Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
596/11.1TVPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ATAÍDE DAS NEVES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CRÉDITO LITIGIOSO
Nº do Documento: RP20160303596/11.1TVPRT.P1
Data do Acordão: 03/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 52, FLS.119-134)
Área Temática: .
Sumário: I - Estando pendente acção declarativa contra o devedor que vier a recorrer a PER (Processo Especial de Revitalização), deve, assim que instaurado este PER, aquela acção ser imediata e imperativamente suspensa, nos termos do art. 17º - E nº 1 do CIRE;
II – Suspensa a instância, deve o Autor reclamar o seu crédito no PER;
III – Caso a reclamação venha a ser impugnada pelo devedor, deve o Juiz decidir a impugnação, nos termos do art. 17º - D n.os 2 e 3 do CIRE;
IV – Caso não seja decidida a impugnação, mantendo-se o crédito litigioso, deve o Administrador provisório excluir expressamente esse crédito no plano de pagamentos do PER e também excluir a acção declarativa da extinção da instância a que se reporta a parte final do art. 17º E nº 1, devendo na acção declarativa ser levantada a suspensão da instância e ordenado o prosseguimento dos autos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 596/11.1TVPRT.P1
Relator: Ataíde das Neves
Ex.mos Desembargadores Adjuntos:
Amaral Ferreira; Deolinda Varão

Acordam na 2ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

A Massa Insolvente de B…, SA, pessoa colectiva nº … … …, com sede na Rua…, ….-… – Ponta Delgada, instaurou os presentes autos de acção declarativa nos termos do Dec. Lei nº 108/2006 contra C ACE, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de 948.065,42 €, acrescida de juros, alegando, em síntese, ter acordado com a Ré vários contratos de subempreitada, cujos trabalhos foram realizados pela Autora depois de aprovados pelo Empreiteiro, e tendo como base os Autos de Vistoria e Medição, sendo que estes não reflectiam com rigor os trabalhos efectivamente executados, sendo as medições feitas por aproximação e sempre por defeito, pelo que os montantes facturados eram inferiores ao valor dos trabalhos realizados, existindo subfacturação, correspondendo o valor peticionado ao que ficou por facturar na várias subempreitadas realizadas e que a Autora descrimina na petição inicial.

Citada a Ré, veio esta contestar e deduzir pedido reconvencional, por compensação de créditos, concluindo no sentido da total improcedência do pedido contra si formulado pela Autora e na condenação desta a pagar-lhe a quantia de 51.193,75, acrescida de juros, mais pedindo a condenação da Ré como litigante de má fé.

Na pendência da acção, veio a Ré noticiar nos autos que a Autora/Reconvinda se submetera a Processo especial de Revitalização (PER), encontrando-se o processo respectivo pendente no 4º Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada (575/14.7TBPDL), requerendo que seja decretada nos presentes autos a suspensão da instância, nos termos do art. 17º €, nº 1 do CIRE.

Sem dada sem efeito a audiência de julgamento entretanto designada, foi proferido despacho de suspensão da instância ao abrigo daquele normativo, após o que se oficiou ao tribunal do PER a solicitar informação sobre se foi homologado Plano de recuperação e a tê-lo sido se este prevê a continuação das acções em curso.

Foi junto aos autos a decisão que homologou o Plano de Revitalização, constando a mesma de fls. 1040 a 1042 dos presentes autos.

Veio a Ré reconvinte C... ACE requerer o prosseguimento dos autos.

Por decisão de 26 de maio de 2015, constante de fls. 1057 e seguintes dos autos, veio a ser proferia sentença, a qual, não contendo propriamente um dispositivo, considerou:
“Atentos os pedidos formulados na contestação-reconvenção e o posteriormente decidido e informado pelo Tribunal acima referido, com a mesma (ação cruzada) visa a Reconvinte a cobrança de dívida da Reconvinda, pois o que a aquela pretende são pagamentos.
A ação reconvencional de cobrança, atenta a informação de que o plano de recuperação, aprovado e homologado, não prevê a sua continuação, face ao que dispõe o referido art. 17º-E, nº1, do CIRE e atenta a jurisprudência citada, que se segue, por conforme à lei, a pretensão formulada pela Ré/Reconvinte encontra-se extinta, pelo que ao abrigo do art. 277º, al. e), do CPC, se considera extinta a reconvenção por impossibilidade superveniente da lide.

Atenta a dependência das questões que estão em causa nos autos, conclua a fim de determinar o prosseguimento da ação, com marcação de data para a audiência de julgamento, mas apenas após transito em julgado da presente decisão pois é necessário que se fixe, definitivamente, se a mesma prossegue só para apreciação da ação ou se também deve ser apreciada a reconvenção.”

Inconformada com esta decisão, dela veio a Ré reconvinte C… ACE apelar para este Tribunal da Relação do Porto, oferecendo as suas alegações, as quais terminam com as seguintes conclusões:
I. Salvo o devido respeito que nos merecem a opinião e a ciência jurídica da Meritíssima Juiz a quo, afigura-se à Recorrente que a douta sentença de fls. de 31-05-2015, que julgou extinta a Reconvenção da Ré/Reconvinte/Recorrente por força da homologação do plano de recuperação da aqui Recorrida no âmbito do PER não poderá manter-se por consubstanciar uma solução que viola os preceitos legais e os princípios jurídicos aplicáveis, afigurando-se como injusta e não rigorosa.

