Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
172/17.5YRPRT
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: ESCUSA
PARTICIPAÇÃO EM JULGAMENTOS CONEXOS
MESMO CRIME
Nº do Documento: RP20170621172/17.5YRPRT
Data do Acordão: 06/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: INCIDENTE DE ESCUSA
Decisão: DEFERIDA A ESCUSA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 722, FLS 191-195)
Área Temática: .
Sumário: Constitui um justo motivo para ser deferida escusa, à luz do disposto no artigo 43º, números 1, 2 e 4, do Código de Processo Penal, a circunstância da julgadora escusanda já ter participado em dois julgamentos conexos com o objeto do terceiro processo, no qual pediu escusa, por já ter expressado uma convicção segura em relação a factos relevantes e comuns aos três processos, pertinentes e essenciais à apreciação da responsabilidade penal dos mesmos arguidos, pelo mesmo tipo legal de crime.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 172/17.5YRPRT -
Data do acórdão: 21 de Junho de 2017

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa

Origem: Comarca de Aveiro
Instância Local | Juízo Criminal
Sumário:
Constitui um justo motivo para ser deferida escusa, à luz do disposto no artigo 43º, números 1, 2 e 4, do Código de Processo Penal, a circunstância da julgadora escusanda já ter participado em dois julgamentos conexos com o objeto do terceiro processo, no qual pediu escusa, por já ter expressado uma convicção segura em relação a factos relevantes e comuns aos três processos, pertinentes e essenciais à apreciação da responsabilidade penal dos mesmos arguidos, pelo mesmo tipo legal de crime.

Acordam, em conferência, os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos em que figura como requerente a Exma. Senhora Juíza de Direito Dra. B....
I - RELATÓRIO
1. No dia 12 de Junho de 2017 deu entrada neste Tribunal um pedido de escusa subscrito pela magistrada judicial acima identificada.
2. A pretensão foi fundamentada nos seguintes termos:
A requerente é titular do Juízo Local Criminal de Aveiro (Juiz 3) da Comarca de Aveiro.
Ao referido Juízo foi distribuído, em 18.05.2017, o processo comum n.°123/16.4IDAVR, visando a realização de julgamento tendo por objecto acusação imputando a prática de um crime de abuso de confiança fiscal a "C..., SA", D... e E....
Alega-se na acusação deduzida nos autos n.°123/16.4IDAVR, em suma, que os dois arguidos pessoas singulares, no exercício da administração da arguida sociedade comercial, entre Outubro de 2011 e Fevereiro de 2012 receberam de clientes da C... valores relativos a IVA, de que resultou apuramento de IVA a pagar no valor global de €47.188,13, que no entanto não foi entregue ao Estado mas antes usado em benefício da sociedade arguida, como terá sido pretendido pelos arguidos pessoas singulares. (em anexo, cópia da acusação -)
A ora requerente no processo n.°154/13.6IDAVR, por sentença proferida em 28.10.2015 (transitada em julgado sem que da mesma tenha sido interposto qualquer recurso), concluiu pela absolvição da mesma C..., SA, da acusação de crime de abuso de confiança fiscal, referente a não entrega de valores de IRS retido entre Março e Outubro de 2012, agindo a arguida por intermédio dos mesmos administradores D... e E....
Em suma, resultou tal absolvição da não demonstração de factos susceptíveis de justificar censura jurídico-criminal sobre os mencionados administradores, do que dependeria a responsabilização criminal da sociedade arguida.
Perante a análise das provas produzidas na audiência de discussão e julgamento que antecedeu tal sentença, escreveu a ora requerente, designadamente, que os referidos administradores "mereceram inteira credibilidade" nas declarações que prestaram em audiência, que o contexto em que ocorreu a omissão de entrega das prestações tributárias em 2012 não é conciliável com a intencionalidade criminalmente censurável que vinha alegada na acusação, que tal contexto em que a C..., SA, se encontrava em 2012 foi um contexto extraordinário e imprevisível (em anexo, cópia da sentença de 28.10.2015)
Posteriormente, no processo n.°1248/14.6T3AVR, a ora requerente realizou audiência de discussão e julgamento e em 21.03.2017 proferiu sentença (que transitou em julgado sem que da mesma tenha sido interposto qualquer recurso), absolvendo D... e E... da acusação por crime de abuso de confiança fiscal, acusação essa fundamentada nos mesmos factos que haviam sido objecto do julgamento no processo n.°154/13.6IDAVR.
