas imediações da sua residência, no interior do seu veículo automóvel de marca “Mini”, modelo ... e que após este dia e até início de 2022, o arguido efetuou diversas chamadas telefónicas à vítima, a qualquer hora do dia e da noite, a motivação apresentada é uma vez mais o depoimento da ofendida e a lista de chamadas constante de fls 70 a 73.
33. Efetivamente a fls 70 constam chamadas de um contacto guardado no telemóvel da ofendida como “AA”; a fls. 71 não aprece nenhuma com este nome, mas sim algumas com o nome “CC (AA)”, que o arguido desconhece quem seja.
34. A fls 72 consta um email da ofendida para a PSP e a fls 73 constam diversas chamadas “sem ID de chamada” pelo que concluir que estas chamadas foram efetuadas pelo arguido, é um salto perigoso, senão mesmo contrário à certeza e segurança jurídicas impostas pela lei pois nenhuma prova foi produzida nesse sentido, ninguém ouviu a voz do arguido nessas chamadas, ninguém consegue indicar que fosse ele a ligar para a ofendida.
35. Pelo que uma vez mais, mal andou o tribunal ao considerar como provados estes factos.
36. Por último, considerou o tribunal como provado que “O arguido quis maltratar física e psicologicamente a sua namorada, sabendo com tal conduta lhe causava dor física e psíquica, em particular angústia e tristeza, pretendendo que a mesma se sentisse menorizada e humilhada, o que assim logrou, bem sabendo que a afetava na sua saúde psíquica, querendo, ainda, atingi-la na sua dignidade pessoal, o que também conseguiu”.
37. Salvo o devido respeito, o que resultou provado foi que o arguido e a ofendida tiveram uma relação fugaz, de cerca de um mês, que para o arguido não teve grande significado, até porque tinha uma relação com a mãe da sua filha mais velha.
38. Que no dia dos factos ambos tiveram uma discussão, seja porque a ofendida desconfiou que o arguido lhe escondia coisas, seja por outro motivo qualquer que levou ao afastamento de ambos.
39. Considerar-se que o arguido praticou um crime de violência doméstica é, com o devido respeito, dar um passo demasiado grande, perigoso até, no sentido de uma mulher (ou homem) despeitados porque a relação afinal não era aquilo que pretendiam “arranjar” uma história para prejudicar outrem.
40. O Tribunal violou princípios do nosso ordenamento jurídico penal, nomeadamente o princípio in dúbio pro reu e considerou como provados factos que não têm a mínima sustentação em termos de prova.
41. Não será por acaso que a Sra. Procuradora da República, em sede de alegações finais se limitou a pedir justiça.......
42. Face a todo o exposto, entende o arguido que deveria ter sido absolvido da prática do crime pelo qual vinha acusado.
Princípios e disposições legais violadas ou incorretamente aplicadas:
* Artigos 18.ºda Constituição da República Portuguesa;
* Princípio in dúbio pro reo
* Artigo 152.º do Código penal
* Artigo 410.º, n.º 2, alínea c) CPP.
Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. Doutamente melhor suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser alterada a, aliás, douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas.
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O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta, pugnando no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso e manter-se a sentença recorrida.
Sem formular conclusões, alega, em síntese, o seguinte:
Ao contrário do alegado pela recorrente, a Douta Sentença recorrida não nos parece merecer qualquer reparo, entendendo-se que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, foi corretamente apreciada, bem como, não se mostram violados quaisquer dispositivos legais ou princípios de direito penal ou de direito processual penal e de direito constitucional.
Na presente situação, analisada a fundamentação da sentença, constata-se que se dá cumprimento ao estatuído no artigo 374.º, n.º2, do Código de Processo Penal, pois faz-se a indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal a quo e, procede-se ao seu exame crítico de forma a permitir a apreensão do raciocínio do Tribunal na decisão sobre a matéria de facto, bem como, se explicam as razões que levaram o tribunal a atribuir ou não credibilidade às declarações da arguida/recorrente e às declarações dos ofendidos e depoimentos das testemunhas; e explicam-se as razões da decisão tomada quanto a todas as questões juridicamente relevantes, nomeadamente, a questão da coautoria e justifica-se o enquadramento jurídico dos factos provados.
Não obstante, o recurso da matéria de facto nos termos do disposto no art.º 412.º, do Código de Processo Penal, entendemos que a fundamentação de facto é bastante clara sobre a forma conjugada como todas as provas foram examinadas e apreciadas e ainda demonstrativa das razões de ciência que conduziram à formação da convicção do Tribunal em ordem à decisão sobre a matéria de facto.
Salvo melhor opinião, não existe matéria que permita concluir pela existência de erro na valoração da prova ou insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, uma vez que, a sentença recorrida contém todos os factos necessários para a decisão relativamente aos factos integradores do crime imputado à arguida, aqui recorrente.
Igualmente se não vislumbra matéria para suscitar dúvida ao Tribunal e a aplicação do Princípio In Dubio pro reo.
O Tribunal a quo alcançou com base na livre apreciação e valoração da prova produzida em audiência em respeito ao previsto no art.º 127.º do Código de Processo Penal.
No caso em apreço, a valoração das provas efectuada pela Mma Juíza foi efectuada de forma crítica e racional, de acordo com as regras da experiência comum.
Do texto da decisão recorrida não se vislumbra o desrespeito pelos princípios de direito penal ou de direito processual penal e dos elementos juntos aos autos e do texto da decisão recorrida, não resulta que o tribunal tenha dado como provados factos, tendo dúvidas sobre a verificação de algum ou alguns deles.
