Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
856/19.3T8STS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: CITAÇÃO DE SOCIEDADE
PRESSUPOSTOS PARA O DECRETAMENTO DA INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RP20200908856/19.3T8STS-A.P1
Data do Acordão: 09/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Se a citação de uma sociedade para o apartado é válida quando a morada é genérica, mais terá de se ter como válida a citação quando a empresa não dispõe de caixa postal na sua sede e, também confessadamente, refere que toda a sua correspondência é remetida para o Apartado..
II - Quando se constate a falta do cumprimento de uma obrigação (ou mais obrigações) que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações poderá o credor lançar mão do processo de insolvência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2020:856/19.3T8STS-A.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
Por apenso à acção de insolvência n.º 856/19.3T8STS, na qual, por sentença de 05.06.2019 foi declarada a insolvência de B…, Lda, com sede na Rua …, Zona Industrial …, n.º …, …. - …, …, na Trofa requerida por C…, cessionária de um conjunto de créditos da D…, S.A., veio a sociedade B…, Lda, apresentar embargos, requerendo a nulidade da citação para o processo de insolvência e alegando a sua situação de solvência.
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Por despacho judicial de 11.11.2019 foram admitidos os embargos e notificados o Sr. Administrador da insolvência e a credora requerente da insolvência para contestar.
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A credora requerente da insolvência apresentou contestação e o Sr. Administrador da insolvência veio, por email, de 27.02.2020, juntar documentos e oferecer o seu parecer sobre a situação económica da sociedade embargante.
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Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais.
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Após a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença na qual se decidiu julgar não verificada a nulidade invocada e improcedentes os embargos.
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Não se conformando com a decisão proferida, a recorrente B…, Ldª veio interpor recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:
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Foram apresentadas contra alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
2. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar:
Das conclusões formuladas pela recorrente, as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito do presente recurso prendem-se com saber:
- Da nulidade da citação;
- Da solvência da recorrente.
3. Os Factos:
Na decisão recorrida foram julgados provados os seguintes factos:
1. A Embargada é uma sociedade que tem por objeto a importação, exportação, transformação e comercialização de aços inoxidáveis.
2. Por escritura pública, celebrada em 30 de junho de 2017, a D…, S.A., cedeu à C…, um conjunto dos créditos vencidos de que era titular.
3. Pela escritura pública supra mencionada foram cedidos à C… vários créditos relativos à ora devedora, nomeadamente:
a) Crédito emergente do Contrato identificado com o número PT ………………;
b) Crédito emergente do Contrato identificado com o número PT ………………;
c) Crédito emergente do Contrato identificado com o número PT ……………….;
d) Crédito emergente do Contrato identificado com o número PT ……………….;
e) Crédito emergente do Contrato identificado com o número PT ………………..;
4. A mencionada cessão de créditos incluiu a transmissão, relativamente a cada um dos créditos, de todos os direitos, garantias e direitos acessórios a eles inerentes.
5. A referida cessão incluiu, designadamente, a transmissão das hipotecas, que garantem os créditos cedidos.
6. No âmbito da sua atividade creditícia, a cedente D…, S.A. celebrou com a sociedade embargante, os seguintes Contratos:
a) Crédito emergente do Contrato identificado com o número PT ……………, celebrado em 05 de abril de 2013 por documento particular datado de 5 de abril de 2013, no montante de €38.482,68 (trinta e oito mil quatrocentos e oitenta e dois euros e sessenta e oito cêntimos);
b) Taxa de juro: taxa nominal variável indexada à Euribor a 3 meses, acrescida de um spread de 5% donde resulta uma taxa de juros nominal de 5.206% ao ano, acrescendo a sobretaxa de 4% em caso de mora;
c) Este contrato veio a ser objeto de uma alteração, formalizada por documento particular celebrado em 17 de outubro de 2013, no qual foi fixado um período de carência de 12 meses quanto ao pagamento de juros e, bem assim que, em caso de incumprimento, será acrescida uma sobretaxa de 3% -
d) Para garantia do aludido empréstimo, bem como das responsabilidades dali decorrentes foi constituída hipoteca genérica pela devedora e por terceiros, sobre os seguintes imóveis:
I. Prédio urbano composto por armazém de rés-do-chão e primeiro andar, situado na zona industrial do …, lugar do …, freguesia de …, concelho de Trofa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 3996 e descrito na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel de Trofa sob o número 987 da freguesia de …;
II. Prédio urbano sito no lugar do …, freguesia de …, concelho de Trofa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 3350 e descrito na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel de Trofa sob o número 959, da freguesia de …;