A ora requerente solicitara escusa no processo n.°1248/14.6T3AVR, pedido que lhe foi indeferido por douta decisão do Venerando Tribunal da Relação do Porto de 12.12.2016 (em anexo, cópia do douto despacho de indeferimento do pedido de escusa).
Compreendendo a douta argumentação que justificou o indeferimento do anterior pedido de escusa para o processo n.°1248/14.6T3AVR, afigura-se à requerente - ressalvando o devido respeito por entendimento diverso - que são agora distintas as circunstâncias, sendo seu dever levar à superior ponderação do Venerando Tribunal da Relação a possibilidade de a sua intervenção no processo n.°123/16.4IDAVR ser susceptível de gerar nos interessados apreensão ou receio, objectivamente fundados, sobre o risco de algum prejuízo relativamente à matéria em causa e o sentido da decisão (cfr. "infra").
Com efeito, na referida sentença proferida em 21.03.2017, perante a análise das provas produzidas na audiência de discussão e julgamento que antecedeu tal sentença (provas que, sublinha-se, não coincidiram com as que haviam sido produzidas na audiência relativa ao processo n,°154/13.6IDAVR), concluiu a ora requerente pela absolvição dos arguidos pessoas singulares, em razão da não demonstração de factos susceptíveis de justificar censura jurídico-criminal.
Nessa sentença proferida no processo n.°l248/14.6T3AVR, concluiu e escreveu a ora requerente, além do mais, novamente que os arguidos "mereceram inteira credibilidade" nas declarações que prestaram em audiência, que o contexto em que ocorreu a omissão de entrega das prestações tributárias em 2012 não é conciliável com a intencionalidade criminalmente censurável que vinha alegada na acusação, que tal contexto em que a C..., SA, se encontrava em 2012 foi um contexto extraordinário e totalmente imprevisível (em anexo, cópia da sentença de 21.03.2017)
Do exposto resulta que, em ambos os julgamentos indicados, a ora requerente formou convicção - expressa nas públicas sentenças proferidas em 28.10.2015 e em 21.03.2017 - acerca de factos determinantes na formulação de juízo acerca da alegada culpabilidade dos arguidos pessoas singulares no incumprimento no período de 2011 e 2012 de obrigações tributárias pela arguida pessoa jurídica, inevitavelmente com "(...) comprometimento decisório sobre a matéria da causa e o objecto do processo, susceptível de gerar nos interessados apreensão ou receio, objectivamente fundados, sobre o risco de algum prejuízo do juiz relativamente à matéria em causa e ao sentido da decisão " (Juiz Conselheiro HENRIQUES GASPAR, em anotação ao artigo 40° do Código de Processo Penal, "Código de Processo Penal Comentado", 2014, pág. 131).
Prevendo-se nos n.°s 1, 2 e 4 do artigo 43° do Código de Processo Penal que o juiz pode ser escusado de intervir quando da sua intervenção noutro processo (no caso, noutros processos) resulte motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, espera a requerente o deferimento do presente pedido de escusa."

3. Não tendo o pedido sido considerado manifestamente improcedente (artigo 45º, nº 4, do Código de Processo Penal) e não havendo lugar a mais diligências de prova além do exame dos documentos que acompanharam o expediente enviado pela requerente, os autos foram aos vistos e o processo foi inscrito em tabela, na primeira conferência a ter lugar.
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
De jure
Do pedido de escusa
O artigo 43°, nº 4, do Código de Processo Penal estatui que o Juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verificarem as condições dos números 1 e 2.