Não obstante a impugnação da matéria de facto nos termos do disposto no artigo 412.º n.º3 do CPP, a recorrente pese embora a indicação das passagens em que sustenta que as mesmas imporiam decisão diversa quanto à matéria de facto, o certo é que o raciocínio lógico assentou na credibilidade que foi dada ao depoimento da ofendida e das testemunhas, aqui se incluindo os seus familiares que ao Tribunal mereceram credibilidade e nenhuma dúvida levantaram ao julgador que, apreciou a prova nos termos previstos pelo artigo 127.º, do Código de Processo Penal.
Quanto à questão da existência de uma relação de namoro, importa referir que a ofendida confirmou e descreveu a relação assumida, o que veio a ser infirmado pelos familiares desta com que este passou ferias, pelo que duvidas se suscitaram para o Tribunal que não se estivesse perante uma relação de namoro, sendo certo que, o facto da assunção de uma relação não afasta que o arguido tivesse uma outra relação e que uma delas fosse secundária em relação à outra. Mas para a ofendida a relação que teve com o arguido foi uma relação de namoro, embora o arguido pudesse ter assumido essa relação quando já tinha outro relacionamento ou no decurso desta relação assumiu uma outra relação.
Não obstante, o facto de se suscitarem as questões de que a ofendida indicou vários socos na cabeça e só apresentar uma escoriação de 1 cm no exame médico-legal e, por outro lado, indicar ter sofrido vários pontapés e a inexistência de lesões nos membros inferiores no exame médico-legal nas partes respetivamente atingidas, o certo é que a agressão não envolveu apenas essa partes atingidas, mas outras que apresentam lesões.
Sem prejuízo de na parte da agressão na cabeça, embora exista apenas uma lesão concreta objetivável indicada, o certo é que o exame refere fenómenos dolorosos mais intensos na cabeça, o que é compatível com os socos na cabeça; quanto à falta de lesões traumáticas objetiváveis nos membros inferiores, não afasta a existência de pontapés que a ofendida indicou serem vários, mas na verdade aquela não indicou de forma segura e exata o seu número. Contudo, tal não afasta a agressão descrita pela depoente e as demais lesões concretamente resultantes do comportamento imputado ao arguido.
Quanto às mensagens e a impugnação de facto, nesta parte, importa referir que estão juntas aos autos mensagens trocadas entre o arguido e a ofendida e foi dado relevância ao depoimento da ofendida que nesse sentido descreveu as mensagens que lhe foram enviadas pelo arguido.
Posto isto, concluímos que quanto à impugnação da matéria de facto pelo arguido, a mesma não pode proceder, pois embora a argumentação apresentada, o Tribunal a quo sustentou a prova dos factos nos depoimentos prestados e gravados no CITIUS, como foram indicados pelo recorrente e os elementos documentais que não suscitaram quaisquer dúvidas quanto à sua veracidade ou que não tivesse ocorrido como descrito, pelo que, se mostra que o juízo de raciocínio é lógico e coerente com as regras da experiência comum e aceitável que assim tivesse ocorrido na realidade.
Aliás, da douta sentença, concluímos que o Tribunal a quo não ficou com qualquer dúvida quanto ao modo como ocorreram os factos e quanto à responsabilidade do arguido, ora recorrente.
Da conjugação de todos os elementos de prova produzidos em audiência e discussão de julgamento, analisados à luz das regras de experiência comum e da lógica, afigura-se-me que se pode concluir, que se mostra preenchido o tipo legal de crime imputado ao recorrente, não se vislumbrando outra decisão de facto diferente da que foi proferida.
Igualmente, concluímos que a Douta Sentença procedeu à correta ponderação da medida concreta da pena aplicada à recorrente.
Nesta conformidade, concluímos que a Douta Sentença recorrida não padece de qualquer vício e fez uma correcta interpretação e aplicação da lei, e, por isso, o recurso interposto não merece provimento, devendo a Douta Sentença recorrida ser mantida nos seus precisos termos.
Contudo V.ªs Ex.ªs farão como sempre JUSTIÇA
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O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer.
No que diz respeito ao tipo de relacionamento existente entre o arguido e a ofendida, pronuncia-se no sentido de que a sentença recorrida enferma do vício de insuficiência da matéria de facto dada como provada para a decisão de condenação do arguido pela prática do crime de violência doméstica, nos termos previstos no artigo 410.º, n.º2 a) do CPP, que se invoca, entendendo-se que deverá haver renovação da prova, nos termos do artigo 430.º do CPP.
Relativamente aos restantes factos provados e impugnados pelo arguido, entende que deverá improceder o recurso, por se considerar que o tribunal a quo não violou os limites do princípio da livre apreciação da prova, nomeadamente, as regras de experiência comum e os princípios da lógica, sendo que a valoração da prova produzida em julgamento foi devidamente valorada e fundamentada, sendo as soluções apresentadas em sede de apreciação de facto uma das possíveis dentro da livre convicção do tribunal.
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Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foi apresentada resposta pela ofendida no sentido de que deve ser mantida a sentença.
Colhidos os vistos legais e efetuado o exame preliminar, foram os autos à conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO:
Objeto do recurso
Atento o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do CPP, e como é consensual na doutrina e na jurisprudência, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
No caso concreto, considerando tais conclusões, as questões suscitadas pelo recorrente que importa decidir são as seguintes:
> se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento e fez uma errada apreciação da prova.