III. Fração autónoma designada pela letra A, que faz parte do prédio urbano sito no Lugar de …, freguesia de …, concelho de Trofa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 985 e descrito na Conservatória do Registo Predial da trofa sob o número 642 da freguesia de …;
IV. Prédio rústico composto por terreno de cultura denominado “…” situado em …, freguesia de …, concelho de Vila do Conde, inscrito na respetiva matriz rústica sob o artigo 428 e descrito na 6/316 Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o número 612 da freguesia de …;
V. Fração autónoma designada pela letra “L” do prédio urbano, denominado lote 69-A, situado no sítio da …, freguesia de …, concelho de Esposende, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 916 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o número 552 da freguesia de …;
e) Igualmente para garantia da presente operação bem como das responsabilidades dali decorrentes foram ainda prestados avales por E…, F… e G…, em Livrança subscrita pela sociedade embargante, preenchida em 03/07/2017, no valor de €50.345,07 (cinquenta mil, trezentos e quarenta e cinco euros e sete cêntimos)
B) Crédito emergente do Contrato identificado com o número PT ……………….:
a) celebrado em 21 de maio de 2013 por documento particular datado de 21 de maio de 2013, no montante de €350.000 (trezentos e cinquenta mil euros), posteriormente alterado, por contrato celebrado em 10 de outubro de 2013;
b) Taxa de juro nominal variável, indexada à Euribor a 3 meses, acrescida de um spread de 5% donde resulta uma taxa de juro nominal de 5.209% ao ano, que em caso de incumprimento seria acrescida de sobretaxa de 4%;
c) Para segurança do mesmo, bem como das responsabilidades dali decorrentes foram prestados avales por E…, F… e G…, em livrança subscrita pela sociedade embargante, preenchida em 03/07/2017 no valor de €123.147,99 (cento e vinte e três mil, cento e quarenta e sete euros e noventa e nove cêntimos) –
C) Crédito emergente do Contrato identificado com o número PT …………… - a) celebrado em 5 de abril de 2013 por documento particular datado de 5 de abril de 2013, no montante de €315.626 (trezentos e quinze mil, seiscentos e vinte e seis euros);
b) Taxa de juro nominal variável, indexada à Euribor a 3 meses, acrescida de um spread de 5% donde resulta uma taxa de juro nominal de 5.206% ao ano, acrescida, em caso de incumprimento de sobretaxa de 4%;
c) Este contrato veio a ser objeto de alteração formalizada por documento celebrado em 3 de outubro de 2013, no qual foi fixado um período de carência de 12 meses no pagamento de juros, tendo sido fixado que, em situação de incumprimento acrescerá uma sobretaxa de 3% - cfr. Documento que ora se junta como n.º 9;
d) Para segurança do mesmo, bem como das responsabilidades dali decorrentes foi constituída hipoteca genérica pela aqui devedora e por terceiros, sobre os seguintes imóveis:
I. Prédio urbano composto por armazém de rés-do-chão e primeiro andar, situado na zona industrial …, lugar do …, freguesia de …, concelho de Trofa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 3996 e descrito na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel de Trofa sob o número 987 da freguesia de …;
II. Prédio urbano sito no lugar …, freguesia de …, concelho de Trofa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 3350 e descrito na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel de Trofa sob o número 959, da freguesia de …;
III. Fração autónoma designada pela letra A, que faz parte do prédio urbano sito no Lugar de …, freguesia de …, concelho de Trofa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 985 e descrito na Conservatória do Registo Predial da trofa sob o número 642 da freguesia de …;
IV. Prédio rústico composto por terreno de cultura denominado “…” situado em …, freguesia de …, concelho de Vila do Conde, inscrito na respetiva matriz rústica sob o artigo 428 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o número 612 da freguesia de …;
V. Fração autónoma designada pela letra “L” do prédio urbano, denominado lote 69-A, situado no sítio da …, freguesia de …, concelho de Esposende, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 916 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o número 552 da freguesia de …;
e) Para segurança do mesmo, bem como das responsabilidades dali decorrentes foram prestados avales por E…, F… e G…, em livrança subscrita pela sociedade embargante, preenchida em 03/07/2017 no valor de €411.949,19 (quatrocentos e onze mil, novecentos e quarenta e nove euros e dezanove cêntimos) –
D) Crédito emergente do Contrato identificado com o número PT ……………….. –
a) Celebrado em 29 de dezembro de 2009 por documento particular datado de 29 de dezembro de 2009, no montante de €400.000 (quatrocentos mil euros);
b) Taxa de juro correspondente à medida aritmética simples das taxas Euribor a 3 meses, acrescida de um spread de 2.625% donde resulta uma taxa de juros nominal de 3.341% do ano, acrescida, em caso de incumprimento, de sobretaxa de 4%;
c) Tal contrato foi objeto de alteração formalizada por documento particular celebrado em 9 de outubro de 2013, no qual foi fixado um período de carência de 12 meses no pagamento de juros, bem como foi também fixado que, em situação de incumprimento, acresceria uma sobretaxa de 3% -
d) Para segurança do mesmo, bem como das responsabilidades dali decorrentes foram prestados avales por E…, F… e G…, em livrança subscrita pela sociedade embargante, preenchida em 03/07/2017 no valor de €218.544,89 (duzentos e dezoito mil, quinhentos e quarenta e quatro euros e oitenta e nove cêntimos).