Por sua vez, o n° 1 deste artigo dispõe que "a intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade" e o nº 2 que "Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40.º".
Analisado este quadro legal, impõe-se aferir se a intervenção da requerente, como julgadora, em dois outros processos com as características descritas no relatório, poderá gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
A exigência de verificação de motivo sério e grave procura encontrar o equilíbrio - a concordância prática - entre a dignidade constitucional conferida ao princípio do Juiz Natural e o direito a que a causa seja decidida por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, como consagrado no artigo 6.°, § 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e no artigo 203° da Constituição da República Portuguesa.

Da imparcialidade dos juízes
É precisamente a exigência de imparcialidade do juiz que é vital na apreciação do pedido de escusa in iudicium: tal condição exige que este assuma a posição de terceiro, alheio e equidistante relativamente à solução da questão a decidir, sem qualquer posição de partida ou preconceito sobre o conflito de interesses que lhe é submetido.
A imparcialidade do julgador deve ser aferida nas suas diversas dimensões.
No plano subjetivo, como referido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Março de 2006, «(...) a imparcialidade tem a ver com a posição pessoal do juiz, e pressupõe a determinação ou a demonstração sobre aquilo que um juiz, que integre o tribunal, pensa no seu foro íntimo perante um certo dado ou circunstância, e se guarda, em si, qualquer motivo para favorecer ou desfavorecer um interessado».
Na sua dimensão objetiva, em que relevam as aparências, impera o adágio anglo-saxónico «justice must not only be done; it must also be seen to be done». Sufragando também este entendimento, o mesmo aresto do Supremo Tribunal de Justiça referiu que «Na aproximação objectiva, em que são relevantes as aparências, intervêm, por regra, considerações de carácter orgânico e funcional (v. g., a não cumulabilidade de funções em fases distintas de um mesmo processo), mas também todas as posições com relevância estrutural ou externa, que de um ponto de vista do destinatário da decisão possam fazer suscitar dúvidas, provocando o receio, objectivamente justificado, quanto ao risco da existência de algum elemento, prejuízo ou preconceito que possa ser negativamente considerado contra si».

O caso concreto
Analisando os fundamentos do pedido de escusa in iudicium, constata-se que o mesmo se baseia na intervenção da requerente em julgamentos anteriores – realizados nos processos comuns números 154/13.6IDAVR e 1248/14.6T3AVR -, em que a acusação dizia respeito a crimes similares àquele que constitui o objeto do processo que agora foi distribuído à mesma julgadora – com o número 123/16.4IDAVR - e envolvendo os mesmos arguidos.
Neste último, a acusação imputa aos arguidos - "C..., SA", D... e E... - a prática de um crime de abuso de confiança fiscal, cometido entre Outubro de 2011 e Fevereiro de 2012.
No processo nº 154/13.6IDAVR, a "C..., SA" encontrava-se pronunciada pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, cometido entre Março e Outubro de 2012.
No processo nº 1248/14.6T3AVR, a respetiva acusação imputava o mesmo tipo legal de crime aos arguidos D... e E..., datando-o entre Março e Outubro de 2012.
Neste último processo, em que foi proferida uma sentença absolutória, a formação da convicção do tribunal mostra-se estribada numa análise crítica da prova, em que foi concretizado, nomeadamente, o seguinte:
"(…) Em audiência, mencionaram também os arguidos que desde 2012 persistiram no esforço de obter valores para proceder ao pagamento do ainda devido ao Fisco, designadamente oferecendo créditos avultados que a C... mantém sobre alguns dos referidos clientes (incluindo cliente público), todavia sem sucesso, como não alcançou sucesso o plano de insolvência em que (também) a AT confiou.