> se existia ou não uma relação de namoro entre o arguido e a ofendida.
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Factos provados na sentença recorrida [transcrição da parte relevante]:
1. A vítima BB e o arguido conheceram-se no início do mês de Agosto de 2021 e, pouco tempo depois, iniciaram uma relação de namoro.
2. No dia 26.09.2021, pelas 23H10, a vítima e o arguido saíram da residência daquela e dirigiram-se para a residência do arguido sita na Rua ..., Porto.
3. Quando se encontravam no interior do elevador que dá acesso à residência do arguido, iniciou-se uma discussão motivada pelo facto do arguido mentir de forma constante à vítima. 4. Quando se encontravam junto à porta de entrada do domicílio, o arguido exigiu que a vítima entrasse em primeiro lugar no apartamento, tendo a mesmo recusado tal pretensão, momento em que o mesmo desferiu um pontapé na perna esquerda da vítima.
5. Perante o sucedido, a vítima informou-o que pretendia abandonar o local.
6. Todavia, como o seu automóvel se encontrava na garagem do prédio onde o arguido residia, deslocaram-se à dita garagem.
7. Já no interior da garagem, o arguido desferiu um soco na mala do veículo da vítima, e sem que nada o fizesse prever, agarrou-a pelo pescoço e começou a agredi-la com vários socos na cabeça. 8. Seguidamente, o arguido projetou a vítima no solo, e desferiu-lhe vários pontapés nas pernas, momento em que aquela logrou pedir ajuda pelo 112.
9. Após a ligação telefónica, a vítima conseguiu levantar-se, tendo nesse momento o arguido voltado a agarrá-la, e em acto contínuo, projetou-a contra um veículo ali presente, tendo embatido com a sua cabeça na mala do referido carro.
10. Em simultâneo, o arguido insultou BB com as seguintes palavras “vai para a puta que te pariu”, “és uma puta”, “vaca”, “não vales merda nenhuma”.
11. De seguida, o arguido projetou umas chaves para o solo e abandonou o local para parte incerta.
12. Desde então, o arguido enviou diversas mensagens escritas à vítima para a persuadir a reatar o relacionamento.
13. Como a vítima se recusou a tal, o arguido passou a enviar-lhe mensagens de teor ameaçador, designadamente, “vou-te apanhar”, “quando formos ao Tribunal vou-me rir, “vou estragar o teu carro todo”.
14. Em data não concretamente apurada do mês de Outubro de 2021, à noite, o arguido dirigiu-se à residência da vítima, sita na Rua ..., Porto e permaneceu nas imediações da sua residência, no interior do seu veículo automóvel de marca “Mini”, modelo ....
15. No dia 14.11.2021, no interior da discoteca “A...”, sita em ..., Santa Maria da Feira, o arguido surpreendeu a vítima que aí se encontrava na companhia do seu atual namorado, DD, acabando por se envolver fisicamente com este último.
16. Após este dia e até início de 2022, o arguido efetuou diversas chamadas telefónicas à vítima, a qualquer hora do dia e da noite.
17. Como consequência direta da agressão ocorrida no dia 26.09.2021, a vítima BB sofreu as seguintes lesões: “crânio: tumefação na região occipital, com escoriação no seu centro de dimensões infracentimétricas, com vestígios hemáticos, mas sem hemorragia ativa; …membro superior esquerdo: equimose azulada com 1,5 cm de maior diâmetro na face anterior do terço médio do braço; mobilidade articular preservada” que lhe determinaram cerca de 10 dias para a cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e sem afetação da capacidade de trabalho profissional – cf. relatório da perícia de avaliação do dano corporal do INML, a fls.42 e ss cujo teor reproduzimos para todos os efeitos legais.
18. O arguido quis maltratar física e psicologicamente a sua namorada, sabendo com tal conduta lhe causava dor física e psíquica, em particular angústia e tristeza, pretendendo que a mesma se sentisse menorizada e humilhada, o que assim logrou, bem sabendo que a afetava na sua saúde psíquica, querendo, ainda, atingi-la na sua dignidade pessoal, o que também conseguiu.
19. O arguido atuou livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
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Quando à motivação, na sentença recorrida consta o seguinte [transcrição da parte relevante]:
O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida, analisada na audiência de discussão e julgamento, valorada à luz das regras da experiência comum e da normalidade social.
O arguido esteve presente na audiência de julgamento e quis prestas declarações. O arguido colocou-se nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação, mas deu uma roupagem diversa dos factos. Na verdade, o arguido inverteu os factos, fazendo críticas à personalidade da ofendida e negando o cometimento dos factos. Fê-lo de forma pouco sólida pois não conseguiu explicar algumas incongruências, designadamente, negou que tivesse tido alguma relação de namoro com a ofendida, mas demonstrou-se (porque foi confirmando pela família da ofendida) que o arguido chegou a passar férias com a família da ofendida na qualidade de namorado desta. Por outro lado, em algumas situações disse que a ofendida é que se virou contra si, porém, a restante prova apresenta o sentido contrário. Por contraponto, a versão da ofendida sobrepõe-se em termos de credibilidade pelas razões que abaixo enunciaremos.
Na verdade, o tribunal acreditou na versão da ofendida porquanto depôs de forma espontânea e relativamente a todas as situações, contextualizando-as e justificando-as. As suas declarações foram mais completas e consistentes que a descrição feita pelo arguido.