E) Crédito emergente do Contrato identificado com o número PT ………………. –
a. Celebrado em 5 de abril de 2013 por documento particular, no montante de €1.513.207,98 (um milhão quinhentos e treze, duzentos e sete euros e noventa e oito cêntimos);
b. Taxa de juro nominal variável, indexada à Euribor a 3 meses, acrescida de um spread de 5% donde resulta uma taxa de juros nominal de 5.206% ao ano, sendo que, em caso de incumprimento seria acrescida de sobretaxa de mora de 4%;
c. Tal contrato foi objeto de alteração formalizada por documento particular celebrado em 9 de outubro de 2013, no qual foi fixado um período de carência de 12 meses no pagamento de juros, bem como fixado que, em situação de incumprimento, acresceria uma sobretaxa de 3% - correspondente à medida aritmética simples das taxas Euribor a 3 meses, acrescida de um spread de 2.625% donde resulta uma taxa de juros nominal de 3.341% do ano, acrescida, em caso de incumprimento, de sobretaxa de 4%;
d. Para segurança do mesmo, bem como das responsabilidades dali decorrentes foram prestados avales por E…, F… e G…, em livrança subscrita pela sociedade embargante, preenchida em 03/07/2017 no valor de €1.059.295,07 (um milhão e cinquenta e nove mil, duzentos e noventa e cinco euros e sete cêntimos);
e. Para segurança de tal contrato, foi ainda constituída hipoteca genérica pela aqui devedora e por terceiros, sobre os seguintes imóveis:
I. Prédio urbano composto por armazém de rés-do-chão e primeiro andar, situado na zona industrial do …, lugar do …, freguesia de …, concelho de Trofa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 3996 e descrito na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel de Trofa sob o número 987 da freguesia de …;
II. Prédio urbano sito no lugar do …, freguesia de …, concelho de …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 3350 e descrito na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel de Trofa sob o número 959, da freguesia de …;
III. Fração autónoma designada pela letra A, que faz parte do prédio urbano sito no Lugar de …, freguesia de …, concelho de Trofa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 985 e descrito na Conservatória do Registo Predial da trofa sob o número 642 da freguesia de …;
IV. Prédio rústico composto por terreno de cultura denominado “…” situado em …, freguesia de …, concelho de Vila do Conde, inscrito na respetiva matriz rústica sob o artigo 428 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o número 612 da freguesia …;
V. Fração autónoma designada pela letra “L” do prédio urbano, denominado lote 69-A, situado no sítio da …, freguesia de …, concelho de Esposende, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 916 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o número 552 da freguesia de …;
7. Atento o incumprimento das obrigações emergentes dos contratos acima referidos, foram preenchidas as respetivas livranças, à data de 3/07/2017, pelo que permanecem em dívida as seguintes quantias, conforme se discrimina infra:
a) Quanto ao crédito emergente do Contrato identificado com o número PT ……………..: €53.716,12
• Capital: €50.345,07;
• Juros calculados desde a data de vencimento da livrança (03/07/2017), até 06/03/2019, à taxa de 4%: €3.371,05;
b) Quanto ao crédito emergente do Contrato identificado com o número PT ……………..: €131.393,84
• Capital: €123.147,99;
• Juros calculados desde a data de vencimento da livrança (03/07/2017), até 06/03/2019, à taxa de 4%: €8.245,85;
c) Crédito emergente do Contrato identificado com o número PT ………………: €439.532,86;
• Capital: €411.949,19;
• Juros calculados desde a data de vencimento da livrança (03/07/2017), até 06/03/2019, à taxa de 4%: €27.583,67;
d) Crédito emergente do Contrato identificado com o número PT ………………: €233.178,42
• Capital: €218.544,89;
• Juros calculados desde a data de vencimento da livrança (03/07/2017), até 06/03/2019, à taxa de 4%: €14.633,53;
e) Crédito emergente do Contrato identificado com o número PT ……………….:
€1.129.157,35
• Capital: €1.058.295,07;
• Juros calculados desde a data de vencimento da livrança (03/07/2017), até 06/03/2019, à taxa de 4%: €70.862,28;
8. Aos valores supra identificados, acrescerão sempre os respetivos juros de mora vincendos, calculados desde a data de vencimento das livranças até efetivo e integral pagamento.
9. Fixando-se, à data de 06.03.2019 (antes da entrada da petição inicial nos autos principais), a quantia global em dívida no montante de €1.986.978,59 (um milhão, novecentos e oitenta e seis mil, novecentos e setenta e oito euros e cinquenta e nove cêntimos).
