Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
16/21.3GAAVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NUNO PIRES SALPICO
Descritores: LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
CONVICÇÃO DO JULGADOR
Nº do Documento: RP2023041916/21.3GAAVR.P1
Data do Acordão: 04/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O artigo 127.º do Código de Processo Penal não fixa as regras da experiência como limite à discricionariedade, antes define essas máximas da experiência como fundamento da apreciação da prova, num ambiente de liberdade de aferição.
II – O conceito de liberdade na convicção probatória significa que o julgador não está vinculado a conceções políticas ou ideológicas predefinidas ou a prova tarifada, podendo ajuizar as probabilidades das máximas da experiência necessárias à prova indireta, exigindo-lhe que se liberte dos seus processos psicológicos e da sua moral pessoal, e se coloque numa posição imparcial.
III - A livre convicção probatória nada tem de discricionário, constituindo uma atividade profundamente vinculada ao cumprimento dos princípios e regras do direito probatório, às normas da experiência comum pertinentes e da lógica, sendo alvo de um denso escrutínio pelos sujeitos processuais.
IV - A convicção do julgador não poderá ser íntima, nem ter segmento algum indecifrável, mas antes, transmissível e partilhável com as partes (num esforço de convencimento e esclarecimento) e com o Tribunal superior, havendo recurso.
V - Se o juiz não souber explicar de forma racional a sua convicção, então tem de reconhecer que a mesma não é juridicamente válida, encontrando-se fora dos domínios do artigo127.º do Código de Processo Penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.16/21.3GAAVR.P1
X X X
Acordam em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

Em processo comum com intervenção de Tribunal Coletivo que correu termos no Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira do Tribunal da Comarca de Aveiro, procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais. Foi proferido acórdão, julgando do seguinte modo:
a) condenar o arguido, AA, como autor material de um crime de violência doméstica agravado, p.p. pelo artigo 152.º, n.º 1, als. a) e c) e n.º 2 al. a) do CP, na pena parcelar de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão;
b) condenar o arguido, AA, como autor material de um crime de violação agravada, p.p. pelo artigo 164.º, n.º 2, al. a) e 177.º, n.º 1 al. b), do CP, na pena parcelar de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão;
c) condenar o arguido, AA como autor material em concurso efectivo dos crimes identificados nas al. a) e b) supra, na pena única, em cúmulo jurídico, de 4 (quatro) anos e 10 (meses) de prisão suspensa na sua execução por igual período e sujeita: - à condição do arguido proceder ao pagamento da quantia arbitrada infra à ofendida até ao termo do prazo da suspensão (cf. art. 51.º, n.º 1 al. a) do CP); - à proibição do arguido contactar ou se aproximar da ofendida, da sua residência e do seu \
* d) condenar o arguido, AA na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida BB, prevista no art. 152.º, n.º 4 e 5 do CP, pelo período de 5 anos;
* e) condenar o arguido, AA no pagamento da quantia de € 2.500,00 à ofendida BB, a título da reparação prevista no art. 82.º-A do CPP;
* f) condenar o arguido, AA no pagamento das custas criminais e demais encargos a que a sua actividade processual tenha dado lugar, fixando a taxa de justiça criminal em 4 UC (cf. 513.º, n.º 1, 514.º e 523.º do CPP e art. 8.º do RCProcessuais), sem prejuízo do apoio judiciário a que tenha direito.
*
Não se conformando com a sentença o arguido AA veio interpor recurso, com os fundamentos constantes da motivação:
Posto isto, previamente e para podermos aferir do bom ou mau julgamento que condenou o arguido, temos que nos debruçar sobre a prova que, no fim da Audiência de Julgamento, tinha sido produzida, quanto à matéria dos factos dada como provada em prejuízo do arguido. Assim:
a) Das declarações prestadas pelo arguido não resultaram qualquer indício da prática de factos criminosos por aquele, sendo que o arguido não tem de convencer o tribunal de que não cometeu o crime, ao contrário do que refere o acórdão “as declarações prestadas pelo arguido na audiência de julgamento não convenceram minimamente o Tribunal, na medida em que o mesmo se limitou a negar de forma apócrifa, genérica e pouco convicta e convincente os factos que lhe eram imputados, não logrando sequer apresentar qualquer justificação lógica e plausível”.
b) Resta - como única prova- para a imputação para a prática dos factos ao aqui recorrente resulta o depoimento da assistente, uma vez que é a “única com razão de ciência directa sobre a toda a factualidade em causa”
c) O tribunal valorou os depoimentos indiretos das testemunhas CC (filha do casal), DD e EE (casal de amigos da assistente), que relataram que o aquilo que sabem resulta somente do que era contado pela assistente, não tendo nunca assistido a nenhum episódio de violência física ou verbal.
d) Aos autos não foi junto nenhum relatório médico, imagens, vídeo ou gravação áudio que sustente o alegado pela assistente.
e) O Ministério Público proferiu despacho de arquivamento relativamente aos factos suscetíveis de consubstanciar a prática crimes de violação, agravados, previstos e punidos pelos artigos 164.º, n.º 1, al. a) e 3 e 177.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, dizendo: “(…)Contudo, tais factos mostram-se insuficientes para atestar a prática dos aludidos factos. Primeiro, porque a ofendida não recorreu a assistência médica de onde se pudesse constatar a existência de lesões compatíveis com o por si alegado. Segundo, porque as suas filhas apenas têm um conhecimento genérico e indireto dos factos. Terceiro, porque a testemunha DD, embora tenha ouvido expressões e barulhos que corroboram tais suspeitas, desconhece a dinâmica dos mesmos.
Quarto e decisivo, porque a própria vítima não logrou descrever as condutas (…).
O acórdão ora recorrido “vive” do depoimento daquelas testemunhas e das declarações prestadas, pela ofendida/assistente que “se revelaram, aos olhos do Tribunal, absolutamente sinceras e objectivas”. Refere o acórdão, no que toca às declarações da assistente, que “a resposta de não provado dada à factualidade assim julgada supra decorreu do facto da própria assistente ter negado a sua ocorrência nos termos que constavam da acusação”, contudo, não valorou e não considerou:
1. O facto de o Ministério Público ter liminarmente desconsiderado factos por insuficiência de prova e depois os mesmos elementos serem considerados como suficientes no acórdão com base na mesma prova.
2. não existirem outros meios de prova, nomeadamente testemunhas com conhecimento direto dos factos, relatórios médicos ou vídeo e áudio (o arguido vem acusado de factos que ocorreram durante mais de 10 anos);
3. o fato de durante pelo menos 10 anos a assistente manter igual postura quando o arguido vinha a Portugal (duas vezes por ano), partilhando cama, os convívios, a gestão normal da vida com ele, sem mudar os seus hábitos, sem se refugiar em casa de amigos, sem nunca ter apresentado queixa ou falar com familiares.
4. o facto de não concretizar o dia e ano do episódio da violação, mas recorda-se que o arguido foi embora no dia 2, um sábado. Refere que “foi depois do natal, antes da passagem de ano”(…) “acho que foi a seguir à passagem de ano, dia 2 se não me engano, sei que foi a um sábado, acho que foi a um sábado” (min. 47:00 a 47:50);
5. o facto de DD, testemunha e amigo da assistente, assistir via telefone aos episódios de violência e violação durante anos e nunca ter apresentado queixa ou gravado áudio ou até mesmo partilhado os episódios a que tinha assistido com EE, sua esposa e testemunha no processo.
6. como improvável e incoerente o facto de DD ouvir e acompanhar as agressões por chamada telefónica porque era a assistente que lhe ligava antes dos episódios de violação e depois desligava no decorrer do ato (sem o arguido nunca se aperceber), tendo o mesmo afirmado que desconhecia a sua dinâmica (fundamento utilizado no despacho de arquivamento pelo Ministério Público).
Passemos, então, ao que de relevante se extrai daquelas testemunhas, cujas declarações estão gravadas em suporte digital e que correspondem ao ficheiro informático 20220712101427_4152408_2870450.
Quanto à Testemunha CC (Filha) (inquirição consignada em ata de 12/07/2022) com início às 12:00:03 e terminus às 12:27:42, delas resulta, em síntese, e na parte relevante:
a) “Nunca assisti a nenhuma agressão física” “Nunca vi marcas de agressão” (min. 02:55 a 03:10);
b) Em casa “sempre se disseram muitos palavrões, usualmente, (…) eu é que estou aqui a fazer o rewind a ver se realmente como dizia também se, tanto de uma parte como da outra, estão a entender?”, apesar de ter sido interrompida no seu discurso pelo meritíssimo juiz, a mesma refere que acontecia tanto de uma parte como da outra; (min. 06:34 a 07:05);
c) Ministério Público: “Alguma vez se apercebeu de alguma violência sexual entre os seus pais?”
CC: “Nunca me apercebi” (min. 11:00 a 11:15);
d) O que sabe era porque a mãe lhe contava “relativamente a essas confidencias dessas situações, a minha mãe falava-me” (min. 13:30 a 13:36);
e) O pai costuma ingerir bebidas alcoólicas, sendo que com álcool “até ficava mais alegre”
(min. 21:40 a 21:47);
f) No natal em que ocorreu o episódio de violação CC não se apercebeu de nada, Dra. FF: “no natal, na altura do Covid, estavam os 3, passaram os 3 juntos?”
CC: “sim, exatamente”
Dra. FF: “a CC apercebeu-se de alguma coisa?”
CC: “nesse natal não, foi o nosso último natal juntos” (min. 26:25 a 26:36);
Relativamente à testemunha EE (amiga e esposa de DD) (inquirição consignada em ata de 12/07/2022), com início às 12:29:35 e terminus às 12:39:43, delas resulta, em síntese, e na parte relevante:
a) Nunca viu ou ouviu o arguido a agredir ou insultar a assistente, sendo que também nunca a viu com marcas (min. 01:53 a 02:13)
Ministério Público: “Alguma vez viu ou ouviu o Sr. AA a agredir fisicamente, insultar, agarrar?”
EE: “Nunca, não”
Ministério Público: “Nem ouviu por telefone alguma conversa menos agradável?”
EE: “Não”
Ministério Público: “Alguma vez viu marcas?”
EE: “Com marcas também não”
b) Nunca ouviu conversas telefónicas (min. 04:05 a 04:08)
Ministério Público: “Volto a perguntar, conversas telefónicas nunca ouvir?”
EE: “Não, não, não, não”
c) Ministério Público: “Relativamente ao Sr. AA, tem alguma situação que queira contar ao tribunal?
EE: “Não, nunca vi nada” (min. 04:15 a 04:21)
d) O sr. DD (marido da EE) nunca comentou nada, nem referiu que ouvia via telefone as agressões sexuais (min. 05:02 a 05:10)
Dra. FF: “O sr. DD nunca lhe disse que assistia às agressões sexuais via telefone?”
EE: “Não, não”
No que tange à Testemunha DD (amigo e marido de EE) (inquirição consignada em ata de 06/09/2022), com início às 14:22:13 e terminus às 14:41:27, delas resulta, em síntese, e na parte relevante:
a) Não conhece o arguido.
b) Nunca foi à polícia (min. 07:46 a 08:10);
Ministério Público: “Alguma vez foi dar conta disso à polícia?”
DD: “Quem? Eu não! A pessoas que está lesada é que tem de o fazer, não seria eu. A lesada era ela não era eu”
Ministério Público: “Sim, mas todos nós temos deveres enquanto cidadãos”
DD: “Sim, e eu tenho. Eu tenho, mas não quis fazer nem me querer meter nisso”
c) Nunca presenciou discussões (min. 09:52 a 10:00)
Ministério Público: “Não, que o sr. tenha presenciado”
DD: “Não”
Ministério Público: “Nunca, nunca presenciou discussões?”
DD: “Não”
d) Sabe das coisas porque a assistente lhe conta (min. 10:10 a 10:15)
Ministério Público: “Sabe dessas coisas porque…”
DD: “Porque ela conta”
e) A assistente nunca lhe apareceu com marcas de agressão (min. 11:25 a 11:48)
Ministério Público: “Alguma vez a Dona BB lhe apareceu com marcas de agressão?”
DD: “A mim? À minha frente? Não”
Ministério Público: “Ainda que o Sr. não tenha visto o que se passou. Não?”
DD: “Não vou estar a dizer uma coisa que não…”
f) Referiu que, ao contrário do que contou esposa (EE), que esta sabia de tudo o que se passava entre a assistente e o arguido, inclusive, que ouvia as chamadas enquanto tinham relações sexuais (min. 16:45 a 17:17)
Dra. FF: “Sabendo que a Dona BB sofrida desse abuso, porquê essa omissão?
Contava à sua esposa?”
DD: “Contava à minha esposa? Contava.”
Dra. FF: “Quando assistia às chamadas telefónicas”
DD: “Sempre contei à minha esposa tudo. Se há uma coisa que eu não tenho são segredos com a minha esposa”
Dra. FF: “A sua esposa disse que não”
DD: “A minha esposa pode dizer-lhe o que quiser, eu não tenho segredos com a minha mulher”
g) Nunca gravou nenhuma chamada, nem ficou de registo, dizendo-o com tom irónico (min. 17:20 a 17:42)
Dra. FF: “Nunca gravou nenhuma chamada?”
DD: “Não quis”
Dra. FF: “Nunca ficou com o registo de nada”
DD: “Não. Até aí já mudei de telemóvel tantas vezes”
h) Não sabe durante quantos anos ou meses escutou por chamada as agressões sexuais (min. 17:55 a 18:38)
Dra. FF: “Durante quantos anos ou quantos meses, escutou as chamadas telefónicas?”
DD: “Não foi muito tempo”
Juiz: “Consegue dizer mais o menos em que altura foi isso?”
DD: “2014, 2015. Sei lá. Eu acho que foi por aí. Também passa tanta coisa”
Dra. FF: “Não é qualquer coisa, isto são agressões”
DD: “Você não ouviu da minha boca eu dizer que vi agredir alguém. Só lhe disse que me
contaram. Contar é uma coisa e ver é outra.”
Ora,
A lei não fixa as regras de valoração do depoimento indireto, quando tal valoração é admissível, devendo entender-se, face ao princípio geral da livre apreciação da prova estabelecido no art. 127º, do C. Processo Penal, que o depoimento deve ser avaliado conjuntamente com a demais prova produzida, incluindo o correspondente depoimento direto, quando tenha sido prestado, tudo conforme a livre apreciação e as regras da experiência comum portanto, sem qualquer hierarquia de valoração entre um e outro (cfr. neste sentido, Acs. do STJ de 20/11/2002, CJ, X, III, 232, Ac. da R. do Porto de 07/11/2007, já citado e Ac. da R. de Évora de 30/01/2007, proc. nº 2457/06-1 in http://www.dgsi.pt; contudo, em sentido contrário, cfr. Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, 349 e ss.).
