Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
760/17.0T8PFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
ACESSO
VEDAÇÃO
CONCILIAÇÃO DE INTERESSES
Nº do Documento: RP20190912760/17.0T8PFR.P1
Data do Acordão: 09/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 3ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º181, FLS.311-319)
Área Temática: .
Sumário: I - O proprietário de prédio onerado com servidão de passagem pode proceder à sua vedação, colocando um portão num dos acessos do imóvel serviente, desde que tal não impeça ou torne mais oneroso o uso da servidão.
II - A conciliação dos interesses em confronto – passagem, por parte do proprietário do prédio dominante e tapagem, do proprietário do prédio serviente - deve ser analisada em função das circunstâncias de cada caso concreto, devendo atender-se, nomeadamente, ao conteúdo da servidão.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 760/17.0T8PFR.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo Local Cível de Paços de Ferreira
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO.
1. B…, N.I.F. ……… e mulher, C…, N.I.F. ………., residentes em D…, Suíça, e, quando em Portugal, na Rua … n.º ..., …, Paços de Ferreira, instauraram acção comum contra E… e mulher F…, residentes na Rua …, n.º .., …, Paços de Ferreira.
Pretendem os Autores com a referida acção que:
a) Se lhes reconheça o direito propriedade sobre o prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial, e sejam os Réus condenados a reconhecer tal direito;
b) Se reconheça que do dito prédio faz parte integrante a parcela de terreno identificada no artigo 11.º do mesmo articulado;
c) Se condenem os Réus a absterem-se de praticar actos que perturbem o direito de propriedade dos Autores sobre o identificado prédio, nomeadamente que impeçam a colocação do portão aludido no artigo 24.º do articulado inicial;
d) Se condenem os Réus a pagar aos Autores o montante de 1500,00€ (mil e quinhentos euros) a título de indemnização pelos danos morais por aqueles sofridos;
e) Se condenem, por último, os RR. em sanção pecuniária compulsória, nos termos do artigo 829-A do C.C., em montante nunca inferior a 50,00€ por cada dia e por cada novo acto de perturbação do direito dos AA. sobre o descrito prédio.
Alegaram, em síntese, que:
- São donos do prédio urbano sito no lugar de …, freguesia de … e …, do concelho de Paços de Ferreira, composto de casa de rés do chão, andar e sótão, com terreno de logradouro, que confronta actualmente do Norte com caminho, Nascente com G… e H…, do Sul com os RR e Poente com I…, inscrito na respectiva matriz no artigo 4232, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o n.º 810;
- Veio o descrito prédio à posse dos AA. por o haverem adquirido por contrato de compra e venda exarado na escritura pública lavrada no dia 27 de Fevereiro de 2009;
- Os AA. por si e antepossuidores, há mais de 15, 20 ou 30 anos do referido prédio extraem todas as utilidades que o mesmo proporciona: os AA., e já assim o faziam os antepossuidores, habitam a casa que compõe o prédio ou permitem que outros a habitem, procedem a reparações e a obras de beneficiação, cultivam os seus canteiros e quintal, procedem à poda, tratamento da vinha e colhem as uvas da ramada que se situava sobre a faixa de terreno a infra referida, afectam determinados espaços a serviço de passagem, pagam as contribuições e respectivos impostos que sobre o mesmo recaem;
- Os referidos actos de posse de AA. e antepossuidores sempre foram praticados dia a dia, ano a ano, sem oposição de quem quer que fosse, incluído os RR., à vista de toda a gente ou de forma a por todos poderem ser vistos e na convicção de que exerciam poderes sobre coisa que lhes pertencia e sem lesar direito ou interesse de outrem;
- Os RR são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, 1.º andar e quintal, sito no aludido lugar de …, o qual confronta do Norte com o descrito prédio dos AA.;
- O prédio dos RR. não tem acesso directo à via pública, sendo feito há mais de 20 anos através do prédio dos AA., por uma faixa de terreno com cerca de 30 metros de comprimento e 2,5 metros de largura, localizada junto da extrema poente do prédio dos AA., mais concretamente junto ao muro do prédio dos AA. e que o delimita do prédio confinante, e que o atravessa no sentido norte-sul;
- Os Réus não se limitam a passar pela dita faixa de terreno do prédio dos AA. a fim de acederem ao seu prédio, e de forma abusiva e contra a vontade dos AA., utilizam, e permitem que outros utilizem, a aludida faixa de terreno, para aí aparcarem os seus veículos automóveis, impedindo a passagem dos AA para entrada da sua habitação;
- Por forma a vedar o seu prédio, assegurando a sua protecção e privacidade, quer para evitar o estacionamento abusivo, os AA., promoveram a colocação de um portão na extremidade Norte da dita faixa de terreno, na parte em que esta confronta com a via pública, o que comunicaram aos Réus;
- No mês de Janeiro de 2016, quando os trabalhadores se encontravam no local e iniciavam a execução dos trabalhos com vista à colocação o portão, o Réu marido impediu a respectiva colocação;
- Os Réus não permitem que os AA. vedem a sua propriedade, e os seus actos provocam arrelias e preocupações aos Autores.
