Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
124/18.8T8PVZ-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: PROVA PERICIAL
INDICAÇÃO DO SEU OBJECTO
REJEIÇÃO
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
PRINCÍPIO DA OFICIALIDADE
Nº do Documento: RP20211028124/18.8T8PVZ-A.P1
Data do Acordão: 10/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A perícia pode ser requerida por uma ou mais partes, exigindo-se, todavia, sob pena de rejeição, que com o respectivo requerimento seja logo indicado o seu objecto e enunciadas as questões de facto cujo esclarecimento se pretende obter através da referida diligência, que tanto se pode reportar aos factos articulados pelo requerente, como aos alegados pela parte contrária.
II - Ainda que nenhuma das partes indique este meio probatório, pode o juiz, por sua exclusiva iniciativa, determinar a sua realização.
III - O poder de livre disposição reconhecido à vontade individual mantém-se na fase do impulso inicial e de identificação do objecto do processo; porém, a partir do momento em que as partes submetem o litígio ao tribunal todo o decurso do processo passa a ser dominado quase exclusivamente pela ideia de que a função jurisdicional deve observar as exigências da justa composição do litígio e esta é uma incumbência do juiz, não está dependente da vontade das partes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 124/18.8T8PVZ-B.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível de Póvoa de Varzim – Juiz 6

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO.
1. Na acção declarativa com processo comum que B…, NIF ……… residente na Rua …, nº .. – … – ….-… LISBOA propôs contra os Réus C…, NIF ……… e D…, NIF ………, ambos com endereço conhecido na Rua …, nº .. – 2º andar, Poente, ….-… PÓVOA DE VARZIM, vieram estes, com a contestação apresentada, requerer prova pericial com o seguinte objecto:
1) Requer seja feita prova pericial à assinatura constante do original do documento n.º 2, com o nº ………., perícia a realizar ou pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária (Rua …, …, ….-… Lisboa) ou pelo Laboratório de Exame de Documentos e Escrita Manual (Departamento de Biologia, Faculdade de Ciências da Universidade …, Rua …, nº …, ….-… Porto), para prova do alegado supra nos itens 83.º a 85.º, matéria que constitui o seu objecto, e com os seguintes quesitos:
a. É do punho do Réu C1… a assinatura aposta no cheque junto como doc 2 e no local das assinaturas?
b. É do punho do Réu C1… os demais escritos nesse documento, nomeadamente na zona própria para indicar a quantia em numerário, na zona própria para indicar o local de emissão, na zona “à ordem de”, e na zona própria para indicar a quantia por extenso?
2) Requer seja feita prova pericial aos documentos 2 a 6, os cheques apresentados nestes autos, perícia a realizar ou pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária ou pelo Laboratório de Exame de Documentos e Escrita Manual, para contraprova do alegado pelo Autor nos itens 19º a 21º da sua douta petição inicial, matéria que constitui o seu objecto, e com os seguintes quesitos:
a. A tinta dos escritos apostos no cheque sacado sobre o Banco F…– agência da Póvoa de Varzim, com o nº ………., doc n.º 2, terá sido aí aposta no ano de 2006?
b. A tinta dos escritos apostos no cheque sacado sobre a G…, agência …, com o nº ………., doc n.º 3, terá sido aí aposta no ano de 2006?
c. A tinta dos escritos apostos no cheque sacado sobre a G…, agência …, com o nº ………., doc n.º 4, terá sido aí aposta no ano de 2007?
d. A tinta dos escritos apostos no cheque sacado sobre a G…, agência …, com o nº ………., doc n.º 5, terá sido aí aposta no ano de 2007?
e. A tinta dos escritos apostos no cheque sacado sobre o H…, agência …, com o nº ………., doc n.º 6, terá sido aí aposta no ano de 2007?
Com a referência 30060032, o Autor apresentou requerimento no qual requer que “sem prejuízo do disposto no artigo 482 nº 2 do Código Processo Civil:
QUANTO AO ORIGINAL DO DOCUMENTO Nº 2 (Cheque nº ……….)