Efectivamente, a sua versão mostrou-se sustentada pela prova documental e pericial dos autos, designadamente, auto de denúncia de fls. 5 a 18; Aditamento, a fls.123; Fotografias, a fls.62, 64, 85; “Print’s de mensagens escritas, a fls.67 a 68, 75, 77, 79 e ss 8mensagens que o arguido admitiu ter enviado); “Print’s da lista de chamadas recebidas, a fls.70 a 73; “Print” extraído da base de dados da suspensão provisória do processo, a fls.21. Como prova pericial, o Relatório da perícia de avaliação do dano corporal, a fls.42 e ss e o Relatório social, a fls.140 e ss.
Também o depoimento da testemunha DD, actual namorado da ofendida, que apesar dessa qualidade prestou um depoimento de grande objectividade e sinceridade, pois descreveu os factos ocorridos na discoteca, admitiu o seu envolvimento físico com o arguido, mas não procurou defender a namorada, mas sim, dizer a verdade, quando admitiu também ter sido possível que o próprio pudesse ter inadvertidamente agredido, empurrado a ofendida. O seu depoimento foi, por isso, credível.
A atestar as lesões, os receios, as permanências do arguido à porta de casa da ofendida, as mensagens e os telefonemas que a ofendida descreveu e afirmou que foi recebendo, foi preponderante o testemunho de DD, bem como, dos pais e irmã da ofendida, EE, FF e GG. Na verdade, estas testemunhas foram descrevendo apenas o que cada um presenciou, justificando as suas afirmações em termos de contexto de tempo e lugar e fizeram-no de forma consistente com a versão da ofendida. Por outro lado, estas testemunhas não revelaram animosidade pelo arguido, foram espontâneas e credíveis. Apesar de serem todos familiares ou relacionados com a ofendida, os pormenores que as mesmas descreveram permitiu-nos concluir pela impossibilidade de terem concertado os seus depoimentos. Todos demonstraram razão de ciência relativamente aos factos que atestaram e descreveram.
(…)
*
Decidindo as questões objeto do recurso
Quanto à impugnação da decisão de facto.
A decisão de facto pode ser sindicada por duas vias.
Através da chamada revista alargada, de âmbito mais restrito, mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no n.º 2 do art.º 410.º do CPP [insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e erro notório na apreciação da prova].
Ou através da impugnação ampla a que se reporta o art.º 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do CPP.
Como resulta da motivação e das conclusões do recurso, in casu, o recorrente impugna a decisão da matéria de facto apenas através da segunda via, muito embora faça referência ao art.º 410.º do CPP. De todo o modo, sendo tais vícios de conhecimento oficioso[1], refira-se que que do texto da decisão recorrida, quer por si só, quer conjugada com as regras da experiência comum, não se descortina nenhum deles.
Contrariamente ao que acontece em sede de impugnação restrita, a impugnação ampla da matéria de facto visa uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente aos concretos «pontos de facto» que o recorrente considera incorretamente julgados, através da avaliação (ou reavaliação) das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida[2].
Porque não se trata de um novo julgamento, não cabe ao Tribunal da Relação reapreciar toda a matéria factual dada como provada ou não provada na primeira instância, nem analisar toda a prova ali produzida e documentada nos autos. A reapreciação é segmentada e parcelar[3]. Circunscreve-se, apenas e tão só, aos pontos de facto que o recorrente individualiza obrigatoriamente no recurso como estando, em seu entender, incorretamente julgados, cabendo-lhe, também, indicar as concretas provas de onde resultem os alegados erros de julgamento e que impõem decisão diversa. Daí que não lhe baste formular genericamente a sua discordância quanto ao julgamento da matéria de facto e apontar o sentido que deve ser dado à prova[4].
Como estabelece o art.º 412.º, n.º 2, als. a), b) e c), do CPP, sobre ele recai o ónus de especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
Realça o Ac. TRL de 21.05.2015[5], que a especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.
Que a especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
(…) Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (nºs 4 e 6 do artº 412º, do CPP).
Também porque não se trata de um novo julgamento, e constitui apenas um “remédio para os vícios do julgamento em primeira instância”, faltando-lhe a imediação e a oralidade da prova, a reapreciação deve ser particularmente cuidadosa, o Tribunal da Relação não pode fazer “tábua rasa da livre apreciação da prova” em que assentou o juízo do tribunal recorrido[6]. Com efeito, como é sublinhado no Ac. STJ de 12.06.2008[7], a natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o «contacto» com as provas ao que consta das gravações, constitui uma importante limitação a considerar na sindicância da matéria de facto no âmbito da impugnação ampla. Face a essa limitação, o tribunal de recurso, em sede de impugnação ampla da matéria de facto, só pode alterar o decidido pela primeira instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem[8]. Por exemplo, imporão decisão diversa, com a consequente alteração do decidido, sempre que a convicção do julgador da primeira instância mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e aos conhecimentos científicos[9]. Em suma, quando tiver na sua base erros de tal modo evidentes e óbvios que tornem a decisão inaceitável.
No caso concreto, o recorrente considera incorretamente julgados os pontos 4., 5., 7., 8., 9., 10., 12., 13., 14., 16., 18. e 19. dos factos provados.