Não é invulgar em situações como a em causa no presente processo serem protestados propósitos como os declarados pelos ora arguidos, negando qualquer intenção apropriativa. O que já não é de todo frequente é que tais declarações surjam em contextos tão extraordinários e imprevisiveis como aquele em que a empresa administrada pelos ora arguidos se encontrou em 2012 (e que persistiu nos anos que se seguiram), nem que tais declarações de propósitos sejam acompanhadas de objectivos actos demonstrativos da sua autenticidade como aqueles que foram os dos arguidos (relembra-se o esgotamento pessoal e patrimonial já mencionado, observado pelas testemunhas inquiridas em audiência como pelo administrador da insolvência— cfr. já citado relatório, designadamente a fis. 465).
Também por isso, foram as declarações dos arguidos convincentes."

No penúltimo processo também foi proferida uma sentença absolutória pela ora requerente, tendo sido concretizada uma análise crítica da prova que compreendeu, designadamente, o seguinte:
"(…) Em audiência, mencionaram também os representantes da C... que vêm tentando obter valores para proceder ao pagamento do ainda devido ao Fisco e à Segurança Social, designadamente oferecendo créditos avultados que a C... mantém sobre alguns dos referidos clientes (incluindo cliente público), todavia até ao presente sem sucesso, como não vem alcançando sucesso o plano de insolvência em que (também) a AT confiou.
É certo que não é invulgar em situações como a em causa serem protestados propósitos como os declarados pelos representantes da arguida, negando qualquer intenção apropriativa.
Mas já não é de todo frequente que tais declarações surjam em contextos tão extraordinários e imprevisíveis como aquele em que a arguida se encontrou em 2012 e encontra ainda. (…)"

Como é evidente – e resulta da fundamentação das sentenças -, a julgadora formou a sua convicção nos dois julgamentos com base na prova produzida em julgamento, relativamente a factos relevantes para o apuramento da eventual responsabilidade criminal dos arguidos no tocante a crime de abuso de confiança fiscal indiciado compreendido entre Março e Outubro de 2012, pertinente à atividade comercial da arguida "C..., SA.", da qual as pessoas singulares também arguidas eram membros do conselho de administração e representantes legais.
Será tal circunstancialismo suficiente para concluir que a julgadora já terá um pré-juizo formado em relação ao objeto do processo que agora lhe foi distribuído - um crime de abuso de confiança fiscal, cometido entre Outubro de 2011 e Fevereiro de 2012 (ou seja, imediatamente antes do período abrangido pelo objeto dos outros julgamentos similares) pelos mesmos arguidos -, ou que a comunidade possa ter essa perceção?
A resposta não poderá deixar de ser negativa à primeira questão e positiva em relação à última pergunta:
As sentenças por si proferidas nos processos números 1248/14.6T3AVR e 154/13.6IDAVR foram fundamentadas de forma objetiva e racional, com base na prova produzida nos dois julgamentos que foram autónomos e independentes entre si.
O filósofo Sócrates[1] aconselhava os juízes de escutar com cortesia, de responder com sabedoria, de analisar com sobriedade e de decidir com imparcialidade.
Estas qualidades devem encontrar expressão visível não só na imediação própria da sala de audiências, onde o comportamento profissional dos juízes se encontra especialmente escrutinado em tempo real, como na fundamentação das decisões.
Foi esse desempenho imparcial, objetivo e assertivo da julgadora que convenceu os destinatários imediatos das duas sentenças já proferidas do acerto nas absolvições, uma vez que não foram objeto de qualquer recurso.
Enaltece-se a motivação da ora requerente, ao colocar perante este Tribunal a questão de poder ser escusada de intervir num terceiro julgamento de arguidos que já julgou anteriormente por factos diretamente relacionados com aqueles que constituem o objeto do novo processo que lhe foi distribuído – antecedendo-os, imediatamente, no tempo -.
Certamente que a julgadora voltaria a ter um desempenho profissional isento no terceiro julgamento – o que nem sequer é discutível no plano desta decisão –.
A questão que se coloca – e a requerente acaba por concretizar de alguma forma – é se a comunidade se sentirá confortável perante a possibilidade da mesma julgadora apreciar e decidir pela terceira vez, grosso modo, a mesma realidade factual (i.e. a imparcialidade no plano objetivo).