II. Antes de mais, cumpre esclarecer que, ao contrário do que se pode ler na sentença recorrida, a questão da aplicação do n.º 1 do artigo 17.º- E do CIRE não se encontra definitivamente resolvida, caso contrário o Tribunal a quo não teria agora proferido a sentença recorrida, e ter-se-ia abstido de decidir a mesma questão duas vezes.

III. A única questão já definitivamente decidida pelo Tribunal a quo foi a suspensão dos presentes autos em virtude da nomeação de administrador judicial provisório no âmbito do PER, e não a extinção do pedido reconvencional deduzido pela Recorrente em virtude da homologação do plano de recuperação, que apenas agora, através da decisão recorrida, foi objecto de decisão, sendo certo que o facto de à presente acção ter sido já aplicado o n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE para a suspender não determina necessariamente a aplicação do referido preceito lugar para extingui-la.

IV. Por um lado porque a sua aplicação não é automática, isto é, não é pelo facto de uma acção ter ficado suspensa em virtude da nomeação de administrador judicial provisório no âmbito do PER que tem necessariamente de ser extinta pela homologação do plano de recuperação e, por outro lado, porque o tratamento do crédito em questão no âmbito do PER não é indiferente à circunstância de a acção dever ser ou não extinta após a homologação do plano de recuperação.

V. Refira-se também que na fase inicial do PER da Recorrida, isto é, após a nomeação do administrador judicial provisório, justificou-se efectivamente a suspensão da presente acção, porquanto, a Recorrente devia – como fez – fazer valer o seu direito no PER, o qual podia, aliás, ter ficado aí definitivamente estabilizado, caso o seu crédito fosse reconhecido pelo administrador judicial provisório (como foi) e a Recorrida não tivesse impugnado a lista provisória de créditos (como impugnou) ou, ainda que o fizesse, caso o Tribunal onde correu termos o PER tivesse decidido do mérito da questão relacionada com o crédito reclamado pela Recorrente, caso em que a presente acção deveria extinguir-se.

VI. No entanto, a verdade é que, tendo o crédito da Recorrente sido impugnado e não tendo sido objecto de decisão de mérito pelo Tribunal onde correu termos o PER, nunca poderia a reconvenção da Recorrente ser julgada extinta, como foi pela sentença recorrida, conforme adiante melhor se demonstrará.

VII. Sendo certo que quer a impugnação da lista provisória de créditos quer a decisão proferida sobre a impugnação apenas ocorrem em momento posterior à suspensão da presente acção, o que significa que apenas em momento posterior é possível aferir o destino que deve ser dado à acção em curso, como adiante também melhor se demonstrará.

VIII. Importa ainda referir que o fim subjacente à segunda parte do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, isto é, à suspensão das acções em curso contra o devedor durante o período do PER visa, como bem refere a sentença recorrida, proporcionar ao devedor um período de calma para que se concentre na sua recuperação, o que por si só justifica a amplitude com que tem vindo a ser aplicada na prática à generalidade das acções sem que, nesse momento inicial, se afira ou tenha sequer de aferir se, em momento posterior, tais acção terão de ser extintas ao abrigo da terceira e última parte da referida norma.

IX. Isto posto, a decisão recorrida julgou – a nosso ver, mal – extinta a Reconvenção deduzida pela Ré/Reconvinte/Recorrente contra a Autora/Recorrida por impossibilidade superveniente da lide, ao abrigo do disposto nos artigos 17.º-E n.º 1 do CIRE e 277.º e) do CPC.

X. Ora, em primeiro lugar, não pode a Recorrente conformar-se com o entendimento do Tribunal a quo de que a “(…) a pretensão formulada pela Ré/Reconvinte encontra-se extinta, entendimento esse desprovido de qualquer fundamentação na sentença recorrida.

XI. Na verdade, a pretensão da Recorrente contra a Recorrida mantém-se inalterada porquanto a Recorrente arroga-se titular de um direito de crédito sobre a Recorrente, direito de crédito esse que a Recorrida não aceita nem reconhece, sendo por isso litigioso, sendo certo que a existência ou não do crédito da Recorrente sobre a Recorrida não foi objecto de apreciação no âmbito do PER da última, porquanto, apesar de a Recorrente ter reclamado créditos no âmbito do PER, os quais foram reconhecidos pelo Administrador Judicial Provisório na lista provisória de créditos reconhecidos, a aqui Recorrida impugnou a referida lista no que diz respeito ao crédito da Recorrente e o Tribunal não decidiu do mérito das reclamações.

XII. Face ao exposto, isto é, não tendo sido proferida qualquer decisão judicial sobre o direito de crédito de que a Recorrente se arroga titular sobre a Recorrida e que esta não aceita, dúvidas não existem de que a pretensão da Recorrente nos presentes autos se mantém inalterada.