Porém, como resulta da motivação do recurso e respetivas conclusões, no que concerne aos pontos 5., 12. e 19. é manifesto que não deu integral cumprimento ao ónus de especificação que lhe é legalmente imposto pelo art.º 412.º, n.º 2, als. a), b) e c), do CPP. Com efeito, embora os inclua entre os que considera incorretamente julgados, não indica depois as concretas provas de onde resultem os alegados erros de julgamento e que impõem decisão diversa quanto a tais pontos. Ou seja, não faz a necessária correspondência da prova com cada um dos factos que considera incorretamente julgados.
Ao proceder do modo descrito, e não sendo admissível o convite para correção, o recorrente inviabilizou a reapreciação da prova e o conhecimento da impugnação de facto no que a tais pontos diz respeito, posto que a este tribunal ad quem não é lícito superar as omissões que lhe são imputáveis.
Assim sendo, mostra-se, quanto a eles, inviabilizada a alteração da matéria de facto.
Quanto aos os pontos 4., 7., 8., 9., 10., 13., 14., 16. e 18. dos factos provados, como resulta da motivação da decisão de facto, o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão com base na prova produzida em audiência. Explicou de forma exaustiva e clara as razões que o levaram a decidir no sentido que decidiu, sendo possível conhecer o processo de formação da sua convicção, obtida com o benefício da imediação e da oralidade, que falta a este Tribunal de recurso. Acompanhando as lições do Professor Figueiredo Dias[10], importa sublinhar que a apreciação que o Juiz do julgamento faz da prova não pode deixar de ser “... uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela (deve ser) uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros.”.
É certo que o recorrente tem uma perspetiva diferente da do Tribunal a quo relativamente à leitura que deve ser feita das mesmas provas. Porém, como é referido no Ac. TRE de 19.05.2015[11], se, perante determinada situação, as provas produzidas permitirem duas (ou mais) soluções possíveis, e o Juiz, fundamentadamente, optar por uma delas, a decisão (sobre matéria de facto) é inatacável: o recorrente, ainda que haja feito da prova produzida uma leitura diversa da efetuada pelo julgador, não pode opor-lhe a sua convicção e reclamar, do tribunal de recurso, que opte por ela.
Ora, considerando os fundamentos do recurso, é precisamente isso que o recorrente pretende: que a sua própria convicção se sobreponha à do Tribunal a quo.
Tal pretensão não pode, porém, proceder.
Desde logo porque, como se anotou, a diferente avaliação ou ponderação da prova feita pelo recorrente não seria suficiente para modificar o decidido. Admiti-lo, seria sobrepor a subjetiva e interessada interpretação da assistente à do Tribunal a quo sobre os meios de prova, fazendo tábua rasa da convicção formada pelo julgador e do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127.º do Código Processo Penal, nos termos do qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção da entidade competente.
Em todo o caso, os meios de prova indicados pelo recorrente, que se limitam a excertos das suas próprias declarações e do depoimento da ofendida, não permitem alterar a decisão relativamente à factualidade dada como provada naqueles pontos.
Senão vejamos.
No que concerne ao ponto 4., invocando a existência de duas versões contraditórias, o recorrente censura o Tribunal a quo por ter dado credibilidade à da ofendida em detrimento da sua, concretamente quando referiu que não a agrediu. Transcreve um excerto do depoimento da ofendida, explorando, para o que interessa, a circunstância de esta não saber se foi um ou mais pontapés.
No que diz respeito à questão da falta de credibilidade que as suas declarações mereceram por parte do Tribunal a quo, e ao crédito que tributou ao depoimento da ofendida, trata-se de uma questão de convicção. Ora, quando a atribuição de credibilidade ou de falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, como é o caso, o Tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não é racional, se mostra ilógica e é inadmissível face às regras da experiência comum[12]. Não é, porém, o que acontece no caso concreto, como resulta para nós evidente das declarações da ofendida, que ouvimos integralmente.
De todo o modo, importa assinalar que o excerto do depoimento da ofendida que o recorrente transcreve seria insuscetível de infirmar a factualidade do ponto 4. dos factos provados. Desde logo, porque apenas é dado como provado um pontapé. Acresce que o recorrente faz uma transcrição cirúrgica das declarações da ofendida, omitindo os esclarecimentos prestados quanto à questão do número de pontapés. Por outro lado, omite por completo a concretização da sua versão dos factos no que a tal ponto diz respeito, seja por referência ao consignado na acta de audiência de julgamento, seja identificando e transcrevendo na motivação do recurso quaisquer passagens/excertos das suas declarações.
No que concerne aos pontos 7., 8. e 9. dos factos provados, em síntese, sustenta o recorrente que o relatório da perícia de avaliação de dano corporal, prova pericial e isenta, contradiz a versão da ofendida. Argumenta que inexistem lesões físicas compatíveis com as agressões descritas pela ofendida. Porém, resulta precisamente o contrário do Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Penal de fls. 43. Com efeito, o mesmo conclui no sentido de que os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano.
No que concerne ao ponto 10., o recorrente limita-se a alegar que não basta o depoimento da ofendida para dar como provados os insultos ali referidos. Para além de não indicar qualquer circunstância que suporte a sua afirmação, desconsidera, mais uma vez, que o tribunal acreditou na versão da ofendida porquanto depôs de forma espontânea e relativamente a todas as situações, contextualizando-as e justificando-as. Acresce que nada impede, designadamente a lei, que o Tribunal a quo tivesse formado a sua convicção apenas com base no depoimento da ofendida, o que, nem sequer foi o caso, como resulta da motivação da decisão de facto.