Em contestação, os Réus impugnaram parte da matéria invocada pelos Autores.
Alegam que os prédios hoje dos Autores e Réus teve um dono comum, os avós paternos do Réu, que foi feita por acordo partilha dos bens destes e que o pai do Réu e J…, a quem se destinou o prédio hoje dos Autores, e respectivos ascendentes acordaram que a faixa de terreno em questão nos autos não entrava em contas de tornas, sendo constituída uma compropriedade sobre a mesma. Mais alegaram que, ainda que assim não venha a resultar demonstrado, não podem os Autores colocar o portão no local onde a faixa de terreno liga com o caminho porque constituirá uma alteração ao modo de exercício da servidão de passagem a favor dos Réus, com manifesto prejuízo para estes.
Foi proferido despacho saneador, constante de fls. 92 e seguintes dos autos.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, e ao abrigo das referidas disposições legais julgo parcialmente procedente a presente acção e em consequência:
i) Reconhece-se o direito propriedade dos Autores sobre o prédio identificado no ponto 1. dos factos provados, e condena-se os Réus condenados a reconhecer tal direito.
ii) Reconhece-se que do referido prédio faz parte integrante a parcela de terreno identificada no ponto 9. dos factos provados.
iii) Condena-se os Réus a absterem-se da prática de actos que possam questionar ou ofender tal direito;
iv) Condena-se os Réus a pagar aos Autores uma sanção pecuniária compulsória nos termos do artigo 829-A do C.C. na quantia de €50,00 por cada acto de turbação da posse pelos Autores sobre o prédio em causa.
v) No mais absolvem-se os Réus do peticionado pelos Autores;
vi) Custas da acção a cargo dos Autores e Réus, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa na proporção de 1⁄2 para os Autores e outro 1⁄2 para os Réus (art. 527.º, nº 1, do CPC).
2. Não se conformando com o decidido, interpuseram os Autores recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
I - Os Recorrentes não se conformam com a douta sentença recorrida na parte em que absolveu os Recorridos de absterem-se de praticar atos que perturbem o direito de propriedade dos Recorrentes sobre o seu identificado prédio, nomeadamente que impeçam a colocação do portão aludido no artigo 24º da PI.
II - Em face da matéria de facto que se deu como provada na sentença recorrida, e à luz do direito aplicável, impunha-se que os Recorrentes fossem autorizados a colocar o referido portão e que os RR ora Recorridos fossem condenados a não inviabilizar essa colocação, tendo o tribunal recorrido efectuado uma incorrecta subsunção dos factos que deu como provados às normas de direito aplicáveis, para decidir da colisão entre os direitos em questão – por um lado o direito de tapagem por banda dos Recorrentes o por outro o exercício da servidão de passagem pelos Recorridos.
III - A sentença recorrida, na apreciação da compatibilidade entre o exercício da servidão pelos Recorridos e o exercício do direito de tapagem pelos Recorrentes, entendeu que o direito de tapagem deve ceder face ao exercício da servidão, porquanto os Recorrentes, sendo emigrantes, não habitam de forma permanente no seu prédio, ao contrário dos Recorridos e também porque a colocação do portão implicaria necessariamente a alteração de vários aspectos referentes aos contadores de electricidade e água, caixa de correio e campainha da casa dos Recorridos, alterações que implicariam custos de valor não despiciendo.
IV - O tribunal recorrido, alicerçando-se no facto dos Recorrentes se encontrarem emigrados, socorreu-se de um critério de frequência de utilização da faixa de terreno para atribuir primazia ao direito de servidão de que goza o prédio dos Recorridos em face ao direito de tapagem de que gozam os Recorrentes.
V - Porém, esse mesmo facto – o de os Recorrentes se encontrarem emigrados e não residirem permanentemente no seu prédio - é que justifica e intensifica a necessidade dos Recorrentes verem assegurada a protecção do seu prédio e dos seus bens, o que é alcançado através a vedação do prédio com a colocação do portão, porquanto, como é do conhecimento comum, uma casa que se encontra fechada por nela não residirem habitualmente os seus proprietários tem uma probabilidade maior de ser alvo de furtos e actos de vandalismo do que aquela que se encontre permanentemente habitada.