10. Para garantia das referidas obrigações veio a ser constituída hipoteca genérica sobre os imóveis melhor identificados supra, para garantia e segurança do pagamento pontual das obrigações assumidas e ou a assumir pela sociedade embargante, perante as Instituições ali melhor identificadas, exclusivamente de mútuos, aberturas de crédito de qualquer natureza, reestruturação e alterações contratuais ou de crédito, descobertos em contas à ordem, letras, livranças, cheques, garantias bancárias, fianças e avales.
11. Mais se convencionou que a referida hipoteca garantia as responsabilidades assumidas pela aludida sociedade até ao montante global, em capital, de €2.479.710,99, distribuídos por cada uma das Instituições melhor identificadas nas respetivas certidões do registo predial.
12. Nomeadamente e, no que à sociedade embargada diz respeito, encontra-se garantido o montante de capital de €605.033,58, ao qual acresce o juro anual de 11,45% sobrevindo a sobretaxa até 4% em caso de mora, a título de cláusula penal e despesas, estimadas, para efeito de registo em €99.188,44 (correspondente a 4% do capital garantido e cabendo a cada uma das instituições 4% do respetivo montante).
13. A hipoteca em apreço encontra-se devidamente registada na Conservatória de Registo Predial, pela AP. 2998 de 2013/04/05, pelo montante máximo assegurado de €3.728.245,47 e a propriedade dos seguintes bens imóveis está inscrita a favor da sociedade embargante,
I. Prédio urbano composto por armazém de rés-do-chão e primeiro andar, situado na zona industrial do …, lugar do …, freguesia de …, concelho de Trofa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 3996 e descrito na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel de Trofa sob o número 987 da freguesia de …;
II. Prédio urbano sito no lugar do …, freguesia de …, concelho de Trofa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 3350 e descrito na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel de Trofa sob o número 959, da freguesia de …;
III. Fração autónoma designada pela letra A, que faz parte do prédio urbano sito no Lugar de …, freguesia de …, concelho de …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 985 e descrito na Conservatória do Registo Predial da trofa sob o número 642 da freguesia de …;
14. Após despacho proferido em 11.03.2019 (referência 401955634), a carta de citação veio devolvida pelo facto de a sociedade embargante não ter atendido o agente postal (menção “não atendeu” 08-3-.2019, pelas 10h00).
15. Após despacho nesse sentido proferido em 09.04.2019 (referência 403034965), a citação da sociedade embargante, nos autos de insolvência, foi feita através de depósito da carta em 17.04.2019 no apartado postal indicado pela própria para receber a distribuição postal, sita Zona Industrial da … - Apartado …, …-… … - Trofa, por não dispor de recetáculo postal na morada que consta como sendo sua sede, no Registo Comercial (menção “Na impossibilidade de Entrega depositei no Recetáculo Postal Domiciliário da morada indicada a citação a ela referente” 17-4-19, às 11h00”).
16. Tendo sido considerada regulamente citada, e não tendo apresentado contestação, veio a sociedade embargante a ser declarada insolvente por sentença de 05.06.2019.
17. A sociedade embargante é uma sociedade com cerca de 20 anos de atividade e de implementação no mercado competitivo.
18. A sociedade embargante obteve, desde o início da sua atividade comercial no setor da transformação e comercialização de aços inoxidáveis, um crescimento sustentável, com boa liquidez.
19. A empresa foi crescendo e investindo, na generalidade, com o apoio da banca, especialmente com o H…, S.A., I…, Banco J…, S.A., D… e K….
20. As suas vendas centram-se cerca de 80% para o mercado nacional e o remanescente divide-se entre o mercado comunitário e extracomunitário.
21. No que diz respeito às compras, cerca de 30% são efetuadas no mercado nacional, o restante dividido entre o mercado comunitário e extracomunitário.
22. Esta rota de crescimento acentuou-se em 2006 e 2007, no entanto, a partir de 2009, começou a revelar um decréscimo, ao qual não será alheio a crise económica que se viveu na Europa e EUA.
23. Assim, de um setor de atividade com um potencial de crescimento acentuado, passou-se para um setor mais instável e com menores margens de lucro do que seria de supor, associado a um maior risco no crédito concedido.
24. Porém, e por causa da conjuntura do mercado, a empresa viu reduzidas as margens de lucro.
25. A sociedade embargante teve de suportar um aumento brutal dos custos fixos e financeiros da divida já existente.
26. A sociedade embargante continua no ativo.
27. A sociedade embargante cedeu os trabalhadores e os ativos tangíveis e intangíveis à sociedade L…, S.A.
28. As receitas mensais ascendem a cerca de 32.000,00 euros (com IVA incluído).
29. O número atual de funcionários é de 26.
30. Através dessa cedência, a sociedade mantém todos os funcionários em laboração, prestando serviços à sociedade L…, SA.
31. No Processo especial de revitalização apresentado, aprovado e homologado no Processo n.º 3529/17.8T8STS que correu termos no Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 3, foi assumido que o mesmo tinha por finalidade expor um conjunto de medidas necessárias à manutenção da atividade, sob a administração da sociedade embargante.