Mas o Juiz não pode valorar as provas como lhe apetece, julgar de acordo com o humor do momento, determinado por um convencimento exclusivamente subjetivo. A livre convicção do julgador não significa arbítrio ou decisão irracional. Pelo contrário, na tarefa de valoração da prova exige-se uma apreciação crítica e racional, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência, bem como, na perceção da personalidade dos depoentes e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio in dubio pro reo, tudo para que dela resulte uma convicção do julgador objetivável e motivável, únicas características que lhe permitem impor-se dentro do processo e fora dele.
A atuação do princípio da livre apreciação da prova e o seu controlo, pressupõe a indicação na sentença dos meios de prova e o seu exame crítico, pois só desta forma pode ser avaliado o processo lógico e racional que, eventualmente conjugado com as regras da experiência, conduziu o tribunal a uma determinada decisão de facto.
Assim, o ponto de partida para sindicar a observância deste princípio situa-se na fundamentação da decisão de facto e, muito particularmente, nos motivos de facto que fundamentam a decisão, entendidos como os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinados sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência (Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal, 228 e ss.).
Assim, a convicção alcançada pelo tribunal a quo e expressa na fundamentação de facto terá de ter apoio razoável na prova gravada para o efeito indicada, conjugada com os demais elementos de prova existentes e atendíveis.
Ora, no que concerne ao depoimento das testemunhas, com o devido respeito por opinião diversa, ao alicerçar-se nos depoimentos indiretos das testemunhas, o Tribunal a quo fez perigar a certeza jurídica necessária para a condenação do arguido. Até porque, desde logo, as testemunhas referem que as agressões de que a assistente diz ser vítima foram por ela contadas, sendo que nunca viram marcas ou assistiram a agressões físicas. CC, filha,
refere que o arguido dizia asneiras e por vezes chamava nomes à assistente como “Louca”,
mas hesita explicando de forma despercebida que os ataques verbais eram de parte a parte.
Desde logo, não é admissível ao Tribunal retirar um qualquer juízo ou conclusão por o arguido se ter limitado a negar os factos que lhe eram imputados, não tendo apresentado uma “justificação lógica e plausível” para a apresentação da queixa por parte da assistente…
Por outro lado, é muito pouco crível, face ao nível das agressões e controlo que descreve, a ofendida durante mais de 10 anos não ter ido ao médico, não ter gravado as chamadas ou não ter ficado com marcas das agressões. A filha era já uma jovem adulta que vivia com os pais e nunca assistiu a nenhum tipo de agressão sexual ou física.
Também não é de fácil compreensão o facto de a assistente acusar o arguido de sucessivos atos de violência (física, verbal e sexual), mas não ser capaz de os concretizar no lugar e tempo, uma vez que não são acontecimento que a vítima facilmente se esquece ou não se recorda, porque desde 2013 o arguido se encontra a trabalhar em França e só vem a Portugal no verão e natal.
É ainda muito pouco incongruente, para não dizer descabido, durante vários anos a assistente, por sua exclusiva iniciativa, efetuar chamadas telefónicas com a testemunha DD, antes de ter relações sexuais, para que este ficasse a ouvir e depois desligar, ainda durante o ato, sem o arguido se aperceber de nada. É importante não esquecer que depois desses episódios continuava tudo igual, não tendo resultado nunca num qualquer registo ou
denúncia. Ainda, EE (esposa de DD) atesta que nunca teve conhecimento de tais episódios, sendo que nunca o seu marido abordou tal questão, apesar de DD referir que esposa EE sabia de tudo - “se há uma coisa que eu não tenho são segredos com a minha
esposa” (min. 16:45 a 17:17).
Certo é que, relativamente aos factos suscetíveis de consubstanciar a prática crimes de violação, agravados, previstos e punidos pelos artigos 164.º, n.º 1, al. a) e 3 e 177.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, o Ministério Público referiu no seu despacho de arquivamento que:
“(…)Contudo, tais factos mostram-se insuficientes para atestar a prática dos aludidos factos.
Primeiro, porque a ofendida não recorreu a assistência médica de onde se pudesse constatar a existência de lesões compatíveis com o por si alegado. Segundo, porque as suas filhas apenas têm um conhecimento genérico e indireto dos factos. Terceiro, porque a testemunha DD, embora tenha ouvido expressões e barulhos que corroboram tais suspeitas, desconhece a dinâmica dos mesmos.
Quarto e decisivo, porque a própria vítima não logrou descrever as condutas (…).
Se estes factos não se revelaram suficientes na acusação, tendo sido arquivados, passam a ser suficientes no julgamento para condenar o arguido na prática do crime de violação agravada?
Os mesmos elementos de prova que foram indicados no inquérito e liminarmente desconsiderados pelo Ministério Público foram os mesmos considerados no acórdão.
Em conclusão, das declarações da assistente e dos depoimentos das testemunhas, por todos os motivos supra evocados, não pode, por si só, alicerçar a condenação do arguido ora recorrente, já que é manifestamente insuficiente para demonstrar a matéria considerada como provada, nomeadamente, o que vai dito nos pontos 4, 6, 9, 10, 13 a 19 supra.
Ora,
A dúvida a favor do arguido – por não ter sido ilidida a presunção de inocência – refere-se aos factos que integram o objeto do processo, e pressupõe que, produzida a prova, o tribunal, e só o tribunal, tenha ficado na incerteza quanto à verificação ou não, de factos relevantes para a decisão.
Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – alínea a), do nº 2, do art. 410º, do C. Processo Penal – quando a factualidade dada como provada na sentença não permite, por insuficiência, uma decisão de direito ou seja, quando dos factos provados não possam logicamente ser extraídas, as ilações do tribunal recorrido (cfr. Ac. do STJ de 17/06/1993, CJ, S, I, II, 249). A insuficiência da matéria de facto determina a incorreta formação de um juízo, porque a conclusão ultrapassa as respetivas premissas (cfr. Ac. do STJ de 13/05/1998, nº 98P212, http://www.dgsi.pt/jstj). A este respeito, diz o Prof. Germano Marques da Silva que para que se verifique o vício em análise, «é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.» (Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª, Ed., 340).
Dos depoimentos das testemunhas não se pode retirar que o arguido tenha praticado os crimes pelo qual foi condenado. Na verdade, tais depoimentos não nos fornecem elementos que nos permitam aferir a prática dos factos e por isso, de algum modo poderia o arguido ser condenado com fundamentos dele retirados.
E, salvo o devido respeito por opinião diversa, mais nenhuma prova existe nos autos – insiste-se- que possa de alguma forma incriminar o arguido ora recorrente na prática dos factos que vinha acusado.
Assim, analisados que estão os elementos de prova que serviram de fundamento ao Tribunal a quo para dar como provados os factos em prejuízo do arguido foi incorretamente julgada a factualidade mencionada nos pontos 4, 6, 9, 10, 13 a 19 supra.
Pelo exposto e ao contrário do que concluiu o douto Acórdão recorrido, impõe-se decisão diversa da proferida, por não existir suporte probatório suficiente que autorize dar tais factos como provados.
b) violação do artigo 127º, do Código de Processo Penal
O artigo 127º do Código de Processo Penal dispõe que “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Mas isto implica, como acentua Frederico Marques, que se impõe no julgador que, nos seus juízos, proceda com bom senso e sentido de responsabilidade, pois o livre convencimento “não se confunde com o julgamento por convicção íntima, uma vez que o livre convencimento lógico e motivado é o único aceite pelo moderno processo penal”.
Segundo Cavaleiro de Ferreira, as “…regras da experiência…” “São definições os juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto sub judice, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerça, mas para além dos quais tem validade”.
Também segundo Cavaleiro de Ferreira, a livre convicção “é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade”. Nesse sentido, Teresa Beleza afirma que “O valor dos meios de prova (...) não está legalmente preestabelecido. Pelo menos tendencialmente, todas as provas valem o mesmo”.
Corresponde isto a dizer que, a livre apreciação da prova terá sempre subjacente uma motivação ou fundamentação - o substrato racional da convicção que dela emerge. Ou, como escreve Marques Ferreira, “Tal princípio assenta nas regras da experiência e em critérios lógicos, de modo que a convicção da entidade que aprecia livremente a prova se mostre racional, nada arbitrária ou meramente impressionista”. Ou, como refere o Prof. Figueiredo Dias, o julgador ao apreciar livremente a prova exerce uma “liberdade de acordo com dever”, ou seja, “o dever de perseguir a chamada verdade material de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e controlo”.
Assim, importante, parece-nos, é realçar que o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, não liberta o julgador das provas que se produziram nos autos, ou da sua falta, sendo com base nelas que terá de decidir, circunscrevendo-se a sua liberdade à livre apreciação dessas mesmas provas dentro dos parâmetros legais, não podendo estender essa liberdade até ao ponto de cair no puro arbítrio.
Com efeito, nenhuma prova foi produzida em tribunal que permitisse concluir, de forma fundamentada e não arbitrária, que o arguido ora recorrente, praticou os crimes de que vinha acusado e pelo qual foi condenado numa pena única, em cúmulo jurídico, de 4 (quatro) anos e 10 (meses) de prisão suspensa na sua execução por igual período sujeita a condições e ao pagamento de uma indemnização.
Na verdade, pelos motivos que já alegamos aquando da impugnação da matéria de facto dada como provada, o Tribunal a quo retirou conclusões que, em nosso entender e salvo o devido e merecido respeito por opinião contrária, são manifestamente abusivas e subjetivas.
Por outro lado, o Tribunal a quo, ao assim proceder, violou ainda, de forma cremos que clamorosa, o princípio constitucional “in dúbio pró reo”.
De facto, o Acórdão recorrido, para dar como provados os factos aqui em crise, cingiu-se a presumir a culpabilidade do arguido, porem, tal presunção está constitucionalmente vedada ao Tribunal!! Na verdade o Tribunal a quo, em face da falta de prova competente contra o arguido, poderia (e deveria) presumir apenas um facto – a sua inocência!
Assim foi aviltado, por aquele Tribunal, o princípio in dúbio pró reo.
Sem prescindir ou de alguma forma conceder no que toca à absolvição do arguido ora recorrente, segue-se para os demais vícios da Sentença recorrida.
c) Violação da alínea a) do n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal Por outro lado e como resultado do exposto na alínea anterior, a sentença recorrida incorre no vício de insuficiência da matéria de facto.
“Ocorre este vício quando, da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se formular um juízo seguro de condenação ou absolvição.” (cfr. M. Simas Santos, M. Leal-Henriques – Código de Processo Penal anotado, II volume, 2ª Edição, p. 737).
Assim, torna-se evidente que o douto Acórdão recorrido enferma do vício de insuficiência para a decisão da matéria provada, pelo que, caso V.as. Ex.as considerem não ser possível decidir da causa, nos termos do artigo 426º, do Código de Processo Penal, sempre deverá o processo ser reenviado para novo julgamento, com todas as devidas e legais consequências.
d) Violação do art. 231º do C.P. e inexistência da obrigação de indemnizar
Face ao supra alegado, não está demonstrada a violência física, verbal e sexual de que o arguido vem acusado. Não está preenchido, por isso, o tipo legal de crime de violência doméstica agravado p.p. pelo artigo 152.º, n.º 1, als. a) e c) e n.º 2 al. a) do CP e crime de violação agravada, p.p. pelo artigo 164.º, n.º 2, al. a) e 177.º, n.º 1 al. b), do CP.
E, logo, por ausência da prática de facto criminoso, não recai sobre o recorrente a obrigação de indemnizar a assistente.

Impugna-se a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 412º, n.os 3 e 4, do Código de Processo Penal, já que foi incorretamente julgada a factualidade mencionada nos pontos 4, 6, 9, 10, 13 a 19 supra, dada como provada pelo acórdão recorrido, e por várias ordens de razões:
A. Das declarações do arguido não é possível extrair nenhum elemento de prova;
B. A assistente é a única com razão de ciência direta sobre a toda a factualidade em causa;
C. A filha CC nunca assistiu a episódios de violência sexual ou física;
D. CC confirma que o arguido, seu pai, bebia álcool, mas quando ficava alcoolizado não tinha comportamentos agressivos nem violentos, até pelo contrário;
E. Não conseguiu a assistente concretizar no lugar e tempo as agressões físicas, verbais e sexuais que acusa o arguido, sendo que depois do ano de 2013 este só estava em Portugal no verão e no natal.
F. Não foram juntas aos autos provas que corroborassem o alegado pela assistente, seja relatório médico, imagens, vídeo ou gravação áudio.
G. As testemunhas apenas têm conhecimento dos factos porque a assistente lhes contava;
H. É muito pouco crível que DD ouvisse via chamada telefónica os episódios de violação durante anos sem nunca ter guardado consigo nenhuma prova, apresentado queixa ou até mesmo comentado com a esposa EE.
I. DD não foi capaz de concretizar no tempo durante quantos anos é que escutou os episódios de violência sexual via telefone, sendo que importa relembrar que o arguido só vinha a Portugal duas vezes por ano.
J. CC não se apercebeu de nada na noite de natal.
K. O ministério público concluiu no seu despacho de arquivamento que não se encontravam reunidos elementos de prova suficientes que permitissem acusar o arguido da prática de crimes de violação, agravados, previstos e punidos pelos artigos 164.º, n.º 1, al. a) e 3 e 177.º, n.º 1, al. b) do Código Penal devido ao facto da ofendida não ter recorrido a assistência médica, a filha apenas ter um conhecimento genérico e indireto dos factos, a testemunha DD desconhecer a dinâmica dos mesmos e a própria vítima não lograr descrever as condutas.
L. A forma como o Tribunal a quo apreciou as provas disponíveis revela uma clara violação do artigo 127º do Código de Processo Penal. Extraiu conclusões que plasmou na matéria de facto provada que não tem assento razoável, nem lógico, na prova efetivamente produzida.
M. O princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do Código de Processo Penal, não liberta o julgador das provas que se produziram nos autos, ou da sua falta, sendo com base nelas que terá de decidir, circunscrevendo-se a sua liberdade à livre apreciação dessas mesmas provas dentro dos parâmetros legais, não podendo estender essa liberdade até ao ponto de cair no puro arbítrio.
N. Com efeito, nenhuma prova foi produzida em tribunal que permitisse concluir, de forma fundamentada e não arbitrária, que o arguido ora recorrente, praticou os crimes de que vinha acusado e pelo qual foi condenado a pena única, em cúmulo jurídico, de 4 (quatro) anos e 10 (meses) de prisão suspensa na sua execução por igual período e sujeita a condições e ainda no pagamento da quantia de 2.500,00€ à assistente.