VI - Do facto dos Recorrentes não habitarem em permanência no seu prédio, e por isso não utilizarem diariamente a faixa de terreno, ao contrário dos Recorridos, não podia o tribunal ter concluído que o benefício que os Recorrentes retiram da colocação do portão é inferior ao prejuízo que essa colocação acarreta para os Recorridos. Bem pelo contrário, pois é essa ausência de residência permanente que justifica o receio dos Recorrentes de verem o seu prédio e bens danificados ou subtraídos e que impõe que lhes seja assegurado o seu direito a defenderem o seu património, designadamente, através da vedação e tapagem do seu prédio.
VII - Também o argumento vertido na sentença recorrida de que a colocação do portão implicaria que os Recorridos tivessem elevados custos com a alteração do local de colocação de contadores de electricidade e água, caixa de correio e campainha não é válido e assenta numa conclusão que não tem suporte na matéria de facto dada como provada.
VIII - Desde logo e por um lado, porque nem os Recorridos alegaram, e muito menos foi produzida qualquer prova quanto ao valor necessário para se efectuar a alteração da colocação de tais contadores, caixa de correio ou campainha, e por outro lado porque a colocação pelos Recorrentes do portão no seu prédio não determina que os Recorridos tenham que proceder a tais alterações.
IX - Apesar da localização dos contadores de água e electricidade, do prédio dos Recorridos se encontrarem colocados junto da entrada do prédio destes, a colocação do portão pelos Recorrentes não implica que os funcionários de tais entidades deixem de poder aceder a tal local, e que por isso os Recorridos tenham que mudar a localização de tais equipamentos.
X - Assim como um qualquer amigo ou conhecido dos Recorridos que os queira visitar e aceder ao seu prédio tem necessariamente que se deslocar através da faixa de terreno afecta a caminho de servidão desde a via publica até ao prédio dos Recorridos, também o funcionário da empresa fornecedora da água ou eletricidade pode efectuar o mesmo percurso.
XI - Existem milhares de habitações que não têm os contadores visíveis do exterior, tendo os seus proprietários que facultar o acesso ao interior das mesmas aos técnicos para que estes efectuem a contagem de eletricidade ou água.
XII - No caso concreto, o prédio dos Recorridos, se bem que tenha o contador da água instalado no exterior do muro do seu prédio, o mesmo já não sucede com o contador de energia elétrica, o qual se encontra no interior do logradouro, tal como foi percepcionado na realizada inspecção ao local, pelo que, os Recorridos têm também necessariamente que abrir o portão do seu prédio para facultar o acesso aos funcionários da empresa que fornece a energia elétrica para que estes visualizem e procedam à leitura do contador.
XIII - Não sendo por isso correcta a conclusão vertida na sentença recorrida de que a colocação do portão implicaria necessariamente a alteração de vários aspectos referentes aos contadores de electricidade e água do prédio dos Recorridos.
XIV - Admite-se que, quanto à caixa de correio e campainha, as mesmas tivessem que ser deslocadas da entrada do prédio dos Recorridos para a extremidade do caminho junto à via publica, mas tal alteração é perfeitamente exequível e nunca implicaria custos de valor considerável para os Recorridos.
XV - O que se deixou dito para o acesso dos profissionais das empresas fornecedoras de electricidade e água, também é válido para o acesso de bombeiros ou pessoal de emergência, pois a colocação do portão também não impede o acesso por estas pessoas ao prédio dos Recorridos, já que não restringe a largura do caminho. A colocação do portão não implica qualquer diminuição nas medidas ou alteração do pavimento que a faixa de terreno destinada a caminho apresenta, mantendo-se inalteradas as características da faixa de terreno e permanecendo a possibilidade de circulação de pessoas e veículos que actualmente existe.
XVI - E não se argumente que a colocação do portão impede o acesso destes profissionais em caso de catástrofe, e em momento em que não se encontre ninguém no interior do prédio dos Recorridos para facultar o acesso, pois que, se num qualquer prédio deflagra um incêndio sem que esteja alguém no seu interior, não é por esse facto que tais profissionais deixam de actuar e de a ele aceder. É uma situação enquadrada no estado de necessidade subsumível, designadamente, na previsão do artigo 339.º do Código Civil e dos artigos 34 e 35 do Código Penal.
XVII - A sufragar-se o entendimento vertido na sentença recorrida, estaria sempre vedado o direito de tapagem, mediante a colocação de um portão, ao proprietário de qualquer prédio serviente que estivesse onerado de servidão de passagem a favor de prédio dominante de natureza urbana e destinado a habitação dado que, nos dias de hoje qualquer prédio urbano destinado a habitação é servido de redes de abastecimento de água e electricidade, os seus residentes recebem habitualmente correio postal e neles podem ter que aceder bombeiros e pessoal de emergência.
XVIII - Se o critério para a prevalência do exercício do direito de servidão de passagem a favor de prédio urbano destinado a habitação forem os acessos conexos com estes serviços, então nunca o proprietário do prédio serviente pode exercer o direito de tapagem.