No que concerne ao ponto 13., alega o recorrente ser grave o Tribunal a quo ter dado como provado que passou a enviar “mensagens de teor ameaçador, designadamente, “vou-te apanhar”, “quando formos ao Tribunal vou-me rir, “vou estragar o teu carro todo”, quando tais mensagens não se encontram nos autos. Socorre-se também de excertos das suas declarações prestadas na audiência de julgamento, onde afirma que não enviou tais mensagens à ofendida. Mais refere que temos apenas a palavra da ofendida que facilmente poderia ser corroborada se a mesma tivesse junto aos autos as mensagens, o que não fez. Como já referimos, ouvimos integralmente o depoimento da ofendida, tendo a mesma confirmado o teor das mensagens que lhe foram enviadas pelo arguido através do Whatsapp. Também explicou que não conseguiu descarregar essas mensagens com a Judiciária. Sendo certo que as mensagens em causa não se encontram juntas aos autos, pelas razões que a ofendida esclareceu, tal não impede que o respetivo teor possa ser provado através de outros meios de prova, designadamente testemunhal[13], à semelhança do que acontece com o teor de conversas telefónicas, não registadas ou gravadas. Efetivamente, vigorando no processo penal o princípio da liberdade de prova, são admissíveis todas as provas que não forem proibidos por lei, como dispõe expressamente o art.º 125.º do CPP. Tal princípio encontra-se intimamente ligado ao princípio da livre apreciação da prova, previsto no art.º 127.º do referido diploma. Ora, como vimos, o Tribunal a quo considerou credível o declarado pela ofendida, credibilidade que não nos merece qualquer reserva, como referimos supra.
No que concerne aos pontos 14. e 16., para além de censurar o Tribunal a quo por se ter baseado, mais uma vez, no depoimento da ofendida, o recorrente questiona ainda o facto de ter assente a sua convicção na lista de chamadas constante de fls. 70 a 73, alegando que não permite concluir que foram por ele efetuadas. Argumenta que na lista fls. 70 constam chamadas de um contacto guardado no telemóvel da ofendida como “AA”, que a fls. 71 não aprece nenhuma com este nome, mas sim algumas com o nome “CC (AA)”, que a fls. 72 conta um email da ofendida para a PSP e que a fls. 73 constam diversas chamadas “sem ID de chamada”. Remata dizendo que ninguém ouviu a sua voz nessas chamadas e ninguém consegue indicar que fosse ele a ligar para a ofendida. No que diz respeito ao crédito que o Tribunal a quo deu à versão dos factos apresentada pela ofendida, nada mais se nos oferece dizer que além do que referimos supra, para onde remetemos. Quanto à alegação de que ninguém ouviu a sua voz nessas chamadas e ninguém consegue indicar que fosse ele a ligar para a ofendida, trata-se de uma alegação genérica e não fundamentada. Efetivamente, o recorrente não indica uma única prova que a sustente e que infirme o decidido.
Finalmente, no que concerne ao ponto 18., o recorrente não indica uma única prova para inverter o decidido, limitando-se a alegar que o que resultou provado foi que teve uma relação fugaz com a ofendida, de cerca de um mês, que para ele não teve grande significado, até porque tinha uma relação com a mãe da sua filha mais velha. Como é evidente, ficou, pois, por cumprir o ónus previsto na al. b) do n.º 2 do art.º 412.º, do CPP, que recaia sobre o recorrente [especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida]. De qualquer forma é elementar que o alegado pelo recorrente nunca poderia inverter o decidido, pois nada tem a ver com a factualidade do ponto em causa.
Improcede, pois, o recurso do arguido no que concerne à impugnação da matéria de facto.
Quanto à existência ou não uma relação de namoro entre o arguido e a ofendida.
O recorrente não impugna expressamente o ponto 1. dos factos provados, não o incluindo nos que considera incorretamente julgados[14]. Limita-se a questionar que existisse a relação de namoro entre ele e ofendida ali dada como provada e a atacar os fundamentos vertidos quanto a tal circunstância na motivação da decisão de facto, questionando depoimentos, que, diga-se desde já, não concretiza, seja por referência ao consignado na acta de audiência de julgamento, seja identificando e transcrevendo na motivação do recurso quaisquer passagens/excertos dos mesmos, e invocando a curta duração da relação e o facto de manter uma relação contemporânea, da qual veio a nascer a sua filha. Convoca também excertos das suas próprias declarações prestadas em julgamento, na parte em que refere não ter havido a relação de namoro, e que, também para os seus pais, não essa relação não existia. Convoca igualmente excertos das declarações da ofendida, na parte em que afirma o contrário. Remata, sustentando que, à falta de outros meios de prova além dos que refere, teria que funcionar o princípio in dubio pro reo, não podendo ser dada como provada uma relação de namoro.
Vejamos.
Ainda que se entendesse que o recorrente o impugna expressamente o referido ponto 1., o que não é o caso, importa referir que a impugnação estaria vetada ao fracasso. Com efeito, já em sede de julgamento havia negado a existência da relação de namoro como a ofendida. Todavia, as suas declarações não mereceram credibilidade por parte do Tribunal a quo. Como é referido na sentença recorrida, inverteu os factos, fazendo críticas à personalidade da ofendida e negando o cometimento dos factos. Fê-lo de forma pouco sólida pois não conseguiu explicar algumas incongruências, designadamente, negou que tivesse tido uma relação de namoro com a ofendida, mas demonstrou-se (porque foi confirmado pela família toda da ofendida) que o arguido chegou a passar férias com a família da ofendida na qualidade de namorado desta. Por outro lado, em algumas situações disse que a ofendida é que se virou a si, porém, a restante prova apresenta o sentido contrário. Por contraponto, a versão da ofendida sobrepôs-se em termos de credibilidade pelas razões que abaixo enunciaremos. Na verdade, o tribunal acreditou na versão da ofendida porquanto depôs de forma espontânea e relativamente a todas as situações, contextualizando-as e justificando-as. As suas declarações foram mais completas e consistentes que a descrição feita pelo arguido.