A) Que o exame da ASSINATURA aposta neste cheque tenha por base a comparação com a assinatura efetuada pelo Réu C… em outros escritos constantes dos autos, designadamente na Procuração Forense emitida ao seu ilustre mandatário e no Requerimento de Proteção Jurídica;
B) Os DEMAIS ESCRITOS nesse documento, nomeadamente nas zonas próprias para indicar a quantia em numerário e por extenso, na zona própria para indicar o local da emissão e na zona “à ordem de”, podem ser do punho da Ré D…, designadamente por comparação com os escritos por ela apostos no original do documento nº 4 (Cheque nº 7999157186)?”
Alegando que “o que está aqui em causa é se foi, ou não, o Réu C… a assinar (e a preencher) o cheque e não qual outra pessoa o poderá ter feito”, referindo que “o Autor imputa ao Réu C…, e não à Ré D…, a emissão, preenchimento e assinatura do cheque em questão – e até a sua entrega pessoal”, pugnam os Réus para que não seja admitido o aditamento do ponto B. indicado pelo Autor.
Por requerimento com a referência 34939126, após notificação das respostas aos quesitos e conclusões da perícia realizada à escrita, o Autor, invocando ter anteriormente requerido a ampliação do objecto da perícia, formulando, para o efeito, sob a alínea B) um quesito em relação ao qual não logrou qualquer resposta do laboratório que procedeu ao exame, fazendo notar a relevância e utilidade o apuramento da factualidde contida no referido quesito porquanto o pedido formulado na petição visa a condenação solidária de ambos os Réus, pede que seja ordenado “ao laboratório LEDEM as perícias adequadas ao apuramento do objeto do aludido quesito, notificando os presentes autos do(s) respetivo(s) resultado(s)”.
A 7.07.2020 foi proferido o seguinte despacho: “Por despacho de 19 de Junho de 2019, foi admitida a perícia com o objecto proposto pelos Réus, requerentes da perícia.
Não se pronunciou expressamente sobre a ampliação do objecto da perícia proposto pelo Autor.
Sendo verdade que, na petição inicial, que o cheque em causa foi emitido, preenchido e assinado pelo Réu marido – o que foi impugnado pelos Réus – é também certo que, no mesmo articulado, o Autor sustenta que os empréstimos em causa foram feitos, de forma indistinta, a ambos os Réus.
Daí que, a nosso ver, o objecto proposto pelo Autor para a perícia, possa ter relevo para a decisão da causa, na hipótese de a Ré vir a negar a autoria dos dizeres apostos no cheque em causa.
Assim, antes de mais, notifique a Ré para, em 10 dias, esclarecer se foi ela em preencheu o “nome do beneficiário”, a quantia (por extenso e em numerário) constante do cheque do F…, com o número ………., no valor de €50.000,00”.
A que se seguiu o seguinte despacho, datado de 23.09.2020: “Pelas razões constante do antecedente despacho e face à negação, por banda da Ré, da autoria da escrita e dizeres referentes ao preenchimento do cheque em questão, solicite o complemento da perícia, com o objecto proposto pelo Autor.
Antes, porém, deverá ser pago o respectivo preparo e solicitar-se ao LEDEM a informação de quais nos pressupostos necessários à realização da perícia”.
2. Inconformados com essa decisão, dela vieram os Réus interpor recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
I. O Autor na sua petição refere que o determinado cheque foi “emitido, preenchido e assinado pelo Réu C… e entregue por este ao Autor e à sua ordem”.
II. O Réu C…, na sua contestação, impugnou estes factos: que tenha emitido, preenchido e assinado o cheque em causa e logo requereu que fosse realizada perícia a esse cheque para se apurar se o havia assinado e preenchido – o que se veio a realizar.
III. Admitiu agora o Tribunal recorrido, no despacho objecto deste recurso, que o objecto dessa perícia abrangesse agora, como objecto, saber se a co-Ré e ora Recorrente teria, ou não, preenchido esse cheque.
