Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
919/20.2PWPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO AFONSO LUCAS
Descritores: CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
CRIMES PARTICULARES
Nº do Documento: RP20230503919/20.2PWPRT.P1
Data do Acordão: 05/03/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELOS ASSISTENTES
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Sendo apresentada queixa reportada a factos suscetíveis de integrar a prática de crime de natureza particular e de crime de natureza semi–pública, o ofendido pode requerer a sua constituição como assistente em qualquer altura do processo, nos termos do artigo 68.º, n.º 3, do Código de Processo Penal; porém, se o fizer depois do prazo de 10 dias previsto no n.º 2 do mesmo artigo 68.º, contados a partir da advertência referida no n.º 4 do artigo 246.º do mesmo Código, essa constituição de assistente não terá eficácia processual para efeitos de prossecução criminal no que respeita aos factos denunciados que consubstanciem crime de natureza particular.
II - No caso de procedimento dependente de acusação particular, o prazo perentório de 10 dias para a constituição de assistente previsto nos artigos. 68.º, n.º 2, e 246.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, não se interrompe com a apresentação junto da Segurança Social do pedido de proteção jurídica, na modalidade de nomeação de patrono, pois tal interrupção só ocorre com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação daquele pedido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 919/20.2PWPRT–A.P1

Tribunal de origem: Juízo de Instrução Criminal do Porto, Juiz 3 – Tribunal Judicial da Comarca do Porto

I. RELATÓRIO

No âmbito do processo de inquérito nº 919/20.2PWPRT que corre termos no DIAP do Porto, pela Mma. Juiz de Instrução do Juízo de Instrução Criminal do Porto – Juiz 3, foi, em 24/01/2022, proferida decisão indeferindo, por extemporaneidade, o pedido de constituição de assistente formulado pela queixosa AA na parte que respeita aos crimes de natureza particular denunciados, nos termos do disposto no art. 68º/3 do Cód. de Processo Penal.

Inconformada com esta decisão veio, em 16/03/2022, dela recorrer a assistente AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
A) - A questão que a recorrente pretende submeter à sempre sábia e prudente decisão de vossas excelências, exmos. Senhores juízes desembargadores, é a de saber se face à tramitação que dos presentes autos consta, seria de proferir aquele citado douto despacho ou outro diverso do mesmo no sentido de admitir a requerida constituição de assistente da ora recorrente no que aos crimes de natureza particular concerne e em investigação face à participação apresentada e diligências processuais que se lhe sucederam;
B) - Sempre salvo melhor e mais douta opinião, e em modesta mas convicta opinião da ora recorrente, mostra-se tempestivamente apresentado o pedido pela mesma formulado de constituição de assistente, atenta a suspensão da contagem do prazo originada pelo pedido de nomeação de patrono apresentada junto dos serviços competentes, devendo, de tal modo, e contrariamente ao decidido pelo tribunal recorrido, ser admitido tal pedido;
C) - A ora recorrente apresentou requerimento de constituição de assistente em momento anterior a qualquer autoridade judiciária, mormente a exma. Procuradora da república, ter classificado juridicamente os factos denunciados e ordenar a notificação para o efeito;
D) - Tal pedido de constituição de assistente merecido a concordância da exma. Sra. Procuradora da república (fls. 55), e sobre o qual recaiu douto despacho, há muito transitado em julgado, de admissão de tal pedido, passando a partir de então a ora recorrente a deter a qualidade processual de assistente;
E) - Convicta está de tal modo a recorrente que o pedido de constituição de assistente apresentado a fls.... é não só tempestivo (até por antecipação ao exercício de tal ónus processual), mas de igual modo está já o mesmo validado por douto despacho há muito transitado em julgado;
F) - Inexistindo, sempre salvo o devido respeito por contrária opinião, qualquer motivo para que pudesse ser alterado, conforme doutamente consta no despacho ora em crise, o âmbito da admitida constituição da ora recorrente como assistente;
G) - Sendo ainda certo que a notificação à ora recorrente efectuada pelo órgão de polícia criminal a fls. ... quando da apresentação da respectiva participação criminal não contém, nem pode conter, qualquer prazo preclusivo, tendo um conteúdo meramente informativo, porquanto, todo e qualquer prazo preclusivo para a constituição de assistente apenas pode surgir após a classificação jurídica dos factos participados e apuramento da veracidade dos mesmos – tarefa esta que é da exclusiva competência do ministério público;
H) - O prazo, este sim preclusivo, para que a recorrente pudesse apresentar o respectivo requerimento de constituição de assistente apenas e tão somente iniciou a respectiva contagem (preclusiva) após notificação do tribunal para o efeito, mostrando-se tal modo de tal tempestivamente apresentado o pedido pela recorrente apresentado para se constituir assistente (pelos crimes de natureza particular assim classificados pelo ministério público, e somente por esta autoridade judiciária);
I) - Ao decidir como decidiu o tribunal recorrido violou e/ou interpretou erradamente, entre outros, o disposto nos artos. 68° n° 2 e 246° n° 4 do cód. De proc. Penal.
Termina requerendo dever ser dado provimento ao recurso e, consequentemente, substituir–se o despacho recorrido por outro que admita a requerida constituição como assistente da recorrente.

O recurso, em 23/03/2022, foi admitido.

A este recurso respondeu o Ministério Público, em 27/04/2022, concluindo da seguinte forma:
1. O requerimento para constituição de assistente apresentado pela aqui recorrente é extemporâneo no que concerne aos crimes de natureza particular, pelo que não poderia ter sido admitido pelo tribunal, para efeitos do crime de injúria, uma vez que este está sujeito a prazo próprio, prazo esse que, à data, já havia sido ultrapassado;
2. É válida e eficaz a notificação para a constituição de assistente efectuada por OPC e a partir dessa formalidade inicia-se a contagem do prazo para esse efeito;
3. O prazo para a constituição de assistente nos crimes particulares é preclusivo, pelo que, não sendo efetuado na altura devida, extingue-se essa faculdade;
4. O pedido de proteção jurídica para a nomeação de patrono não suspende prazo para apresentação do requerimento da constituição de assistente;
5. Não pode a Recorrente aproveitar-se de uma omissão, um mero lapso que veio a ser corrigido, para exercer um direito que não exerceu no tempo devido, por inércia sua.
6. O despacho que admite o requerimento de constituição como assistente que não se debruça sobre a apreciação e fundamentação dos vários requisitos sobre os quais recai a decisão, não constitui caso julgado formal em relação a tais aspetos, não estando assim impedida a sua reavaliação.
Propugna, assim, dever negar–se provimento ao recurso interposto, e, consequentemente, confirmar-se o despacho recorrido.