É certo que o recorrente apresenta uma perspetiva diferente da do Tribunal. Todavia, o quadro argumentativo que desenvolve resume-se a uma mera tentativa de sobrepor a sua própria convicção à do julgador, pretensão que não pode proceder. Com efeito, como referimos supra, não dar crédito à sua versão e dar crédito à da ofendida é uma questão de convicção. Ora, quando a atribuição de credibilidade ou de falta de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, como é o caso, este Tribunal de recurso só a poderá criticar se ficasse demonstrado que essa opção não é racional, se mostra ilógica e é inadmissível face às regras da experiência comum, o que não é o caso, como também já referimos.
Acresce que a convicção do Tribunal a quo não assentou apenas nas declarações da ofendida, que, como referimos, ouvimos integralmente e confirmam, sem margem para a dúvidas, a relação de namoro. Assentou também nos depoimentos dos membros da respetiva família, que igualmente ouvimos e que o arguido optou por não transcrever ou concretizar, muito embora os questione, aliás, sem indicar a razão.
De todo o modo, importa anotar que nada impediria que o Tribunal a quo tivesse formado a sua convicção apenas com base no depoimento da ofendida. Como refere o Ac. STJ de 11.07.2007[15], a prova produzida mede-se pelo seu peso e não pelo seu número.
Carece, pois, de sentido a convocação feita pelo recorrente do princípio in dubio pro reo. Na verdade, como resulta da alegação recursiva, o recorrente limita-se apenas, sob a capa de uma pretensa, mas inexistente violação do referido princípio, a colocar em causa o modo como o Tribunal a quo valorou a prova e a questionar a sua convicção ao nível da decisão sobre a factualidade que deu como provada, como já fizera aquando da impugnação da decisão de facto.
Ora, como anota o Supremo Tribunal de Justiça no Ac. de 05.07.2007[16], “o princípio «in dubio pro reo», não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos”. (….) “A sua violação pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador”. E essa dúvida não resulta de todo do texto da decisão recorrida, que, aliás, se mostra particularmente segura e firme em termos de convicção.
Questionando o recorrente a existência de uma relação de namoro entre ele e a ofendida, vejamos em que se traduz tal relacionamento, para efeitos de preenchimento do crime de violência doméstica, de que passou a constituir elemento objetivo do tipo a partir da alteração ao Código Penal introduzida pela Lei n.º 19/2013, de 21/02. Não se encontrando definida na lei, a sua noção deve ser judicialmente preenchida caso a caso, em função dos factos concretos apurados. Abarca um vasto leque de possíveis definições, que foram variando ao longo das épocas, ainda hoje se encontram em mutação, fruto, muito em particular, das mudanças sociais e económicas. Podemos, todavia, assentar que, em traços gerais, as relações de namoro são muito mais que uma simples amizade ou uma relação fortuita ou ocasional, traduzindo-se, genericamente, num relacionamento informal de natureza sentimental e afetiva entre duas pessoas, do mesmo sexo ou de sexo diferente, que se prolonga durante tempo indeterminado, que pode ser mais ou menos longo.
É relativamente pacifico no seio da jurisprudência e da doutrina que, atualmente, a sua existência não depende do seu conhecimento pela generalidade das pessoas, muito embora devam ser conhecidas por um círculo restrito de pessoas, seja ele a família ou o núcleo de amigos. Ainda assim, admite-se que possa haver exceções. Por exemplo, algumas relações extraconjugais que se pretendem manter em segredo, muito embora a proximidade sentimental, a afetividade e até a intenção de assumir no futuro o relacionamento.
Também não se exige a coabitação, que, aliás, deixou de ser exigida para o preenchimento do tipo, nem um projeto de vida comum no futuro, desde logo porque podem iniciar-se sem que os namorados ainda se conheçam suficientemente para esse efeito. Na verdade, pode até constituir uma fase do relacionamento amoroso para conhecer o outro, e não um fim em si, de comunhão de vida, que é própria do casamento ou da união de facto (…) uma fase transitória que, com frequência acaba no rompimento amoroso, por as expectativas de um ou ambos os namorados não serem aquelas que esperavam (Ac. TRC de 24-04-2012, proc. n.º 632/10.9PBAVR.C1)[17].
Não se exige igualmente a fidelidade. Por exemplo, a relação extraconjugal de concubinato adulterino também se inclui nas relações análogas de afetividade integradoras do crime de violência doméstica[18].
Em suma, como refere o Ac. TRL de 23.03.2021[19], as relações de namoro, tal como moderna e socialmente se mostram desenvolvidas, abrangem uma multiplicidade de comportamentos e graus de interacção entre os namorados que fogem dos cânones a que vimos estando habituados a presenciar, não sendo hoje de exigir para qualificar esse tipo de relacionamento a existência de elementos como notoriedade, exclusividade, partilha de cama mesa e habitação e projecto de vida futura em comum.