XIX - E não é isso que sucede, dado que a jurisprudência dos nossos tribunais superiores sobre esta matéria respeita a situações em que o prédio dominante tem natureza urbana e o sentido maioritário dessa jurisprudência vai no sentido de considerar que existência de servidão de passagem não retira ao proprietário do prédio serviente o direito de tapagem contemplado no art. 1356º do CC.
XX - Demonstrando que a jurisprudência é pacífica neste entendimento, fazemos referência ao Ac do STJ de 08-06-2006, o Ac da Relação de Évora de 09-07-2009, os Ac Relação de Coimbra de 12.11.2002, e de 27-05-2008 e os Ac desse Tribunal da Relação do Porto de 17.1.2005, de 19-02-2001, de 21-03-2000, de 18-02-97, de 24-10-94, de 24.01.2000, e de 02.10.1997, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
XXI - No que respeita ao acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, aludido na sentença recorrida, diga-se que o mesmo se reporta a situação diversa da dos autos, desde logo no que concerne à distancia/dimensão do caminho de servidão que é muito superior (200 metros), ao facto de, ao contrario dos presentes autos, ali a faixa de terreno destinada a caminho se encontrar autonomizada e individualizada, por um muro, da demais propriedade.
XXII - A colocação de um portão no prédio dos Recorrentes não se traduz numa impossibilidade de exercício da servidão. Aceita-se que possa conduzir a um maior incómodo para os Recorridos, mas esse incómodo não assume uma amplitude tal que daí se possa partir para retirar aos Recorrentes o seu direito de protegerem a sua privacidade e segurança.
XXIII - Nas situações de colisão de direitos, dispõe o artigo 335 n.º 2 do CC que se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar- se superior.
XXIV - Não podia o tribunal recorrido deixar de atentar no facto de o direito dos Recorridos (de passagem enquanto proprietários do prédio dominante) ter natureza de um direito real e o dos Recorrentes (de personalidade e segurança enquanto proprietários do prédio serviente) assentar em direitos de personalidade e com protecção constitucional - cfr artigo 70º do CC e artigos 26º, nº 1 e 27º, nº1 da CRP.
XXV - Não se tratando de direitos iguais ou da mesma espécie - o dos Recorridos reveste natureza de um direito real e o dos Recorrentes reveste a natureza de direitos de personalidade, direitos fundamentais que, dada a sua relevância, mereceram a consagração constitucional - o direito dos Recorrentes deve considerar-se superior e, consequentemente, deverá prevalecer face ao direito dos Recorridos.
XXVI- O tribunal recorrido, não só não atentou na diferente natureza e superioridade do direito dos Recorrentes, enquanto direito constitucionalmente protegido à privacidade e segurança alcançado com o direito de tapagem, como ainda sustentou a prevalência do direito dos Recorridos num carácter económico, alegando que a colocação do portão implicaria para os Recorridos “custos de valor não despiciendo”, sem que se tenha sequer feito prova do montante de tais custos.
XXVII - A sentença recorrida fere os mais elementares sentimentos de justiça pois que, para além de terem que suportar a passagem, pelo interior do seu prédio e junto á entrada da sua habitação, de todos aqueles que se dirigem ao prédio dos Recorridos, os Recorrentes ainda vêm o tribunal a quo negar-lhes o direito, constitucionalmente consagrado, à sua privacidade e segurança, ao não lhe ser permitido colocar um portão que vede o seu prédio, ao contrario do que sucede com os Recorridos que tem o seu prédio vedado e protegido.
XXVIII - Impunha-se que o tribunal recorrido, aplicando os referidos normativos legais e adotando os critérios seguidos nos arestos citados que constituem jurisprudência dominante, condenasse os Recorridos em absterem-se de praticar atos que perturbem o direito de propriedade dos Recorrentes sobre o seu prédio, nomeadamente que impeçam a colocação do portão aludido no artigo 24º da PI.
XXIX - Ao assim não decidir, o Tribunal de 1ª instância não atentou e fez uma incorreta interpretação e aplicação das normas de direito aplicáveis, violando por erro de aplicação e interpretação, entre outros, o preceituado no disposto nos artigos 70º, 335º, 1356º e 1565º todos do C.C. e artigos 26º, nº 1 e 27º, nº 1 da CRP.
Termos em que deve o presente recurso merecer provimento e, em consequência, alterar-se a sentença recorrida condenando-se os Recorridos em absterem-se de praticar atos que perturbem o direito de propriedade dos Recorrentes sobre o seu prédio, nomeadamente que impeçam a colocação do portão aludido no artigo 24.º da PI., com o que se fará a acostumada justiça!