XIII. Noutra ordem de considerações, discorda a Recorrente da tese perfilhada pelo Tribunal a quo que determinou a extinção do pedido reconvencional daquela contra a aqui Recorrida por impossibilidade superveniente da lide porquanto a presente acção foi movida pela devedora, aqui Recorrida, que recorreu a PER contra a aqui Ré/Reconvinte/Recorrente, e não por este contra aquele, pelo que não cabe a presente acção no âmbito legal da norma ínsita no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, o que significa que, não obstante o plano de recuperação da aqui Recorrida nada prever quanto à continuidade das acções em curso, tal circunstância nenhuma consequência acarreta para os presentes autos, que devem prosseguir os seus termos.

XIV. Acresce que, por um lado, a relação material controvertida em causa nos presentes autos e que constitui a causa de pedir da petição inicial da Recorrida e a Reconvenção da Recorrente é uma só e, por outro lado, o pedido formulado pela Recorrida e a defesa deduzida pela Recorrente e o seu pedido reconvencional formulado contra a Recorrida nesta acção encontram-se umbilicalmente ligados, devendo ser apreciados, no seu conjunto, no âmbito da mesma acção, motivo pelo qual nenhum sentido faz o prosseguimento do presente processo apenas no que diz respeito ao pedido formulado pela Recorrida.

XV. Sem prescindir, inegável é que com a sua Reconvenção a Ré/Reconvinte/Recorrente pretende a condenação da Autora/Recorrida no pagamento de determinada quantia, ou seja, que tal Reconvenção visa a cobrança de um crédito; não discorda a Recorrente do entendimento sufragado pelo Tribunal a quo na parte em que partilha da corrente maioritária de acordo com a qual no âmbito do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE tanto podem caber as acções executivas como as acções declarativas que visem a cobrança de dívida, maxime a condenação da devedora no pagamento de determinada quantia; não se discute também que o plano de recuperação da aqui Recorrida nada prevê quanto ao prosseguimento das acções em curso contra o devedor, aqui Recorrida; e, por fim, nenhuma dúvida existe também quanto ao facto de a decisão do Juiz no âmbito do PER vincular todos os credores, o que resulta do n.º 6 do artigo 17.º-F do CIRE.

XVI. No entanto, não pode a Recorrente concordar com a alegada consequência automática de extinção decorrente do facto de o plano de recuperação nada prever quanto à continuidade das acções de cobrança pendentes, conforme defende a sentença recorrida.

XVII. O legislador não definiu em concreto quais as acções sujeitas à aplicação do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE e, como tal, não obstante aceitar-se que as acções declarativas, em especial as de condenação, podem, em teoria, caber no âmbito de aplicação do n.º 1 do artigo 17.º- E do CIRE, não é possível, salvo melhor opinião, retirar da referida norma uma consequência automática para todas as acções declarativas ou para todas acções declarativas de condenação ou para todas as acções declarativas que contendam com o património do devedor em PER, ao contrário do que defende a sentença recorrida.

XVIII. Até porque tal só seria aceitável se aos credores fosse permitido efectivamente exercer, de forma plena, os seus direitos no âmbito do PER, aí se decidindo do mérito dos seus créditos, o que não é o caso, pois muitos não obtêm decisão de mérito sobre os mesmos, porquanto foram impugnados e o Tribunal apenas decidiu das impugnações para efeitos de cômputo dos votos ou simplesmente não decidiu das mesmas, como aconteceu no PER da aqui Recorrida.

XIX. Ora, em tais situações inequívoco é que os credores não podem ver as acções declarativas no âmbito das quais pediam a condenação do devedor em PER no pagamento de determinada quantia extintas pelo facto de ter sido homologado um plano de recuperação que nada prevê quanto à continuidade das acções de cobrança pendentes, pois não pode ser negada a apreciação do seu direito de crédito, sob pena de denegação de justiça violador do direito ao acesso e tutela jurisdicional efectiva constitucionalmente protegido no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e, ainda, de violação do disposto no artigo 2.º do CPC, e porque absurdo seria obrigar o credor a instaurar uma nova acção judicial com o mesmo fim.

XX. Precisamente pelo facto de o legislador não ter concretizado as acções a que se reporta o n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, antes utilizando conceitos vagos que carecem de preenchimento e apreciação face a cada caso concreto, não pode a referida norma ser objecto de uma aplicação automática, o que sempre seria exigível também face à posição da jurisprudência no sentido de não serem proferidas decisões de mérito sobre as impugnações de créditos no âmbito dos PER, situação que o legislador não podia naturalmente prever quando definiu o regime jurídico previsto no artigo 17.º-E do CIRE!

XXI. De facto, uma aplicação automática do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE como pretende a sentença recorrida apenas seria possível se necessariamente fosse proferida uma decisão de mérito sobre o crédito no âmbito do PER, o que não acontece!