32. A proposta de plano de recuperação consignou como principais objetivos e linhas orientadoras:
- Melhoria dos índices de comercialização da empresa, assumindo uma nova abordagem no mercado onde desenvolve a sua atividade;
- Redução do endividamento e gastos financeiros, através da renegociação da divida com os credores;
- Alteração do paradigma económico, apesar da redução significativa dos fluxos monetários, gerando uma melhor performance económica, aumentando a margem de lucro da devedora;
- Internacionalização da empresa;
- Implementação de nova área de Negócio, fabrico de produto acabado para exportação;
- Criação de um novo departamento voltado essencialmente para a investigação e desenvolvimento do produto;
- A ideia base consiste na elaboração de um plano que preveja uma forma de liquidar os créditos aos credores, através de uma reestruturação de dívidas.
33. Sendo que o PER em causa foi aprovado com os votos favoráveis de 50,22% da totalidade dos créditos relacionadas na lista provisória de créditos, PER que viria a ser homologado.
34. Na sequência da falta de pagamento do valor mensal à sociedade embargada no valor de €25.239,54, a sociedade embargante entrou em contacto com a requerente para saber da possibilidade de adquirir este crédito.
35. Entre janeiro e fevereiro de 2019, no âmbito de uma reunião com a sociedade embargada, nas instalações da empresa, efetuou uma proposta de aquisição do crédito da aqui requerente, ficando a aguardar uma resposta da mesma.
36. Tal proposta não foi aceite, tendo sido apresentada a petição inicial nos autos principais em 07.03.2019.
37. A devedora é proprietária dos seguintes prédios:
A) LOTE 16 - artigo 1833
B) LOTE 44 - artigo 2294
C) LOTE 38 - artigo 985
38. De valor não concretamente apurado, mas com uma avaliação efetuada pela sociedade embargante no montante de €840.198,00.
39. Tem os salários em dia, através da cedência 1. à sociedade L…, S.A.
40. Possui instalações e máquinas para desenvolver o negócio, cedidas à sociedade L…, S.A.
41. Do PER homologado, a devedora expressamente indicou o seu passivo e o seu ativo.
42. O ativo da sociedade embargante ascendia a €7.193.609,51 (sete milhões, cento e noventa e três, seiscentos e nove euros e cinquenta e um cêntimo) e o valor total dos créditos reclamados e que consubstanciavam o seu passivo, cifrava-se em €14.842.532,91 (catorze milhões oitocentos e quarenta e dois mil, quinhentos e trinta e dois euros e noventa e um cêntimos).
43. Os credores H… e M…, S.A., à semelhança do requerimento deduzido pela sociedade embargada, vieram opor-se à suspensão da liquidação e à apresentação de um qualquer plano de insolvência, face ao histórico de incumprimento da devedora e avultado passivo.
44. À data da elaboração do relatório do Administrador de insolvência, foi apresentada uma Lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos no montante total de €15.341.170,37 (quinze milhões, trezentos e quarenta e um mil, cento e setenta euros e trinta e sete cêntimos).
45. A sociedade embargante regista dívidas à autoridade tributária no montante global de €1.673.617,34.
46. A sociedade embargante regista dívidas à segurança social (ISS, IP), no montante de €715.848.
47. Correm termos os processos n.º 194/09.0BPNF e 367/09.5BEPNF no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel e ainda a sociedade embargante é autora numa ação de condenação onde figura como réu, o banco D…, S.A., e que se encontra a correr termos no Tribunal da Comarca do Porto – Póvoa de Varzim – Juízo Central Cível – Juiz 1, sob o número 1567/17.0T8PVZ.
48. A sociedade embargante tem depositada na Autoridade Tributária uma caução no valor de €762,94 proveniente do pedido de penhora n.º 421920170000126959.
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4. Conhecendo do mérito do recurso
4.1. Da nulidade da citação
Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal a quo, que julgou improcedentes os embargos e declarou a insolvência da recorrente.
Entendeu o Senhor Juiz a quo que a citação ocorrida no processo de insolvência é válida e que se encontravam reunidos os pressupostos de facto e de direito para ser decretada a insolvência.
Deste entendimento dissente a recorrente.
Apreciemos, então, a primeira questão.

Segundo o disposto no artigo 246.º do Código de Processo Civil, o regime de citação de pessoas colectivas é idêntico ao da citação das pessoas singulares, com as devidas adaptações e as especialidades constantes dessa disposição legal.
A citação é feita por via postal, através de carta registada com aviso de recepção (artigo 228.º, nº 1), e a carta de citação “é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas do Registo Nacional de Pessoas Colectivas” (artigo 246.º, nº 2). Sendo devolvida a carta, “é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de recepção à citanda e advertindo-a da comunicação constante do nº 2 do artº 230, observando-se o disposto no nº 5 do artigo 229º” (artigo 246.º, nº 4).