Em 23/02/2023 veio a ser proferido despacho sustentando a decisão recorrida, cfr. art. 414º/4 do Cód. de Processo Penal.

Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 08/03/2023, no parecer que emitiu, propugna pela improcedência do recurso, o que faz nos seguintes termos:
«Aderimos às doutas considerações expostas na resposta ao recurso apresentada pela Exma. Senhora Procuradora da República na primeira instância, que, pela sua eloquência e acerto, reclamam a nossa inteira concordância.
Acrescentamos o seguinte:
Nos termos do disposto no artigo 68.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, para além de outras pessoas e entidades, podem constituir-se assistentes no processo penal:
a) Os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos;
b) As pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento.
Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, como é o caso dos autos quanto a alguns dos factos denunciados, dispõe o n.º 2 daquele preceito que o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.º 4 do artigo 246.º do Código de Processo Penal
Tal advertência consiste na informação ao denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar, mostrando-se feita através da notificação de 15.09.2020.
Nessa data, a denunciante foi devidamente informada que tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, o requerimento para a constituição de assistente tem lugar no prazo de 10 dias a contar da referida notificação.
Consta da mesma notificação que também foi informada sobre o regime jurídico do apoio judiciário (artigo 247.º, n.º 2, do Código de Processo Penal).
A denunciante requereu a 14-08-2020 a concessão de apoio judiciário na modalidade de isenção de taxa de justiça e demais encargos e requereu posteriormente a nomeação de patrono, que lhe foi concedida.
Requereu a sua constituição como assistente por requerimento de 13.11.2020.
Ora, em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito no prazo fixado no n.°2 do artigo 68.° do Código de Processo Penal.
Na verdade, o Acórdão n.º 1/2011 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no DR 18, I Série, de 26-01-2011, fixou jurisprudência nos seguintes termos:
“Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal”.
Ademais, no mesmo Acórdão de fixação de jurisprudência considerou-se que “temos por certo que a consideração do prazo do n.º 2 do artigo 68.º como prazo perentório, com a implicada consequência de extinguir o direito de praticar o ato, não privando o ofendido de se constituir assistente nem limitando o exercício desse direito de forma desproporcionada, não comporta qualquer violação do direito constitucionalmente reconhecido ao ofendido pelo n.º 1 do artigo 20.º e pelo n.º 7 do artigo 32.º da Constituição. E isto porque o prazo é adequado ao exercício do direito, foi fixado, pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, com correspondência ao prazo geral para a prática de qualquer ato processual e em harmonia com o prazo máximo para a transmissão da denúncia ao Ministério Público, e só se inicia com o devido cumprimento do dever de advertência e esclarecimento, contido no n.º 4 do artigo 246.º”.
Conforme resulta do disposto no artigo 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29/06, o referido prazo interrompe-se apenas com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do pedido de proteção jurídica, na modalidade de nomeação de patrono, e não com a apresentação junto da Segurança Social do respetivo pedido.
Como é referido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 515/2020, de 18 de novembro, a interrupção dos prazos por efeito do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono - estabelecida pelo n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 35/2004, de 29 de julho - foi entendida como garantia inerente ao direito de acesso à justiça e aos tribunais, estatuído no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
No que concerne ao procedimento criminal dependente de acusação particular, como escreve Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 4.º edição atualizada, página 668, o ofendido deve expressar na denúncia a vontade de se constituir assistente e apresentar o pedido de constituição como assistente no prazo de 10 dias, contados desde a advertência para o efeito feita pelo Ministério Público ou por órgão de polícia criminal. As consequências da inércia do ofendido não são iguais: a inércia no primeiro caso (omissão na denúncia da vontade de se constituir como assistente) não tem quaisquer consequências prejudiciais para o direito de constituição como assistente. Mas no segundo caso (omissão de apresentação do pedido de constituição como assistente) tem um efeito preclusivo do exercício do direito de constituição como assistente.
Com efeito, o artigo 246.º, n.º 4 do Código de Processo Penal é uma norma de carácter meramente ordenador, como resulta do artigo 52.º, n.º 2, do mesmo Código e por isso, a inércia do ofendido no primeiro caso não tem efeito extintivo nem preclusivo do exercício do direito (cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22.06.2022, relatado pelo Desembargador Paulo Costa, disponível em www.dgsi.pt.).
No caso dos autos, não há dúvidas que a denunciante não procedeu à junção ao processo de inquérito do documento comprovativo da apresentação do pedido de proteção jurídica por forma a interromper o prazo do n.° 2 do artigo 68.° do Código de Processo Penal.
Quanto ao despacho de 26-02-2021, que admitiu AA a intervir nos autos como assistente, há que não olvidar que no processo de inquérito se investiga outro crime que não assume natureza particular.
Assim, acompanhando a bem elaborada resposta da Exma. Senhora Magistrada do Ministério Público na primeira instância, somos de parecer que o recurso interposto pela assistente AA deve ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se integralmente o douto despacho recorrido.».

Cumprido o disposto no artigo 417º/2 do Cód. de Processo Penal, nada veio a ser acrescentado no processo.
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Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência.

Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir.
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II. APRECIAÇÃO DO RECURSO

O objecto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, devendo assim a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são designadamente os vícios da sentença previstos no art. 379º ou no art. 410º/2, ambos do Cód. de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995).
São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – cfr. arts. 403º, 412º e 417º do Cód. de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 (in Proc. nº 91/14.7YFLSB. S1 – 5ª Secção)[1], e de 30/06/2016 (in Proc. nº 370/13.0PEVFX.L1.S1 – 5.ª Secção)[2]. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, ‘Curso de Processo Penal’, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

A esta luz, a questão a conhecer e decidir no âmbito do presente acórdão é a de saber se a constituição da ora recorrente como assistente nos autos é eficaz processualmente no que respeita ao procedimento pelos factos denunciados que consubstanciam crime de natureza particular.

São os seguintes os termos processuais relevantes para a apreciação e decisão sobre o objecto do presente recurso:

1º, o dia 15/09/2020, por AA foi apresentada queixa, consubstanciada em denúncia, contra BB e CC, e relativa a factos susceptíveis de integrar a prática designadamente de crimes de ofensas à integridade física e de injúrias;
2º, nessa mesma data, pelo OPC que recebeu a queixa foi a queixosa notificada nos seguintes termos:
«Atendendo à natureza particular do crime comunicado, torna-se necessário que no prazo máximo de DEZ DIAS (seguidos, excepto em períodos de férias judiciais), contados a partir desta data, requerer junto dos Serviços do Ministério Público do tribunal competente, a CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE, sob pena de o Ministério Público não poder, por falta de legitimidade, exercer a acção penal. Fica ainda advertido que a constituição de assistente depende de:
- Constituição de advogado ou pedido de apoio jurídico para nomeação de Patrono;
- Requerimento dirigido ao Mº Juiz a solicitar a constituição de assistentes;
- Pagamento de Taxa de Justiça (artigo 519ºdo C.P.P.) ou pedido de isenção da mesma.»
notificação esta que se mostra assinada pela queixosa;
3º, no dia 13/11/2020, veio a queixosa a apresentar requerimento de constituição como assistente, o que fez nos seguintes termos:
«AA, Ofendida nos autos de processo crime a margem melhor identificado, vem, mui respeitosamente, porque está em tempo, tem inteira legitimidade e patrocinada que se mostra por Patrono Oficioso - vide artº 68° nº 1 a) e nº 3 do Cód. de Proc. Penal, requerer a Vossa Excelência se digne admitir a respectiva constituição como ASSISTENTE, procedendo à junção de nomeação de Patrono Oficioso e Ofício de concessão de protecção jurídica na modalidade de dispensa de taxa de justiça»,
juntando na mesma ocasião ofício de nomeação de patrono oficioso e ofício de concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
4º, Sem oposição do Ministério Público, veio pelo Juiz de Instrução a ser, no dia 26/02/2021, a ser proferido despacho admitindo a requerente AA a intervir nos autos como assistente, nos seguintes termos:
«Por estar em tempo (art. 68º nº 3 do C.P.P.), ter para o efeito legitimidade (art. 113º nº 1, 115º nº 1 do Cód. Penal e 68º nº 1 a) do C.P.P.), estar representada por patrono (art. 70º nº 1 do C.P.P.) e mostrar-se dispensada do pagamento da taxa de justiça prevista nos arts. 519º nº 1 do C.P.P. e 8º nº 1 do R.C.P., admito AA, a intervir nos presentes autos na qualidade de assistente.»;
5º, entretanto, no dia 09/11/2021, pelo Ministério Público foi proferido despacho essencialmente nos seguintes termos:
«(…) constata-se que, no respeita aos crimes de natureza particular, a pretendida constituição de assistente mostra-se extemporânea, facto este a que não atentamos na nossa anterior promoção de fls. 55 quando mencionamos nada a ter a opor à requerida constituição como assistente.
Por tudo o exposto remeta os autos ao Mmo. Juiz de Instrução para apreciação do supra referido, com a promoção de não ser admitida a requerida constituição como assistente no que aos crimes de natureza particular diz respeito, intervindo a ofendida como assistente apenas nos restantes crimes denunciados, atento o disposto no artigo 68º, n.º 3 do CPP.»;
6º, Depois da oposição manifestada pela assistente, veio, no dia 24/01/2022, a ser proferida a decisão ora recorrida, e que é do seguinte teor integral:
«Em 9-11-2021 o Ministério Publico promoveu o indeferimento da requerida constituição como assistente no que aos crimes de natureza particular diz respeito, intervindo a ofendida como assistente apenas nos restantes crimes denunciados, atento o disposto no artigo 68º, n.º 3 do CPP. Tudo com os seguintes fundamentos:
“Em complemento da nossa promoção de fls. 55, que veio dar origem ao douto despacho de fls. 58, onde a ofendida AA veio a ser admitida como assistente, remeta de imediato os autos novamente ao TIC com a seguinte promoção:
A fls. 3, a ofendida AA apresentou queixa por factos susceptíveis de integrar, para além de outros crimes, a prática de crimes de injúria, crimes estes que têm natureza particular. Nessa medida, aquando a apresentação da queixa, em 15/09/2020, foi a ofendida notificada para, no prazo legal de 10 (dez) dias, requerer a sua constituição como assistente, sob pena de o Ministério Público não poder exercer a acção penal, e, consequentemente serem os autos arquivados (cfr. fls. 5). Apesar dessa notificação, efectuada em 15/09/2020, apenas em 13/11/2020, ou seja, depois de decorridos bem mais de dez dias sobre a mencionada notificação, veio a ofendida requer a sua constituição como assistente. Assim sendo, constata-se que, no respeita aos crimes de natureza particular, a pretendida constituição de assistente mostra-se extemporânea, facto este a que não atentamos na nossa anterior promoção de fls. 55 quando mencionamos nada a ter a opor à requerida constituição como assistente.”.
Notificada a assistente para se pronunciar sobre o teor da requerida promoção a mesma veio através do requerimento de 29-11-2021, refutar os argumentos apresentados na promoção acima transcrita, por entender que o pedido de constituição como assistente é tempestivo, invocando também o transito em julgado do despacho de fls. 58, que admitiu a intervenção nos autos como assistente da ofendida.
O Ministério Publico pronunciou-se pela manutenção da anterior promoção.
Cumpre decidir:
Desde já se diga que o despacho proferido a fls 58, não tem força de caso julgado material, mas sim formal, podendo sendo um despacho tabelar, pois ser alterado em primeira instância.
Nos presentes em 15/09/2020, a ofendida foi notificada para se constituir assistente. Da notificação de fls. 6 consta, designadamente, que “Atendendo à natureza particular do crime comunicado, torna-se necessário que no prazo máximo de DEZ DIAS (seguidos, excepto em períodos de férias judiciais), contados a partir desta data, requerer junto dos Serviços do Ministério Público do tribunal competente, a CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE, sob pena de o Ministério Público não poder, por falta de legitimidade, exercer a acção penal. Fica ainda advertido que a constituição de assistente depende de: - Constituição de advogado ou pedido de apoio jurídico para nomeação de Patrono;
- Requerimento dirigido ao Mº Juiz a solicitar a constituição de assistentes;
- Pagamento de Taxa de Justiça (artigo 519ºdo C.P.P.) ou pedido de isenção da mesma.
Apesar dessa notificação, a ofendida não requereu, em 10 dias, a sua constituição como assistente, sendo que também não apresentou, como seria suposto, documento comprovativo do pedido apoio judiciário junto da Segurança Social, apenas tendo juntado, em 13/11/2020, a concessão de tal apoio judiciário, juntamente com o requerimento de constituição de assistente.
Ora, tal como o Ministério Publico, não podemos concordar com a posição assumida, a fls. 114, pela agora assistente (no nosso entendimento apenas quanto aos crimes que não assumam natureza particular), quando refere que o prazo se encontrava suspenso até 02/11/2020 (data em que alegadamente foi notificada do deferimento do pedido de concessão de apoio judiciário).
A agora assistente deveria ter juntado aos autos, nos 10 dias a contar da sua notificação, o pedido de constituição de assistente juntamente com o comprovativo do pedido de apoio judiciário, que era o que justificava o não pagamento da taxa de justiça devida para o efeito e a nomeação de defensor oficioso.
No que respeita à alegada falta de competência do OPC para efetuar tal notificação, aderindo aos fundamentos vertidos na promoção de 17-12-2021, os quais se transcrevem, também não se verifica. Pois, “Estatui, no caso, o n.º 2, do artigo 68.º, do Código de Processo Penal, que “tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.º 4, do artigo 246.º”. Por sua vez, o n.º 4, do artigo 246.º, prevê que “tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração é obrigatória, devendo, neste caso a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita verbalmente advertir o denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar”. E foi precisamente que isto que sucedeu no presente caso. A denunciante foi notificada por órgão de polícia criminal para requerer a sua constituição como assistente no prazo de dez dias. Refira-se que tal notificação foi feita pessoalmente por OPC em expediente autónomo unicamente dirigido a esse acto (cfr. fls. 6) e o qual foi assinado pela Denunciante, pelo que se conclui que a notificação se mostra suficientemente clara e percetível para o “homem médio”. Aliás, uma repetição de tal notificação pelo Ministério Público mostrava-se totalmente desprovida de cabimento legal. Nesse sentido vejam-se os Acórdãos da Relação de Lisboa de 16/10/2018 e Acórdão da Relação de Coimbra, de 19/02/2020. Será, ainda, de trazer à colação o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2011 (DR I, nº 18, de 26 de Janeiro de 2011), que decidiu que “em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º do Código de Processo Penal”.
Não o tendo feito nos dez dias, precludiu o direito, no que respeita aos crimes de natureza particular, à constituição como assistente, como decidido pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência acima citado, pois o prazo para a constituição de assistente regulado nos artigos 68º, nº 2 e 246º, nº 4, do Código de Processo Penal assume a natureza de peremptório. «É prazo peremptório o estabelecido para a prática dum acto processual que, uma vez ele decorrido, deixa de poder ser praticado. A regra é ser peremptório o prazo do acto a praticar pelo interessado. Só em caso de justo impedimento é que o interessado poderá praticar o acto fora de prazo».
Assim sendo, e no que aos crimes de natureza particular respeita, a pretendida constituição de assistente mostra-se, extemporânea.
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Pelo exposto por manifesta extemporaneidade indefiro a constituição da ofendida como assistente no que aos crimes de natureza particular diz respeito, admitindo a intervenção da mesma na qualidade de assistente apenas nos restantes crimes denunciados, atento o disposto no artigo 68º, n.º 3 do CPP.
Notifique.
DN»