Os apelados apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II. OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar se devem os Réus ser condenados a absterem-se de impedir que os recorrentes coloquem o portão a que aludem no artigo 24.º da petição inicial.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
III.1. Foram os seguintes os factos julgados provados em primeira instância:
1. Os Autores são donos e legítimos possuidores do prédio urbano sito no lugar de …, freguesia de … e …, do concelho de Paços de Ferreira, composto de casa de rés do chão, andar e sótão, com terreno de logradouro, que confronta actualmente do Norte com caminho, Nascente com G… e H…, do Sul com os RR e Poente com I…, inscrito na respectiva matriz no artigo 4232, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o n.º 810 – ….
2. Veio o descrito prédio à posse dos Autores por o haverem adquirido a K… e a L… por contrato de compra e venda exarado na escritura pública lavrada no dia 27 de Fevereiro de 2009, no cartório notarial do Notário M… sito na rua … nº9…, …, a folhas 117 do livro no ….
3. Os Autores registaram a seu favor o descrito prédio pela inscrição Ap. 3504 de 28/01/2009.
4. Os Autores por si e antepossuidores, há mais de 15, 20 ou 30 anos do referido prédio extraem todas as utilidades que o mesmo proporciona.
5. Os Autores e já assim o faziam os antepossuidores, habitam a casa que compõe prédio ou permitem que outros a habitem, procedem a reparações e a obras de beneficiação, cultivam os seus canteiros e quintal, procediam à poda, tratamento da vinha e colhiam as uvas da ramada que se situava sobre a faixa de terreno referida infra em 9., afectam determinados espaços a serviço de passagem, pagam as contribuições e respectivos impostos que sobre o mesmo recaem.
6. Os Autores actuaram ano a ano, sem oposição de quem quer que fosse, incluído os Réus, à vista de toda a gente ou de forma a por todos poderem ser vistos e na convicção de que exerciam poderes sobre coisa que lhes pertencia e sem lesar direito ou interesse de outrem.
7. Os Réus são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, 1.º andar e quintal, sito no aludido lugar de …, o qual confronta do Norte com o descrito prédio dos AA.
8. O prédio dos Réus não tem acesso directo à via pública, sendo por isso encravado.
9. O acesso do prédio dos Réus à via pública, e vice-versa, há mais de 20 anos que se faz através do prédio dos Autores, supra identificado, por uma faixa de terreno com cerca de 30 metros de comprimento e 2.5 metros de largura, localizada junto da extrema poente do prédio dos AA., mais concretamente junto ao muro do prédio dos AA. e que o delimita do prédio confinante, e que o atravessa no sentido norte-sul, ou seja, desde a via pública até ao início do prédio dos Réus.
10. É igualmente por essa faixa de terreno, que não se encontra murada ou fisicamente separada da restante área do prédio dos Autores, que é efectuado o acesso ao interior da habitação dos Autores.
11. Necessitam os Autores, para entrarem na sua habitação, de passar por essa faixa de terreno.
12. Inicialmente essa faixa de terreno tinha o piso em terra batida e era encimada por ramada, posteriormente os antepossuidores dos AA, aquando da realização de obras de reconstrução e ampliação do prédio, retiraram a ramada e pavimentaram essa faixa de terreno ao longo de toda a sua extensão, pavimentação que foi feita em conjunto com o Réu, que custeou também esses trabalhos.
13. Os Autores e antepossuidores, quando fizeram obras no seu prédio sempre deixaram a aludida faixa de terreno livre.
14. Os Réus não se limitam a passar pela dita faixa de terreno do prédio dos AA. a fim de acederem ao seu prédio, chegando a utilizar, e permitem que outros utilizem, a aludida faixa de terreno, para aí aparcarem os seus veículos automóveis.
15. Por forma a vedar o seu prédio, assegurando a sua protecção e privacidade, quer para evitar o estacionamento abusivo por parte dos Réus quer por parte de terceiros, os Autores promoveram a colocação de um portão na extremidade Norte da dita faixa de terreno, na parte em que esta confronta com a via pública.
16. Os Autores comunicaram aos Réus que iriam colocar um portão no seu prédio, assegurando-lhes que lhes seria fornecida uma chave do mesmo.
17. Em mês não concretamente apurado de 2016, quando os trabalhadores se encontravam no local e iniciavam a execução dos trabalhos com vista à colocação do portão, o Réu impediu a colocação do mesmo invocando que o terreno não era dos Autores.
18. Os Autores, por intermédio do seu mandatário, interpelaram os Réus, para se absterem de impedirem a colocação do portão por banda dos AA., reafirmando-lhes que o seu direito de passagem estaria assegurado mediante entregue de uma chave do mesmo, não obstante, os RR. continuam a impedir que os AA. coloquem o portão no seu prédio.
19. Os Autores estão impedidos de avançar com as obras de vedação do seu prédio, dotando-o de maior segurança e privacidade.
20. O prédio dos Autores e Réus tiveram um dono comum, os avós do Réu marido.
21. O pai do Réu marido construiu parte da casa que hoje se encontra implantada no prédio dos Réus quando o terreno ainda pertencia a seus pais (avós paternos do Réu marido).
22. A casa que hoje é do Réu marido e que entretanto sofreu obras de ampliação e remodelação foi em parte construída pelo seu pai em terreno dos avós.
23. Entretanto o pai do Réu marido, respectivos irmãos e ascendentes entenderam-se quanto ao modo de partilhar os bens do casal constituído pelos avós do Réu marido, ficando o pai deste com o prédio que hoje pertence aos Réus, que é o descrito na Conservatória do Registo Predial de Paços de Ferreira sob o n.º 752 e inscrito na respectiva matriz da união de freguesias de … no artigo 3676.
24. Pela partilha J… ficou com o prédio que hoje é propriedade dos Autores.
25. O prédio dos Réus é destinado a habitação, onde as necessidades de acesso são quotidianas e variadas.
26. O funcionário da empresa que fornece a energia eléctrica e água tem de ter livre acesso à entrada do prédio dos Réus e ao local onde se encontra o contador para proceder à contagem dos consumos, bem como o carteiro que pretende depositar o correio e encomendas postais na caixa de correio do prédio dos Réus e também qualquer pessoa, amigo ou conhecido dos Réus que se queira deslocar ao seu prédio.
27. A existência de um portão fechado à chave no caminho condiciona o acesso de bombeiros, pessoal de emergência e situações do quotidiano da vida de um prédio onde residem pessoas.
28. A colocação de um portão no local pretendido pelos Autores obrigaria os Réus ao acederem ao seu prédio com veículo automóvel, a parar na rua para abrir o portão, entrar, parar na faixa de terreno, fechar novamente o portão e 30 metros à frente voltar a parar para abrir o portão do seu prédio, entrar, novamente parar e fechar o portão.
29. A campainha ou intercomunicador que avisa algum visitante à casa dos Réus teria necessariamente que ser colocada no portão que os Autores pretendem colocar ou numa das colunas que sustentaria esse portão e o mesmo se diga da caixa de correio.
30. Os Autores são emigrantes.
III.2. A mesma instância deu como não provados os seguintes factos:
a) O pai do Réu marido, por forma a permitir a ligação do prédio hoje dos RR ao ramal de águas residuais, pediu permissão aos AA. para que as tubagens fossem colocadas no subsolo da referida faixa de terreno, ao que os Autores acederam.
b) Os veículos referidos em 14. impedem a passagem dos Autores para entrada da sua habitação, chegando ao cúmulo de estes terem que serpentear com os sacos das compras por entre os veículos estacionados dentro do seu terreno, para entrarem dentro de sua casa.
c) Os factos referidos em 17. decorreram no mês de Janeiro desse ano.
d) Nas circunstâncias referidas em 17. o Réu, numa atitude violenta atravessou o seu carro no local, ao mesmo tempo que ameaçava os trabalhadores dizendo que ali ninguém colocava nenhum portão, mais dizendo, entre impropérios e ameaças, que se ali fosse colocado nem que fosse um cadeado, que arrancava e destruía tudo.
e) Os Réus têm provocado com os seus actos arrelias e preocupações aos Autores.
f) Aquando da partilha referida em 23. e 24. foi acordado entre o pai do Réu marido, a sua irmã J… e os avós paternos do Réu que o terreno do caminho não entrava em contas de tornas que havia a acertar entre irmãos e que passava a ser do pai do Réu e da referida J….
g) Os Réus e antepossuidores passaram a permitir, conjuntamente com os Autores, que outros passassem na faixa de terreno e subterraneamente fazer passar no local tubos de utilidade para ambos os prédios, o que fizeram há mais de 15 ou 20 anos, de boa fé, à vista de toda a gente dia a dia e sempre na convicção de possuíam em comum a dita faixa.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Ao demandarem os Réus pretendem, entre o mais, os Autores que:
- lhes seja reconhecido o direito de propriedade sobre o prédio que identificam na petição inicial, de que se arrogam donos, e sejam os demandados condenados a reconhecer tal direito;
- os mesmos Réus sejam condenados a absterem-se da prática de quaisquer actos que perturbem aquele direito, designadamente de impedir a colocação do portão que os Autores se propõem colocar na sua propriedade para vedar a mesma e à qual aqueles se têm oposto.
O prédio dos Autores acha-se onerado com um servidão de passagem a favor do prédio dos Réus, que não tem acesso à via pública, através de uma faixa de terreno que faculta tal acesso.
Sobre a existência e contornos dessa servidão não existe qualquer litígio, reconhecendo-a os titulares do prédio onerado, apenas reclamando os mesmos o direito de vedarem o seu prédio, colocando um portão na faixa que serve de acesso ao prédio dos Réus, facultando-lhes uma chave, ao que estes se têm vindo a opor.