Ou seja: desta segunda tentativa de citação deverá resultar claro para a citanda que a citação se considerará validamente “efectuada na data certificada pelo distribuidor do serviço postal” (artigo 230.º, nº 2), que deverá também certificar “o local exacto em que depositou o expediente e remeter de imediato a certidão ao tribunal” (artigo 229.º, nº 5), com as consequências legalmente aplicáveis, “presumindo-se que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados” (artigo 230.º, nº 2, in fine)
No caso vertente, por requerimento apresentado em 7/03/2019, a aqui recorrida requereu a declaração da insolvência da devedora B…, Lda, aqui recorrente.
Por despacho datado de 11 de Março de 2019, determinou o Tribunal a quo, a citação da requerida, aqui recorrente, com as cominações legais.
A referida primeira missiva, foi remetida para a morada da devedora, sita na Rua …, Zona industrial …, N.º …, Trofa, …., …, sendo que a missiva não foi reclamada pela recorrente, por motivo que lhe é em exclusivo imputável.
Em face da devolução do expediente, por despacho datado de 9/04/2019, o Tribunal a quo ordenou fosse dado cumprimento ao disposto no n.º 4, do artigo 246º, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do disposto no artigo 17º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Assim, veio a ser promovida uma segunda tentativa de citação, desta feita tendo, inclusive, sido efectuado o depósito da carta, no correspondente receptáculo.
Decorrido o prazo legal concedido a devedora, aqui recorrente, remeteu-se ao silêncio, nada tendo dito nos autos, pelo que, em 5/06/2019 veio a ser proferida sentença que declarou a insolvência da aqui Recorrente.
Ora, de acordo com o disposto no n.º 2, do artigo 246.º do Código de Processo Civil, as pessoas colectivas são citadas na morada da sua sede e que consta do respectivo registo.
Vem alegar, todavia, a recorrente que não foram citados os legais representantes da devedora.
Afigura-se-nos, no entanto, dado que a sociedade, aqui recorrente, foi chamada a pronunciar-se por si mesma, como resulta claro que foi, torna-se desnecessária a audição do seu legal representante.
Com efeito, as sociedades são pessoas coletivas que a lei, por ficção, considera “pessoas”. (…) Assim, o Código de Processo Civil dispõe que as pessoas coletivas são citadas por carta registada com aviso de receção enviada para a respetiva sede – artigos 246.º, n.ºs. 1 e 2 e 228.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A carta é enviada para a sede constante do Registo Nacional de Pessoas Coletivas. Se o representante legal da sociedade recusar recebê-la, é lavrada nota do incidente e considera-se feita a citação – artigo 246.º, n.º 3. Nos restantes casos de devolução do expediente, é confirmada a morada da sede constante do registo e enviada para aí nova carta registada com aviso de receção, advertindo a sociedade de que se considera citada na data certificada pelo distribuidor postal ou no 8º dia depois de depositado o aviso para ir levantar a carta - artigos 246.º, n.º 4, 230.º, n.º 2 e 229.º, n.º 5 do Código de Processo Civil. (…) Este procedimento é novo, foi estabelecido pelo Código de Processo Civil de 2013, e destina-se a impedir que os destinatários procurem subtrair-se à ação da justiça, como alguns faziam constantemente no domínio do anterior Código de Processo Civil. Isto não põe em causa o acesso ao tribunal e a tutela judiciária dos direitos; pelo contrário só os reforça.
Acresce que, no caso em apreço, provou-se que após despacho proferido em 11.03.2019, a carta de citação veio devolvida pelo facto de a sociedade embargante não ter atendido o agente postal (menção “não atendeu” 08.03.2019, pelas 10h00).
Ademais, após despacho nesse sentido proferido em 09.04.2019 (referência 403034965), a citação da sociedade embargante, nos autos de insolvência, foi feita através de depósito da carta em 17.04.2019 no apartado postal indicado pela própria para receber a distribuição postal, sita Zona Industrial … - Apartado …, …. - … …, Trofa, por não dispor de receptáculo postal na morada que consta como sendo sua sede, no Registo Comercial (menção “Na impossibilidade de Entrega depositei no receptáculo postal domiciliário da morada indicada a citação a ela referente” 17.04.2019, às 11h00”).
De resto, a recorrente reconhece que o apartado é válido na presente data e, que era também válido na data em que foi operada a citação, sendo aí que recebe todo o seu correio.
Para se concluir pela falta de citação nos termos do artigo 188º, n.º 1, al. e) do Código de Processo Civil não basta a alegação pelo destinatário de que não teve conhecimento do acto de citação, é ainda necessário que seja alegado e provado não só que tal aconteceu, mas ainda que aconteceu devido a facto que não lhe é imputável.