Apreciando.

A primeira nota que cumpre deixar bem clara, por forma a que não se suscite qualquer dúvida quanto à devida delimitação do objecto do presente recurso, é a de que não está em causa a constituição da recorrente como assistente nos autos – constituição essa oportunamente requerida e deferida, e que não suscita qualquer dúvida no que tange ao acompanhamento e colaboração com o Ministério Público, nos termos do art. 69º do Cód. de Processo Penal, na parte que respeite à prossecução criminal de factos susceptíveis de integrar ilícitos de natureza semi–pública.
Donde, a requerente tem, pelo menos nessa medida e com esse alcance, a efectiva posição de assistente nos autos.
A questão controvertida traduz-se antes em saber se a constituição como assistente da ora recorrente nos autos tem igualmente eficácia processual para efeitos de prossecução criminal no que respeita aos factos que consubstanciem crimes de natureza particular e que pela mesma hajam sido denunciados no dia 15/09/2020.
O que, ainda mais especificamente, corresponde a responder à questão de saber qual o prazo para a constituição de assistente quando é apresentada queixa por factos integradores quer de crime de natureza semi-pública, quer também de crime de natureza particular – ou seja, de saber se no que concerne aos factos relativos a crime de natureza particular, beneficia o ofendido sempre do prazo mais alargado previsto no nº3 do artigo 68º do Cód. de Processo Penal, ou se, ao invés, relativamente ao crime particular (no caso injúrias), o prazo para esse efeito aplicável é o previsto no nº2 do dito preceito.

Na verdade, estipula o art. 48º do Cód. de Processo Penal que o Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal, com as limitações previstas na lei. Ora, os arts. 49º e 50º do mesmo código constituem excepções àquele princípio, tendo em conta que nos casos em que estão em investigação crimes de natureza semi–pública ou particular, o Ministério Público só poderá dar início à investigação quando estão cumpridos os requisitos aí expostos: a apresentação de queixa e, no segundo caso, acresce ainda a constituição como assistente.
Por seu turno, e no que tange à oportunidade e formalidade processuais para a constituição de assistente, preceituam os nºs 2 e 3 do arts. 68º do Cód. de Processo Penal o seguinte:
«2 – Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo e 10 dias a contar da advertência referida no n.º4 do artigo 246.º.
3 - Os assistentes podem intervir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeiram ao juiz:
a) Até cinco dias antes o início do debate instrutório ou da audiência de julgamento;
b) Nos casos do artigo 284.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 287.º, no prazo estabelecido para a prática dos respectivos actos.
c) No prazo para interposição de recurso da sentença.».
Por sua vez, aquele nº 4 do artigo 246º do Cód. de Processo Penal a que apela o art. 68º/2, em conformidade consigna expressamente o seguinte – com sublinhado agora aposto:
«4 – O denunciante pode declarar, na denúncia, que deseja constituir-se assistente. Tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração é obrigatória, devendo, neste caso, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita verbalmente advertir o denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar».
Como se elencou supra, foi a situação prevista no regime decorrente da conjugação dos citados arts. 68º/2 e 246º/4 do Cód. de Processo Penal que ocorreu na presente situação, no momento da denúncia/queixa apresentada pela ora recorrente junto de OPC.
Sendo ali denunciados factos susceptíveis de integrar a prática de crimes de ofensa à integridade física simples, que reveste natureza semi–pública (cfr. artigo 143º/1/2 do Cód. Penal), e de injúria, este de natureza particular (cfr. artigo 181º/1 e 188º/1 do Cód. Penal), na ocasião da denúncia/queixa (no dia 15/09/2020), a recorrente foi pessoalmente notificada e advertida pelo agente autuante da necessidade de se constituir assistente no prazo de 10 dias, nos termos acima enunciados e para os quais se remete.
É ainda de realçar que no mesmo documento de notificação, assinado pela requerente, são explanados os procedimentos legais a adoptar para a necessária constituição de assistente, designadamente o envio de requerimento dirigido ao Juiz a solicitar a constituição de assistente, a constituição de advogado ou formulação de pedido de apoio judiciário para nomeação de patrono, e o pagamento da taxa de justiça ou o pedido de isenção da mesma.

Insurge–se a recorrente contra a decisão recorrida, considerando desde logo que o requerimento oportunamente apresentado para se constituir assistente o foi tempestivamente mesmo nos termos e para os efeitos do art. 68º/2 do Cód. de Processo Penal.
Assenta a sua impugnação numa dupla argumentação : ora por considerar que o prazo de 10 dias previsto no art. 68º/2 do Cód. de Processo Penal se encontraria suspenso por força do pedido de nomeação de patrono apresentada junto dos serviços competentes ; ora por entender que aquela notificação efectuada pelo órgão de polícia criminal não pode conter qualquer prazo preclusivo, tendo um conteúdo meramente informativo, porquanto todo e qualquer prazo preclusivo para a constituição de assistente apenas pode surgir após a classificação jurídica dos factos participados e apuramento da veracidade dos mesmos, tarefa esta que é da exclusiva competência do Ministério Público, pelo que a ora recorrente apresentou requerimento de constituição de assistente em momento anterior à notificação para tal efeito por parte de qualquer autoridade judiciária.
Trata–se de uma argumentação que diríamos híbrida, pois que enquanto na primeira vertente supõe e aceita a eficácia daquela notificação efectuada pelo OPC para determinar o prazo de constituição de assistente para o efeito aqui em equação (considerando apenas que o mesmo foi suspenso), na segunda insurge–se contra essa mesma eficácia preclusiva da aludida notificação.
Pese embora a incompatibilidade lógica de tais vias argumentativas, a verdade é que, sob qualquer das perspectivas, não assiste razão à recorrente.

Assim, e começando pela segunda via da alegação, considera–se efectivamente que, estando em causa a susceptibilidade de prossecução criminal por factos que integrem crime de natureza particular, a lei processual excepciona aquela opção declaratória prevista na primeira parte do art. 246º/4 do Cód. de Processo Penal, e ao impor a declaração de constituir–se assistente («…a declaração é obrigatória…»), determina igualmente a notificação para tal constituição nos termos previstos na segunda parte (supra sublinhada) com efeitos preclusivos da possibilidade de haver constituição de assistente para aquele efeito processual–penal.
Julga–se, na verdade que a conjugação das normas legais acima enunciadas não permite margem para dúvidas de que o prazo para a constituição de assistente, no que respeita à prossecução por crimes de natureza particular, começa a contar da notificação que para esse efeito lhe é efectuada nos termos do art. 246º/2 do Cód. de Processo Penal, ficando essa possibilidade precludida ultrapassado que se mostre o prazo de 10 dias em causa.
Isso mesmo decorre desde logo do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ nº 1/2011 [3] que estabelece que «Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no nº2 do artigo 68º do Código de Processo Penal».
Ou seja, a partir do momento em que a pessoa queixosa é expressa e devidamente advertida da obrigatoriedade da sua constituição como assistente no prazo de 10 dias, sob pena de não poderem prosseguir os autos com a investigação do crime de natureza particular denunciado, se aquela nada faz, cumpre retirar de ta1 inércia as devidas consequências legais, para as quais, aliás, in casu foi cabal e convenientemente advertida.
O prazo comunicado pela notificação em causa, efectuada a 15/09/2020, tem, pois, natureza peremptória no que concerne à possibilidade de constituição como assistente para prossecução criminal dos crimes de natureza particular, direito que, com tal configuração, se extinguiu decorridos 10 dias da mesma notificação – ou seja, no caso dos autos, a 25/09/2020 (ou até 28/09/2020 mediante o pagamento de multa nos termos previstos nos arts. 107º-A/c) do Cód. de Processo Penal e 139º do Cód. de Processo Civil, o que não foi o caso).
Diga–se não se desconhecer a jurisprudência invocada pela recorrente nas suas alegações de recurso – a saber, e em concreto, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09/11/2021 (proc. 735/19.4PBEVR-A.E1)[4], onde se decidiu que «1 - As notificações feitas à denunciante pela autoridade policial junto da qual é apresentada a denúncia, designadamente a notificação para se constituir assistente em determinado prazo, fazem parte do ritual a que é sujeito quem, junto da autoridade policial, surge como denunciante. Valem pelo conteúdo informativo que contém e delas não resulta a imposição de prazo preclusivo. 2 - E a explicação para isto é óbvia. Compete ao Ministério Público apurar no processo a veracidade dos factos denunciados e classificá-los juridicamente. E só então, mediante notificação do titular do processo de inquérito, podem ser exigidos comportamentos e impostos prazos – nomeadamente a constituição como assistente».
Porém, e respeitando, embora, a posição exposta em tal aresto, da mesma divergimos.
E assim se entende desde logo por não se nos afigurar que encontre a mesma sustentação na letra da lei – pelo contrário, está em oposição ao regime processualmente imposto, fazendo letra morta da parte final do 68º/2 e do 246º/4 do Cód. de Processo Penal, tratando a imposição aí em causa como um mero ritual informativo.
Ora, não é isso que aquelas disposições impõem no que aos crimes particulares concerne, contrariando assim também aquele entendimento quanto estava no espírito do legislador ao estipulá–las.
Na verdade, o prazo limitado para a constituição de assistente justifica–se desde logo em função do condicionamento do próprio andamento do processo que, através dele, se opera, já que sem a constituição formal como assistente o procedimento, por aquele específico crime não pode prosseguir. Com efeito, nos crimes particulares, a constituição de assistente, tal como a queixa e a acusação particular, constitui uma condição de procedibilidade, pois sem ela o Ministério Público não tem sequer legitimidade para, quanto ao mesmo, prosseguir a investigação, a qual, de contrário, poderia redundar na prática de actos inúteis.
Ou seja, o que se pretende com a imposição daquele prazo e daquela notificação, é assegurar que, em caso de denuncia de factos integradores de crime de natureza particular, se evita que o Ministério Público empenhe e comprometa recursos numa investigação sobre tais factos sem a segurança de que quem os denunciou tem interesse no procedimento criminal pelos mesmos.
Por isso que a lei pretende, e assim determina, que seja desde logo a entidade – qualquer que ela seja – que recebe a denúncia de um crime particular a liminarmente assegurar a legitimidade do Ministério Público para prosseguir com o procedimento criminal.
Por isso também no aludido AFJ nº 1/2011 se escreve que «Nos crimes particulares, a atividade instrutória do Ministério Público é desde logo condicionada pela própria constituição de assistente, sem a qual o procedimento não pode prosseguir para além da queixa e a sua prossecução para além do inquérito depende da acusação particular».
Como expressivamente refere Pedro Soares Albergaria, em “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, Tomo I, pág. 805, «O prazo para constituição como assistente por crime cujo procedimento dependa de acusação particular (arts. 50.º/1 e 285.º), de 10 dias, conta-se a partir da advertência pela autoridade judiciária ou pelo OPC de que aquela constituição é obrigatória e dos procedimentos a observar (arts. 68.°/2 e 246.º/4), de modo que a advertência em causa é condição de início do cômputo dele: não sendo feita, o prazo não se inicia e o candidato a assistente estará sempre em condições de se constituir como tal. Inversamente, feita a advertência mas ultrapassado o prazo sem que seja requerida a constituição como assistente, e sem prejuízo do disposto no art. 107.°-A, fica o candidato a assistente impossibilitado de assumir esse estatuto processual».
Neste sentido pode citar–se vasta jurisprudência.
Assim, e entre outra, temos o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/09/2016 (proc. 120/15.7GHCVL-A.C1)[5], onde (aliás, com particular pertinência para uma situação como aquela configurada nos presentes autos) se decidiu que «Mesmo estando em causa o concurso de crimes público, semi-público e particular, ao prazo de requerimento para constituição de assistente, quanto ao último, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 68.º do CPP»; o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29/05/2012 (proc. 640/11.2TDEVR-A.E1)[6]; o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19/09/2012 (proc. 1036/12.4TDPRT-A.P1)[7], onde se escreve que «O prazo fixado no n.º 2 do artigo 68º do CPP está indissociavelmente ligado à norma do n.º 4 do artigo 246º do mesmo Diploma Legal, a significar que, em caso de crime cujo procedimento depende de acusação particular, só com o cumprimento do dever de informação e advertência do denunciante se inicia o prazo fixado na lei para que o denunciante requeira a sua constituição como assistente» ; os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 05/12/2018 (proc. 542/17.9PBCLD-A.C1)[8], onde se consigna que «I – O prazo para requerer a constituição de assistente é um prazo peremptório, em função do que o correspondente acto deve ser praticado dentro do respectivo período de tempo de dez dias e o seu decurso sem que aquele seja realizado faz extinguir o direito de o praticar. II – É obrigatório que o denunciante de crime particular declare que pretende constituir-se assistente e, em tal caso, impõe-se à autoridade judiciária ou ao órgão de polícia criminal a quem a denúncia foi feita verbalmente, que proceda à advertência ao denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar», e de 19/02/2020 (proc. 140/19.2T9TCS-A.C1)[9]; e os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 30/01/2019 (proc. 307/17.8GBBAO-A.P1)[10] que decidiu que «O prazo para o ofendido declarar que se pretende constituir assistente no processo, quando se trata de crime particular, é de dez dias a contar da advertência referida no art.º 246.º, n.º4 do CPP», de 25/09/2019 (proc. 2106/19.3T9PRT-A.P1)[11], e de 09/10/2019 (proc. 3613/19.3T9PRT-A.P1)[12].
Sempre se dirá, já agora, que tal entendimento em nada prejudica a posição processual de quem deva constituir–se assistente com vista à prossecução de crimes de natureza particular no caso de a notificação devida nos termos do art. 246º/4 do Cód. de Processo Penal não ser devidamente efectuada. Na verdade, qualquer erro de avaliação da entidade que receba a denúncia/queixa nesta fase embrionária será totalmente inócuo, pois se a mesma erroneamente integrar, como crime semi–público ou público, factos que venham a revelar–se afinal a posteriori como crime de natureza particular – e por isso não tendo efectuado ali a notificação em causa –, o Ministério Público sempre deverá sanar a respectiva falta, notificando aí sim, o ofendido para os termos do art. 68º/2 do Cód. de Processo Penal.

Em suma, julga–se, pois, que o prazo previsto no art. 68º/2 do Cód. de Processo Penal, quando se inicie por via da notificação devida nos termos do art. 246º/4 do mesmo código, assume natureza peremptória, sendo, assim, distintos prazos fixados para a constituição de assistente consoante estejam em causa crimes particulares ou crimes públicos e/ou semipúblicos.
Como tal, não é susceptível de alargamento, como vem propugnado pela ora recorrente, o prazo previsto no art. 68º/2 do Cód. de Processo Penal estando em causa a constituição de assistente relativa ao prosseguimento de procedimento por crimes particulares, mesmo que com estes concorram, no mesmo processo, crimes de natureza pública ou semi-pública.
Como também se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29/05/2013 (proc. 762/10.7TAFIG.C1)[13], « No teor literal do art. 68.º/2 do CPP nada permite concluir que fixando-se um determinado prazo para a prática de um determinado acto, o mesmo acto poderá ser praticado noutro momento ou pra o que não o aí indicado, de igual modo e de um ponto de vista sistemático e tomando portanto como pano de fundo o próprio sistema processual penal, nenhum outro preceito/legal permite admitir tal possibilidade ou operar sob tal pressuposto, por último e tendo em conta o espírito da lei - a essência ontológica da norma enquanto tal e nessa medida o factor que deve reger a interpretação de uma norma e prevalecer sobre qualquer dúvida· reiterando o supra exposto a respeito dos prazos e regras processuais, considera-se que também por esta via se encontra excluída a possibilidade de entender o prazo processual previsto no art. 68º/2 CPP como um prazo ordenador. A intenção do legislado com esta norma é a de estabelecer limites temporais tidos por razoáveis para o exercício de um determinado direito - de constituição de assistente -, a fim de evitar uma pendência indefinida de processos relativos a crimes particulares, ou seja, a ratio legis aqui subjacente é idêntica à ratio legis que subjaz à fixação de um limite temporal para apresentação de queixa, sendo os valores protegidos os mesmos.».

E não colhe também a outra alternativa a que a recorrente apela para salvaguardar a eficácia do seu requerimento de constituição como assistente também para efeitos de prossecução do denunciado crime de natureza particular, qual seja a de dever considerar–se aquele prazo de 10 dias que vimos imposto no art. 68º/2 do Cód. de Processo Penal suspenso por via da apresentação de pedido de nomeação de patrono junto dos serviços competentes.
E não logra proceder tal entendimento pois que o prazo para a constituição de assistente (no caso) que esteja em curso não se interrompe com a apresentação junto da Segurança Social do pedido de protecção jurídica, na modalidade de nomeação de patrono. Na verdade, tal interrupção só ocorre com a junção aos autos, pelo requerente da constituição de assistente, do documento comprovativo da apresentação daquele pedido, conforme inequivocamente resulta do disposto no art. 24º/4 da Lei 34/2004, de 29 de Junho (Regime de acesso ao direito e aos tribunais) – onde exactamente se estipula que «Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo».
No caso, a ora recorrente não juntou aos autos, no aludido prazo de 10 dias, o comprovativo do pedido de apoio judiciário, sendo que, como se relatou, apenas veio a juntar, com o pedido de constituição de assistente formulado já em 13/11/2020, ofício de nomeação de patrono oficioso e ofício de concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Donde, aquele prazo não se interrompeu nem suspendeu, correndo ininterruptamente desde a supra mencionada notificação pessoal, em 15/09/2020.

Um último argumento alegado pela recorrente em abono da sua pretensão é o de que o despacho proferido em 26/02/2021, que, na sequência daquele requerimento de 13/11/2020, admitiu a requerente AA a intervir nos autos como assistente, terá formado caso julgado quanto a tal questão, inexistindo qualquer motivo para que pudesse ser alterado, conforme veio a suceder no despacho ora em crise, o âmbito da admitida constituição da ora recorrente como assistente.
Não lhe assiste também razão.
Em primeiro lugar porque, como bem assinala o Ministério Público na sua resposta ao recurso, o despacho que admite a constituição de assistente não constitui caso julgado formal quanto a tal questão.
Como alude referencia José António Barreiros, em “Sistema e Estrutura do Processo Penal Português”, II, pág. 164., «contrariamente com o que se passa com o estatuto do arguido, o do assistente é caracteristicamente dinâmico e reversível. Daí que possa acontecer que um indivíduo seja admitido como tal e em momento subsequente a essa admissão ver revogada essa qualidade por verificação da não existência de requisitos formais para tanto. Tal despacho apenas faz caso julgado rebus sic stantibus».
Também Paulo Pinto de Albuquerque, no seu “Comentário do Código de Processo Penal – à luz da CRP e da CEDH”, d. 2007, pág. 211, escreve que a admissão como assistente na fase de inquérito apenas faz caso julgado rebus sic stantibus, sendo alterável caso se verifique uma alteração do objecto do processo, justificando–se a possibilidade de alteração desse despacho com a circunstância de, nessa altura, ainda não se encontrar fixado o objecto do processo e de poderem ocorrer alterações que contendam com o estatuto do assistente já admitido. No mesmo sentido cite–se ainda Pedro Soares de Albergaria, em ob. citada, pág. 809, onde refere que «a decisão sobre a constituição como assistente faz caso julgado contingente de alteração das circunstâncias (rebus sic stantibus). Isso pode suceder por alteração das circunstâncias relativas ao central aspeto da legitimidade material para constituição como assistente, mas também relativamente a outros pressupostos da investidura naquele estatuto».
Ademais, e como assinala o Ministério Público na sua resposta ao recurso, decorre do art. 621º do Cód. de Processo Civil (aqui invocável ex vi art. 4º do Cód. de Processo Penal) que o caso julgado se forma nos precisos limites e nos termos em que julga, ou seja, a própria definição de caso julgado formal importa a análise directa das questões sobre s quais recai.
Assim, e mais concretamente no que concerne ao despacho de admissão da constituição de assistente, este não pode constituir caso julgado formal em relação a questões de que não conhece directamente, como é o caso da verificação ou não dos pressupostos para o exercício da acção penal.
Neste exacto sentido cite–se o já mencionado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29/05/2013 (proc. 762/1O.7TAFIG.C1) que decidiu que "O despacho de admissão de assistente não faz caso julgado formal em relação a questões que não conhece directamente, como é o caso da verificação, ou não, dos pressupostos para o exercício da acção penal». No mesmo sentido referência para os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 22/09/2010 (proc. 3642/09.5TDPRT-A.P1)[14], do Tribunal da Relação de Coimbra de 30/11/2011 (proc. 15/09.3TASBG.C1)[15] e do Tribunal da Relação de Guimarães de 02/05/2016 (proc. 52/14.6T9VPA-A.G1)[16].
No presente caso, o despacho que admitiu a ora recorrente como assistente nos autos limitou-se, quanto à legitimidade e tempestividade do requerimento, a proferir uma decisão tabelar que não se pronunciou quanto aos crimes relativamente aos quais tal admissão foi deferida, como claramente decorre do respectivo teor, acima transcrito. Donde, esse despacho não conduziu à formação de caso julgado formal, pelo que o mesmo sempre poderia, no decurso da fase de inquérito, ser alterado.

Nesta decorrência, em segundo lugar e porventura mais relevantemente, também deve dizer–se – exactamente por apelo ao teor daquele despacho de admissão da recorrente como assistente proferido em 26/02/2021 – que a decisão ora recorrida não determinou qualquer alteração no teor do decidido naquela anterior decisão judicial.
Notar–se–á que em tal anterior despacho foi o requerimento considerado tempestivo mediante a invocação do nº3 do art. 68º do Cód. de Processo Penal, norma esta que, como acima deixámos analisado, em bom rigor apenas tem plena aplicação com relação a legitimidade para intervir (como assistente) no procedimento relativo a crimes de natureza pública e semi–pública.
Ou seja, a eficácia daquela validação da constituição de assistente cingiu-se somente para os efeitos do crime de natureza semi–pública, não tendo a decisão ora recorrida alterado aquela, mas antes apenas esclarecido aquilo que não foi expressamente advertido naquele anterior despacho.
De modo algum pode acolher–se a perspectiva de aquele despacho que oportunamente – e bem – admitiu o requerimento da constituição de assistente ser visto como consubstanciando uma espécie de renovação do direito de exercer essa faculdade processual quanto ao crime de natureza particular (no caso de injúria), dado que na data da sua prolação (26/02/2021) tal direito já se encontrava extinto.
Assim sendo, não merece censura o despacho ora recorrido, ao clarificar aquilo que resulta, afinal, da aplicação do regime legal e processual aqui imposto – ou seja, de que a admissão da constituição de assistente apenas era eficaz no que respeitava aos crimes de natureza semi–pública, não o sendo, por manifesta extemporaneidade, no que tange aos crimes de natureza particular.

Em conclusão, tendo a comunicação efectuada pelo OPC em 15/09/2020 sido bem clara quanto à «obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar» (cfr. art. 246º/4 do Cód. de Processo Penal) – maxime do prazo peremptório para o efeito –, e no que respeitava aos factos susceptíveis de integrar crime de natureza particular, o direito/dever de se constituir assistente com vista à prossecução pelos crimes de tal natureza, extinguiu–se decorridos 10 dias da mesma notificação – ou seja, no caso dos autos, a 25/09/2020.
Pelo que bem andou a decisão recorrida ao consignar expressamente tal imperativo circunstancialismo processual.

Conclui-se, pois, não merecer censura a decisão recorrida.
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III. DECISÃO

Nestes termos, e em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em não conceder provimento ao recurso interposto pelo assistente AA – e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas da responsabilidade da recorrente, fixando-se em 3 UC´s a taxa de justiça (cfr. art. 513º do Cód. de Processo Penal e 8º/9 do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último).
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Porto, 3 de Maio de 2023
Pedro Afonso Lucas
Maria do Rosário Martins
Lígia Trovão

(Texto elaborado pelo signatário, e revisto integralmente – sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo da primeira página)
_________________
[1] Relatado por Nuno Gomes da Silva, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf
[2] Relatado por Arménio Sottomayor, acedido em https://www.stj.pt
[3] Relatado por Isabel Pais Martins, publicado no DR 18, Série I de 26/01/2011, e disponível em https://www.stj.pt/?p=6321
[4] Relatado por Ana Bacelar, acedido em www.dgsi.pt/jtre.nsf
[5] Relatado por Maria José Nogueira, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[6] Relatado por João Amaro, acedido em www.dgsi.pt/jtre.nsf
[7] Relatado por Melo Lima, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[8] Relatado por Helena Bolieiro, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[9] Relatado por Alcina da Costa Ribeiro, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[10] Relatado por Maria Manuela Paupério, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[11] Relatado por Maria Deolinda Dionísio, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[12] Relatado por Narciso Magalhães Rodrigues, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[13] Relatado por Maria Pilar de Oliveira, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[14] Relatado por José Piedade, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf
[15] Relatado por Alberto Mira, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf
[16] Relatado por Fernando Monterroso, acedido em www.dgsi.pt/jtrg.nsf