XXII. Por outro lado, importa referir que o facto de um credor não reclamar créditos no PER e o seu crédito não ficar reconhecido na lista de credores não importa a perda do direito ao crédito, sendo esse precisamente o motivo da necessidade que o legislador sentiu em estabelecer, no n.º 6 do artigo 17.-F do CIRE, que a homologação do plano de recuperação vincula todos os credores, mesmo os que não hajam participado nas negociações, pois se o seu direito ao crédito se extinguisse inócua seria a referida disposição legal, pois o credor simplesmente nada teria a receber, pelo que dúvidas não existem de que os credores que não hajam reclamado créditos no PER e aí não tenham os seus créditos reconhecidos não perdem o seu direito de crédito e devem ser pagos nos termos que ficarem definidos no plano de recuperação.

XXIII. E, como tal, caso após o PER não obtenham o pagamento do seu crédito nos termos do plano de recuperação por parte do devedor, não ficam impedidos de lançar mão de acção judicial para obtenção de sentença condenatória do devedor no pagamento do seu crédito, muito embora tal pagamento apenas possa ser feito nos termos previstos no plano de recuperação, sob pena de violação do princípio de igualdade entre os credores.

XXIV. Ora, se podem ser intentadas novas acções judiciais para reconhecimento de direitos de crédito, por igualdade de razões devem as acções com esse mesmo fim prosseguir contra o devedor em PER se, no caso concreto, o credor não viu o mérito do seu crédito decidido no âmbito do PER.

XXV. Essa solução é também a única que se coaduna com o princípio da celeridade processual, com o dever de gestão processual previsto no artigo 6.º do CPC e com o princípio de aproveitamento dos actos, não levando à prática de actos inúteis.

XXVI. Por tudo quanto ficou exposto é forçoso concluir que a disposição legal ínsita na parte final do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE não é susceptível de aplicação automática.

XXVII. Imperioso é aferir a aplicação do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE à luz de cada caso em concreto.

XXVIII. Acresce que, não pode a Recorrente também concordar com a conclusão que a sentença recorrida retira da conjugação do disposto no n.º 6 do artigo 17.º-F do CIRE com o disposto no n.º 1 do artigo 17.º-E do mesmo código no sentido de ser obrigatório concluir que o preceituado no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE aplica-se a toda e qualquer acção destinada a exigir um direito de crédito.

XXIX. O n.º 6 do artigo 17.º-F do CIRE destina-se apenas a acautelar que os credores do devedor revitalizando anteriores ao PER obtêm o pagamento do seu crédito nos termos do plano de recuperação, mas tal não significa que o reconhecimento do seu crédito tem de ser obtido no âmbito do PER, o que, como vimos, as mais das vezes, não é possível dada a função e o caso julgado formal das decisões sobre as impugnações de crédito proferidas no âmbito do PER.

XXX. Assim, necessário é interpretar o disposto na parte final do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE no sentido de apenas extinguir as acções para cobrança de dívida intentadas contra o devedor que visem o reconhecimento de créditos não litigiosos, isto é, que tenham sido reconhecidos no âmbito do PER, e não aqueles que tenham sido impugnados e relativamente aos quais tenha sido proferida decisão apenas para efeitos de cômputo dos votos e com força de caso julgado formal ou sobre os quais, na verdade, não tenha recaído decisão alguma, como sucedeu no PER da Recorrida, sob pena de violação do disposto no n.º 1 do artigo 20.º da CRP.

XXXI. Permanecendo o crédito litigioso, ao credor apenas resta obter o reconhecimento do seu crédito em acção declarativa autónoma, sendo certo que o prosseguimento da acção declarativa de condenação contra o devedor revitalizando após a homologação do plano de recuperação em nada conflitua com a sua recuperação nem configura qualquer violação do princípio da igualdade dos credores.

XXXII. Aliás, violador do princípio da igualdade de credores é o entendimento perfilhado pela sentença recorrida, na medida em que obsta a que os credores que tenham visto o seu crédito impugnado no PER e seja por isso titulares de um crédito litigioso tenham o mesmo tratamento (pagamento nos termos do plano de recuperação) dos credores cujos créditos não foram colocados em crise no PER.

XXXIII. Assim, é fundamental para aferir da aplicação ou não do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE ao caso concreto a análise do crédito em questão, isto é, se ele é ou não litigioso.

XXXIV. Refira- se também que esquece-se o Tribunal a quo qual o fim visado pelo legislador quando estabeleceu o regime jurídico do PER, fazendo um errada interpretação das normas que disciplinam o regime jurídico do PER.

XXXV. O legislador pretendeu apenas que todos os credores do devedor revitalizando titulares de créditos anteriores ao PER vissem os seus créditos satisfeitos de acordo com o que ficasse previsto no plano de recuperação homologado, sem que aqueles que não reclamassem ou participassem no PER pudessem ter um tratamento privilegiado dos credores reconhecidos naquele processo.

XXXVI. Não pretendeu, no entanto, o legislador impedir ou dificultar aos credores o reconhecimento do seu crédito.

XXXVII. Com certeza não previu o legislador aquilo que é a prática da nossa jurisprudência face à tramitação do PER, isto é, que os nossos tribunais se limitassem a decidir das impugnações da lista de créditos para efeitos de cômputo dos votos, fazendo caso julgado formal, abstendo-se de decidir do seu mérito.