IV. O Recorrido nunca alegou nos autos tais factos – alegou até coisa diversa, como se viu.
V. Não pode o Tribunal admitir a produção de prova para apurar factos que não foram alegados por qualquer das partes, sob pena de violar o princípio do dispositivo, da autorresponsabilização das partes e mesmo do inquisitório.
VI. Ao fazê-lo, violou o Tribunal recorrido o disposto no artigo 411.º do CPC.
(...)
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogado o douto despacho recorrido”.
O apelado apresentou contra-alegações, nas quais pugna pela improcedência do recurso e manutenção do decidido.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelos recorrentes, no caso dos autos cumprirá apreciar é ou não admissível a realização do complemento da perícia efectuada, ordenada nos termos do despacho proferido a 23.09.2020.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
Os factos relevantes à apreciação do objecto do recurso são os narrados no relatório introdutório.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
O artigo 388.º do Código Civil delimita assim o objecto da perícia: “a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial”.
Deferida, quando requerida por uma ou mais partes, ou ordenada, quando oficiosamente determinada pelo tribunal[1], concluída a diligência pericial, deve o perito (ou peritos, no caso da perícia colegial) elaborar o respectivo relatório “…no qual o perito ou peritos se pronunciam fundamentadamente sobre o respectivo objecto”[2].
A perícia pode ser requerida por uma ou mais partes, exigindo-se, todavia, sob pena de rejeição, que com o respectivo requerimento seja logo indicado o seu objecto e enunciadas as questões de facto cujo esclarecimento se pretende obter através da referida diligência, que tanto se pode reportar aos factos articulados pelo requerente, como aos alegados pela parte contrária[3].
Nos termos do artigo 476.º a lei processual civil,
1 - Se entender que a diligência não é impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objeto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição.
2 - Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respetivo objeto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-o a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade”.
E ainda que nenhuma das partes indique este meio probatório, pode o juiz, por sua exclusiva iniciativa, determinar a sua realização, como se retira directamente dos artigos 467.º, n.º 1 e 477.º, ambos do Código de Processo Civil.
Determina, com efeito, o artigo 411.º do Código de Processo Civil, que consagra o princípio do inquisitório, que “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.
Se “ao juiz cabe também realizar ou ordenar as diligências dos procedimentos probatórios relativos aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio”[4], também tem o poder/dever de oficiosamente promover as diligências que, embora não requeridas, se revelem necessárias ao prosseguimento do mesmo fim.
Tendo os Réus requerido, com a contestação que juntaram aos autos, prova pericial relativamente aos cheques juntos com a petição inicial pelo Autor, indicando o respectivo objecto e concretização das questões que através do referido meio de prova pretendiam ver esclarecidas, deferida a diligência em causa e concluído o respectivo relatório pericial, veio o Autor requerer complemento da perícia para, entre o mais, esclarecer se, relativamente ao cheque nº ………., os demais escritos nele constantes, “nomeadamente nas zonas próprias para indicar a quantia em numerário e por extenso, na zona própria para indicar o local da emissão e na zona “à ordem de”, podem ser do punho da Ré D…, designadamente por comparação com os escritos por ela apostos no original do documento nº 4 (Cheque nº ……….)?”.
Apesar da oposição dos Réus, a diligência probatória em causa foi admitida com o objecto indicado pelo Autor.
É contra essa decisão que se insurgem os apelantes alegando, designadamente, que:
- “Não pode o Tribunal admitir a produção de prova para apurar factos que não foram alegados por qualquer das partes, sob pena de violar o princípio do dispositivo, da autorresponsabilização das partes e mesmo do inquisitório” – conclusão V.
- “Ao fazê-lo, violou o Tribunal recorrido o disposto no artigo 411.º do CPC” – conclusão VI.
Pode ler-se no acórdão desta Relação de 11.01.2021[5]: “A dinâmica evolutiva do processo civil tem-se afirmado no confronto dialéctico entre dois princípios que na aparência se contradizem – dispositivo e inquisitório – com sucessivas cedências do primeiro e prevalência do segundo, com vista à realização do verdadeiro desiderato do processo, afirmado nos artigos 8º, nº 1 e 411º do CPC: o apuramento da verdade e a justa composição do litígio.