A sentença recorrida deu guarida às pretensões dos Autores, negando-lhes, todavia, o reclamado direito de vedarem o seu prédio através da colocação de um portão. Insurgem-se os recorrentes contra essa parte da decisão, continuando a clamar pelo direito de colocarem um portão no seu prédio, considerando que tal direito em nada belisca o direito de que gozam os recorridos de acederem ao seu prédio através da faixa de terreno do prédio dos Autores.
De acordo com o artigo 1305.º do Código Civil, “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”.
Dispõe, por seu turno, o artigo 1356.º do mesmo diploma que “a todo o tempo o proprietário pode murar, valar, rodear de sebes o seu prédio, ou tapá-lo de qualquer modo”.
Por conseguinte, qualquer proprietário pode, a qualquer tempo, vedar ou tapar o seu prédio, restringindo o acesso ao mesmo, podendo fazê-lo por qualquer modo, incluindo, naturalmente, a colocação de um ou mais portões.
A questão que importa elucidar é se o poderá fazer, ou se o poderá fazer sem restrições ou limites, no caso do prédio se achar onerado com uma servidão de passagem, que faculta, por uma individualizada e limitada faixa de terreno, o acesso a um prédio encravado pertencente a terceiro, estando, nesta situação, em confronto o direito de tapagem e o direito de passagem atribuídos a titulares distintos.
O aparente conflito entre tais direitos pode ser equacionado em termos de poderem os mesmos continuar a ser exercidos, ainda que de forma condicionada, apenas se exigindo que esse condicionamento não seja intoleravelmente desproporcionado, esvaziando o direito de passagem ou implicando para o seu exercício desmesurados incómodos ou transtornos, hipótese que não se configurará sendo o direito de passagem apenas limitado pela colocação de um portão, mas cedendo o dono do prédio serviente chave do mesmo para que o acesso ao prédio continue a ser assegurado.
Como refere o acórdão do STJ de 8.06.2006[1], “Se a existência de servidão de passagem não retira ao "dominus" do prédio serviente o direito de tapagem contemplado no art. 1356º do CC, a conciliação dos interesses antagónicos dos proprietários dos prédios serviente e dominante deve ser analisada em função de cada caso concreto, ponderando-se, "inter alia", o tipo de construção efectivada e o conteúdo da servidão.
Os interesses do proprietário do prédio dominante que contam para o enunciado efeito, são tão só, os dignos de ponderação, os que, enfim, se prendem com a impossibilidade ou grande dificuldade do uso da servidão, não, consequentemente, a pura comodidade ou meros caprichos de tal pessoa (art. 1568º nº 1 do CC). Não se verificando alteração do lugar e modo de exercício da servidão de passagem, não constitui paradigma de defeso estorvo causado ao dono daquela a vedação do seu prédio, por parte do titular do serviente, a continuar o proprietário dominante a poder entrar nele sem dificuldade, a, em suma, se manter o ingresso livre e cómodo, o que se deve ter como realidade, no entendimento prevalecente da jurisprudência e doutrina, de que não dissentimos, à míngua de mais rica factualidade que a vazada na decisão em crise, a ser entregue chave do portão e acesso ao proprietário dominante”.
Esse também já era o entendimento perfilhado pelo acórdão do mesmo STJ de 19.04.1995[2] que, após alusão aos citados artigos 1356.º e 1568.º, n.º 1 do Código Civil, sustentava: “Pela conjugação dessas normas, entende-se geralmente, como já se entendia em face de disposições idênticas da lei anterior, que o dono do prédio serviente pode fazer a vedação do seu prédio mas já não poderá impedir ou dificultar o uso de servidão; assim, no caso de servidão de passagem, esta não poderá tornar-se mais onerosa para o proprietário dominante mas admite-se que as zonas de entrada ou saída sejam vedadas por cancela ou portão, com entrega das respectivas chaves àquele proprietário, quando for caso disso, desde que o acesso mantenha idêntica facilidade, a qual não será prejudicada pelo simples incómodo da abertura do portão (cfr. P. Lima, Lições de Direito Civil - Direitos Reais, página 346, Gonçalves Rodrigues, Da Servidão Legal ..., página 133, P. Lima e A. Varela, no Código Civil Anotado, III, página 616, e Tavarela Lobo, Mudança e Alteração de Servidão, página 205).
Em rigor, a conciliação destes interesses opostos deve ser analisada em função de cada caso concreto, de modo a poder ou não concluir-se pela existência de maior onerosidade no uso da servidão e consequente prejuízo para o prédio dominante”.
E na mesma linha de orientação defende o acórdão de 8.07.2010 desta Relação: “A jurisprudência também é uniforme no sentido de que a conciliação dos interesses opostos dos proprietários deve ser analisada em função de cada caso concreto, de modo a poder ou não concluir-se pela existência de maior onerosidade no uso da servidão e consequente prejuízo para o prédio dominante.