XXXVIII. Como tal, cabe também à jurisprudência interpretar o n.º 1 do artigo 17.-E do CIRE de acordo com o fim visado pelo legislador, abstendo-se de aplicações automáticas dos preceitos legais e interpretações assentes em conceitos, analisando cada caso concreto para efeitos de aplicação da referida norma e logrando uma solução materialmente justa.

XXXIX. Face ao exposto, indubitável é concluir que andou mal a sentença recorrida ao julgar extinta a Reconvenção da Recorrente por impossibilidade superveniente da lide.

XL. Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 17.º-E n.º 1 e 17.º-F n.º 6 do CIRE, no artigo 20.º da CRP, nos artigos 2.º, 6.º e 277.º e) do CPC, bem como o princípio da igualdade de credores, o princípio da celeridade processual e o princípio de aproveitamento dos actos, pelo que imperativo é, salvo melhor opinião, revogar a sentença recorrida, substituindo-a por outra que ordene o prosseguimento do processo também quanto ao pedido reconvencional deduzido pela Ré/Reconvinte/Recorrente.

Concluindo, deve a decisão recorrida que julgou extinta a Reconvenção da Recorrente ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE ser substituída por outra que ordene o prosseguimento da acção também quanto à Reconvenção.
Assim decidindo, V. Exª. farão, como sempre, inteira JUSTIÇA!

A Autora reconvinda contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação e manutenção do julgado.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Apontemos as questões objecto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso (art. 684º nº 3 e 690º nºs 1 e 3 do CPC), acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

O que nos cumpre apreciar é se, depois de a apelante ter impugnado no seu PER o crédito ali reclamado pela Autora, e não tendo ali sido decidida a reclamação, como tal não sendo o mesmo pago ali em igualdade de tratamento com os demais credores, poderia o Senhor Juiz, ao abrigo do art. 17º nº 1 al. do CIRE, julgar extinta a instância onde decorria a discussão sobre a existência e grandeza desse mesmo crédito.
Na nossa análise vamos procurar ser claros e objectivos, tanto quanto possível fugindo de considerandos alargados, de ordem doutrinal e jurisprudencial, que muitas vezes turvam a essencialidade das questões e mascaram a desejável transparência da decisão:

Como é sabido, o PER (Processo Especial de Revitalização), introduzido no CIRE pela Lei 16/2012, de 20 de Abril, destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização – artigo 17º-A, n.º 1.
Proporciona-se, assim, ao devedor, alcançado esse acordo, a possibilidade de manter a sua actividade, regular as obrigações assumidas e que se vierem a vencer e evitar a deterioração dos seus activos e rendimentos, conservando-os na sua esfera jurídica.
O objectivo da criação deste instituto jurídico “foi alterar o espírito do regime, colocando a recuperação do devedor no centro das finalidades do processo, em detrimento da liquidação imediata do seu património, para satisfação dos credores”[1]
O processo especial de revitalização permite ao devedor, que comprovadamente enfrente dificuldades sérias para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito, encetar negociações com os seus credores com vista ao estabelecimento e aprovação de um plano de recuperação (artºs 17º-A e 17º -B, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, como o serão os demais artigos indicados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18/3, alterado pelos Decretos-Leis n.º 200/2004, de 18/8, 76-A/2006, de 29/3, 282/2007, de 7/8, 116/2008, de 4/7, 185/2009 de 12/8 e pela Lei nº 16/2012, de 20/4).
Iniciado o procedimento a requerimento do devedor e de, pelo menos, um dos credores, o juiz do tribunal competente para declarar a insolvência do devedor nomeia um administrador judicial provisório (17º-C nº1 e 3 al. a), seguem-se a reclamação de créditos (17º-D, nº2), tendo em vista a formação do quórum deliberativo para votação (17º-F), as negociações destinadas à elaboração do plano de recuperação participadas, orientadas e fiscalizadas pelo administrador provisório (17º-D, nº 9) e, concluídas estas com a aprovação do plano, este é submetido ao juiz que o homologa ou recusa a sua homologação, por aplicação, com as necessárias adaptações, das regras aplicáveis ao plano de insolvência (artº 17 - F).
Assim, logo que feita a comunicação pelo requerente ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência de que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação, deve o Juiz, de imediato proferir despacho a nomear administrador judicial provisório, sendo que neste mesmo momento, fica impedida a instauração de qualquer acção para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, ficam suspensas, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade (art. 17º - E nº 1), como tal sendo um imperativo o decretamento desta suspensão da instância.
“Embora não exista na lei adjectiva nenhuma espécie de acções de cobrança de dívidas, deve entender-se que esta expressão se reporta a acções declarativas para cumprimento de obrigações pecuniárias e a acções executivas para pagamento de quantia certa”[2]