Uma das linhas mestras do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro – que alterou o artigo 645º, nº 1 do CPC de 1961, atribuindo-lhe uma redacção igual à do artigo 526º, nº 1 do CPC actual (inquirição por iniciativa do tribunal) –, tal como definidas no seu preâmbulo, era a de privilegiar a decisão de fundo sobre a decisão meramente formal, através de uma atitude mais interventiva do Juiz – cfr. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro: “Garantia de prevalência do fundo sobre a forma, através da previsão de um poder mais interventor do juiz, compensado pela previsão do princípio de cooperação, por uma participação mais activa das partes no processo de formação da decisão.”
Nas palavras do legislador de 1995 cabia ao processo civil procurar a verdade material, em vez de se privilegiarem aspectos formais, que não assumem verdadeira importância perante o objectivo de boa aplicação do Direito Substantivo ao caso concreto – cfr. citado diploma legal: “Ter-se-á de perspectivar o processo civil como um modelo de simplicidade e de concisão, apto a funcionar como um instrumento, como um meio de ser alcançada a verdade material pela aplicação do direito substantivo, e não como um estereótipo autista que a si próprio se contempla e impede que seja perseguida a justiça, afinal o que os cidadãos apenas pretendem quando vão a juízo.”
De notar, que quando o legislador fala em verdade material quer significar como sendo a absoluta correspondência entre afirmações sobre factos e a realidade dos mesmos através da produção da prova. Esta verdade material, será ou tenderá a ser, aquela “verdade processual”, que os diversos meios de prova permitam apurar.
A maior prevalência do princípio do inquisitório sobre o princípio do dispositivo foi explicada da seguinte forma no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro: “Procede-se a uma ponderação entre os princípios do dispositivo e da oficiosidade, em termos que se consideram razoáveis e adequados. (…)
Para além de se reforçarem os poderes de direcção do processo pelo juiz, conferindo-se-lhe o poder-dever de adoptar uma posição mais interventora no processo e funcionalmente dirigida à plena realização do fim deste, eliminam-se as restrições excepcionais que certos preceitos do Código em vigor estabelecem, no que se refere à limitação do uso de meios probatórios, quer pelas partes quer pelo juiz, a quem, deste modo, incumbe realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente e sem restrições, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”
Ora, “o CPC de 2013 acentuou a tendência para o reforço dos poderes do juiz e da sua compreensão como deveres, com a correlativa compressão do princípio do dispositivo (em sentido amplo) e os inerentes riscos no plano das garantias processuais fundamentais do cidadão perante o uso ou não uso de tais poderes/deveres… (…).
O CPC de 2013 acentuou o carácter público da função jurisdicional civil, enquanto função estadual ao serviço da justa composição de litígios de acordo com a verdade material. Com efeito, a descoberta da verdade material envolve um alto interesse do Estado e assim se promove a confiança na justiça dos tribunais. O poder de livre disposição reconhecido à vontade individual mantém-se na fase do impulso inicial e de identificação do objecto do processo; porém, a partir do momento em que as partes submetem o litígio ao tribunal todo o decurso do processo passa a ser dominado quase exclusivamente pela ideia de que a função jurisdicional deve observar as exigências da justa composição do litigio e esta é uma incumbência do juiz, não está dependente da vontade das partes…”[...].
Esta prevalência da verdade material sobre a forma é a razão de ser da opção feita pelo legislador pela consagração do princípio do inquisitório em matéria da instrução do processo em detrimento (“com forte compressão”) do princípio do dispositivo - é significativo disso mesmo a expressão sistemática da inserção do artigo 411.º do Código de Processo Civil, logo nas disposições gerais do Título V, Instrução do processo, na actual redacção.