Assim, se o portão diminuiu a largura inicial da passagem constituirá, em princípio, estorvo da servidão, e não poderá ser imposto ao proprietário do prédio dominante [...].
No entanto, não se equaciona um mero incómodo no exercício da servidão, o qual não basta para que o proprietário dominante se oponha com o argumento, por exemplo, de que é preciso abrir um portão que se encontra fechado à chave.
Tem de antever-se, no caso concreto, que a obra de vedação ou tapagem implica uma maior onerosidade no uso da servidão e consequentemente um prejuízo para o prédio dominante.
Já se decidiu que os interesses do proprietário do prédio dominante que contam para o efeito são, tão só, os dignos de ponderação, os que se prendem com uma impossibilidade ou grande dificuldade do uso da servidão e já não os de mera comodidade agravada nesse exercício[...].
A servidão de passagem deve satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante, mas a sua satisfação deve ter em conta o menor prejuízo possível para o prédio serviente. Por isso, em princípio, a colocação de um portão no topo de uma serventia em nada bole com o direito de passagem que a lei concede aos proprietários do prédio dominante, desde que para tanto lhes seja facultada a respectiva chave[...]”.
Como fundamento para negar aos Autores o exercício do direito de tapagem do seu prédio que eles reclamam por via judicial escreveu-se na sentença recursivamente sindicada: “No caso dos autos, [...] face aos factos provados nos pontos 25. a 30., afigura-se-nos que há incómodos desproporcionais para os Réus decorrentes do direito de tapagem com a colocação de um portão. Na verdade, os Autores não têm residência permanente em Portugal, são emigrantes, ao contrário dos Réus, que habitam o seu prédio. Por outro lado, a colocação do portão implicaria necessariamente a alteração de vários aspectos referentes aos contadores de electricidade e água, caixa de correio e dispositivo sonoro que permitisse a eventuais visitantes da casa dos Réus comunicar a sua presença a estes e pretensão de entrada, alterações que implicariam custos cujo valor não é certamente despiciendo.
Na realidade, ponderando a proporcionalidade entre a colocação do portão pelos Autores, que não residem no prédio e estão no estrangeiro, com os constrangimentos que adviriam para o exercício da servidão, consideramos que o direito de tapagem deve ceder face ao direito dos Réus”.
Aceitando-se que a colocação de um portão no topo da serventia possa representar alguns incómodos para os Réus, proprietários do prédio dominante, que, em vez do acesso livre à faixa de terreno que lhes faculta a passagem até ao seu prédio urbano, teriam de proceder à abertura e fecho do portão com a chave cedida pelos Autores, e, eventualmente, a algumas alterações logísticas mencionadas na sentença[3], daí não resulta, todavia, uma maior onerosidade para o uso da servidão, não impossibilitando o exercício do correspondente direito, nem sequer o limitando, não advindo, por isso, qualquer prejuízo para o prédio dominante.
A colocação do portão nos moldes pretendidos pelos Autores visa garantir uma maior segurança ao prédio destes, evitando a sua devassa e que estranhos a ele possam aceder, interesses de acrescida relevância sobretudo face à habitual ausência dos demandantes, e que, ao contrário do que defende a sentença recorrida, se devem sobrepor aos simples incómodos que da tapagem possam advir para os Réus, que poderão continuar a usar, sem outros constrangimentos para além da abertura e fecho do portão, a faixa de terreno que vinham usando para acederem à via pública[4].
Devem, assim, os Réus se abster de continuar a impedir a colocação do portão no prédio dos Autores, revogando-se, por conseguinte, a sentença que, nessa parte, os absolveu do correspondente pedido – ponto V) do respectivo dispositivo -, merecendo procedência o recurso.
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Síntese conclusiva:
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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em, julgando procedente a apelação, revogar a sentença recorrida na parte em que absolveu os Réus do pedido formulado pelos Autores de condenação daqueles da abstenção da prática de actos que impeçam a colocação do portão aludido no artigo 24.º da petição inicial, condenando-se, consequentemente, os Réus a absterem-se de impedir a colocação do portão no prédio dos Autores.
Custas (acção e apelação): a cargo dos Réus/Apelados.

Porto, 12.09.2019
(Acórdão processado informaticamente e revisto pela 1.ª signatária).
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Francisca Mota Vieira
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[1] Processo n.º 06B1480, www.dgsi.pt.
[2] Processo n.º 086608, www.dgsi.pt.
[3] Sendo seguro que actualmente já não são funcionários das empresas fornecedoras de água e electricidade quem procede à leitura dos consumos, o que requeria o acesso aos respectivos contadores.
[4] Não podendo os Réus dela abusivamente se servir para os fins relatados no ponto 14.º dos factos provados.