Refere Madalena Perestelo de Oliveira que a suspensão dos processos se traduz na “forma de protecção do devedor, que fica com a faculdade de tentar a recuperação da empresa, liberto de todas as tentativas de os credores se fazerem pagar e da pressão do mercado que o levou à insolvência. Ao mesmo tempo protege os credores, na medida em que evita que credores individuais utilizem a massa insolvente para a sua própria satisfação”, para concluir, mais à frente, que “ não obstante as falhas de regime, o PER concretiza, assim, o entendimento dominante, especialmente desenvolvido nos Estados Unidos, quanto ao processo de insolvência: (i) as diligências de salvamento de uma empresa devem ser tomadas suficientemente cedo para que ainda haja possibilidade de sucesso; (ii) deve ser concedido à empresa um «breathing space», ou seja, um período durante o qual os credores não possam reclamar os seus créditos, para que as tentativas de recuperação sejam mais bem sucedidas; (iii) deve ser tomado em consideração um leque mais vasto de interesses, que envolverá todos aqueles potencialmente afectados pela insolvência, independentemente da qualidade de credores”.[3]

Como é bem referido na sentença recorrida e bem assim secundado pela apelante, com a suspensão das acções em curso contra o devedor durante o período do PER visa a lei proporcionar ao devedor um período de acalmia para que se concentre na sua recuperação, não devendo dirigir as suas energias a outro assunto que não esse, ficando temporariamente liberto dos diversos afazeres e preocupações inerentes a qualquer lide judicial que contra si tenha sido instaurada e se encontre pendente, seja ela acção declarativa ou executiva.

Quanto á natureza das acções que devem ser alvo dessa suspensão, embora tal questão aqui não seja colocada, deve a norma abranger “todas as acções para a cobrança de dívidas e não apenas as executivas, incluindo-se, assim, as acções declarativas condenatórias… também acções com processo especial e procedimentos cautelares”.[4]

No artigo 17º- E, nº 1 o legislador não fez distinção entre a acção declarativa e a acção executiva, significando que nele estão incluídos ambos os tipos de acções, desde que visem a cobrança de dívidas contra o devedor, na medida em que são estas que atingem o património do devedor, são ambas acções cuja concreta e idêntica finalidade é a cobrança de dívida ao devedor revitalizando.

Neste sentido e por todos, sendo abrangente a jurisprudência neste aspecto, se pronunciou o Acórdão desta Relação e Secção do Proc.º n.º 39327/13.4YIPRT.P1, afirmando que “conhecendo o legislador o tipo de acções previstas no CPC., ao se referir no artigo 17º- E, nº 1 da Lei nº 16/2012 de 20/04 às acções que têm por fim a cobrança de dívidas, aí fez incluir quer as acções declarativas/de condenação, quer as acções executivas desde que atinjam o património do devedor.” (…); por conseguinte, tendo sido instaurado processo especial de revitalização e nomeado administrador judicial provisório, há que retirar as consequências previstas no final do citado preceito legal, declarando suspensa a acção durante todo o tempo em que perdurarem as negociações.

Até aqui nenhuma questão se nos coloca no quadro que somos chamados a ponderar, o da extinção da instância a que o legislador faz referência na segunda parte daquele normativo, quando estatui que aquelas mesmas acções, cuja suspensão foi imperativamente determinada, se extinguem “logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.

Ora, da leitura da norma logo ressalta que, diferentemente da suspensão, a extinção não surge como desiderato imperativo para aquelas mesmas acções em que se pretendia cobrar uma dívida de qualquer ordem ao devedor, podendo dar-se a possibilidade de uma acção prosseguir os seus termos depois de findas as negociações e depois de aprovado e homologado o plano de revitalização.

Ora, põe-se-nos a questão de saber em que tipo de situações se poderá verificar a não extinção em apreço.
Desde logo, diremos nós, quando o plano de revitalização, já aprovado e judicialmente homologado, previr essa mesma continuação.
Naturalmente que sim, mas essa previsão há-de ter a sua própria coerência, terá de ser o resultado lógico das negociações operadas e que não desembocaram em acordo e subsequente homologação.

Assim, para que uma acção que foi suspensa após a nomeação do administrador provisório, para que o devedor se concentre nas démarches necessárias á sua revitalização, negociando com os seus credores nesse mesmo sentido, para que essa acção tenha continuidade após o encerramento das negociações e depois de aprovado e homologado o plano, é necessários que em relação ao crédito que nessa acção se pretende fazer valer contra o devedor revitalizando, não tenha sido possível chegar-se a acordo, desde logo porque esse mesmo crédito, após a respectiva reclamação pelo seu titular, foi necessariamente impugnado pelo devedor e porque, deduzida tal impugnação, não foi a mesma decidida pelo Juiz no próprio PER, como deveria ter sido!
Esta decisão da impugnação resulta com toda a clareza dos n.os 2 e 3 do art. 17º - D, segundo o qual, assim que apresentada pelo administrador provisório na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius a lista provisória de credores, pode a mesma ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas.

Ora, deve o Juiz decidir as impugnações formuladas para que o crédito reclamado pelo credor seja ali decidido e, consoante a decisão ali alcançada, ser integrado no plano de revitalização, caso o crédito exista e no montante apurado, ou excluído do plano, caso se conclua que o crédito inexiste.

Sucede que no caso vertente, a ora apelante reclamou no PER o mesmo crédito que na presente acção pretende fazer valer reconvencionalmente contra a aqui Autora, a revitalizanda.
Mas, contrariamente ao disposto na norma apontada, o Senhor Juiz do PER não decidiu ali a reclamação, o que implicou o não reconhecimento do crédito reclamado pela apelante e, em consequência, a sua não integração no Plano aprovado e homologado.