No caso concreto, como resulta inequivocamente da prova produzida, a relação que o arguido e a ofendida mantiveram cerca de um mês foi uma relação de namoro. Efetivamente, não se resumiu a encontros de natureza fortuita. O arguido frequentava a casa dos pais da ofendida. Esta frequentava e dormia em casa dos pais do arguido. Passaram férias juntos no Algarve, com a família da ofendida, que, aliás, considerava a relação como sendo de namoro.
Tendo em conta o exposto, nenhuma censura merece também a sentença recorrida no que concerne à qualificação da relação entre o arguido e a ofendida como sendo de namoro.
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Considerando todo o exposto, improcede integralmente o recurso.
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Sumário
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III. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC.
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Porto, 19 de abril de 2023
José António Rodrigues da Cunha
William Themudo Gilman
Liliana de Páris Dias
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[1] Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95 de 19.10, publicado no Diário da República n.º 298/1995, Série I-A de 28.12.1995.
[2] Cf. Ac. STJ de 31.05.2007, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, in www.dgsi.pt.
[3] Cf. Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência de 08.03.2012, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges, in DR. I Série, n.º 77, de 18.04.2012: Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1.ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1.ª primeira instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.
[4] Cf. Ac. TRC de 08.02.2017, relatado pelo Desembargador Inácio Monteiro, in www.dgsi.pt.
[5] Relatado pelo Desembargador Francisco Caramelo, in www.dgsi.pt.
[6] Cf. Germano Marques da Silva, in Forum Iustitiae, Ano I, maio de 1999, e Damião Cunha, in «O caso Julgado Parcial», 2002, pág. 37.
[7] Relatado pelo Conselheiro Raul Borges, in www.dgsi.pt. A essa limitação, o referido aresto acrescenta ainda mais três: i) a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e ás concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam; ii) a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita á indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo á sua correcção se for caso disso; iii) a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b), do nº 3, do citado artº 412º).
[8] Ac. TRL de 29.03.2011, relatado pelo Desembargador Jorge Gonçalves e Ac. TRG de 23.03.2015, relatado pelo Desembargador João Lee Ferreira, ambos in www.dgsi.pt. Como é referido no último dos referidos acórdãos, tem-se entendido que impor decisão diferente quanto à matéria de facto provada e não provada (artigo 412º nº 3 alínea b) do CPP) não pode deixar de ter um significado mais exigente do que admitir ou permitir uma decisão diversa da recorrida. Deste modo, se o tribunal de recurso se convencer que os concretos elementos de prova indicados pelo recorrente permitem ou consentem uma decisão diferente, mas que não a «tornam necessária» ou racionalmente «obrigatória», então deve manter a decisão da primeira instância tal como está.
[9] Ac. TRP de 04.02.2004, relatado pelo Desembargador Ângelo Morais, in www.dgsi.pt. Idem, Prof. Cavaleiro Ferreira, in “Curso de Processo Penal”, 1º volume, pág. 211. Na verdade, o julgador é livre, ao apreciar as provas, mas essa apreciação é vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza cientifica que se devem incluir no âmbito do direito probatório.
[10] In “Direito Processual Penal”, 1º volume, Coimbra, ed. 1974, pág. 203 a 205).
[11] Relatado pela Desembargadora Filomena Soares, in www.dgsi.pt.
[12] Ac. TRC de 13.09.2017, relatado pelo Desembargador Inácio Monteiro; Ac. TRE de 21.04.2015, relatado pelo Desembargador Martinho Cardoso; Ac. TRC de 09.01.2012, relatado pelo Desembargador Brízida Martins, todos in www.dgsi.pt.
[13] Em sentido diferente, vide o Ac. TRL de 28.09.2017, relatado pelo Desembargador Antero Luis, in JusNet: São admissíveis todos os meios de prova que não sejam proibidos por lei por força do princípio da livre apreciação da prova. Em conformidade, um SMS deve ser considerado documento particular, tratando-se de uma declaração registada num meio técnico, cuja prova é livremente apreciada pelo tribunal, desde que o mesmo seja junto ao processo e seja assegurado o contraditório. Ora, tendo em conta que não foi junto ao processo a mensagem, cuja junção é legalmente obrigatória quando o documento é, ele próprio, elemento do crime, verifica-se uma insuficiência de prova e o tribunal a quo, ao dar como provado o conteúdo da mensagem limitou de forma excessiva o direito à prova do arguido, bem como o seu direito à defesa e ao contraditório. Deste modo, é absolvido o arguido da prática do crime de ameaça.
[14] V.g. ponto II da motivação do recurso e as respetivas conclusões.
[15] Relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, in www.dgsi.pt.
[16] Relatado pelo Conselheiro Simas Santos, in www.dgsi.pt.
[17] Dissertação apresentada à Universidade Católica Portuguesa para obtenção do grau de Mestre em Direito Criminal, elaborada por Dora Faria Calejo Machado Pires, sob orientação da Professora Doutora Maria Elisabete Ferreira, com o título “O sentido e o alcance da inserção das relações de namoro e equiparadas no crime de violência doméstica – Reflexões críticas acerca do alargamento do tipo”, pág. in https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/17267/1/Tese...
[18] Ac. TRP de 07.07.2016, relatado pelo Desembargador Horácio Correia Pinto, in www.dgsi.pt.
[19] Relatado pelo Desembargador João Carrola, in www.dgsi.pt.