No caso concreto, verifica-se que a recorrente não dispõe de receptáculo na morada que tem registada como sua sede, pois recebe-a no apartado, justamente, onde se provou ter sido depositada a citação para os presentes autos.
Ao contrário do que pretende fazer crer a recorrente, não logrou esta provar que não teve efectivamente conhecimento da citação, sendo que o que resultou provado é que toda a sua correspondência é efectivamente recebida no apartado, pelo que o alegado desconhecimento que invoca, sempre lhe seria imputável.
Ora, se a citação para o apartado é válida quando a morada é genérica, mais terá de se ter como válida a citação quando a empresa não dispõe de caixa postal na sua sede e, também confessadamente, refere que toda a sua correspondência é remetida para o Apartado.
De resto, ao contrário do que pretende a Recorrente fazer crer, não ocorreu nenhuma violação dos princípios constitucionalmente consagrados, tendo sido salvaguardados todos os direitos de defesa e de contraditório da devedora, pois esta foi regularmente citada, e poderia ter apresentado a sua defesa, no prazo estabelecido para tal, e não o fez, por motivo que lhe é imputável em exclusivo.
Acresce que, conforme já referimos, o referido regime legal não coloca em causa o acesso ao tribunal e a tutela judiciária dos direitos, pelo contrário apenas os reforça.
Assim, apenas se poderá considerar que a citação da Requerida, aqui Recorrente, foi válida e regularmente citada, não se verificando a existência de qualquer nulidade.
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- Da solvência da recorrente
Entendeu, ainda, o Senhor Juiz a quo que se encontravam reunidos os pressupostos de factos e de direito para ser decretada a insolvência.
Deste entendimento dissente a recorrente.
Apreciemos, então, a segunda questão.

Evola do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 40.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que “Podem opor embargos à sentença declaratória da insolvência: o devedor em situação de revelia absoluta, se não tiver sido pessoalmente citado”.
A questão a apreciar consiste em aferir se a embargante, aqui recorrente, se encontrava em estado de insolvência.
Prescreve o n.º 1, do artigo 1.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril que “O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores”.
Por sua vez, prescreve o nº 1, do art. 3º, do referido diploma, que “É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.
Acrescenta o nº 2, do referido preceito e diploma, que “As pessoas colectivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma directa ou indirecta, são também considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliado segundo as normas contabilísticas aplicáveis”.
No artigo 3º o Código caracteriza o pressuposto substantivo cuja verificação constitui condição sine qua non do desencadeamento do regime que consagra. Trata-se de estabelecer os contornos da situação de insolvência.
A partir de um ponto fundamental comum ao Direito pregresso, evidenciam-se, no entanto, divergências muito relevantes que cumpre assinalar.
O ponto comum respeita ao conceito básico de insolvência, traduzido na impossibilidade de cumprimento, pelo devedor, das suas obrigações, que se acolhe, expressis verbis, no n.º 1, do preceito.
Era também esta a noção assumida no n.º 1, do artigo 3.º, do CPEREF, o qual, por sua vez, retomara a solução já antes contemplada no artigo 1135.º, do Código de Processo Civil e no artigo 1.º, do Decreto-Lei nº 177/86, de 2 de Julho.
Mas logo o texto do n.º 1, deste artigo 3.º, revela duas diferenças manifestas com o do paralelo n.º 1, do art. 3.º, do CPEREF..
Por um lado, omitiu-se a referência à pontualidade como característica essencial do cumprimento; por outro, abandonou-se a indicação das causas determinantes da penúria do devedor. Todavia, o abandono do primeiro aspecto não pode ser entendido com o sentido de envolver uma modificação do sentido consolidado nos ensinamentos da doutrina.
Realmente é, em bom rigor, inerente à ideia do cumprimento a realização atempada das obrigações a cumprir, visto que só dessa forma se satisfaz, na plenitude, o interesse do credor e se concretiza integralmente o plano vinculativo a que o devedor está adstrito.
Neste sentido, não interessa somente que (ainda) se possa cumprir num momento futuro qualquer; importa, igualmente, que a prestação ocorra no tempo adequado e, por isso, pontualmente.
Pensamos que a menção legal à impossibilidade de cumprir obrigações vencidas - e, logo, exigíveis - é suficiente para justificar a necessidade da pontualidade na actuação do devedor.
Por sua vez, segundo o que resulta da parte final do n.º 1, do preceito em análise, só são determinantes, para a caracterização da impossibilidade do cumprimento, as obrigações vencidas.
Só o incumprimento de obrigações vencidas susceptibiliza o requerimento de insolvência por iniciativa de outro legitimado que não o próprio devedor, o que, de resto, é confirmado pela disposição do artigo 20°, nº 1, alínea a); e, por outro, à possibilidade de, em caso de insolvência iminente, o devedor poder, desde logo, requerer judicialmente que ela seja declarada.