O. O acórdão recorrido violou outrossim o princípio constitucional in dúbio pró reo.
P. Simultaneamente, julgamos que a Sentença recorrida viola a alínea a) do n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, padecendo do vício de insuficiência da matéria de facto, já que, da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se formular um juízo seguro de condenação ou absolvição.
Destarte, caso V.as. Ex.as considerem não ser possível decidir da causa, nos termos do artigo 426º, do Código de Processo Penal, sempre deverá o processo ser reenviado para novo julgamento, com todas as devidas e legais consequências.
Q. Concomitantemente, foi violado, ainda, o art. 152º/1 al. a) e c) e n.º 2, alínea a), 4 e 5 do C.P. e 164º/2 al. a) e 177º/1 al. b) uma vez que não está demonstrado que o arguido:
• infligia maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedia o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns à assistente, bem como
• constrangeu a assistente, por meio de violência, a praticar, consigo cópula.
Não estão preenchidos, por isso, os tipos legais de crime de violência doméstica agravado e de crime de violação agravada, previstos nos mencionados normativos, impondo-se, igualmente por esta via, a absolvição do arguido.
R. E, logo, por ausência da prática de facto criminoso, não recai sobre o recorrente a obrigação de indemnizar a assistente, sendo igualmente certo que como acima se alegou, também não estão demonstrados os restantes pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
Tudo visto, deverá o arguido ser absolvido da prática dos crimes que lhe são imputados, impondo-se assim decisão diversa da proferida quantos aos pontos impugnados por não existir suporte probatório suficiente que autorize a dá-los como provados, procedendo-se a decisão jurídica em conformidade.
Sem prescindir e caso assim não se entenda,
Pugnamos ainda que a Sentença recorrida viola o artigo 40º do Código Penal, pois em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que deve ser respeitado o princípio da proporcionalidade face à gravidade do facto e à perigosidade do agente.
Face ao que vai alegado, a pena fixada é manifestamente excessiva, pelo que sempre deveria o Tribunal optar por reduzir a pena de prisão aplicada para um quantum junto do seu limite mínimo, com o que se assegurarão as finalidades da punição.
Termos em que,
Deve o presente Recurso ser considerado provido nos termos enunciados nas conclusões, como é de direito e justiça
*
O MP em primeira instância respondeu ao recurso, referindo em síntese:
I – Do objecto do recurso Nos presentes autos foi AA – recorrente – condenado pela prática, como autor material, de um crime de violência doméstica agravado e de um crime de violação agravada na pena única de 4 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução e sujeita às regras de conduta mencionadas no douto acórdão (para onde se remete, para todos os devidos e legais efeitos). Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso, alegando, em síntese:
a) A matéria de facto foi incorrectamente julgada, designadamente, nos pontos 4, 6, 9, 10 e 13 a 19, já que apenas a assistente falou em tais factos, sendo que, ainda assim, não logrou concretizar no tempo e lugar as agressões físicas, verbais e sexuais do arguido; inexistem relatórios médicos, imagens, vídeo ou gravação áudio;
b) É pouco crível que a testemunha DD ouvisse por telefone os episódios de violação sem ter guardado consigo provas ou apresentado queixa ou até mesmo comentado com a sua esposa;
c) Foi violado o princípio in dubio pro reo, assim como o disposto no artigo 127º, do CPP;
d) Ocorreu o vício a que alude o artigo 410º, n.º2, alínea a), do CPP, pois que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para formular um juízo de condenação ou absolvição;
e) Foi violado o disposto nos artigos 152º, 164º, n.º2, alínea a) e 177º, n.º1, alínea b), todos do Código Penal;
f) Caso assim não se entenda, sempre se deverá considerar que a pena aplicada é excessiva, devendo ser fixada no seu limite mínimo. Conclui, alegando que a decisão recorrida deverá ser substituída por outra que absolva o arguido da prática dos crimes de que vinha acusado, ou, pelo menos, reduzida a pena concretamente aplicada.
II - Dos factos dados por demonstrados Foram dados por provados, e ao que ora importa, os seguintes factos: “…”
III – Do reexame da matéria de facto dada como provada
3.1 Da livre apreciação da prova Das alegações apresentadas pelo recorrente decorre a discordância por si manifestada relativamente ao resultado interpretativo da prova produzida em julgamento pelo Tribunal a quo, mormente quanto aos pontos dados como provados sob os números 4, 6, 9, 10 e 13 a 19. Com efeito, alega o recorrente que a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento não é suficiente para que se pudessem ter dado como provados os factos que o foram, não se encontrando ainda justificação para tal na fundamentação aduzida pelo Tribunal. E defende tal argumento, com base no facto de aquele ter negado a prática dos factos e de a assistente ter apresentado a sua versão dos factos, sendo que as demais declarações prestadas em audiência respeitam a pessoas que nada presenciaram e que apenas sabem o que a assistente lhes relatava. Mais refere que nenhum relatório médico ou gravação vídeo ou áudio foi junta aos autos que corrobore a versão da assistente. Acrescenta ainda que o M.P. proferiu despacho de arquivamento quanto ao crime de violação agravado, sendo que veio agora o arguido a ser condenado por ele, com base nas declarações prestadas. Ora, a verdade é que não demonstra aquele, como a lei lhe impõe, que passagens de determinados depoimentos impõem que seja dada uma resposta diversa à questão de facto; se é verdade que as transcreve e cita em parte, o facto é que o faz apenas para criticar a credibilidade atribuída pelo Tribunal recorrido à assistente e testemunhas. Ao impugnar a decisão da matéria de facto, o recorrente não discorda do conteúdo que o Tribunal a quo atribui ao depoimento das testemunhas, limitando-se a dissentir da credibilidade que lhes concede. Com efeito, o recorrente sustenta que o Tribunal a quo deveria ter dado credibilidade às declarações do arguido e não às declarações da assistente, já que não foram corroboradas por nenhum outro elemento de prova, atendendo a que as testemunhas a nada assistiram. Desde já se adianta que se entende que o recurso não merece provimento.
Vejamos sinteticamente porquê. “A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade"
1: "O juiz lança-se à procura do "realmente acontecido" conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objecto impõe à sua tentativa de o "agarrar". E, por isso, é que, "nos casos [como este] em que as regras da experiência, a razoabilidade (…) e a liberdade de apreciação da prova convencerem da verdade da acusação (…), não há lugar à intervenção da "contraface (de que a "face" é a "livre convicção") da intenção de imprimir à prova a marca da razoabilidade ou da racionalidade objectiva" que é o in dubio pro reo (cuja pertinência "partiria da dúvida, suporia a dúvida e se destinaria a permitir uma decisão judicial que visse ameaçada a sua concretização por carência de uma firme certeza do julgador)". O processo probatório, a prova, consiste em verificar cada um dos enunciados factuais pertinentes para a apreciação e decisão da causa, estando o Tribunal munido, para essa tarefa de uma racionalidade própria, uma racionalidade razoável. Daí que não é “qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido”, mas apenas a chamada dúvida razoável. “Pedir uma certeza absoluta para orientar a actuação seria, por conseguinte, o mesmo que exigir o impossível e, em termos práticos, paralisar as decisões morais”. Enfim, “a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal” (ibidem). Ora, o Tribunal a quo não ficou em qualquer estado de dúvida. Mas, já o dissemos, o dissentimento do recorrente situa-se no domínio da credibilidade dada pelo Tribunal ao depoimento da assistente e das testemunhas, matéria de muito difícil avaliação, designadamente em fase do recurso, como esta. A opção entre dois depoimentos contrapostos é, em princípio, uma decisão do juiz do julgamento; uma decisão pessoal possibilitada pela sua actividade cognitiva, mas também por elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais. Refere Figueiredo Dias (In Direito Processual Penal, I, 1974, p. 204) que a decisão do Tribunal há-de ser sempre uma “convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais”. O tribunal de recurso apenas pode controlar e sindicar a razoabilidade da sua opção, o bom uso ou o abuso do princípio da livre convicção, com base na motivação da sua escolha.
2. Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, as suas reacções imediatas, o sentido dado à palavra e à frase, o contexto em que é prestado o depoimento, o ambiente gerado em torno da testemunha, o modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo contribuindo para a formação da convicção do julgador. Não significa isto, no entanto, que não haja limites à discricionariedade do julgador, pois o art. 127.º, do Código de Processo Penal indica, desde logo, um limite: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova. 2 Cf. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-9, pág. 140 e ss. 158-9.
Não é, pois, decisivo para se concluir pela realidade da acusação movida a um qualquer arguido, que haja provas directas e cabais do seu envolvimento nos factos. Condição necessária, mas também suficiente é que os factos demonstrados pelas provas produzidas, na sua globalidade, inculquem a certeza relativa, dentro do que é lógico e normal, de que as coisas sucederam como a acusação as define. Por outro lado, o tribunal de recurso só pode modificar a convicção do julgador quando a mesma violar os seus momentos estritamente vinculados ou então quando afronte, de forma manifesta, as regras da experiência comum. O Supremo Tribunal de Justiça, não afastando totalmente a sindicabilidade da credibilidade atribuída aos depoimentos, afirma: «(1) - A obrigatoriedade da indicação na sentença de provas que serviram para o Tribunal formar a convicção tem por fim e por justificação habilitar o Tribunal ad quem a averiguar se as provas a que o Tribunal a quo atendeu são, ou não, permitidas por lei e garantir que os julgadores seguiram um processo lógico e racional na apreciação da prova, não resultando uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou claramente violadora das regras da experiência comum. (2) - Para que tal sindicância seja possível é imprescindível que se especifiquem não só os meios concretos de prova, mas também as razões da credibilidade ou da força decisiva reconhecida a esses meios de prova, com expressa menção da razão de ciência das testemunhas, nomeadamente para controlo dos chamados depoimentos indirectos, vozes públicas e convicções pessoais.» (AcSTJ de 02/12/1998, Processo nº 714/98). O juiz deve, pois, ter uma atitude crítica de “avaliação da credibilidade do depoimento” não sendo uma mera caixa receptora de tudo o que a testemunha (ou também o arguido) disser, sem indicar razão de ciência do seu pretenso saber. E, para se impugnar essa credibilidade, não basta procurar substituir a visão do Tribunal recorrido pela visão subjectiva de quem recorre, tornando-se necessário demonstrar que foram, então e aí, violadas as regras de experiência e a lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, objectivando as razões da discordância. Ora, e voltando ao caso sub judice, refere-se expressamente na douta decisão qual a prova em que a convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, se alicerçou, quer quanto à prova testemunhal, quer quanto à prova documental. E também ali se refere a prova apresentada em audiência pelo recorrente, qual o seu teor, tendo-se explicado cabal e convincentemente as razões pelas quais o Tribunal se acreditou na versão dos factos trazida a juízo pela assistente - conjugada com as declarações de CC, filha do casal, DD e EE, (casal de amigos da assistente), na medida em que, pese embora a nada tenham assistido, foram confirmado alguns dos factos descritos pela assistente, dando-lhe, assim, credibilidade – designadamente, a filha, que se recorda de alguns insultos proferidos pelo pai quando em Portugal e da testemunha DD, que presenciou uma situação de uma bofetada do recorrente na assistente, tendo ainda ouvido alguns episódios em que a ofendida lhe ligava durante a noite e deixava o telemóvel ligado, apercebendo-se que o arguido a estaria a forçar a manter relacionamento sexual. Ou seja, a decisão recorrida elucida sobre as razões que moveram o Tribunal ao dar credibilidade a uma versão dos factos em detrimento da outra. E fá-lo de forma congruente e lógica, sublinhando-se que as declarações da assistente foram corroboradas pelas declarações das demais testemunhas - o que afasta o espectro da arbitrariedade que poderia fundar uma impugnação e a que o recorrente se reporta nas suas alegações de recurso. É oportuno lembrar, a este propósito, o seguinte aresto do Supremo Tribunal de Justiça: «10 - A garantia de legalidade da "livre convicção" a que alude o artigo 127.º do CPP, terá de bastar-se com a necessária explicitação objectiva e motivada do processo da sua formação, de forma a ficar bem claro não só o acervo probatório em que assentou essa convicção, possibilitando a partir daí o necessário controlo da sua legalidade, como também o processo lógico que a partir dele o tribunal desenvolveu para chegar onde chegou, nomeadamente da valoração efectuada, enfim, da razão de ser do crédito ou descrédito dado a este ou àquele meio de prova. 11 - Esta forma de interpretar e aplicar o princípio da livre convicção, porque arredando a possibilidade de arbítrio, permite um mínimo de controlo - porventura o possível - sobre o processo de formação da convicção do tribunal, pelo que não fere o texto constitucional, mormente o princípio de presunção de inocência com assento no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição. 12 - O princípio da livre apreciação - que contém sempre uma certa margem de intervenção pessoal do juiz - essa garantia de legalidade terá de bastar-se com a necessária explicitação objectiva e motivada do processo de formação da convicção, de forma a ficar claro não só o acervo probatório em que assentou essa convicção (possibilitando a partir daí o necessário controle da sua legalidade), como também o processo lógico que a partir dele o tribunal E quando se trata de usar as regras da experiência e da vida, obviamente que tal uso se tem de haver como pressuposto de todo e qualquer julgamento de um homem por outro ou outros, pelo que seria, no mínimo, excessivo, exigir a torto e a direito, menção expressa feita de tal uso, a explicar que o tribunal tenha dado por provados factos a que porventura ninguém tenha assistido (AcSTJ de 11/11/2004, proc. n.º 3182/04-5).» O recorrente refere, entretanto, que é pouco crível que a assistente durante mais de 10 anos não tenha apresentado uma queixa no médico, dando conta de eventuais agressões por parte do arguido. Com todo o devido respeito, tal acontece regularmente, infelizmente. Por vergonha, receio, … E só o faz, quando decide finalmente separar-se. Entendemos, pois, que andou bem o Tribunal ao valorar as suas declarações, tal como o fez. Por outro lado, refira-se que o Ministério Público não arquivou os autos na parte em que se imputava ao recorrente um crime de violação (agravado); aliás, basta atentar na acusação proferida e constante dos autos. Fê-lo, isso sim, relativamente a outros episódios que não o descrito na acusação. E, em julgamento, tal também não foi apreciado. Assim, e sendo notório e evidente que a prova produzida em audiência de discussão e julgada foi bem apreciada e conjugada à luz das regras da experiência comum, devidamente cotejada com os relatos ali produzidos, entendemos que nenhum reparo se nos merece a factualidade considerada demonstrada na douta decisão recorrida. Não há, na verdade, pelo menos no nosso modesto entendimento, qualquer dúvida relativamente ao perpetrar, ou não, das agressões descritas nos factos dados por provados. Como também não houve para o Tribunal a quo - razão pela qual vieram a ser dados os factos como provados supra referidos.