A este respeito, o próprio legislador revela de alguma forma o seu entendimento, ao prever que "Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º 1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40.º": no caso de impedimento, a julgadora vê sempre vedada a sua intervenção no processo (arts. 39.º e 40.º do Código de Processo Penal), enquanto no caso de suspeição, tudo dependerá das razões e fundamentos que lhe subjazem (art. 43.º do mesmo texto legal), que serão apreciadas pelo tribunal superior[2].
Interessa, para o caso, recordar o disposto no art. 40.º do Código de Processo Penal – que tem em vista garantir a imparcialidade do juiz enquanto elemento fundamental à integração da função jurisdicional, face a intervenções processuais anteriores que, pelo seu conteúdo e âmbito, considera como razão impeditiva de futura intervenção. O envolvimento do juiz no processo, através da sua direta intervenção enquanto julgador, através da tomada de decisões, implica sempre a formação de juízos e convicções, sendo susceptível de condicioná-lo em futuras decisões, assim afetando a sua imparcialidade objetiva: por isso, o legislador impede os julgadores de intervir nas situações em que a cumulação de funções processuais pode fazer suscitar no interessado, bem como na comunidade, apreensões e receios, objetivamente fundados. Em todas as causas de impedimento tipificadas na lei [nas alíneas a) a e) do art. 40.º do Código de Processo Penal] constitui elemento comum a todas elas a intervenção anterior do juiz no processo, ou seja, a intervenção em fase anterior do processo.
Isso não se passa, como é óbvio, no caso em apreço, em que a julgadora requerente de escusa presidiu a dois julgamentos independentes entre si, que tiveram lugar noutros processos. Porém, a ratio legis subjacente às situações de impedimento tipificadas na lei estende-se ao caso apresentado pela requerente: a fattispecie que constitui o objeto do processo que agora lhe foi distribuído coincide, em grande medida, com aquela que foi por si apreciada e julgada nos processos números 1248/14.6T3AVR e 154/13.6IDAVR.
A sua intervenção como julgadora em dois julgamentos realizados em processos distintos, mas com os mesmos arguidos e relativos ao mesmo tipo legal de crime, poderá ser adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, uma vez que se poderá admitir, em abstrato, a possibilidade de ter a sua convicção já formada em relação ao objeto do terceiro processo, agora distribuído, por ser referente à mesma realidade histórica – que apenas antecedeu no tempo, imediatamente, aquela que já foi julgada, por duas vezes, pela mesma juíza -.
Reconhece-se, assim, a existência de um motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade, constituindo um justo motivo para ser deferida escusa, à luz do disposto no artigo 43º, números 1, 2 e 4, do Código de Processo Penal, a circunstância da julgadora escusanda já ter participado em dois julgamentos conexos com o objeto do terceiro processo, no qual pediu escusa, por já ter expressado uma convicção segura em relação a factos relevantes e comuns aos três processos, pertinentes e essenciais à apreciação da responsabilidade penal dos mesmos arguidos, pelo mesmo tipo legal de crime.
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III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores, em conferência, deferir o pedido de escusa da Mma. Juíza de Direito Dra. B..., titular do Juízo Local Criminal de Aveiro (Juiz 3) da Comarca de Aveiro, de intervir na tramitação e julgamento no processo comum n.°123/16.4IDAVR.
Sem custas.
Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 21 de Junho de 2017.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
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[1] Segundo a citação constante na obra Principes de déontologie judiciaire, edição do Conseil Canadien de la magistrature, 2004, pág. 18, comentário 1.
[2] Assim se percebe que os casos de impedimento se encontrem expressamente tipificados (artigos 39.º, n.º 1, e 40.º do citado Código), enquanto as situações susceptíveis de fundamentar um pedido de escusa estão contempladas numa fórmula ampla, abrangendo os motivos que sejam «adequados» a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz (n.º 1 do art. 43.º), acrescida da previsão de situação (exemplificativa) susceptível de constituir suspeição (n.º 2 do art. 43.º).