Como referem A. Geraldes/ P. Pimenta/Luís Sousa[...], o artigo 411º do CPC faz apelo à realização de diligências probatórias que importem a justa composição do litígio, cumprindo ao juiz exercitar a inquisitoriedade, preservando o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objectividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade.
Afirmando, noutro ponto das suas anotações, que, apesar da rigidez para que o art. 423.º do CPC (Prova Documental) parece apontar, “em parte associada ao princípio da auto-responsabilidade das partes, o mesmo não pode deixar de ser compatibilizado com outros preceitos ou com outros princípios que justificam a iniciativa oficiosa do tribunal na determinação da junção ou requisição de documentos que, estando embora fora daquelas condições, sejam tidos como relevantes para a justa composição do litígio, à luz, pois, de um critério de justiça material, cabendo realçar em especial o princípio do inquisitório consagrado no art. 411º e concretizado ainda no art. 436º”[...]”.
Tomando por referência tais explicações, sendo indiscutível que o actual Código de Processo Civil claramente apostou no reforço dos poderes inquisitórios do juiz – que o artigo 411.º, como resulta da expressão nele utilizada [“Incumbe”] elege mesmo como dever – que na reforma de 1995 já havia adquirido relevância enquanto instrumento privilegiado para a conquista da verdade material e da justa composição do litígio -, é de clara evidência a falta de razão dos recorrentes nas objecções formuladas em sede recursiva contra o despacho que admitiu que a perícia por eles inicialmente requerida fosse complementada para obtenção dos esclarecimentos pretendidos pelo Autor/Recorrido.
O Sr. Juiz ao proferir o despacho censurado pelos recorrentes não só não violou o princípio do inquisitório consagrado no artigo 411.º do Código de Processo Civil, como cumpriu o poder/dever a que o mesmo dá cobertura de ordenar que a perícia fosse completada com os esclarecimentos pretendidos pelo Autor, que não se mostram impertinentes nem inócuos.
Com efeito, apesar de o Autor referir na petição inicial que o cheque n.º ………. foi emitido, preenchido e assinado pelo Réu, também aquele refere ao longo da petição inicial que, a solicitação de ambos os Réus, lhes entregou, por diversas vezes, quantias em dinheiro, para financiar a actividade de comércio automóvel que ambos então desenvolviam, tendo ambos os Réus assumido para com o Autor a obrigação de lhe restituírem as quantias que dele receberam.
Neste contexto factual, e alegando ainda o Autor que um dos cheques entregues aos Réus foi emitido, preenchido e assinado pela Ré D…, a diligência probatória requerida pelo Autor e admitida através do despacho recorrido afigura-se de relevância para a aquisição da verdade material, cujo resultado, mais do que a verdade formal, a acção deve garantir.
Devendo o juiz, por sua iniciativa, ordenar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade, como imposto pelo artigo 411.º do Código de Processo Civil, permitindo os artigos 467.º, n.º 1 e 477.º do mesmo diploma legal que, oficiosamente, determine a realização de perícia ainda que não promovida pelas partes, ou com objecto distinto ou mais amplo do que o indicado por estas, não estando o mesmo subjugado ao estritamente alegado nos articulados das partes, nenhum obstáculo legal impedia que fosse a perícia complementada com vista aos esclarecimentos com ela visados pelo Autor, conforme determinado no despacho sob recurso, com o fim último de alcançar a verdade material sobre os factos ainda controvertidos nos autos.
Não merece, por conseguinte, qualquer censura o despacho recorrido, que, assim, se mantém.
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Síntese conclusiva:
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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, na improcedência da apelação, em confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação: pelos recorrentes.

Porto, 28.10.2021
Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária.
Judite Pires
Aristides Rodrigues Almeida
Francisca Mota Vieira
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[1] Artigo 477.º da lei processual civil.
[2] Artigo 484.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
[3] Artigo 475.º do Código de Processo Civil.
[4] Lebre de Freitas, Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil anotado”, Vol. 2º, pág. 208.
[5] Processo n.º 549/19.1T8PVZ-A.P1, www.dgsi.pt.