3.2 Da violação do princípio in dubio pro reo
Continua o recorrente, alegando que deveria, pelo menos, ter-se aplicado o supra referido princípio. Ora, a verdade é que o Tribunal, consoante se referiu supra, não ficou em qualquer estado de dúvida. Com efeito, o mencionado princípio in dubio pro reo pressupõe uma dúvida, dúvida essa insanável e que se não consegue, de todo, transpor. Ou seja, não é “qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável ao arguido”, mas apenas a chamada dúvida razoável. Dito de outro modo, “a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal”. O facto é que não subsistiu qualquer dúvida ao Tribunal a quo, pois que o Tribunal a quo percebeu perfeitamente o que sucedeu in casu, e o modo como sucedeu. E explicou conveniente e proficuamente o modo como formou a sua convicção.
3.3 Do vício a que alude o artigo 410º, n.º2, alínea a), do CPP Continua o recorrente, referindo que a decisão recorrida padece do vício supra referido. Também por aqui entendemos que lhe não assiste razão. Antes de mais, sempre se diga que, apesar de o alegar, o arguido não refere em que momento tal vício ocorre. Todavia, sempre entendemos que o mesmo não ocorreu. Senão, vejamos. A alínea a), do n.º 2, do art. 410.º, do CPP contempla como vício, que pode fundamentar o recurso mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, desde que resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. O que é coisa bem diferente da insuficiência da prova para se ter dado como provada determinada matéria de facto. O vício invocado nominalmente pelo recorrente (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada) ocorre quando, da factualidade vertida na decisão em recurso, se colhe que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição. O que significa que a insuficiência a que alude a al. a), do n.º 2, do art. 410.º do CPP decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão; daí que aquela alínea se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova (art. 127.º). Ora, percorrida a douta decisão proferida, não se vislumbra, com todo o devido respeito por opinião divergente, como possa dizer-se que existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. O recorrente não concorda é com a leitura que o Tribunal fez da prova produzida, que não corresponde à sua; mas isso é algo completamente diverso do vício invocado.
IV – Da pena aplicada ao arguido
Continua ainda o arguido, alegando que, caso assim não se entenda, sempre se deverá considerar que a pena aplicada é desproporcional e excessiva. Antes de mais, sempre se refira que não descortinamos se o recorrente considera excessivas as penas parcelares ou a pena única, já que o não refere. Mas, seja como for, sempre não merecerá provimento o recurso interposto. Com efeito, depois de aferir da verificação dos elementos típicos do crime, ao Tribunal compete encontrar a moldura penal abstracta aplicável ao tipo de ilícito e, posteriormente, proceder à determinação da medida concreta da pena, devendo atender-se às finalidades da punição, previstas no artigo 40º, n.º 1 do Código Penal, levando-se em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, nos termos do preceituado no artigo 71º, n.º 2, do mesmo diploma. A determinação definitiva da pena é alcançada pelo juiz da causa através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira, o juiz investiga e determina a moldura penal aplicável ao caso; na segunda, investiga e determina, dentro daquela moldura penal, a medida concreta da pena que vai aplicar; na terceira, o juiz escolhe a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida (cfr., neste sentido, 12 de 16 Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 198). De facto, dispõe o artigo 40º, do Código Penal que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente e, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Deve entender-se pois que, tanto quanto for possível, sem prejuízo da prevenção especial positiva e sempre com o limite imposto pelo princípio da culpa - sine poena sine culpa – a função primordial da pena consiste na protecção dos bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos. A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam a exigências de carácter preventivo que se façam sentir. A prevenção especial positiva, porém, subordinada que está à finalidade principal de protecção dos bens jurídicos, já não tem a virtualidade para determinar o limite mínimo; este logicamente, não pode ser outro que não o mínimo da pena que, em concreto, ainda realiza eficazmente aquela protecção. Assim, se por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, esta nunca pode ultrapassar a medida da culpa, então, parece evidente que – dentro, claro está, da moldura penal – a moldura penal aplicável ao caso concreto há-se definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites, encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social (cfr., Ac. do S.T.J. de 09.12.1998, consultado no site www.dgsi.pt). Na operação de determinação da medida concreta da pena, o tribunal deverá atender, entre outras coisas, ao grau de ilicitude, às consequências do crime, à intensidade do dolo, às condições pessoais do agente, à sua situação económica e à existência de antecedentes criminais, cfr. artigo 71º, n.º 1, do Código Penal. Ora, e consoante expressamente se refere no douto Acórdão, as exigências de prevenção geral são significativas, atenta a frequência com que estes tipos legais de crimes são cometidos, quer por todo o país, quer na área desta comarca e, ainda, tendo em consideração a insegurança que geram para a intimidade e vida privada de todos; depois, o grau de ilicitude é bastante elevado, atenta a forma como o arguido actuou; acresce que o dolo é directo. A comunidade tem que sentir que comportamentos como o do arguido não são toleráveis e que o Ordenamento Jurídico responde em conformidade, assegurando as expectativas comunitárias. Considerando todos estes elementos, facilmente se conclui serem muito prementes e elevadas as necessidades de prevenção geral. Como se colhe do douto acórdão recorrido, que bem valorou os critérios plasmados no citado artigo 71º, n.ºs 1 e 2, dispôs contra o arguido a elevada ilicitude, a intensidade do dolo que se mostrou directo e as significativas exigências de prevenção geral. Sendo assim, atendendo à culpa do agente, às exigências de prevenção, ao grau de ilicitude, à gravidade das consequências da sua conduta e às demais circunstâncias previstas no artigo 71º do C.P., mas não sendo alheia a ausência de antecedentes criminais do arguido e o facto se encontrarem já separados, estando inclusive o arguido a residir fora de Portugal, o Tribunal a quo considerou que a medida concreta da pena parcelar pela prática do crime de violência doméstica agravado se deveria fixar em 2 anos e 2 meses de prisão e o crime de violação agravada na pena de 4 anos e 3 meses de prisão – e na pena única de 4 anos e 10 meses de prisão – suspensa na sua execução.
Consideramos, pois, que o tribunal a quo valorou devidamente os critérios estabelecidos no artigo 71º, do Código Penal, fixando as penas parcelares de forma adequada e ajustada às exigências de prevenção, à culpa e às demais circunstâncias previstas nesse preceito legal, não sendo, de todo, excessiva a medida das penas encontradas. Também a pena única fixada, atenta a moldura penal abstracta do cúmulo jurídico a efectuar, atentos os critérios estabelecidos no artigo 77º, do Código Penal, não é de todo excessiva – sendo antes a adequada e proporcional, quer à personalidade do agente, quer às circunstâncias fácticas. Por todas as razões já expostas, consideramos, que não houve qualquer erro na apreciação da prova e na valoração da prova produzida em juízo, por parte do Tribunal a quo, pois que as declarações das testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento, corroboradas e analisadas à luz das regras da experiência comum a outra conclusão não podiam levar, que não fosse os factos dados como provados do modo em que o foram, nenhuma violação do artigo 127º do CPP e dos artigos 152º e 164º, ambos do Código Penal tendo ocorrido, pelo que nenhuma censura nos merece a douta decisão proferida. V – CONCLUSÕES
1 – AA foi condenado pela prática dos crimes de violação agravada e violência doméstica agravada na pena única de 4 anos e 10 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova;
2- A decisão proferida, contrariamente ao veiculado pelo recorrente, é a única que se coaduna com a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, mormente, com as declarações da assistente, da filha do casal e das demais testemunhas inquiridas;
3 – Nenhuma violação do princípio in dubio pro reo ocorreu, porquanto o Tribunal a quo não ficou em qualquer estado de dúvida, tendo explicitado cabal e proficuamente por que razão se acreditou na versão dos factos trazida aos autos pela assistente, corroborada pelos demais elementos de prova.
4 – A pena única aplicada é a adequada e proporcional, atentos os factos dados como demonstrados, cotejados com as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir, tendo sempre presente a culpa do agente.
Entendemos, na verdade, e em suma, que nenhuma alteração ou revogação do douto acórdão proferido deverá ser efectuada, pelo que, negando-se provimento ao recurso do arguido e confirmando-se a sapiente decisão ora posta em crise, farão V. Exas. JUSTIÇA.
*
Neste tribunal de recurso o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder, mantendo-se o acórdão recorrido proferido pelo Tribunal a quo.
*
Cumprido o preceituado no artigo 417º número 2 do Código Processo Penal, nada mais foi acrescentado de relevante.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta ao conhecimento do mérito.
*
II. Objeto do recurso e sua apreciação.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP.

É assim composto:
- a arguição dos vícios da decisão previstos no artº. 410º nº 2 do CPP, concretamente insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, al. a);
- impugnação da matéria de facto;
- in dúbio pro reo;
- pretende a redução da pena para o limite mínimo.
*
Do enquadramento dos factos.

O Ministério Público acusou, para julgamento em processo comum colectivo,
AA, filho de GG e de HH, nascido na freguesia ..., município de Oliveira de Azeméis, a 23 de dezembro de 1967, de nacionalidade portuguesa, casado, pedreiro, residente, quando em Portugal, na Rua ..., Lugar ..., ..., Oliveira de Azeméis e quando em trabalho, na Rua ... ..., França pela prática, em autoria material e concurso efectivo, de:
- 1 (um) crime de violência doméstica agravada, p.p. no artigo 152.º n.º 1 alínea a) e c) e n.º 2, alínea a), 4 e 5 do Código Penal;
e - 1 (um) crime de violação agravada, p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 164.º, n.º 2, al. a) e 177.º, n.º 1, al. b), ambos do Código Penal.
* O Ministério Público requereu ainda, ao abrigo das disposições conjugadas dos n.ºs 1 e 2 do artigo 21.º da Lei nº 112/2009, de 16 de setembro e artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, que seja atribuída à vítima uma indemnização a ser paga pelo arguido.
* O arguido apresentou contestação escrita, no âmbito da qual: - impugna, in totum, os factos que lhe são imputados; - sustenta que os factos constantes dos §§ 5.º a 14.º da acusação não podem ser valorados, “uma vez que o MP determinou «o arquivamento do inquérito (…) por insuficiência de indícios e ainda por inadmissibilidade legal do procedimento criminal quanto aos factos anteriores a 21.06.2020»”;
- requer a apensação ao presente processo o processo n.º 80/22.8T9OAZ, que corre termos no Juízo Local Criminal do Tribunal de Oliveira de Azeméis.
* Realizou-se audiência de julgamento com observância do formalismo legal
****** II - Saneamento
i) Da sustentada inadmissibilidade do julgamento pelos factos descritos nos §§ 5.º a 14.º da acusação: Como decorre da leitura da contestação, o arguido invoca a inadmissibilidade da apreciação dos factos descritos no §§ 5.º a 14.º da acusação porquanto, no despacho de arquivamento proferido imediatamente antes da prolação da acusação, o Ministério Público determinou “o arquivamento do inquérito nos termos do artigo 277.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Penal, por insuficiência de indícios e ainda por inadmissibilidade legal do procedimento criminal quanto aos factos anteriores a 21.06.2020”. Ora, sendo certo que esta frase, se lida isoladamente, poderia inculcar a percepção de que o Ministério Público teria determinado o arquivamento do inquérito por todos os factos anteriores a 21/06/2020, a realidade é que, lendo-se o despacho de arquivamento na íntegra, com um módico de atenção logo se chega à evidente conclusão de que o que foi aí determinado foi, apenas e tão só, o arquivamento dos autos relativamente aos factos anteriores àquela data que eram susceptíveis de integrar a prática, pelo arguido, de outros crimes de violação sobre a assistente. Na verdade, esta conclusão fica desde logo clara mediante a leitura dos dois primeiros parágrafos do despacho de arquivamento no âmbito dos quais, o Ministério Público, dizendo ao que vem (delimitando, no fundo, o objecto do arquivamento), escreve expressamente: “Para além dos factos infra descritos, a ofendida BB queixa-se contra o seu marido AA entre junho de 2018 e março de 2021, ocorreram vários episódios em que foi maltratada e abusada sexualmente por parte do seu marido. Tais factos são suscetíveis de integrar um número indeterminado de crimes de violação, agravados, previstos e punidos pelos artigos 164.º, n.º 1, al. a) e 3 e 177.º, n.º 1, al. b) do Código Penal.” Assim e porque os factos descritos nos §§ 5.º a 14.º da acusação nada têm que ver com os factos susceptíveis de integrar a prática de crimes de violação relativamente aos quais foi, efectivamente, determinado o arquivamento dos autos, é evidente que nada impede o seu julgamento nos presentes autos. Improcede, por conseguinte, a excepção suscitada pelo arguido.
* ii) Da apensação de processos
Escorando-se no disposto no art. 24.º, n.º 1, al. d) do CPP o arguido veio ainda requer apensação aos presentes autos do processo n.º 80/22.8T9OAZ, que corre termos no Juízo Local Criminal do Tribunal de Oliveira de Azeméis. Trata-se, segundo alega, de um processo em que apresentou queixa crime contra a assistente por difamação e no âmbito do qual já terá deduzido acusação particular. Não lhe assiste, contudo, qualquer razão. Em primeiro lugar, porque o caso não integra manifestamente a estatuição da al. d) do n.º 1 do art. 24.º que nos diz que “Há conexão de processos quando: d) Vários agentes tiverem cometido diversos crimes em comparticipação, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros”. Em segundo lugar, na medida em que o facto de o arguido, alegadamente, já ter deduzido acusação particular no âmbito do aludido processo não significa, necessariamente, que o mesmo já esteja na fase de julgamento como os presentes autos, considerada, desde logo a possibilidade de aí vir a ser requerida a abertura de instrução. Ou seja, não se demonstra verificado o requisito exigido no n.º 2 do preceito em causa que só admite a conexão “relativamente aos processos que se encontrarem simultaneamente na fase de inquérito, de instrução ou de julgamento”. Indefere-se, portanto, a requerida apensação.
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Mantêm-se válidos os pressupostos processuais, nada existindo que obste à apreciação do mérito da questão.
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III – Fundamentação
A) De facto
i) Factos provados
1.º O arguido foi casado com a ofendida BB de 11 de julho de 1992 a 15 de setembro de 2021, tendo fixado residência inicialmente na residência dos pais da ofendida, na Praceta ..., ..., Oliveira de Azeméis e, posteriormente, na Rua ..., 3.º esquerdo, ..., Oliveira de Azeméis.
2.º De tal relacionamento nasceu CC, no dia .../.../1995.
3.º O arguido tem atividade profissional de pedreiro que exerce em França, estando em Portugal nos períodos de férias e épocas festivas.
4.º O arguido consumia álcool em demasia com alguma frequência, o que potenciava discussões entre o casal.
5.º Em data concretamente não apurada do ano de 2011, quando o casal ainda residia na Praceta ..., ..., Oliveira de Azeméis, a ofendida confrontou o arguido com o facto de este ter tido uma relação extraconjugal e exigiu-lhe abandonasse a dita residência, o que este fez.
6.º Na sequência dessa actuação da ofendida, arguido disse-lhe: “Tu és uma merda!”, “Não vales nada!”, “É tudo mentira!”, “Só te acreditas nos outros e não em mim!”, “És uma vaca!”, “Tu é que já me puseste os cornos!”.
7.º Passados cerca de três meses da separação, o casal reatou a relação conjugal tendo passado a viver na Rua ..., 3.º esquerdo, ..., Oliveira de Azeméis, para onde a ofendida se havia, entretanto, mudado.
8.º Durante o período em que o casal esteve separado, em datas não concretamente apuradas, o arguido disse à ofendida, por telemóvel, que se esta o deixasse, não seria dele mas também não seria de mais ninguém e, bem assim, se o fizesse metia uma bomba dentro do carro e a matava a ela e à sua filha.
9.º Também em data não concretamente apurada do período de separação, no prédio sito na Rua ..., esquerdo, ..., Oliveira de Azeméis, o arguido atingiu a ofendida com uma bofetada na face, provocando-lhe dores e vermelhão na zona atingida.
10.º Desde que reataram a relação conjugal, nos períodos em que se encontrava em Portugal, pelo menos uma vez por semana, na residência do casal, por vezes perante a filha do casal e, sobretudo, quando se encontrava mais alcoolizado, o arguido disse à ofendida as expressões referidas e outras como “Tu não queres fazer amor comigo porque tu tens outro!”, “Tu és uma vaca!”, “Tu não vales nada!”, “O que é que essa merda ainda está a fazer a dormir!”, “És uma mentirosa!”, “Tu nunca tens provas de nada!”, “Eu nunca te coloquei os cornos e tu a mim já!”.
11.º E data não concretamente apurada, mas próxima do mês de Maio de 2017, o arguido dirigiu-se ao local de trabalho da ofendida, no supermercado “A...”, em ..., Oliveira de Azeméis.
12.º A ofendida ao vê-lo, questionou-o sobre o que estava ali a fazer, tendo o arguido dito que lhe tinha vindo fazer uma surpresa.
13.º Cerca de uma semana depois, quando já tinha regressado a França, o arguido disse à ofendida, por telefone, que tinha ido ao seu local de trabalho de surpresa para ver se descobria quem era o seu amante, tendo-lhe ainda dito que ela era uma merda e que só mentia.
14.º Em data não concretamente apurada, mas próxima do Natal de 2020, na residência do casal, ao fim da noite, quando já se encontravam ambos na cama, o arguido disse à ofendida que queria manter trato sexual consigo, o que esta recusou.
15.º O arguido não acatou tal vontade e disse-lhe: “Tu não queres fazer amor comigo porque tens outro!”, “Tu és uma merda!”, “Tu não vales nada!”, “Tu és uma vaca!”.
16.º Como a ofendida se manteve irredutível, o arguido agarrou-a, virou-a de frente para ele, levantou-lhe a camisa de noite e, agarrando-a pelos braços, abriu-lhe as pernas à força e introduziu o seu pénis ereto na vagina da ofendida, com força, ejaculando no interior.
17.º De seguida a ofendida foi lavar-se e, após deitou-se, sem ter recorrido a assistência médica.
18.º A ofendida não reportou os factos ora descritos anteriormente porquanto tinha vergonha e temia a reação do arguido.
19.º Mercê dos comportamentos do arguido, a ofendida viveu num clima de medo, insegurança, fragilidade e humilhação.
20.º O arguido agiu nos termos descritos de forma consciente, livre e deliberada, bem sabendo que atingia a honra, consideração, saúde física e psíquica da ofendida e que lhe provocava medo, ansiedade e humilhação.
21.º O arguido agiu nos termos descritos nos §§ 14.º a 16.º, também de forma consciente, livre e deliberada sabendo que atuava contra a vontade da ofendida e aproveitando-se da circunstância de esta ser sua esposa e consigo residir.
22.º O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
* 23.º O arguido não tem antecedentes criminais.
24.º Regista um percurso profissional na construção civil/pedreiro que desenvolveu quer por contra própria quer por conta de outrem.
25.º Em 2013, na busca de melhores condições de vida, decidiu emigrar para França, onde se mantém, deslocando-se a Portugal, em regra, duas vezes por ano para gozo de férias.
26.º Trabalha desde então na empresa B..., que lhe disponibiliza alojamento e paga um vencimento mensal de 2.000 € mensais.
27.º Quando em Portugal, fica alojado no domicilio familiar materno/morada dos autos, onde reside a mãe de 88 anos, uma irmã e família nuclear desta.
28.º Reconhece em abstrato a ilicitude da natureza e a gravidade dos factos de que vem acusado, bem como a existência de vítimas e danos desta tipologia criminal.
** ii) Factos não provados
a) Na ocasião descrita nos §§ 1.º e 12.º dos factos provados, o arguido disse à ofendida “Vim ver se caço o teu amante!”, “Sua filha-da-puta!”, “Vaca!”, “Porca!”, “Nojenta!”, “Só queres dinheiro!” e agarrou-a pela roupa, na zona do peito, abanando-a e provocando-lhe dores.
* Nota: Não se respondeu à factualidade alegada na Contestação deduzida pelo arguido na medida em que a mesma apenas consubstancia uma impugnação motivada da factualidade que lhe é imputada na acusação, não integrando qualquer causa de exclusão/mitigação da ilicitude ou da culpa relativamente à mesma.
*** iii) Motivação.
O Tribunal Colectivo escorou a resposta dada à factualidade sujeita à sua apreciação na análise de toda a prova produzida na audiência de julgamento e constante dos autos, levada a cabo segundo as regras da lógica e da experiência comuns e no âmbito da livre convicção de cada um dos Juízes que o compõem – cf. art. 127.º do CPP.
No que concerne às datas de casamento, divórcio e nascimento da filha do casal – que, ademais, foram aceites pelo arguido e pela assistente nas declarações que prestaram – o Tribunal assentou a sua convicção na pesquisa de identificação civil e assentos de nascimento constantes de fls. 38-43. Já os factos relativos à inexistência de antecedentes criminais e ao percurso e condições de vida do arguido, a decisão do Tribunal escorou-se na análise do seu CRC actualizado, bem como no relatório para determinação da sanção elaborado pela DGRS, ambos juntos aos autos.
Por outro lado, a resposta de provado dada aos demais factos inclusos na respectiva rubrica assentou, sobretudo, nas declarações prestadas, pela ofendida/assistente BB, no decurso da audiência de julgamento que se revelaram, aos olhos do Tribunal, absolutamente sinceras e objectivas. Na verdade, apesar de se ter mostrado naturalmente nervosa, a assistente, única com razão de ciência directa sobre a toda a factualidade em causa, relatou-a de forma sofrida, suficientemente circunstanciada e congruente, com imparcialidade – pois até negou a ocorrência de factos, como julgado não provado na al.a) da respectiva rubrica, que seriam prejudiciais para o arguido – e referindo espontânea e convictamente determinados pormenores que conferiram veracidade ao seu relato, aliás, plenamente lógico e plausível do ponto de vista das regras da experiência comum. No mesmo sentido, ademais, valoraram-se os depoimentos sinceros, objectivos e imparciais das testemunhas CC (filha do casal) e DD e EE (casal de amigos da assistente) que ainda que sem conhecimento directo da maior parte da factualidade em causa, foram confirmando, aqui e ali, os factos relatados pela ofendida, assim credibilizando ainda mais as suas declarações. De salientar, a este nível, o depoimento da testemunha CC (filha do casal) que confirmou parte dos factos, designadamente os relativos aos insultos habitualmente proferidos pelo arguido, ao amesquinhamento da ofendida, ao desconforto e receio que sentiam quanto o arguido vinha de férias a Portugal, ao episódio da ameaça com bomba no carro, ao controlo que o arguido exercia sobre a ofendida, etc.. Com maior relevo, também, o depoimento da testemunha DD que confirmou o episódio da bofetada e relatou que várias vezes que a ofendida lhe ligava durante a noite e deixava o telemóvel ligado para que ele pudesse ouvir o arguido a forçá-la a terem relações sexuais, o que vem conferir credibilidade ao relato da ofendida.
Pelo contrário, as declarações prestadas pelo arguido na audiência de julgamento não convenceram minimamente o Tribunal, na medida em que o mesmo se limitou a negar de forma apócrifa, genérica e pouco convicta e convincente os factos que lhe eram imputados, não logrando sequer apresentar qualquer justificação lógica e plausível – que, ademais, também não divisamos qual pudesse ser, pois que a ofendida era livre para se divorciar, a filha do casal já era maior de idade e não parecem ter ocorrido dissídios relativamente à partilha dos bens do casal – para que a ofendida estivesse a inventar tudo isto contra si, o que claramente não nos pareceu ser o caso. Já no que concerne às testemunhas arroladas pela defesa, dizer apenas e de forma sucinta que os seus depoimentos não foram minimamente suficientes para colocar em causa a convicção do Tribunal alicerçada nos termos descritos supra, pois que revelaram a ausência de qualquer conhecimento directo dos factos, mostrando-se assentes em verdadeiras profissões de fé, pouco ou nada circunstanciadas. Por fim, a factualidade constante dos §§ 20.º a 22.º (pertinente à caracterização do tipo subjectivo dos ilícitos imputados) julgou-se provada por força da análise das condutas objectivamente desenvolvidas pelo arguido à luz das regras do bom senso e da experiência comum, no pressuposto – confirmado pelo Tribunal durante a sua inquirição – de que o mesmo é um homem racional, consciente, de mediana inteligência e, como tal, enquadrável no conhecido conceito do homem médio, capaz de agir de acordo com a sua vontade e de conhecer a ilicitude e as consequências das suas condutas para o bem estar da ofendida que sabia ser sua esposa. Pelo contrário, a resposta de não provado dada à factualidade assim julgada supra decorreu do facto da própria assistente ter negado a sua ocorrência nos termos que constavam da acusação.
***
B) De direito
i) Enquadramento jurídico-penal.
O arguido vem acusado da prática de:
- 1 (um) crime de violência doméstica agravada, p.p. no artigo 152.º n.º 1 alínea a) e c) e n.º 2, alínea a), 4 e 5 do Código Penal;
e - 1 (um) crime de violação agravada, p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 164.º, n.º 2, al. a) e 177.º, n.º 1, al. b), ambos do Código Penal. Analisemo-los individualmente.
* a) Comete o crime de violência doméstica agravada, concretamente imputado ao arguido e p.p. no art. 152.º, n.º 1, al. a) e c) e n.º 2 al. a) do CP com uma pena de 2 a 5 anos de prisão quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: a) a cônjuge ou ex-cônjuge; c) progenitor de descendente comum em 1.º grau; (n.º 2) na presença de menor ou no domicílio comum. A função deste tipo de ilícito é a de prevenir e reprimir as frequentes e, por vezes, subtis formas de violência no âmbito familiar, geradoras de graves repercussões, quer ao nível da saúde física, psicologia e da dignidade individual das respectivas vítimas, quer ao nível da integridade do núcleo familiar e, nessa medida, do próprio tecido social. Não obstante, a integração do preceito na sistemática do CP (Titulo I: Dos Crimes contra as pessoas e Capítulo III: Dos crimes contra a integridade física) logo indica que a criminalização desta conduta não radica, essencialmente, na intenção de proteger à sociedade conjugal/familiar, mas sim no desiderato de proteger a dignidade humana da vítima – nas vertentes da saúde física, psicológica e mental – punindo e, consequentemente prevenindo, todos comportamentos cruéis e degradantes que, até por acontecerem no âmbito de uma relação conjugal, onde deveriam imperar os deveres de respeito e de cooperação, são susceptíveis de a lesar de forma ainda mais contundente. As vítimas deste crime constituem, geralmente, o elemento mais vulnerável da relação que formam com o agente agressor por se encontrarem numa posição de subordinação perante aquele, seja por razões de doença, gravidez, dependência económica, ligação emocional, inferioridade física ou, inclusivamente, existência de filhos. Já a sua autonomização legal resultou, essencialmente, de uma dupla ordem de razões: por um lado, da percepção que a simples punição por via dos crimes de ofensas corporais simples ou de injúrias, deixa de fora comportamentos censuráveis usualmente verificados neste âmbito, não permitindo, ademais, uma análise global do comportamento do agressor; e, por outro lado, da consciencialização ético-social dos tempos recentes acerca da gravidade e da especificidade deste tipo de fenómenos de violência familiar/doméstica. Do ponto de vista da análise da estrutura do seu tipo objectivo, dir-se-á, desde logo, que se trata de um crime específico, uma vez que pressupõe que exista ou tenha existido uma relação conjugal entre o agente e a vítima. No que concerne à acção típica, propriamente dita, trata-se de um crime que podendo consumar-se com uma só conduta – que, no entanto, deverá de revestir uma gravidade tal que seja susceptível de traduzir a crueldade ou a insensibilidade por parte do agente em relação à vítima [art. 152.º, n.º 1 do CP: “de modo reiterado, ou não” e Ac. STJ de 14.11.97 CJ S V, T III, pág. 235] –, ocorre normalmente mediante a prática de uma pluralidade de condutas reiteradas no tempo que, sendo valoradas unificadamente, através do elemento da reiteração, consubstanciam a noção de maus tratos inserta no preceito. Neste sentido, trata-se do que na doutrina é designado por crime de realização repetida do tipo [cf., designadamente, HANS-HEINRICH, Tratado de Derecho Penal, Parte Geral, Volume II, Bosch, Casa Editorial, S.A., pp. 998-999; MANUEL CAVALEIRO DE FERREIRA, Lições de Direito Penal, Parte Geral, I, Editorial Verbo, 1992, pp. 546-547; Taipa de Carvalho, ob. cit. pág. 334; Teresa Beleza, Mulheres, Direito, Crime ou a Perplexidade de Cassandra, pág. 363, e em Maus-tratos..., pág. 19, 21; Maia Costa, TJ nºs 8 e 9 pág. 15-17; e o Ac. do Trib. da Rel. do Porto de 22.3.95 CJ XX T II pág. 227.]. Por isso mesmo, aliás, a sua execução persiste enquanto durarem os actos lesivos da dignidade humana da vítima no seio da relação típica entre o agente e a vítima – o que faz dele um crime de vinculação pessoal persistente (J. M. Tamarit Sumalla, in Comentários a la Parte Especial del Derecho Penal, 1996, p. 100). Já no que respeita ao tipo subjectivo do ilícito, trata-se de um crime doloso, podendo o dolo revestir qualquer das modalidades previstas no art.14º do C. Penal e resultando claro – afastada que foi a exigência de que o agente agisse por “malvadez ou egoísmo” que constava da redacção do art. 153º do C. Penal anterior às alterações introduzidas pelo DL nº 48/95 – que basta o dolo genérico. Por fim, nos termos da al. a) do n.º 2 do art. 152.º do CP – e no que interessa ao caso dos autos – o crime de violência doméstica será agravado, passando a moldura penal a ser de 2 a 5 anos de prisão, se o agente praticar os factos que o integram na presença de menor ou no domicílio comum com a vítima. Ora, respigando a matéria de facto assente sobre este enquadramento jurídico, facilmente se conclui que o arguido praticou este crime na pessoa da ofendida, na medida em que dela se extrai que o mesmo, agindo de forma livre, deliberada e consciente (dolosa, portanto), agrediu, insultou e humilhou verbalmente, de forma frequente e reiterada, aquela, que sabia ser cônjuge, no domicílio comum do casal, condutas, essas que, valoradas globalmente permitem concluir – pela sua gravidade e reiteração – que lhe dispensou um tratamento violador da sua integridade física e degradante da sua dignidade pessoal e, nessa medida, reconduzível ao conceito de maus-tratos psíquicos previsto na norma incriminadora. Importa, pois, condená-lo em conformidade.
* b) No que ao caso dos autos interessa, comete o crime de violação imputado ao arguido e p.p no art. 164.º, n.º 2 al. a) Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa: a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; Trata-se, aqui, de um crime contra a liberdade sexual, cujo tipo objectivo pressupõe a prática de qualquer um dos actos sexuais taxativamente elencados no normativo, mediante o emprego de um meio (violência, ameaça grave, ou colocação da vítima em estado de inconsciência ou na impossibilidade de resistir) capaz de constranger a vítima. Definindo lapidarmente os conceitos de cópula e coito anal ou oral, temos o Ac. STJ, de 22.4.2004 que nos diz que “Só há cópula, coito anal ou coito oral com a penetração do pénis, respectivamente, na vagina, no ânus e na boca”. Ou ainda o Ac. TRE, de 10.4.2018 onde se afirma que “Para que se considere verificado o acto sexual de relevo consistente em cópula, coito anal, coito oral o que é necessário é que se verifique contacto físico, no sentido de penetração da vagina e/ou do ânus e/ou da boca pelo órgão sexual masculino, seja ela completa ou incompleta, sendo indiferente à consumação da cópula, bem como do coito anal e do coito oral, a existência de emissio seminis.”. No que diz respeito concretamente ao acto de cópula (que em concreto está em causa nos autos), deparamos ainda com o Ac. RL de 02/07/2013 que afirma que “Actualmente é dominantemente o entendimento de que o exacto sentido jurídico-penal da expressão copula é o de introdução completa ou incompleta do órgão sexual masculino no órgão sexual feminino” (todos os Acórdão Citados estão acessíveis in www.dgsi.pt). No que diz respeito à definição do conceito de violência como meio do constrangimento da vítima à prática de um daqueles actos (pois de entre os tipificados na norma este é o que está em causa no processo), sufragamos o entendimento vertido no Ac. RL de 02/07/2013 (já citado supra) onde se sustenta que: “Violência reporta-se à utilização de força física como meio de vencer a resistência oferecida ou esperada por parte da vítima como reacção à actuação do agente. Força essa que não tendo que revestir características específicas há-de revelar-se como meio adequado e idóneo a vencer a resistência real ou presumível que a vítima oponha à acção”. Basta, pois, que o agente recorra à utilização da força física sobre a vítima na medida do estritamente necessário a vencer a sua resistência/oposição à prática do acto. Já do art.177.º, n.º 1, al. b) do CP decorre, no que ao caso importa, que a moldura penal prevista para o crime de violação será agravada de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima se encontrar numa relação de coabitação com o agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação. Ao nível do tipo subjectivo, por outro lado, exige-se apenas o dolo em qualquer uma das modalidades previstas no art. 14.º do CP, bastando que o agente actue de forma livre e deliberada, com consciência de que a sua conduta preenche os elementos do tipo legal objectivo do crime. Ora, analisados os factos provados à luz deste enquadramento jurídico é, desde logo, evidente que a conduta comprovadamente desenvolvida pelo arguido integra a prática do crime de violação agravada, pp. no art. 164.º, n.º 2 al. a) e 177.º, n.º 1 al. b) do CP, de que vinha acusado. Tudo porque, em suma síntese, desses factos decorre que o mesmo, agindo de forma livre, consciente e deliberada, decidiu aproveitar o facto da ofendida ser sua cônjuge e consigo residir e dormir no mesmo quarto e cama, para constrangê-la, contra à vontade que lhe foi manifestada pela própria e através do emprego de força física (ou seja, por meio de violência), à prática do acto sexual de cópula. É, por conseguinte, manifesto que o arguido deverá ser condenado pela prática deste crime.
*** ii) Consequências jurídico-penais
a) Da medida das penas parcelares.
O crime de violência doméstica agravada, p.p. no artigo 152.º n.º 1 alínea a) e c) e n.º 2, alínea a), do Código Penal é punível com pena de 2 anos a 5 anos de prisão. O crime de violação agravada, p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 164.º, n.º 2, al. a) e 177.º, n.º 1, al. b), ambos do Código Penal é punível com pena de 4 a 13 anos e 4 meses de prisão. Estabelece o art. 40.º, n.º 1 do Código Penal que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.” Por sua vez, resulta do n.º 2 do mesmo artigo que a pena em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa. Já o art. 71.º, n.º 1 do CP, dispõe que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. As finalidades da punição penal são, pois, aquelas que resultam no n.º1 do art. 40º, devendo buscar-se entre elas, na medida em que são complementares e não se excluem materialmente, um justo equilíbrio (Ac.STJ 10/12/1997, acessível in www.dgsi.pt). Assim, com o recurso à consideração das exigências de prevenção geral como critério determinativo da medida concreta da pena, o legislador visa, de algum modo, dar satisfação à necessidade comunitária de punição no caso concreto, garantindo simultaneamente o efeito de reafirmação contra-fáctica decorrente da aplicação da norma incriminadora e partindo sempre da ponderação da premência da tutela dos bens jurídicos ofendidos. Por outro lado, com o recurso à vertente da prevenção especial, visa-se a satisfação das necessidades de ressocialização do agente, com vista ao desiderato último da sua reintegração na sociedade (Ac STJ 04/07/96, in Col. Jur. – Acs. do STJ, ano IV, tomo 2, p. 225). A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de reintegração) é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o concreto mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente. Por fim, entre esses limites, satisfazem-se quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (Ac. STJ 15/10/97, acessível in www.dgsi.pt) É também esta, em síntese, a lição que retiramos do pensamento do Prof. Figueiredo Dias vertido em “Código Penal Português de 1982 e a sua Reforma” in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 3, Fasc. 2-4, Dezembro de 1993, p. 186 e 187. Ora, no caso dos autos deparamos, desde logo, com relevantes exigências de prevenção geral, conhecida que é a elevada frequência da prática deste tipo de crimes no âmbito conjugal (que não raras vezes terminam como o homicídio das vítimas) e o grande alarme social que têm causado no nosso país, onde originam várias dezenas de vítimas mortais a cada ano. Pelo contrário, contudo, temos que as exigências de prevenção especial se mostram bastante diminuídas, na medida em que decorre dos factos provados que o arguido não tem antecedentes criminais averbados no seu CRC, está bem integrado profissionalmente, vive em França, deslocando-se a Portugal apenas duas vezes por ano, já está divorciado e não coabita com a ofendida, não se divisando, consequentemente, a ocorrência de um perigo relevante de que volte a reiterar o tipo de comportamentos que ora se julgam. Com vista a concretizar estas coordenadas gerais, por outro lado, o art. 71.º, n.º 2 do CP, enumera, exemplificativamente, uma série de circunstâncias atendíveis na determinação da medida concreta das penas, que não fazendo parte dos tipos de crime cometidos, deponham a favor ou contra o arguido. Ora, neste âmbito, temos que: - o grau de ilicitude dos factos praticados é diminuto, traduzindo-se em condutas que apesar de ultrapassarem o limiar da licitude, representam um gravidade inferior à habitual para o padrão médio deste tipo de crimes (a violência doméstica, tirando o episódio isolado da bofetada, era sobretudo verbal e pouco frequente, até na medida em que o arguido só vinha duas vezes por ano a Portugal; a violência empregue para forçar a cópula foi a apenas a estritamente necessária a vencer a resistência da ofendida, não se tendo provado a provocação de lesões na mesma); - o arguido agiu com dolo directo; e, por fim, - o arguido está bem integrado profissionalmente, já está divorciado, não vive mais com a ofendida e não tem quaisquer condenações averbadas no CRC, não constituindo, actualmente, um risco relevante para aquela ou para os demais bens jurídicos protegidos pelo ordenamento penal. Tudo aponta, portanto, para aplicação de penas principais parcelares próximas dos respectivos limites mínimos das respectivas molduras penais. Assim, tudo ponderado, julgam-se adequadas e proporcionais as penas parcelares de:
- 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão, pela prática, em autoria material do crime de violência doméstica agravada, p.p. no art. 152.º, n.º 1, al. a) e c) n.º 2, do CP;
- 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão pela prática, em autoria material, do crime de violação agravada, p.p. pelas disposições conjugadas dos artigos 164.º, n.º 2, al. a) e 177.º, n.º 1, al. b), do CP.
* b) Cúmulo jurídico e determinação da pena principal única
No que concerne a esta questão, cumpre começar por assinalar que apesar de conhecermos algumas vozes na doutrina e na jurisprudência que, com base no disposto na parte final do n.º 1 do art. 152.º, do CP, sustentam a existência de uma relação de concurso aparente, na forma de subsidiariedade expressa, entre o crime de violência doméstica e o crime de violação agravada previsto no art. 164.º, n.º 2 do CP, devendo o arguido ser apenas punido pela pena aplicável a este último (cf. Ac. RP de 27/09/2017 e doutrina aí citada, acessível in www.dgsi.pt), a realidade é que não preconizamos este entendimento, alinhandonos antes com concepção expendida pelo Supremo Tribunal de Justiça no Ac. STJ de 21/11/2018 que nos diz (e passamos a transcrever, com a devida vénia): “II - Sistematicamente integrado, no CP, no título dedicado aos crimes contra as pessoas e, especificamente, no capítulo dos crimes contra a integridade física, a teleologia do crime de violência doméstica assenta na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana, punindo aquelas condutas que lesam esta dignidade, quer na vertente física como psíquica. IV - O n.º 1 do art. 152.º do CP, com o segmento «se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal», consagra, de modo expresso, regra da subsidiariedade, significando, segundo alguns, que a punição por este crime apenas terá lugar quando ao crime geral a que corresponde a ofensa não seja aplicada uma pena mais grave. V - Neste entendimento, se a punição do(s) crime(s) concorrente(s) for superior a 5 anos – pena mais elevada do que a máxima abstracta prevista para a violência doméstica – estaremos perante um concurso aparente de crimes, sendo a incriminação do art. 152.º afastada em resultado da regra da subsidiariedade. VI - Uma aplicação meramente formal e positivista da regra da subsidiariedade expressa no citado art. 152.º, do CP poderá traduzir-se numa injustiça material de muitas decisões e num benefício para o infractor-arguido dificilmente tolerável. VII - A prática mais ou menos constante e reiterada das condutas descritas no art. 152.º, do CP desde que cada uma dessas condutas não permita a sua autonomização, dará origem a uma unicidade normativo-social, tipicamente imposta, pelo que o agente terá praticado um só crime, desde que esteja em causa uma só vítima. VIII - Esta unidade pode vir a cindir-se, no entanto, quando algum dos actos isolados permita a verificação do tipo social de um crime mais grave – ofensa à integridade física grave, violação, homicídio –, devendo o agente ser punido em concurso efectivo com os crimes de violência doméstica. IX - Na relação do crime de violência doméstica com outros de pena mais elevada, considera-se, pois, que a prática de crime mais grave é um factor de cisão da unicidade do crime, devendo concorrer, em concurso efectivo, o crime mais grave e a violência doméstica. X - Como salienta MARIA PAULA RIBEIRO FARIA, «para afirmar a pluralidade criminosa é necessário que se deixe afirmar em relação ao agente mais do que um juízo de censura referida a uma pluralidade de processos resolutivos». Segundo a mesma autora, há que «acrescentar à pluralidade de bens jurídicos violados uma pluralidade de processos volitivos merecedores de distintos juízos de censura», justificando-se a unidade ou pluralidade desses juízos de censura numa «valoração mais global que corresponde ao significado social do facto que inspira a própria formulação dos tipos legais de crime» - o sentido social da ilicitude material. XI - No caso apreciado, a actuação do arguido na agressão sexual cometida se afasta-se do conjunto de agressões e outras ofensas praticadas sobre a ofendida, então sua companheira, tendo obedecido a uma autónoma resolução perfeitamente cindível das reiteradas resoluções presentes nos demais comportamentos. Tendo presente o perfil das ofensas reiteradamente cometidas sobre a ofendida, tem-se como evidente que a violação praticada em finais de 2014 não radica no mesmo processo volitivo presente naquelas ofensas. XII - Constituindo igualmente uma evidência que os bens protegidos com as incriminações de violência doméstica e de violação, tendo pontos de contacto, não são coincidentes. O significado social e o sentido social da ilicitude material de uma e de outra das ditas incriminações são distintos, não obstante os pontos comuns que se podem aí observar. XIII - O juízo de censura pela prática do crime de violação assume autonomia relativamente ao que deve ser formulado relativamente às ofensas unificadas na violência doméstica. Conclui-se, portanto, que estamos perante um concurso efectivo de crimes. Passando, então, a dar cumprimento ao comando previstos no art. 77.º, n.º 1 e 2 do CP, temos, antes de mais, que a pena única a aplicar ao arguido deverá fixar-se dentro da seguinte moldura penal: de um mínimo de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses (pena parcelar de prisão mais alta aplicada: cf. art. 77.º, n.º 2 do CP), a um máximo de 6 (seis) anos e 5 (cinco) meses de prisão (soma das duas penas parcelares de prisão aplicáveis cf. art. 77.º, n.º 2 do CP). Prosseguindo, temos que nos termos do n.º 1 do art. 77.º do CP, na medida da pena única a fixar devem ser considerados, em conjunto, os factos e a personalidade dos arguidos. Ora, neste âmbito e para além de tudo o que já se disse a nível da fixação das penas parcelares, importa constatar que estamos a falar de factos com uma gravidade relativamente diminuída, perpetrados ao longo de um período superior de cerca de 10 anos, por um arguido bem integrado profissionalmente e sem quaisquer outras condenações averbadas no seu CRC que, actualmente já é divorciado e não coabita com a ofendida. Por tudo isto, julga-se adequada e proporcional a aplicação de uma pena única de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão.
* c) Da suspensão da execução da pena principal única de prisão:
De acordo com o artigo 50º, n.º 1 do Código Penal «1- O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Já nos termos do n.º 5 desde mesmo normativo, o período de suspensão deverá ser fixado entre 1 e 5 anos, a contar do trânsito em julgado da decisão. Tal como escreve FIGUEIREDO DIAS (in Direito Penal Português, parte geral, Vol. II, Lisboa, 1993, pág. 342) «pressuposto material da aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente (…)», sendo que, «(…) na formulação do aludido prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto (…)». Ora, considerando que se provou que o arguido não têm condenações averbadas no seu CRC; que já está divorciado e não coabita com a ofendida; que se mostra integrado profissionalmente, o Tribunal conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão ainda se mostram susceptíveis, em última instância, de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Por isso mesmo e ao abrigo dos aludidos preceitos, ir-se-á determinar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, por período igual à duração da mesma. Não obstante, visto o disposto nos art.51.º, n.º 1 al. a) e n.º 2, 52.º, n.º 1, al. c), n.º 2 als. b e d), todos do CP, julga-se ser de condicionar a suspensão da execução da pena de prisão ora aplicada às seguintes imposições e obrigações: - à condição do arguido proceder ao pagamento da quantia arbitrada infra à ofendida até ao termo do prazo da suspensão (cf. art. 51.º, n.º 1 al. a) do CP); - à proibição do arguido contactar ou se aproximar da ofendida, da sua residência e do seu local de trabalho (cf. art. 52.º, n.º 2 al. d) do CP) até ao termo do prazo de suspensão.
* d) Da pena acessória de proibição de contactos aplicável ao crime de violência doméstica (cf. art. 152.º, n.º 4 do CP):
Nos termos do nº4 do art.152.º do CP, no caso de condenação por crime de violência doméstica podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima (…) pelo período de seis meses a cinco anos. Estamos, assim, perante uma pena acessória cuja aplicação não é automática, nem obrigatória, apenas devendo ser aplicada quando os factos o justifiquem. Analisados, então, os factos que se provaram, designadamente a persistência e das condutas do arguido para com a ofendida ao longo dos anos, temos por certo que no caso dos autos se justifica a aplicação ao arguido da pena acessória de proibição de contactos com a ofendida BB, como forma de evitar a ocorrência de contactos entre os mesmos que possam potenciar a reiteração de condutas similares às ora julgadas. Nessa medida e sem mais, ir-se-á ainda condenar o arguido na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida (que envolve a também a obrigação de afastamento dos seus locais de residência e de trabalho – cf. art. 153.º, n.º 5, do CP) pelo período de 5 anos. Não obstante o disposto na parte final do n.º 5 do art. 152.º, do CP, considerando que o arguido se encontra a trabalhar em França, apenas de deslocando a Portugal duas vezes por anos, durante as férias de verão e no Natal, não se julga necessário/exequível determinar a fiscalização do cumprimento desta pena por meios técnicos de controlo à distância.
** iii) Arbitramento de reparação (cf. art. 82.º-A do CPP)
No art. 82.º-A, n.º 1 do CPP, dispõe-se que: “Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.” Por outro lado, o art. 21.º, n.º 1 e 2 da Lei nº 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o Regime Jurídico Aplicável à Prevenção da Violência Doméstica e à Protecção e Assistência às suas Vítimas estabelece-se que 1 - À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável. 2 - Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser. Cumpre, pois (até porque a ofendida a isso não se opôs expressamente) proceder a esse arbitramento, importando, para o efeito, verificar o preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual e determinar quais os danos indemnizáveis e qual o montante que deve ser atribuído. Nos termos do artigo 129º do Código Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil, Reza o art. 483 n.º 1 do CC: aquele que, como dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Constituem, assim, pressupostos da responsabilidade civil delituosa a existência de um facto voluntário do agente, a ilicitude desse facto, a culpa do agente na sua prática e a existência de um nexo de causal juridicamente relevante entre o facto e os danos resultantes para o lesado. Ora, considerando o que se desenvolveu supra quanto à responsabilidade criminal do arguido, é manifesto que estão integrados os pressupostos da sua responsabilidade civil: o arguido agiu ilicitamente (tanto que cometeu dois crimes), com dolo directo e de forma adequada a lesar, como lesou, a integridade física e psíquica da ofendida. Nessa medida e sem mais, incorreu na obrigação de indemnizar os danos patrimoniais e não patrimoniais provocados com esta sua actuação (cf. art. 483.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do CC). Quanto à determinação dos danos, o artigo 562.º do CC estipula que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. Existindo a obrigação de indemnizar, esta deve abranger os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (cfr. artigo 563º do Código Civil), devendo a indemnização ser fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor. Por outro lado, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (cfr. artigo 566º, n.º 3, do Código Civil). Tratando-se de danos não patrimoniais, o valor da indemnização/compensação deverá ser fixado equitativamente, devendo atender-se, nomeadamente ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso concreto (cf. art. 496.º, n.º 3 do CC). Ora, considerando os factos praticados pelo arguido e as lesões, aflições, receios e transtornos emocionais inevitavelmente provocados na ofendida, consequências essas que, como é manifesto, consubstanciam danos de natureza não patrimonial que merecem, inquestionavelmente, a tutela do direito (cf. art. 496.º do CC), julga-se adequado, equitativo e proporcional – face aos critérios legais fixados no art. 494.º, aplicável por via do art. 496.º, n.º 3 do CC: designadamente a culpa exclusiva e à condição socioeconómica do arguido – arbitrar à ofendida BB uma indemnização de € 2.500,00
** iv) Das custas Tendo sido condenado, deverá o arguido arcar com o pagamento das custas criminais do processo (cf. art. 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 1 do CPP) fixando-se a taxa de justiça criminal, face complexidade e dimensão médias do processo em 4 UC (cf. art.º 8.º, n.º 9 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais).
****** IV – Decisão…
*
Cumpre apreciar.
Sobre a demarcação dos conceitos de erro de interpretação da prova, insuficiência para a decisão da matéria de facto na apreciação da prova, cabe traçar os limites de cada uma destas categorias, para que a sua análise não se confunda e sobreponha.
Os Tribunais superiores de forma pacífica e mantida vêm estabelecendo a destrinça entre a arguição da categoria de vícios que incidam sobre a decisão e dos vícios que inquinem o julgamento. A este propósito o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/03/2011 proferido no processo nº288/09.1GBMTJ.L1-5 sustentou que “a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º, nº2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de «revista alargada»; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nºs3, 4 e 6, do mesmo diploma; No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº2 do referido artigo 410º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento. Ora, os vícios previsto no nº2 do citado art.410 ( concretamente na alínea a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; na alínea b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e na alínea c) Erro notório na apreciação da prova) são vícios da decisão sobre a matéria de facto “vícios da decisão e não de julgamento, não confundíveis nem com o erro na aplicação do direito aos factos, nem com a errada apreciação e valoração das provas ou a insuficiência destas para a decisão de facto proferida -, de conhecimento oficioso, que hão-de derivar do texto da decisão recorrida por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum.”
No elenco dos vícios da decisão, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorre quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal, podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto relevante, acarretando a normal consequência de uma decisão de direito viciada por falta de suficiente base factual, ou seja, os factos dados como provados não permitem, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do julgador. Dito de outra forma, este vício ocorre quando a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito e quando não foi investigada toda a matéria de facto contida no objecto do processo e com relevo para a decisão, cujo apuramento conduziria à solução legal;
Diversamente, a impugnação da matéria de facto prevista no art.412º nº3 do CPP, consiste na apreciação, tal como sustentou o acórdão que temos vindo a citar”,que não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs3 e 4 do art. 412º do C.P. Penal. A ausência de imediação determina que o tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º]”.
Portanto, traçados os contornos do quadro dogmático dos diversos vícios que poderão compor o objecto de recurso, cabe primeiramente apreciar os vícios reportados no art.410º nº2 do CPP.
Quanto ao alegado vício de insuficiência da decisão da matéria de facto previsto no art.410º nº2 respeita à alínea a) do CPP, diversamente do que sustenta o recorrente, não se vislumbra qual o parâmetro de insuficiência decisória, para além do Tribunal ter apreciado o essencial da lide, sendo vício que a alegação deste vício é feita com recurso a elementos externos à própria fundamentação, o que como se viu, coloca o vício arguido noutra sede do objecto de recurso, não se verificando a invocada nulidade.
O recorrente pretende, afinal, suscitar a reapreciação ampla da prova, cuidando, inclusivamente, de cumprir os já supra referidos ónus de especificação previstos no artigo 412.º, n.º3 e 4, do C.P.P.
Portanto, não padecendo a sentença de quaisquer dos vícios previstos no art.410º do CPP, nesta parte deve improceder o recurso.
*
Cumprindo agora apreciar a impugnação nos termos do art.412º nº3 do CPP, a qual constitui o ponto central do objecto do recurso, estabelecendo os pressupostos dos poderes de cognição do Tribunal Superior.
Como realçou o STJ, no acórdão de 12-06-2008, Proc. nº 07P4375 (in www.dgsi.pt) a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:
- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e ás concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o «contacto» com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, restrita á indagação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b), do nº 3, do citado artº 412º).
Com efeito, no Acórdão da Relação de Évora, de 1 de Abril de 2021 (processo n.º 360/08-1.ª, www.dgsi.pt) sustentou-se «Impor decisão diversa da recorrida não significa admitir uma decisão diversa da recorrida. Tem um alcance muito mais exigente, muito mais impositivo, no sentido de que não basta contrapor à convicção do julgador uma outra convicção diferente, ainda que também possível, para provocar uma modificação na decisão de facto. É necessário que o recorrente desenvolva um quadro argumentativo que demonstre, através da análise das provas por si especificadas, que a convicção formada pelo julgador, relativamente aos pontos de facto impugnados, é impossível ou desprovida de razoabilidade. É inequivocamente este o sentido da referida expressão, que consubstancia um ónus imposto ao recorrente

Não basta ao recorrente formular discordância quanto ao julgamento da matéria de facto para que o tribunal de recurso tenha fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova.
O poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação. O recurso com esses fundamentos apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância [cfr. Germano Marques da Silva, in Forum Iustitiae, Ano I, Maio de 1999].
Com efeito, «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros» [cfr, neste sentido, Ac. do STJ de 15-12-2005, Proc. nº 05P2951 e Ac. do STJ de 9-03-2006, Proc. nº 06P461, acessíveis em www.dgsi.pt]
O Tribunal de recurso, apreciando os fundamentos da impugnação da matéria de facto e os meios de prova indicados nos termos do art.412º nº3 do CPP (quando conste do objecto de recurso), deve aferir se o Tribunal “a quo” apreciou e interpretou os meios de prova conforme os padrões e as regras da experiência comum (a regra da experiência expressa aquilo que normalmente acontece, é uma regra extraída de casos similares), não extraindo conclusões estranhas ou fora dos depoimentos, subsistindo sempre um plano de convencimento do Tribunal a quo, segundo a livre convicção do julgador que não cabe a este Tribunal de recurso reformular.
Em sede de apreciação da prova rege o princípio da livre apreciação, expressamente consagrado no artigo 127.º do C.P.P.
Este princípio impõe que a apreciação da prova se faça segundo as regras da experiência comum e em obediência à lógica. E se a convicção do Tribunal “a quo” se estribou nestes pressupostos, como já se enfatizou, o Tribunal “ad quem” não pode sindicar ou sobrepor outra convicção.
Com as limitações que decorrem da falta de mediação e da impugnação parcelar dos factos, o Tribunal de recurso somente poderá alterar a decisão de facto quando se “imponha” (usando a expressão legal), ou seja, quando o processo decisório de reconstituição do acontecer histórico da 1ª Instância se fundou fora da razoabilidade em juízos destituídos de lógica, ou distintos dos padrões da experiência comum.
O recorrente centra a sua discordância quanto ao julgamento da matéria de facto na circunstância do Tribunal “A Quo” haver valorizado o conjunto de alguma prova testemunhal em detrimento das declarações do arguido, defendendo que o Tribunal “A Quo” não julgou corretamente os pontos 4, 6, 9, 10, 13 a 19 dos factos provados.
São escassos os parâmetros válidos de impugnação, dado que, teria o recorrente de apontar regras da lógica que houvessem sido ofendidas, assim como regras da experiência comum que não houvessem sido respeitadas na formulação dos juízos probatórios, de forma a tornar a convicção do Tribunal “A Quo” sindicável. E neste campo invoca que a assistente ao longo dos anos não recorreu a assistência médica, não gravou as chamadas e não apresentou marcas; igualmente refere que a assistente não soube concretizar as agressões físicas e verbais (o que desde já se refere não corresponder à verdade); também centra a sua impugnação nos depoimentos da filha CC e na testemunha DD, aqui enfatizando o carácter indireto destes depoimentos.
O recorrente, entre a argumentação que usa, labora sobre o conceito de livre convicção do juiz.
Neste domínio, torna-se obrigatório prevenir que na formação da convicção do juiz, por alguma doutrina e jurisprudência são legitimadas fontes de convicção que, sendo muito discutíveis, porventura não são admissíveis. De entre essa doutrina destaca-se Figueiredo Dias o qual sustenta que “a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais – (…)” “in “Direito Processual Penal”, vol. I, ed.1974, pag. 204 e 205.
Neste mesmo sentido o Ac.RelP de 14/07/2004 vem referir que “Salvo quando a lei dispuser em contrário, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador e é no equilíbrio destas duas vertentes (as regras da experiência e a livre convicção do julgador) que a prova há-de ser apreciada. A convicção do juiz não deverá ser puramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável, mas há-de ser sempre uma convicção pessoal, até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis.”.
Mas admitir estes segmentos subjetivos “não racionalmente explicáveis” como aceitáveis, permite-se que o processo de formação da convicção integre elementos insindicáveis, como se isso fosse componente da “livre convicção”. Essa corrente de pensamento, com a qual não se concorda, estabelece como fórmula do art.127º do CPP que as regras da experiência comum são o limite à discricionariedade (neste sentido ver Ac.Rel.P de 8/04/2015Assumindo na fase de julgamento importância fundamental a livre apreciação da prova, apesar de admitir uma dimensão subjectiva e emocional do juiz que não se pode desligar da sua vivência e personalidade, não se confunde com arbitrariedade, pois tem de assentar em critérios objectivos e ou lógicos. Sendo a prova apreciada no equilíbrio das regras da experiência e a livre convicção do julgador, aquelas servem de limite à discricionariedade desta”.).
No entanto, o disposto no art.127º do CPP não fixa as regras da experiência como limite à discricionariedade, antes define essas máximas da experiência como fundamento da apreciação da prova, num ambiente de liberdade para a razão atuar.
Na linha de pensamento dessa doutrina, explicita ou implicitamente, permite-se que a formação da convicção do Tribunal aceda a terrenos subjetivo/emotivos, convocando-se elementos enigmáticos, de uma subjetividade captada nas mais ínfimas interjeições ou até do domínio da intuição, crendo-se que o princípio da imediação legitima o acesso a essas províncias metafisicas.
Contudo, se a imediação compõe um cenário mais informativo para o juiz, não torna aceitável que a formação da convicção probatória do julgador (no todo ou em parte) se faça com parâmetros não racionalizáveis. No conceito de “livre convicção”, a liberdade para formar convicção probatória, nada tem que ver com discricionariedade e muito menos com a arbitrariedade, antes significa que o julgador não está vinculado a padrões de grupo, a conceções políticas ou ideológicas predefinidas ou inicialmente impostas, e sobretudo não está vinculado a prova tarifada. Com efeito, o âmbito da liberdade que a lei confere ao juiz permite-lhe a possibilidade de aceder a juízos probatórios indiretos fundados nas regras da experiência comum e, no mesmo passo, exigi-lhe que se liberte dos seus processos psicológicos e da sua moral pessoal, e se coloque numa posição imparcial e reta (ver PERFECTO ANDRÉS IBÁÑEZ “SOBRE A FORMAÇÃO RACIONAL DA CONVICÇÃO JUDICIAL” in Revista Julgar, nº13, Ano 2011), e se assuma como intérprete imparcial das regras da experiência comum, que deve usar com a razão (livre da prova tarifada). Portanto, o caminho probatório do juiz, estando liberto de prova tarifada, está racionalmente vinculado ao uso da lógica e ao substrato das máximas da experiência, assim como a todo o escol de normais processuais que disciplinam o valor probatório dos meios de prova.
Contrariamente ao que é sustentado por vária jurisprudência, o processo de formação da convicção probatória nada tem de discricionário, e pese embora a liberdade/possibilidade do juiz para se socorrer das regras da lógica e da experiência comum para formular os juízos probatórios, essa atividade é muito vinculada pelo cumprimento dos princípios e regras do direito probatório, às normas da experiência comum e da lógica, onde o caminho do juiz só pode ser um. Ou seja, embora o juiz tenha a liberdade para usar as regras da experiência comum na construção dos juízos probatórios, no mesmo passo, está obrigado e vinculado a cumprir com rigor o processo lógico e os trâmites daquelas máximas.
Em consequência, a formação da convicção do juiz em liberdade é alvo de um denso escrutínio pelos sujeitos processuais, que poderão sindicar o bom uso, exagerado ou insuficiente das máximas da experiência comum, escrutinando com detalhe o uso da lógica e da coerência interna e externa da decisão, impugnando a apreciação dos factos, desde os pormenores mais ínfimos, até à feição de todo o acontecer histórico em debate, no confronto dos meios de prova. Portanto, considerando todos os rigores que se impõe ao julgador no “standart” da prova em processo penal, não se percebe em que medida se poderá encontrar margem de discricionariedade nessa apreciação.
O legislador, quando abandonou a prova tarifada, há muito que sabia que o processo probatório para ter sucesso só poderia acontecer com um julgador que apreciasse em “liberdade”, sem preconceitos ou apego a certas conceções sociais ou ideológicas, num esforço unicamente orientado pela razão e pela lógica com recurso às máximas da experiência, liberdade essa, que assume um caminho muito fecundo na descoberta da verdade, em particular, quando lida com meios de prova indiretos, onde a medição das probabilidades nas máximas da experiência assume acrescido relevo.
Neste ponto, é importante a imunidade que o julgador deve ter sobre as próprias suas emoções, que não podendo evitá-las, incumbe com auto-crítica não permitir as deformações que as mesmas possam causar na apreciação dos factos. A perceção do Tribunal de 1ª instância sobre o que lhe pareceram certas atitudes da testemunha, deve ser apreciada com equilibro e sensatez. Com efeito, uma testemunha pode evidenciar “nervosismo”, mas esse estado ter várias explicações, não traduzindo, de todo, que necessariamente esteja a faltar à verdade. Também o julgador não se deve deixar impressionar em excesso por certos pormenores emotivos que lhe toldem a imagem global do depoimento; igualmente a importância da linguagem não verbal captada (acima referida), se em certa medida é muito relevante, como a sinceridade de um depoimento captada na sua espontaneidade (associada aos pormenores relatados), existem muitos outros elementos de linguagem não verbal que, por regra, não podem ser preponderantes às inferências que decorrem da linguagem verbal; e na parte em que aquela linguagem não verbal interessar, deverá ter tradução racional na fundamentação. Devem ser evitados segmentos ocultos na convicção do julgador, que não poderá ser íntima, mas partilhável com as partes (num esforço de convencimento e esclarecimento) e com o Tribunal superior, havendo recurso.
Na verdade, o Tribunal de 1ª instância dentro do art.127º do CPP forma a sua convicção pessoal, mas a mesma deve ser transmissível e partilhável, porque o mesmo tem o dever e a capacidade de racionalizar e exteriorizar o modo como se convenceu, descrevendo as hesitações, os sentimentos, ou o mal-estar que presenciou, mas não pode sustentar um aporte de convencimento “só, porque sim”, conclusivamente “porque lhe pareceu”, “porque se convenceu”, porque “lhe pareceu credível”, mas sem explicar. Não é legítimo ao juiz formar a convicção na intuição, num subjetivismo inexplicável e não racionalizável. Se o juiz não souber explicar de forma racional a sua convicção, então tem de reconhecer que a mesma não é juridicamente válida, encontrando-se fora dos domínios do art.127º do CPP. No fundo, o julgador não se pode subtrair ao exame crítico das provas que o disposto no art.374º nº2 do CPP lhe impõe.
Tudo isto para significar que, nos presentes autos, a fundamentação do Tribunal de 1ª instância assentou no pleno domínio da racionalidade, da coerência e do equilíbrio.

“In casu” o Tribunal de recurso ouvidos os depoimentos das testemunhas em causa, verifica que o Tribunal “A Quo” analisou corretamente esses depoimentos, realçando e inferindo os aspetos em que fundou a sua convicção, de forma apropriada de acordo com a lógica e as regras da experiência.
E dos únicos aspetos que o recorrente invoca, fixam-se no confronto das suas declarações com as declarações da assistente, a qual, na sua ótica só muito parcelarmente foi corroborada pelos depoimento da filha e da testemunha DD, os quais reputa de depoimentos indiretos; e quanto às declarações da assistente refere a quebra das regras da experiência comum respeitantes à mesma, concretamente: que em tantos anos não ter a mesma recorrido a assistência médica; ou não ter gravado mensagens; ou não apresentar marcas. Mas nestes pontos, a assistente explicou bem o ambiente de condicionamento e medo em que viveu, sendo muito comum, as vítimas de violência doméstica não recorrerem a assistência médica ou de outro tipo. Depois, não se discutiram agressões físicas suscetíveis de gerar marcas físicas duradouras. Quanto aos depoimentos da filha e do DD, o Tribunal “A Quo” só se socorreu dos mesmos na parte em que revelaram razão de ciência direta.
Portanto, se a convicção do Tribunal se estribou essencialmente no depoimento da ofendida, o Tribunal de recurso ouvidos o depoimento da ofendida BB e as declarações do arguido, entende que não existem desconformidades sobre o que foi considerado pelo Tribunal “A Quo” quanto à relevância de cada um destes meios de prova. Com efeito, o cliché e o estereotipo de que a ofendida, por o ser, não merece credibilidade, é raciocínio que não colhe por si só, sobretudo quando possuindo uma razão de ciência direta e privilegiada no conhecimento, depõe de forma espontânea e objetiva, como foi o caso. Assim este Tribunal de recurso, ouvidas as declarações da assistente, considera que a mesma descreveu com manifesta espontaneidade e com particular detalhe todas as situações em discussão na acusação pública, sem que se notasse qualquer efabulação, exagero, ou alteração da conotação das agressões. A espontaneidade da ofendida foi manifesta e evidente, dado que, sempre que lhe foram solicitados esclarecimento sobre as circunstâncias dos factos que acabara de descrever, e foram-no muitas vezes, a mesma imediatamente descreveu o concreto contexto dessas situações com o grau de pormenor e com a riqueza de eventos que somente quem os viveu os podia descrever, sendo manifesta a sua espontaneidade e credibilidade. Portanto, a ofendida depôs de forma coerente todas as situações que efetivamente vivenciou, merecendo a credibilidade que lhe foi atribuída pelo Tribunal “A Quo”. E a qualidade das suas declarações verificou-se em todas as situações de ambiente de agressão verbal, com injúrias, patentes desconsiderações, assim como nos episódios marcantes de ameaças, claramente descritos pela ofendida. Também no relato do episódio da violação, sujeito a demoradas instâncias em audiência de julgamento, foi descrito pela ofendida com o pormenor que lhe foi sucessivamente questionado, explicando a mesma que temia profundamente o arguido, desde há muito, e que não queria, de todo, que a sua filha se apercebesse o que se estava a passar, pelo que, a única coisa que pôde fazer “foi as lágrimas terem-lhe escorrido pela cara”. Daí que, as asserções do recorrente que o juízo probatório do Tribunal “A Quo” foi arbitrário, subjetivo e sem elementos, não fazem o menor sentido, antes são completamente deslocadas.
Repete-se que as qualidades deste depoimento são evidenciadas pela sua espontaneidade e modo genuíno como descreveu os factos, evidenciando ser um depoimento sofrido, mas genuíno.
De salientar que o valor probatório do depoimento da assistente, basta-se por si, no entanto, o Tribunal “A Quo” somou-lhe a corroboração que se verificou em algumas vertentes com razão de ciência válidas quanto às agressões verbais testemunhadas pela filha CC, assim como á agressão física presenciada pela testemunha DD, circunstâncias que este Tribunal de recurso confirma, após haver ouvido estes depoimentos, onde a testemunha CC descreveu numerosos insultos que presenciou do seu pai sobre a sua mãe, descrevendo o primeiro insulto à sua mãe, proferido pelo pai, quando tinha 15 a 16 anos “o que é que esta merda está ainda a dormir?”; e depois foi ouvindo, referindo-se à comida cozinhada pela mãe, como uma “merda”, e desde há uns tempos para cá referindo-se-lhe “vai-te foder”, “Estás louca”. E se estas expressões não são coincidentes com as que se apuraram, retratam o ambiente de agressão verbal, referindo que a mãe “morria de medo” quando o arguido estava a chegar de França. Por sua vez, a testemunha DD presenciou o estalo que o arguido desferiu sobre a assistente quando estavam a fazer uma mudança de habitação.
E não se detectando falha alguma no exame crítico realizado pelo Tribunal a quo, a convicção formada por este, como se viu, torna-se insindicável.
Portanto, o Tribunal “A Quo” analisou correctamente esses depoimentos, realçando e inferindo os aspetos em que fundou a sua convicção, de forma apropriada de acordo com a lógica e as regras da experiência. Concorda-se com o juízo de prova que foi realizado pelo Tribunal a quo, não existindo erro manifesto, ditado em qualquer desconformidade na formulação lógica ou pelas regras da experiência comum, que imponham alteração de convicção, devendo deste modo, improceder a impugnação movida à decisão da matéria de facto.
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Sobre os trâmites da convicção do Tribunal “A Quo”, para além de não se identificar qualquer perspectiva de dúvida, o que por si só, determina o afastamento do “in dúbio pro reo”, também, não se evidenciam quebras no seu raciocínio lógico, nem o uso indevido das regras da experiência comum.
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O recorrente ainda esboça uma discordância quanto à medida da pena, pese embora não concretize com suficiência, como lhe competia, os termos dessa discordância, sustenta que o Tribunal A Quo deveria ter situado a medida ótima da pena próxima do limite mínimo. Ora se a pena concreta apresenta algum desacerto situa-se na sua excessiva benevolência, dado que a intensidade das agressões plurimas, em particular, as injúrias, ameaças e sucessivas desconsiderações, verificadas ao longo de vários anos, concretizadas nos períodos em que permanecia em Portugal, face ao peso dessa ilicitude, as exigências de prevenção imporiam uma medida concreta mais substancial. A argumentação do recorrente para redução da pena ao mínimo legal ou “junto ao mínimo legal”, não faz sentido e é incompreensível, desde logo, porque a medida concreta das penas parcelares em ambos os crimes situa-se no liminar do limite mínimo (2 anos e 2 meses no crime de violência doméstica [com amplitude de 2 a 5 anos]; e 4 anos e 3 meses no crime de violação [com amplitude de 4 anos a 13 anos e 4 meses]), e depois porque não se verificam outras atenuantes, pelo que, face à ponderação dos parâmetros do limite da culpa e das exigências de prevenção geral e especial (cfr.art.71º do Cód.Penal), sem perder de vista o peso da ilicitude, que não é de todo diminuto, como refere o Tribunal “A Quo”, dado que a ofendida padeceu durante vários anos diversos episódios de sucessivos maus tratos psicológicos, acusando a mesma um manifesto desgaste psicológico, aliás bem patente no seu depoimento; assim como o delito de violação, igualmente gravoso no expressivo sofrimento que a assistente ainda evidencia a esse respeito. Igualmente, a pena resultante do cúmulo com uma amplitude de 2 anos e 2 meses, correspondente a 26 meses, o Tribunal “A Quo” ao fixar a pena única usando 6 meses dessa amplitude, aqui procedeu com ponderação e equilíbrio, não merecendo por isso censura, permanecendo no seu “quantum”, no regime de execução, assim como nas condições que lhe foram fixadas pelo Tribunal “A Quo”, cujo pagamento da indemnização, enquanto reparação assume um dos aspetos cimeiros da pena.
Também aqui improcedendo as conclusões do arguido, deve a pena cominada ao recorrente ser mantida.
Como resulta dos fundamentos expostos, o recurso não poderá merecer provimento
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DISPOSITIVO.
Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso do arguido, mantendo-se o Acórdão nos seus termos.
Mais se condena o arguido recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 5 (cinco) UCs.
Notifique.

Sumário:
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Porto, 19 de Abril 2023.
(Elaborado e revisto pelo 1º signatário)
Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha
Pedro Afonso Lucas