Nada de mal para a apelante se não tivesse o Senhor Juiz entendido neste mesmo processo que a instância reconvencional deve ser extinta.
Ou seja, se o Senhor Juiz tivesse entendido, quanto a nós adequadamente, que, a não ter sido decidida no PER a impugnação deduzida pela ali devedora e aqui apelada, deveria esta acção prosseguir para se poder averiguar da existência ou da inexistência do crédito que a ora apelante aqui pretende fazer valer reconvencionalmente contra a Autora apelada, requerente do PER.

Com efeito, tendo sido deduzida no PER impugnação ao crédito ali reclamado pela credora aqui Ré apelante, deveria essa impugnação ter sido ali decidida, o que não sucedeu, pelo que, assim sendo, deveria o plano de revitalização excluir o crédito da Ré do manto da extinção a que alude a parte final do nº 1 do art. 17º - E nº 1.
No PER, deveria ter sido esse o resultado lógico da reclamação deduzida ali pela apelante, permitindo-se que esta desse continuidade, novamente fora do PER, à discussão que tem em curso nos presentes autos quanto ao crédito que aqui reclama reconvencionalmente.
E a não ter sido feita no plano essa exclusão do crédito da apelante do manto da extinção, como se impunha, quer por parte da devedora, que, agindo de boa fé, deveria tal ter solicitado ao administrador judicial, quer por parte deste mesmo administrador judicial, como supervisor dos trâmites burocráticos e negociais, que deveria ter atentado na especificidade do crédito ali reclamado pela ora apelante, crédito esse que foi impugnado pela devedora, impugnação que o Senhor Juiz, mal, não decidiu.
Devendo então o administrador provisório ter assinalado esse mesmo crédito como sendo um crédito litigioso, não decidido, não líquido, sobre o qual permanece discussão entre as partes e, nessa medida, feito menção expressa no plano de que o mesmo não ficaria abrangido pela extinção a que alude a parte final do art. 17º E nº 1.
E, não tendo sido feita no plano tal menção, deveria o Senhor Juiz, que não decidiu a impugnação deduzida pela devedora, ter lançado mão desse normativo, excluindo a presente acção, onde se debate aquele mesmo crédito, da extinção ali referida.
Tudo muito claro e muito lógico, se a tramitação processual tivesse sido respeitada, o que não sucedeu.
Ou seja, no momento em que homologou o plano de revitalização, o Senhor Juiz, na análise que necessariamente terá feito de cada um e de todos os créditos ali reclamados, depois de, como lhe competia, não ter decidido a impugnação ali deduzida pela aqui Autora apelada revitalizanda, não decisão que com toda a certeza foi assumida, assim omitindo pronúncia, deveria ter feito referência ao crédito ali reclamado pela aqui apelante, retirando a presente acção reconvencional da extinção que a lei ali consigna.

É nestes termos que deve ser interpretada a parte final do nº 1 do art. 17º E do CIRE, aqui relembrando o artigo 9° n° 3 do CC que prevê que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Só assim seria respeitado o princípio da igualdade de tratamento dos credores, consagrado no art. 194º nº 1 do CIRE, na definição do plano de pagamento dos créditos, relegando para a continuidade da presente acção e reconvenção a discussão sobre a existência do crédito reclamado no PER pela apelante aqui reconvinte, crédito que é exactamente o mesmo que a apelante nestes autos formula por via reconvencional.

De facto, do mesmo passo que os demais créditos ali reclamados, não tendo sido impugnados pela revitalizanda aqui apelada, foram objecto de acordo e integrados num plano de revitalização que foi aprovado pela maioria dos credores e homologado judicialmente, também o crédito impugnado pela devedora ora apelada, não tendo sido no PER decidida a impugnação do mesmo, como tal não obtendo ali pagamento nos termos do plano aprovado e homologado nos ditos termos, assim se mantendo o seu carácter litigioso, deveria ter sido tratado de forma distinta dos primeiros, concedendo-se na não extinção desta instância declarativa em que o mesmo se encontra em discussão.

Como é doutamente referido no recente Acórdão desta mesma Secção, de 15 de Setembro de 2015 (in processo 2348/14.7T8OAZ.P1, in www.dgsi.pt), “a consagração do princípio de igualdade de tratamento dos credores, previsto no art. 194º do CIRE, faz com que se procurem soluções de tratamento igual entre créditos iguais e de tratamento diferenciado quando estejam presentes créditos de natureza diferente.”
Ora, de um lado temos créditos não litigiosos, os que foram reclamados e não sofreram impugnação, sendo directamente elencados no conjunto de créditos sobre os quais foi traçado um plano de pagamento a ser submetido a Acordo dos credores e posterior homologação judicial. De outro lado, totalmente distintos, os créditos reclamados que foram impugnados pela revitalizanda, sendo que tal impugnação não foi decidida no PER, mantendo-se a sua litigiosidade, como tal não elencados no plano de pagamentos a aprovar pelos credores e a homologar pelo Juiz.

Sendo créditos diferentes, deveriam ter tido tratamento desigual, uns mantendo-se no PER e outros saindo dele, assim se permitindo ao ali reclamante fazer valer a sua pretensão fora daquele processo.
Uma situação um pouco idêntica à da reclamação deduzida no processo e inventário contra a relação de bens, quando o Juiz, não decidindo a reclamação do processo de inventário, relega os interessados para os meios comuns. Diga-se, talvez mal comparando, que esta acção, vista da perspectiva do PER, corresponde aos meios comuns.

Só assim de facto, seria respeitado o princípio da igualdade de tratamento dos credores, princípio este que foi violado pela omissão do tribunal do PER, que deveria ter atentado na especificidade litigiosa do crédito da apelante e ter expressamente permitido que esta instância tivesse continuidade, a fim de ser discutida a pretensão reconvencional da ora apelante.

A não se entender assim, é caso para se perguntar quando é que a apelante poderá fazer vale o seu crédito sobre a apelada?
No PER não conseguiu porque reclamou, a sua reclamação foi impugnada pela revitalizanda e a impugnação não foi decidida, de onde resultou que o seu crédito não integrou a listagem dos créditos reconhecidos e integrados no plano aprovado e depois homologado.
Na presente acção também não conseguirá, a manter-se a extinção da instância reconvencional decretada.

Assim, só mediante acção declarativa autónoma, a instaurar após o trânsito da decisão que impender sobre a presente acção em curso, talvez daqui a muito tempo, correndo também o risco de perda de garantias patrimoniais, poderia a apelante lograr o reconhecimento do seu crédito, o que se revela completamente absurdo face ao princípio da economia processual, o princípio da celeridade processual e o princípio de aproveitamento dos actos processuais, como bem refere a apelante, pois não tem sentido que não se aproveite a instância já em curso, com actos processuais relevantes já praticados, mormente os probatórios, em que tudo se encontra preparado para a audiência de julgamento, obrigando-se a aqui reconvinte apelante a vir instaurar outra acção, em tudo igual à contra-acção aqui em curso pela via reconvencional, com tudo o que isso implica de perda de tempo, com tudo o que isso implica de redobrar de esforços e de encargos, ainda mais quando será nesta acção reconvencional, cruzada com a principal instaurada pela apelada revitalizanda contra a apelante, que os factos serão melhor discutidos e também decididos, porque discutidos conjuntamente de uma forma mais clara e lúcida.
Ainda mais quando o prosseguimento desta instância reconvencional contra o devedor revitalizando, para além de fazer jus ao tratamento igualitário dos credores, porque trata de forma desigual uma situação que é patentemente desigual, em nada conflitua com a sua revitalização, vindo o crédito da apelante, caso seja demonstrado, a obter pagamento nos termos do Plano acordado no PER pelos credores e homologado judicialmente.
Realmente, a presente instância reconvencional não só não é impossível, como se impõe o seu prosseguimento.
Termos em que, procedendo a apelação, revogando-se a decisão recorrida que julgou extinta a Reconvenção da Recorrente ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, de determina o prosseguimento da acção também quanto à Reconvenção.

SUMÁRIO (art.º 663º n 7 do Código de Processo Civil):
1 - Estando pendente acção declarativa contra o devedor que vier a recorrer a PER (Processo Especial de Revitalização), deve, assim que instaurado este PER, aquela acção ser imediata e imperativamente suspensa, nos termos do art. 17º - E nº 1 do CIRE;
2 – Suspensa a instância, deve o Autor reclamar o seu crédito no PER;
3 – Caso a reclamação venha a ser impugnada pelo devedor, deve o Juiz decidir a impugnação, nos termos do art. 17º - D n.os 2 e 3 do CIRE;
4 – Caso não seja decidida a impugnação, mantendo-se o crédito litigioso, deve o Administrador provisório excluir expressamente esse crédito no plano de pagamentos do PER e também excluir a acção declarativa da extinção da instância a que se reporta a parte final do art. 17º E nº 1, devendo na acção declarativa ser levantada a suspensão da instância e ordenado o prosseguimento dos autos.

DECISÃO

Por todo o exposto, nos presentes autos de apelação em que é apelante C… ACE e apelada a Massa Insolvente de B…, SA, Acordam os Juízes que compõem a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida que julgou extinta a Reconvenção da Recorrente ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE e determinando-se que essa decisão seja substituída por outra que ordene o prosseguimento da acção também quanto à Reconvenção.
Custas pela apelada, porque contra-alegou e decaiu na sua pretensão, contrária à da apelante que obteve vencimento.
Registe e notifique.

Porto, 3 de Março de 2016,
Ataíde das Neves
Amaral Ferreira
Deolinda Varão
______
[1] Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, página 53.
[2] João Aveiro Pereira, A revitalização económica dos devedores, em O Direito, ano 145º, 2013, I/II, página 37.
[3] O Processo Especial de Revitalização: o novo CIRE, páginas 718, 719 e 720, em Revista de Direito das Sociedades, ano IV (2012) – número 3.
[4] Carvalho Fernandes e João Labareda (“Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Lisboa, 2013, página 164/165)