Na realidade, houve um manifesto intuito legislativo de, ao proceder à reformulação geral do instituto da insolvência, procurar agilizar a solução de situações cuja continuidade só pode ser fonte de inconvenientes, para os credores e para o tráfego em geral.
Por sua vez, de há muito que tem sido geral e pacificamente entendido pela doutrina e pela jurisprudência que, para caracterizar a insolvência, a impossibilidade de cumprimento não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas.
O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
Assim mesmo, pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para fundar saúde financeira bastante.
Assim, se, por hipótese, uma sociedade comercial com algumas centenas de trabalhadores entra em ruptura quanto aos seus encargos previdenciais e deixa também de honrar as dívidas com os seus credores bancários mais relevantes, ela não deixará de se encontrar numa situação de insolvência actual, apesar de manter religiosamente o pagamento aos seus colaboradores e mesmo assegurar o serviço da dívida a um ou outro banco.
Ao contrário, o facto de, porventura, deixar atrasar, circunstancialmente, o pagamento dos salários, continuando, no entanto, a pagar aos credores bancários, fornecedores e ao sector público, não será, só por si, caracterizador do estado de insolvência em termos de se requerer a correspondente declaração.
Todavia, o estado de insolvência não é um dado patente ou imediatamente apreensível. Para o tornar evidente a lei socorre-se de sinais exteriores que tipicamente o revelam: os chamados índices, factos-índices ou factos presuntivos da insolvência.
Os factos-índices da insolvência eleitos pela lei são, entre outros: a suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas; falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo valor ou pelas circunstâncias do incumprimento, revelem a impossibilidade de satisfação pontual da generalidade das duas obrigações; a insuficiência dos bens penhoráveis para pagamento do crédito verificada em processo executivo movido contra o devedor; incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas tributárias ou de contribuições para a segurança social, de dívidas emergentes do contrato de trabalho ou sua cessação e violação e, tratando-se de pessoa colectiva ou de património autónomo, manifesta superioridade do passivo sobre o activo, documentada no último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, desde que legalmente exigível (artº 20 nº 1, a), b) e), g), i), ii), iii) e h) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
Esta técnica legislativa coloca, naturalmente, o problema do valor dos factos-índices, quer dizer, do efeito que produzem uma vez verificados. Trata-se de saber se actuam como causas iniludíveis de insolvência ou antes como simples presunções iuris tantum desse estado.
Em face do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas a resposta exacta é esta: os factos-índices operam como simples presunções susceptíveis de ser elididas por prova em contrário e não como causas necessariamente determinantes da declaração de insolvência.
Desde que se admite o devedor a produzir prova para demonstrar não só que o facto-índice invocado como fundamento da declaração da insolvência não existia, ou não existia com os caracteres exigidos na lei, mas também, em qualquer caso, que não existe o estado de insolvência, é claro que a verificação do facto-índice não determina necessariamente a declaração da insolvência, podendo ser elidida pela prova de que o devedor não caiu nessa situação (artigo 30º, nºs 3 e 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas). De resto, o legislador prevenindo a dúvida - que se colocou na vigência do CPEREF - teve o cuidado de salientar, no preâmbulo do diploma que aprovou aquele Código (nº 19, in fine) o carácter elidível das presunções consubstanciadas nos factos indiciários.
O estado de insolvência não se revela necessária e iniludivelmente através dos factos índices e, portanto, apesar da sua verificação, não se segue, como corolário lógico, que não pode ser afastado, a declaração de insolvência.
É, porém, sobre o devedor que a lei, terminantemente, faz recair o encargo da prova quer da inexistência do facto índice, quer da inexistência da situação de insolvência (artigo 30º, nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e 342º, nº 2 do Código Civil), o que não sucedeu no caso vertente.
Com efeito, da factualidade assente sob os pontos 17 e seguintes concatenada com os preceitos atrás referidos e sempre com o devido respeito por opinião diversa entendemos que na data em que foram instaurados os autos de insolvência a aqui recorrente encontrava-se insolvente, o que justificava o recurso ao processo de insolvência e o decretar da insolvência.
Aliás, os factos dados como provados revelam, isso sim, que a apelante não possui crédito e património activo líquido suficiente para saldar o seu passivo vencido, sendo que do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas resulta que quando se constate a falta do cumprimento de uma obrigação (ou mais obrigações) que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações poderá o credor lançar mão do processo de insolvência.
Assim sendo, encontrando-se, pois, demonstrada a situação de insolvência da recorrente, a qual é actual, bem andou o Tribunal a quo ao decretar a insolvência da mesma.
Impõe-se, por isso, a improcedência da apelação.
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Sumariando em jeito de síntese conclusiva:
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5. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
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Custas a cargo da apelante.
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Notifique.

Porto, 08 de Setembro de 2020
Os Juízes Desembargadores
Paulo Dias da Silva (Rto 337)
João Venade
Paulo Duarte Teixeira
(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas)