Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11354/14.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
PERDA DO DIREITO À VIDA
PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
NÃO CUMULAÇÃO DA PENSÃO COM A INDEMNIZAÇÃO
PERDA DOS RENDIMENTOS QUE A VÍTIMA PROPORCIONAVA
Nº do Documento: RP2016120611354/14.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 12/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADAS EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º743, FLS.220-231)
Área Temática: .
Sumário: I - Apesar de qualquer vida humana se revestir de idêntica dignidade e merecer idêntica tutela jurídica, nem por isso se justifica que na valoração do dano da respectiva perda se esqueçam factores diferenciadores, tais como a idade, a inserção familiar e social, a perspectiva e expectativa de vida, a saúde ou o grau de culpa do lesante.
II - No caso de uma vitima com 63 anos, saudável, muito activa, trabalhadora e muito bem disposta, que amava a vida, a família e os amigos e que vivia para a família, é adequada a fixação dessa indemnização em 60.000,00€.
III - Não são cumuláveis o recebimento de uma pensão de sobrevivência e o recebimento de indemnização pelo dano patrimonial constituído pela perda dos rendimentos que a vítima proporcionava ao cônjuge sobrevivo.
IV - A responsabilidade do Fundo de Garantia Automóvel é subsidiária em relação à do sistema de segurança social, só garantindo a reparação dos danos na parte em que estes ultrapassem as prestações devidas por esse sistema.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. 11354/14.1T8PRT.P1
Comarca do Porto - Póvoa de Varzim
Inst. Central - 2ª Secção Cível - J1

REL. N.º 379
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: Fernando Samões
Vieira e Cunha
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1 - RELATÓRIO

B…, viúva e C…, solteira, maior, ambas residentes na Rua …, n.º …, …, concelho de Penafiel instauraram a presente acção declarativa com processo comum contra Fundo de Garantia Automóvel, com sede na Av. …, n.º .., Lisboa., pedindo a condenação deste a pagar-lhes diversas quantias a título de indemnização pelos danos resultantes de um acidente de viação de que foi vítima o seu falecido marido e pai, respectivamente, e por cujo pagamento entendem responder esse Fundo.
Assim pedem o pagamento:
- A ambas as autoras, a quantia de €.30.000,00 como a parte a que têm direito da indemnização global de €.75.000,00 a título do direito à vida de D….
- A ambas as autoras, a quantia de €.4.000,00 como a parte a que têm direito da indemnização global de €.10.000,00 atribuída a título de danos não patrimoniais da vítima.
- À autora B…, a quantia de €.110.400,00 a título de danos patrimoniais e €.30.000,00 a título de danos não patrimoniais próprios.
- À autora C…, a quantia de €.30.000,00 a título de danos não patrimoniais próprios.
- Juros de mora desde a citação e até efectivo e integral pagamento de todas as referidas quantias.
Alegaram que, no dia 14 de Janeiro de 2013, o referido Ilídio foi atropelado por veículo cujo condutor não foi identificado, tendo sofrido lesões que provocaram a sua morte. Sendo ele que providenciava pelo sustento da autora B… e tendo a respectiva morte determinado grande desgosto a ambas, pretendem a satisfação das indemnizações referidas.
Requereram também a intervenção principal, como seus associados, de E…, F… e G…, todos filhos do falecido D… e com interesses idênticos aos seus.
Regularmente citado, o R. contestou, alegando a sua irresponsabilidade, por o acidente em questão ter consubstanciado um acidente de trabalho, estando as AA. a ser indemnizadas a esse título; impugnando a matéria de facto aduzida, por desconhecimento; e apontando o exagero das indemnizações pedidas.
Os chamados E…, F… e G… vieram apresentar articulado pedindo, a par das AA., que o réu seja condenado a pagar-lhes:
- Aos três intervenientes a quantia de €.45.000,00 como parte a que têm direito da indemnização global de €.75.000,00 a título do direito à vida de D….
- Aos três intervenientes, a quantia de €.6000,00 como parte a que têm direito da indemnização global de €.10.000,00 atribuída a título de danos não patrimoniais da vítima.
- A cada um dos intervenientes, a quantia de €.15.000,00 a título de danos não patrimoniais próprios.
- Juros de mora desde a citação e até efectivo e integral pagamento de todas as referidas quantias. pedidos indemnizatórios.
A fls. 145, o réu FGA contestou o articulado dos intervenientes, referindo o exagero do valor indemnizatório peticionado.
O processo foi saneado e preparado para julgamento. Realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença que concluiu pela procedência parcial da acção, afirmando que a vítima foi parcialmente responsável, numa proporção de 30%, pela produção do acidente. Com tal pressuposto e em função dos danos apreciados, condenou o R. a pagar:
A. À autora B…: a título de indemnização pelos danos não patrimoniais a quantia de €.23.800,00; acrescida de juros de mora desde a presente data e até efectivo e integral pagamento (inclui a indemnização pelos danos sofridos pela vítima no valor de €.1.400,00, pela perda do direito à vida no valor de €.8.400,00 e os danos não patrimoniais próprios da autora no valor de €.14.000,00); a título de indemnização pelos danos patrimoniais a quantia de €.30.985,70 (trinta mil novecentos e oitenta e cinco euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora desde 10.12.2014 e até efectivo e integral pagamento.
B. À autora C…, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais a quantia de €.23.800,00, acrescida de juros de mora desde a presente data e até efectivo e integral pagamento (inclui a indemnização pelos danos sofridos pela vítima no valor de €.1.400,00, pela perda do direito à vida no valor de €.8.400,00 e os danos não patrimoniais próprios da autora no valor de€.14.000,00).
C. A cada um dos chamados E…, F… e G…, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais a quantia de €.16.800,00, acrescida de juros de mora desde a presente data e até efectivo e integral pagamento (inclui a indemnização pelos danos sofridos pela vítima no valor de €.1.400,00, pela perda do direito à vida no valor de €.8.400,00 e os danos não patrimoniais próprios do chamado no valor de €.7.000,00).
Desta decisão vem interposto recurso pelo Réu FGA, pretendendo a reponderação das quantias indemnizatórias arbitradas e o desconto, na sua condenação, das quantias entretanto pagas pela seguradora do sinistro enquanto acidente de trabalho e pelo ISS, IP, à autora B… a título de subsidio por morte e pensão de sobrevivência.
Terminou o seu recurso elencando as seguintes conclusões:
1. Os critérios plasmados na PORTARIA n.º 377/2008, de 26 de Maio não podem deixar de se erigir em referente para o julgador, pois reduzem a incerteza e a subjectividade da decisão e asseguram um melhor tratamento igual entre todos os lesados;
2. Os critérios de tal instrumento normativo resultam de uma ponderação prudencial, médico-legal e económica e social e devem, por isso, ser considerados;
3. Havendo uma divergência substancial entre o resultado que se alcançaria pela aplicação da portaria e o resultado da decisão judicial, deve considerar-se que é possível o excesso da decisão judicial;
4. Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais deve levar-se em conta a prática indemnizatória seguida para ressarcimento de danos morais de equiparada gravidade;
5. Pelo que deve ser revogada a sentença na parte em que condena o réu no pagamento de €10.000,00, pelo «dano não patrimonial sofrido pela vítima antes de morrer», e substituído pelo valor de €2.100,00, a repartir pelos autores nos termos da redacção acima sugerida.
6. Igualmente deve ser revogada a sentença na parte em que condena o réu no pagamento de €42.000,00, pelo dano da privação do direito à vida, e substituído pelo valor de €28.000,00, a repartir pelos autores nos termos da redação acima sugerida.
7. Por último ser revogada a sentença na parte em que condena o réu no pagamento à autora B… na quantia de €30.985,70, a título de indemnização pelos danos patrimoniais, e substituída pelo valor de €4.058,80, porquanto foi dado como provado no ponto 38) que: «O Instituto de Segurança Social, I.P. pagou à autora B… os seguintes valores: i) €.2.515,32 de subsídio por morte, ii) €.7.868,84 de pensão de sobrevivência, relativa aos meses de Fevereiro de 2013 a Janeiro de 2016.»
8. A norma do artigo 51º, nº 1 do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto, regula o nº 3 da mesma nos seguintes moldes: «Quando, por virtude de acidente previsto nos artigos 48º e 49º, o lesado tenha direito a prestações ao abrigo do sistema de proteção da segurança social, o Fundo só garante a reparação dos danos na parte em que estes ultrapassem aquelas prestações»
9. A manter-se o decidido verifica-se um enriquecimento ilegítimo da autora à custa do Fundo, porquanto este foi condenado a pagar à autora uma indemnização com o mesmo objeto dos valores pagos a esta, e que continua a receber, do ISS, IP.
10. Assim, seguindo o mesmo raciocínio constante da sentença a quo no que tange à indemnização recebida por acidente de trabalho, e com igual paralelismo no caso do subsídio e pensão pagas pelo ISS,IP. deve a indemnização ser reduzida nos termos peticionados conforme fundamentado nas presente alegações, ou seja, €4.058,80, valor esse correspondente à diferença entre o suposto capital de remição e subsídio por morte e o valor constante da condenação que não atendeu às quantias pagas pelo ISS,IP. à autora.
11. Em todo o caso, mesmo que assim não se entendesse, sempre esse valor seria excessivo, devendo ser equitativamente reduzido por este venerando Tribunal;
12. Ao não os interpretar da forma acima assinalada, o tribunal a quo violou os artigos 342º, nº 1, 496.º, 494.º, 562.º e 566.º todos do CC e o artigo 51º, nºs 3 e 4 do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto.”
Por sua vez, as AA. e os intervenientes também interpuseram recurso da sentença, quer a propósito da atribuição de parte da responsabilidade na produção do acidente à própria vitima, quer a propósito das quantias fixadas a título de danos morais de cada um deles, quer a propósito da quantia fixada para indemnização da lesão do direito à vida
Concluíram nos termos seguintes:
CONCLUSÕES:
1- O tribunal recorrido entendeu que estaríamos perante uma situação de concorrência de culpas, ou seja, não obstante considerar como culposa a conduta do condutor do veículo não identificado, o tribunal entendeu ser igualmente de imputar responsabilidades ao falecido D… por se encontrar numa zona de saída de uma auto-estrada
2- Salvo melhor entendimento, consideram os apelantes que tal juízo de censura é descabido e desprovido de suporte factual.
3- Desde logo importa referir que não resultou provado a que distância da auto-estrada ocorreu o embate
4- Por outro lado, resultou provado que, “12) Na via de onde provinha D… e atento o seu sentido de marcha, inexiste como inexistia sinalização vertical ou outra que indicasse a proibição de circulação a peões.”
5- Não obstante este facto que o tribunal notou, ainda assim o tribunal considerou ser de imputar ao falecido uma quota parte da responsabilidade com base no preceituado no artigo 72º do C Estrada que transcreveu em parte, o que também fazemos: “nas auto estradas e respetivos acessos, quando devidamente sinalizados, é proibido o trânsito de peões”
5- Para que a proibição do artigo 72º do CE possa vigorar necessário se torna a sinalização daquelas autoestradas e respetivos acessos, factualidade que não resultou provada.
6- Apenas se pode imputar a responsabilidade a qualquer peão por circular ou permanecer num acesso ou saída de autoestrada na medida em que essa mesma autoestrada ou acesso estejam sinalizados.
7- Em momento algum resultou provada a existência desta sinalização.
8- Da matéria factual que resultou provada não pode extrair-se qualquer violação de quaisquer normativos por parte do falecido D…, não tendo igualmente resultado provado que o mesmo tivesse conhecimento das características da via onde se encontrava ou que as mesmas se encontrassem sinalizadas.
9- Não pode assim imputar-se ao falecido qualquer parcela de responsabilidade no evento que determinou a sua morte porquanto em momento algum ficou provado qualquer desrespeito por qualquer disposição legal acrescendo que, tal como melhor resultou provado, momentos antes do embate, o mesmo se encontrava “parado junto aos rails de protecção da referida saída da A.. preparando-se para passar para o lado de fora dos mesmos” – Cfr. Ponto 4 da matéria de facto dada como provada.
10- Deve assim, nesta parte, proceder o presente recurso, alterando-se a douta sentença proferida, com consequente imputação da totalidade da responsabilidade no sinistro que vitimou o D…, ao condutor do veículo cuja identificação não foi possível com as inerentes consequências ao nível dos valore indemnizatórios.
11- Considerando a matéria de facto dada como provada que aqui se dá por reproduzida e, bem assim o que vem sendo decidido pelos nossos tribunais superiores, salvo melhor entendimento, os valores fixados a título de danos morais próprios dos AA. fica aquém do devido e justo, mostrando-se adequada a alteração da douta sentença recorrida nesta parte atribuindo-se às AA B… e C… a quantia de pelo menos 30.000,00€ e, aos demais AA. a quantia de pelo menos 15.000,00€, assim se alterando a douta sentença nesta parte.
12- Neste mesmo sentido, cfr. A título meramente exemplificativo:
Ac. STJ de 26-04-2007 - Revista n.o 827/07 - 2.a Secção - Oliveira Vasconcelos (Relator), Duarte Soares e Bettencourt de Faria
13- Da mesma forma, no que diz respeito ao valor fixado para compensação pela perda do direito à vida do falecido D…, salvo melhor entendimento, o mesmo mostra-se desadequado por escasso.
14- Considerando a matéria de facto dada como provada e bem assim a nossa mais recente jurisprudência, deve a douta sentença recorrida ser alterada nesta parte atribuindo-se uma indemnização pela perda do direito à vida do D…, de valor nunca inferior a 75.000,00€.
15- A douta sentença viola o disposto nos artigos 496º, 562º, 564º, todos do CC, entre outros.
Cada um dos recursos mereceu resposta desfavorável da parte contrária, aliás em coerência com os recursos por si próprios deduzidos.
Os recursos foram admitidos como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Foram, depois, recebidos, nesta Relação, considerando-se os mesmos devidamente admitidos, no efeito legalmente previsto.
Cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. art. 639º e nº 4 do art. 635º, ambos do CPC).
No tocante ao recurso do réu FGA, apresentam-se as seguintes questões a decidir:
a) quantificação da indemnização do dano do “Direito à Vida”, reduzindo-a de 42.000,00€ para 28.000,00€
b) quantificação da indemnização pelos danos não patrimoniais da própria vítima; reduzindo-a de 7.000,00€ para 2.100,00€
c) quantificação da indemnização dos danos patrimoniais devida à A. B…, onde se deverá descontar o valor de remição dos valores pagos pelo ISS,IP a título de sobrevivência e subsídio por morte, com redução para 4.058,80€, ou a sua redução, por excessiva.
Quanto ao recurso das AA. e intervenientes, as questões a decidir são as seguintes:
d) da concorrência de culpa da própria vítima na produção do acidente;
e) quantificação da indemnização pelos danos não patrimoniais das AA e dos intervenientes, a fixar em 30.000,00 para cada uma daquelas e em 15.000,00€ para cada um destes;
f) quantificação da indemnização do dano do “Direito à Vida”, elevando-a de 42.000,00€ para 75.000,00€.
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A solução das questões apontadas impõe a ponderação da decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto em discussão que se passa a transcrever.
1) D… nasceu a 01.01.1950.
2) Em 30.06.1974, D… e B… casaram catolicamente.
3) E…, F…, G… e C… são filhos de D… e B….
4) No dia 14 de Janeiro de 2013, por volta das 18:30 horas, na saída .. da auto-estrada A.., sentido Norte – Sul, (saída para …/… – …, …/…), em …, …, D… encontrava-se, na qualidade de peão, parado junto aos rails de protecção da referida saída da A.. preparando-se para passar para o lado de fora dos mesmos, mas ainda na berma do lado direito dessa via atento o único sentido de marcha ali permitido.
5) Era já noite e o local é iluminado.
6) D… encontrava-se acompanhado do seu colega de trabalho H….
7) Em determinado momento, inesperadamente, sem que nada o fizesse prever, surge a circular naquela via um veículo ligeiro de cor escura cuja matrícula não foi possível identificar, que seguia a velocidade não concretamente apurada e com as luzes desligadas.
8) O referido veículo, uns metros antes de se cruzar com D…, saiu da via de trânsito, invadiu a berma do seu lado direito e embateu no rail existente desse lado e sem abrandar a velocidade a que seguia, acabou por embater novamente no rail daquele lado direito e no corpo do falecido D….
9) Em razão deste embate, D… foi projectado para a frente e para o ar, acabando por cair desamparado no pavimento cerca de 20 metros à frente do local onde se encontrava e, na berma direita da via.
10) O veículo prosseguiu a sua marcha, sendo que cerca de 100 a 120 metros mais à frente abrandou a velocidade e perante tal, H… fez sinal e pediu auxílio ao condutor do veículo sendo que, depois de ter abrandado, arrancou novamente colocando-se em fuga, não permitindo a sua identificação ou mesmo do veículo.
11) A berma onde se encontrava D… tem cerca de 1,5 metros de largura.
12) Na via de onde provinha D… e atento o seu sentido de marcha, inexiste como inexistia sinalização vertical ou outra que indicasse a proibição de circulação a peões.
13) O local, configura uma recta com boa visibilidade e, atento o sentido de marcha do veículo, antes do local, existe sinalização vertical proibindo a circulação a mais de 40 Km/hora.
14) Em consequência do acidente descrito em 7) a 9), D… sofreu lesões traumáticas vertebro-medulares, torácicas e abdominais que lhe provocaram a morte.
15) D… não faleceu de imediato, sendo que durante cerca de 20 a 30 minutos, sofreu dores, medo e angústia.
16) Agonizava e tinha a noção que iria morrer e nada podia fazer para o evitar.
17) No período que mediou entre o acidente e o falecimento, gemia, soluçava e tinha sinais vitais.
18) Teve a consciência de que não mais iria ver a família e não mais poderia acompanhar os seus filhos.
19) D… era pessoa muito bem-disposta.
20) Era muito amigo dos seus filhos e da esposa.
21) Amava a vida, os familiares e os amigos.
22) Era um pai exemplar, que vivia para a família e com quem os filhos tinham uma ligação muito especial.
23) A autora C…, sempre que fala do pai, chora.
24) Com a morte de D… ficou um vazio para todos os autores, que ninguém pode preencher e que lhes causa sofrimento.
25) Ficará a autora C… desprovida de uma presença moral e intelectual que só um pai sabe dar a uma filha e, a autora B… do seu marido com quem construiu uma vida.
26) A autora C… era a filha mais nova do casal e vivia ainda em casa dos progenitores, pelo que tinha uma ligação ao pai mais próxima que os demais filhos, até pela convivência permanente e constante que mantinham.
27) A ligação entre pai e filha C… era exemplar.
28) Os autores F…, G… e E… convivam com D…, pelo menos, uma vez por semana.
29) D… era muito activo e trabalhador.
30) Como trabalhador da construção civil, D… auferia mensalmente cerca de €.485,00 de vencimento base, acrescido de ajudas de custo de valor não concretamente apurado e de subsídio de alimentação no valor de €.5,12 por dia e recebia ainda os subsídios de Natal e de Férias no valor de €.485,00 cada um.
31) Ainda trabalhava na agricultura como caseiro, cultivando batatas, legumes, vinho, milho e frutas bem como criava coelhos, galinhas e porcos, produtos esses que consumia no seu agregado familiar cujo valor computa em €.150,00 mensais.
32) O falecido D… vendia alguns produtos a amigos e conhecidos no que auferia pelo menos €.100,00 mensais.
33) Para além dos produtos que podia cultivar e fazer seus, o falecido era ainda remunerado mediante atribuição de habitação para si e para o seu agregado familiar, mediante a entrega de parte do que cultivava aos donos da quinta.
34) Após a morte de D…, as autoras B… e C… tiveram de arrendar outro apartamento pelo valor de cerca de €.200,00.
35) Todo o rendimento que o falecido D… auferia revertia em exclusivo para o seu sustento e sustento da autora B…, sua esposa.
36) Em 14.01.2013, a autora C… já trabalhava auferindo rendimento que lhe permitia o seu sustento.
37) No processo n.º 61/13.2TTMTS, que correu termos nos Serviços do Ministério Público do Tribunal de trabalho de Penafiel, B… e a Companhia de Seguros I…, S.A., acordaram que a seguradora pagaria à autora B… uma pensão anual de €.3.329,62, vitalícia e actualizável, e a ser paga mensalmente até ao 3.º dia de cada mês e no seu domicílio devida a partir de 15 de Janeiro de 2013, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão, bem como subsídio de férias e Natal, no valor de 1/14 da pensão anual a serem pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano, respectivamente, com a percentagem de 40%, conforme disposto nos arts. 59.º, n.º 1, al. a), 71.º e 72.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.
38) O Instituo de Segurança Social, I.P. pagou à autora B… os seguintes valores:
i) €.2.515,32 de subsídio por morte;
ii) €.7.868,84 de pensão de sobrevivência, relativa aos meses de Fevereiro de 2013 a Janeiro de 2016.
2.2. Factos Não Provados
a) O veículo referido em 7) seguia com uma velocidade superior a 100 km/hora.
b) O condutor do automóvel seguia distraído quer em relação às condições da via quer em relação às condições de trânsito.
c) É usual o trânsito de peões e velocípedes sem motor no local referido em 4).
d) D… lutou até ao fim das suas forças para se manter vivo num completo desespero entre a vida e a morte.
e) Os autores falam constantemente de D…, marido e pai, chorando frequentemente.
f) Os autores tornaram-se introvertidos, menos comunicativos e não saem de casa.
g) A ligação entre D… e a filha C… denotava uma cumplicidade rara, tendo longas conversas e compreendiam-se na perfeição.
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A primeira questão a resolver, emergente do recurso do R., mas comum ao recurso das AA. e intervenientes, refere-se à quantificação da indemnização pelo dano correspondente à perda da vida, de D…, muitas vezes designado, na doutrina e jurisprudência, abreviadamente, por “dano morte”.
A esse título, os AA. quantificaram a indemnização pretendida em 75.000,00€, tendo-a o tribunal recorrido fixado em 60.000,00€, sem prejuízo de, num segundo momento, a reduzir para 42.000,00€ em função da proporção de culpa imputada à própria vítima na produção do acidente (30%).
No recurso do réu, defende-se a quantificação dessa indemnização em 40.000,00€, a reduzir para 28.000,00€ em razão daquele grau de culpa da vítima.
Nesta fase, importará fixar a indemnização por um tal dano, consubstanciado pela perda da vida da própria vítima. Só ulteriormente – e na consciência de que essa é uma das questões suscitadas pelo recurso das AA. – será útil atentar na relevância a atribuir à culpa da vítima, como factor de redução da indemnização correspondente ao dano. Esse é, de resto, o método inerente à aplicação do art. 570º, nº 1 do C. Civil, em plena coerência com a circunstância de a culpa do lesado não ser factor condicionante da avaliação do dano, tal como resulta do art. 494º do C. Civil (solução perfeitamente explicada no Ac. do TRP de 16/5/2016, proc. nº 3053/14.0TBVNG.P1, relatado por Carlos Gil e disponível em dgsi.pt).
Há muito se extinguiu a discussão sobre a ressarcibilidade do dano morte, não vindo o réu, sequer suscitar essa questão. A perda da vida, enquanto lesão completa e definitiva de um correspondente direito absoluto, é um dano inequivocamente ressarcível, devendo enquadrar-se na categoria dos danos não patrimoniais.
A fixação dos valores indemnizatórios por danos não patrimoniais ocorre segundo um juízo de equidade, tal como disposto no nº 4 do art. 496º do C.Civil, sendo, a esse propósito, paradigmática a afirmação constante do Ac. do TRP de 17/7/2009 (proc. nº 1943/05.0TJVNF.P1, disponível em dgsi.pt): “O montante da indemnização por danos não patrimoniais deve ser proporcionado à gravidade dos danos, apreciados objectivamente, sem consideração de critérios meramente subjectivos, não sendo de acolher pretensões manifestamente excessivas, mas também excluindo tendências banalizadoras dos valores e interesses morais, como a saúde, a integridade física, o bem estar, etc., que se pretende defender.”
Quanto a esta questão, começa o apelante por referir que, na fixação dessa indemnização (como de outras, de natureza idêntica) deve ser ponderado, como critério orientador, o regime da Portaria nº 679/2009, de 25/6.
Sobre a irrelevância, nesta sede, das soluções propostas pela Portaria nº 679/2009 para a decisão de questões como aquelas que aqui estão subjacentes, já nos pronunciamos nos Acs. de 12/5/2015 e de 24/11/2015, proferidos nos proc. nº 1510/12.2TBVLG.P1 e 10184/ 12.0TBVNG.P1, respectivamente, em termos que agora reproduzimos: «Esta Portaria, bem como a que a precedeu e cujo regime actualizou (Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio) têm uma razão legal: o disposto no nº 5 do art. 39º do D.L. 291/2007, de 21/8, onde se prevê que, por portaria, se estabeleçam critérios tendentes ao cálculo das indemnizações devidas aos lesados de acidentes de viação, a fim de que as empresas seguradoras lhes enderecem aquilo que ali se designa como “Proposta razoável para regularização dos sinistros que envolvam danos corporais”.
Isso mesmo é bem patente na exposição de motivos da Portaria em questão, onde o legislador repetiu expressamente que os critérios e valores orientadores ali estabelecidos tinham esse único campo de aplicação: o da apresentação, aos lesados, pelas seguradoras, de uma proposta razoável para a indemnização do dano corporal.
O fim deste regime substantivo é óbvio: garantir uma forma célere de solução de um litígio, por via da apresentação, pela seguradora ao lesado, de uma proposta razoável de indemnização, que ele tenda a aceitar, em homenagem a tal razoabilidade. De forma alguma pretendeu o legislador fixar, por Portaria, uma solução derrogatória dos critérios gerais de indemnização, fixados nos termos dos arts. 562º e 566º e ss., do C. Civil.
De resto, a constante jurisprudência sobre a questão não devia já consentir a sobrevivência de dúvidas a este respeito. Com efeito, mostra-se uniforme o entendimento segundo o qual a aplicação de tais critérios e valores de referência se restringe ao procedimento obrigatório de apresentação, pela seguradora, da “proposta razoável”, destinado a agilizar o acertamento extrajudicial da responsabilidade. Caso não haja acordo no âmbito do referido procedimento, a decisão do litígio há-de fundar-se nas regras gerais enunciadas nos artigos 562.º e 566.º do Código Civil. Cita-se, a este propósito, o sumário do Ac. do STJ de 28/11/2013 (proc. nº 177/11.0TBPCR.S1, em dgsi.pt), que declara de forma lapidar, tal como muitos outros que seria excessivo referir: “Os Tribunais, na fixação equitativa dos montantes indemnizatórios a atribuir aos lesados, em sede de acidentes de viação, não estão vinculados à aplicação das tabelas constantes da Portaria nº 377/08, de 26 de Maio, alterada pela Portaria nº 679/09, de 25 de Junho. Reportando-se estas, apenas, a um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação extrajudicial de propostas razoáveis destinadas a indemnizar o dano corporal.”
Sem necessidade de outras considerações, resta afirmar que é também esta a nossa compreensão do regime legal em questão.»
“Assim, contrariamente ao alegado pelo apelante, os critérios indemnizatórios constantes da referida Portaria não servem de referência para a prolação de qualquer decisão judicial que caiba emitir nesta matéria, não constituem qualquer reflexo de juízos de experiência comum ou de repositório de soluções judiciárias recorrentemente implementadas a este propósito. Um tal regime legal jamais pretendeu constituir uma ferramenta de tratamento igualitário entre os lesados, tendente à eliminação de incertezas e subjectividades das decisões judiciárias. Uma tal leitura dos objectivos deste regime é claramente abusiva e inadequada, conforme a jurisprudência não se causa de repetir. Os objectivos e a dinâmica da actuação do conteúdo dessa Portaria são diversos, como se assinala no trecho transcrito supra, apenas devendo ser considerados num quadro de circunstâncias completamente diferente daquele em que nos encontramos e em que cumpre sindicar a bondade da decisão recorrida. Impróprio seria, por isso, recorrer aos critérios indemnizatórios apontados no referido diploma.”
Rejeita-se, nestes termos, qualquer apelo ao teor da Portaria nº 679/09, de 25 de Junho, para a apreciação da justeza da indemnização fixada para compensação do dano da perda de vida do marido e pai das AA. e intervenientes.
Em qualquer caso, na quantificação da indemnização devida pela perda da vida é sempre útil a análise da jurisprudência. Com efeito, deve tender-se a uma certa homogeneização do tratamento da questão, prevenindo que a equidade redunde em incompreensível arbitrariedade.
Os tribunais superiores têm vindo a fixar essa indemnização em valores variáveis entre 50.000,00€ e 80.000,00€ (cfr. Ac. do STJ de 18/6/2015, proc. nº 2567/09.9TBABF.E1.S1, em dgsi.pt).
Numa tal tarefa, vários factores devem ser ponderados, pois apesar de qualquer vida humana se revestir de idêntica dignidade e merecer idêntica tutela jurídica, nem por isso se justifica que na valoração do dano da respectiva perda se esqueçam factores diferenciadores, tais como a idade, a inserção familiar e social, a perspectiva e expectativa de vida, a saúde, ou o grau de culpa do lesante. Interessante, a este respeito, a análise de Andreia Marisa Anastácio Rodrigues, na tese de mestrado Análise Jurisprudencial da Reparação do Dano Morte - Impacto do Regime da Proposta Razoável de Indemnização, disponível em http://repositorio.ucp.pt, onde, como o título aponta, se realiza um estudo das intervenções jurisprudenciais sobre a questão.
No caso em apreço, o tribunal a quo atentou em que o falecido D…, à data do acidente, tinha 63 anos acabados de fazer, que era pessoa saudável, muito activa, trabalhadora e muito bem disposta, que amava a vida, a família e os amigos e que vivia para a família. Os factos provados instruem estes factores com pertinentes dados que os sustentam, referentes à actividade profissional e inserção social profissional e familiar da vítima, à sua personalidade e alegria perante a vida.
Neste contexto, sem se esquecer a vasta jurisprudência sobre a matéria, afigura-se-nos que a quantificação da indemnização do dano em questão em 60.000,00€ é insusceptível de qualquer crítica, não se justificando qualquer intervenção correctiva que, nesse caso, jamais poderia deixar de ser irrisória.
Nesta parte haverá, pois, de se confirmar o decidido, sem prejuízo de, em momento ulterior, se aferir da adequação da decisão que, levando em conta a culpa da vítima, reduziu em 30% o valor a pagar a este título.
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Ainda no recurso do réu FGA vem posto em causa o valor da indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pela vítima, nos momentos que antecederam a sua morte. Recorde-se que o tribunal recorrido quantificou essa indemnização em 10.000,00€, sem prejuízo da sua ulterior redução em 30%. O apelante defende a fixação desse valor em 3.000,00€, com ulterior redução de 30%.
Continuamos no domínio dos danos não patrimoniais, cuja avaliação deve realizar-se à luz dos critérios já expostos. O tribunal recorrido ponderou, nessa tarefa, os factos relevantes: D… não faleceu de imediato; durante de 20 a 30 minutos sofreu dores, medo e angústia, agonizou e teve a noção que iria morrer e nada podia fazer para o evitar; nesse período de tempo, gemia, soluçava e teve a consciência de que não mais iria ver a família e não mais poderia acompanhar os seus filhos. Tal sofrimento físico procedia do atropelamento por um veículo automóvel, tendo sido arrastado, levantado no ar e projectado, sendo que o embate e a queda lhe causaram lesões traumáticas vertebro medulares, torácicas e abdominais.
Não está em causa a qualificação ou a decisão de ressarcibilidade destes danos, mas tão só a quantia indemnizatória que lhes deve corresponder. Dada a profundidade do seu grau, na ponderação de toda a factualidade provada, não podemos deixar de ter por adequado o valor indemnizatório de 10.000,00€, fixado na decisão recorrida.
De resto, para tal discussão, pelas razões antes expostas, nenhuma pertinência tem o conteúdo da Portaria nº 679/09, de 25 de Junho, que ao caso não temos por aplicável sequer como referência.
Por todo o exposto, também nesta parte deve ser mantida a decisão sindicada, sem prejuízo de se vir a discutir ainda a sua redução em função do grau de culpa da própria vítima.
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Por fim, vem o apelante apontar a necessidade de se reduzir, ao valor fixado para indemnização dos danos patrimoniais sofridos pela autora B… o valor das indemnizações que recebeu e receberá do ISS.IP, a título de subsídio por morte e pensão de sobrevivência.
Sobre esta matéria, considerando o valor de todas as remunerações e rendimentos em espécie auferidos pela vítima como produto do seu trabalho, o tribunal recorrido considerou como adequada a verba de 90.000,00€ para a compensação dos danos patrimoniais sofridos pela viúva B…. Na fixação deste montante, o tribunal considerou diversos factores que não se mostram postos em causa pelo apelante, incluindo a quantificação dos rendimentos auferidos pela vítima, a representação económica de outras vantagens que auferia por via das actividades que desenvolvia (produtos agrícolas para consumo, para venda, e disponibilidade de uma habitação) a irrelevância da sua não declaração fiscal, a proporção dos rendimentos obtidos que reverteria para o agregado familiar, bem como o quadro de prognose em que todos esses elementos têm de ser ponderados.
Por outro lado, àquele valor, o tribunal recorrido retirou 30%, reduzindo a indemnização à luz do grau de culpa imputado à própria vítima. Restariam, assim, 63.000,00€ para compensar tal dano.
Depois, a sentença recorrida levou em conta que, tendo o sinistro constituído simultaneamente um acidente de trabalho, a seguradora responsável acordou com a A. B… o pagamento de uma pensão anual de €.3.329,62, vitalícia e actualizável, bem como subsídio de férias e Natal, no valor de 1/14 da pensão anual, a serem pagos nos meses de Junho e Novembro de cada ano, respectivamente, com a percentagem de 40%, conforme disposto nos arts. 59.º, n.º 1, al. a), 71.º e 72.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro. Mais considerou que o capital de remição correspondente a essa pensão era de 32.014,30€, pelo que subtraiu esta quantia àquele capital de 63.000,00€, fixando em 30.985,70€ a indemnização por tais danos.
Na sua apelação, pretende o FGA que a esse valor sejam ainda retirados o valor pago pelo ISS.IP a título de subsídio por morte (2.515,32€) e o valor da pensão de sobrevivência, que é 2.468,06€/ano, redundando num capital de remissão de 24.411,58€.
Sustenta tal pretensão no teor do nº 3 do art. 51º do D.L. 292/2007, que dispõe: “Quando, por virtude de acidente previsto nos artigos 48.º e 49.º, o lesado tenha direito a prestações ao abrigo do sistema de protecção da segurança social, o Fundo só garante a reparação dos danos na parte em que estes ultrapassem aquelas prestações.”
Tal preceito já foi aplicado nos autos, obstando ao pedido de reembolso deduzido pelo ISS,IP contra o FGA, com fundamento em que a responsabilidade deste não exclui a responsabilidade do ISS,IP, apenas cobrindo os danos que não sejam indemnizados pelas prestações sociais satisfeitas pelo sistema de segurança social.
Todavia, a questão que agora se coloca é a de saber se o subsídio por morte e a pensão de sobrevivência se destinam a suprir a perda de rendimentos advindos para a própria autora, em resultado do óbito do seu cônjuge, face ao que o pagamento de uma outra indemnização, pelo FGA, para compensação desses danos constituiria uma duplicação inaceitável.
A resposta é claramente negativa, quanto ao subsídio por morte. Como resulta do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, esta prestação social é constituída por uma prestação em dinheiro, paga de uma só vez aos familiares do beneficiário do sistema de segurança social e destina-se a compensar o acréscimo de encargos decorrentes da morte deste, com o objectivo de facilitar a reorganização da vida familiar.
No cálculo do capital a atribuir à autora B… para a compensação do dano patrimonial que sofreu ao ver-se privada dos rendimentos que lhe eram proporcionados pela vítima não foi considerado um tal dano correspondente a esses acréscimos. Isso seria assim se a autora, ou qualquer dos demais, tivesse peticionado qualquer indemnização pelas despesas de funeral, o que não foi o caso. Aquele valor pago a título de subsídio por morte nada tem, pois, a ver com os prejuízos patrimoniais apreciados pelo tribunal de 1ª instância.
Inexiste, pelo exposto, a apontada duplicação de indemnizações, no tocante a essa verba de 2.515,32€ paga pelo ISS.IP a título de subsídio por morte, na medida em que este não se dirigiu à compensação de qualquer dano que também tenha sido imposta ao próprio réu/apelante FGA.
Improcederá, por isso, nesta parte, a sua pretensão.
Já não assim em relação à pensão de sobrevivência.
Com efeito, como referiu Salvador da Costa, enquanto relator do Ac. do STJ de 25/3/2003 (proc. nº 03B3071, em dgsi.pt) “(…) a pensão de sobrevivência é uma prestação social pecuniária que visa compensar determinados familiares do falecido beneficiário da segurança social da perda do rendimento de trabalho determinada pela morte (artigo 3º do Decreto-Lei nº. 322/90, de 18 de Outubro). Como a pensão de sobrevivência visa compensar a perda do rendimento do trabalho pelos familiares dos beneficiários da segurança social, a sua finalidade coincide, verificados os respectivos pressupostos, com a da obrigação de indemnização do dano de lucro cessante.”
Nessa medida, como ali se decidiu, são insusceptíveis de cumulação uma indemnização pela perda de tais rendimentos, para os familiares da vítima, com o recebimento de uma pensão de sobrevivência, vocacionada para a superação do mesmo dano.
De resto, a jurisprudência é uniforme no tratamento dessa questão, como resulta da análise do Ac. do STJ de 13/9/2012 (proc. nº 1026/07.9TBVFX.L1.S1) ou do Ac. do TRG de 11/5/2009, proferido no processo nº 43/04.5TAVLN.G1, que apresente o seguinte sumário: “I- No caso de ocorrência no mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogados nos direitos dos lesados até ao limite dos valores que lhes concederem. O ISSS/CNP tem, por conseguinte, o direito a exigir do responsável pelo pagamento das indemnizações o reembolso das quantias pagas a título de pensão de sobrevivência (e de subsídio por morte). II- Não são cumuláveis, na esfera patrimonial dos credores da indemnização, a indemnização por perda do rendimento do trabalho e a pensão de sobrevivência devidos aos beneficiários da segurança social. III- Os valores pagos a título de pensão de sobrevivência devem, em princípio, ser deduzidos no montante indemnizatório devido.”
No caso em apreço, como resulta da decisão proferida já em sede de despacho saneador, o ISSP não tem direito a ser reembolsado, pelo FGA, das quantias que tenha pago ou venha a pagar a título de pensão de sobrevivência, dada a regra de responsabilidade subsidiária constante do nº 3 do art. 51º do D.L. 292/2007 já citado. Mas isso tem de significar igualmente – tal como sustenta o apelante – que o FGA só deverá satisfazer o valor que seja devido para além daquele que seja pago pelo ISS,IP.
É que se o FGA fosse responsável por esse pagamento, ele haveria de ser destinado à satisfação de um direito do ISS,IP, por sub-rogação, e jamais ao cônjuge da vítima.
Na situação presente, como vimos, o ISS pagou à autora B… €.7.868,84 de pensão de sobrevivência, relativa aos meses de Fevereiro de 2013 a Janeiro de 2016. Tal corresponde a um valor mensal de 176,29€, o que, por 14 meses, perfaz uma pensão anual de 2.468,06€.
Assim, naquele capital que à autora deve ser garantido, ao longo da sua vida e do período de vida útil que era previsível para a vítima – que já se calculou em 90.000,00€ a reduzir em 30% - deve ser descontado o valor que, com probabilidade, aquela irá obter do ISS,IP, a título de pensão de sobrevivência.
Para se determinar o valor provável desse capital, tal como sugere o apelante e o tribunal considerou a outro propósito (designadamente para deduzir o valor a satisfazer previsivelmente pela seguradora do trabalho) é razoável “supor a remição da pensão nos termos do art. 76.º do Decreto-Lei n.º 98/2009, apurando-se assim o capital da indemnização que poderia ter sido logo recebida e descontar tal valor ao valor supra arbitrado” (excerto da sentença recorrida).
Então, como ali se decidiu, segundo um método com o qual a apelante se conforma e que a A. não discutiu aquando da sua aplicação à dedução do valor a receber da seguradora, atendendo a que a pensão anual e vitalícia é de 2.468,06€, considerando a tabela constante da Portaria n.º 11/2000 de 13.01, (que aprovou as bases técnicas aplicáveis ao cálculo do capital de remição das pensões de acidentes de trabalho), nomeadamente a referente aos cônjuges e com referência à idade da autora B… – nascida em 08.06.1948 – teremos que o capital de remição é de 24.411,58€, resultante da aplicação do factor 9,891, indicado na competente tabela, ao valor anual daquela pensão (em atenção à idade de 65 anos da autora, tida como a do aniversário mais próximo à data do cálculo, a considerar como sendo a da decisão recorrida, segundo a citada Portaria).
Assim, ao valor de 90.000,00€ definido como adequado para a compensação dos danos patrimoniais da autora B… haverá que reduzir 30%, em razão da proporção de culpa da vítima na produção do acidente (sem prejuízo de se vir a apreciar esta matéria). Aos remanescentes 63.000,00€ deduzir-se-ão sucessivamente os valores de 32.014,30€ e de 24.411,58€, correspondentes aos montantes que, para compensação do mesmo dano, a autora previsivelmente haverá de receber da seguradora laboral e do ISS,IP, ao longo da sua própria vida.
Em resultado de tais operações, do réu FGA, nos termos da responsabilidade subsidiária que lhe cabe, como supra se assinalou, haverá de receber 6.574,12€.
De referir, por fim, que a este respeito não pode colher o argumento invocado pela A. para defender a improcedência deste segmento da apelação, nos termos do qual jamais haveria duplicação de indemnizações, pois que o ISS.IP deixará de pagar a pensão de sobrevivência mal seja fixada, nesta acção, a indemnização devida. Com efeito, a natureza subsidiária da responsabilidade do FGA, que se afirmou e já antes fora motivo do não reconhecimento do direito de sub-rogação do ISS,IP quanto às quantias pagas, obsta a que esta entidade se possa exonerar da obrigação de pagamento de tais pensões.
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Por fim, de forma genérica, sem concretizar qualquer fundamento e para o caso de não proceder a sua argumentação, veio o FGA aludir a um exagero do capital fixado para a indemnização de um tal dano patrimonial.
A procedência do seu recurso, nesta parte, prejudica – nos próprios termos do recurso - a apreciação da questão correspondente a uma dimensão excessiva do capital calculado para a compensação deste dano patrimonial. Em qualquer caso, a ausência de fundamentos apontados para tal pretensão sempre impediria a sua procedência.
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Procederá, pois, parcialmente o recurso de apelação do réu FGA, designadamente quanto à quantificação do valor que haverá de pagar à autora B…, a título de indemnização pelos danos patrimoniais que lhe advieram do falecimento do seu marido D…, a reduzir dos 30.985,70€ arbitrados na sentença recorrida, para os 6.574,12€ atrás calculados. No mais, improcederá este recurso.
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Caberá agora apreciar o recurso apresentado pelas AA. e intervenientes que, como primeira questão, aponta o desacerto da imputação de uma parte da responsabilidade pela produção do acidente à própria vítima, numa proporção de 30%.
Para o tribunal recorrido essa solução é justificada porquanto D… se encontrava, na qualidade de peão, parado junto aos rails de protecção, numa saída da A.. preparando-se para passar para o lado de fora dos mesmos, mas ainda na berma do lado direito dessa via, atento o único sentido de marcha ali permitido. Admitiu, na sentença, que na via de onde provinha D…, atento o seu sentido de marcha, inexistia sinalização vertical ou outra que indicasse a proibição de circulação a peões. Porém, segundo o disposto no art. 72.º do Código da Estrada, sempre ali seria proibida a circulação de peões, mesmo na ausência de qualquer sinalização. E concluiu: “Deste modo, D…, ao encontrar-se naquele local, ainda que na berma e encostado ao rail do lado direito, atendendo ao único sentido de trânsito, estava a violar o disposto no Código da Estrada e contribuiu para a produção do dano.”
É neste contexto factual que os agora apelantes concluem pela ausência de fundamento de censura para a conduta da vítima, que nenhuma proibição violou, por não haver sinalização que lhe impedisse a circulação naquela via.
Não têm, porém, qualquer razão. O item 4 dos factos provados é esclarecedor sobre o local onde se encontrava a infeliz vítima: em plena saída da A.., designadamente na saída 14, no sentido sul-norte, saída essa que faculta o abandono da auto-estrada para ligação a acessos a …/… – …, …/…. Estava na berma, do lado exterior dos rails, isto é, do lado por onde circulam os automóveis, preparando-se para passar para além dos mesmos. É óbvio, é facto notório que dispensa alegação e prova nos termos do art. 5º, nº 2, al. c) do CPC, e está ainda tacitamente incluído no citado item 4 que aquele local se mostra assinalado como saída da A.., designadamente como a saída nº .., para acesso a …, … e ….
De resto, não foi isso que o tribunal a quo evidenciou negativamente. No item 12 dos factos provados, o tribunal afirmou que inexistia naquele local qualquer sinalização tendente á proibição de circulação de peões. No entanto, esse facto não é relevante, pois numa saída de auto-estrada não é sequer adequada a colocação de tal sinalização, já que em toda a auto-estrada e acessos é proibida a circulação de peões. Ou seja, está proibida a montante aquela conduta a que uma tal sinalização se destinaria, prejudicando a sua utilidade. Por definição, a sinalização de proibição de circulação de peões só tem cabimento no acesso de entrada na auto-estrada, pois a partir daí e até ao final de qualquer via de saída sempre será proibida a circulação de peões. Irrelevante, pois, a negação constante daquele item 12 dos factos provados.
Assim, condição para a proibição de circulação de peões em determinado espaço é desde logo a sua integração numa auto-estrada ou num acesso para entrada ou saída desta, que como tal esteja assinalado. É o que consta do nº 1 do art. 72º do Cód. da Estrada. E era o que se verificava na referida saída .. da A.., onde ocorreu o atropelamento do marido e pai dos AA., sendo certo que ab initio jamais as AA. deram azo a qualquer dúvida sobre a classificação do local onde se deu o acidente. Com efeito, logo afirmaram na p.i. que o local em questão era a saída da A.. e que a vítima ali se encontrava do lado de fora dos rails, na berma da faixa de rodagem, do lado direito.
Não se pode, pois, colocar em dúvida a classificação desse local, nem partir da irrelevância do facto negativo descrito no item 12 para se fundar uma conclusão sobre a falta de sinalização daquele local enquanto saída da A.., quando essa sinalização está claramente pressuposta no item 4, atenta a descrição ali feita.
Entendemos, então, em plena concordância com o tribunal a quo, que a infeliz vítima se encontrava num local onde a presença lhe era vedada, contribuindo com essa presença para a produção do acidente, já que o despiste do veículo não redundaria no seu atropelamento se não infringisse a proibição de se encontrar nesse local. Acresce que tal sinistro se inscreve no círculo de protecção da norma citada, pois a circulação de peões nas auto-estradas e seus acessos é proibida pela especial perigosidade associada ao trânsito de veículos nesses locais, em manobras de aceleração ou de perda de velocidade nos acessos, e de circulação em velocidade na auto-estrada.
Assim, e fazendo apelo ao conceito de culpa pressuposta no regime da responsabilidade segundo o qual age com culpa quem, nas circunstâncias do caso e segundo as suas capacidades, poderia e deveria ter agido de forma diferente daquela que deu azo à produção do dano, é inelutável a conclusão de que a vítima actuou com culpa, ao empreender uma conduta que lhe era proibida pelo art. 72º do Cód da Estrada. A sua conduta deve, pois, ter-se por culposa.
Entendeu o tribunal a quo que, na ponderação conjunta das condutas ilegais do condutor do veículo atropelante e da vítima, a repartição de culpas se deveria realizar numa proporção de 70% para aquele e de 30% para este.
Inexiste qualquer fundamento para criticar tal solução, considerando as circunstâncias do caso, onde assumem gravidade assinalavelmente superior os elementos desviantes da conduta do tripulante do veículo, no que respeita ao controlo da sua marcha.
Pelo exposto, confirmar-se-á, também nessa parte, a decisão recorrida, na improcedência desta apelação.
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De seguida, o recurso tem por objecto os valores atribuídos para indemnização dos danos morais sofridos por AA. e intervenientes, por via da perda do seu marido e pai. Pretende-se a quantificação da indemnização em 30.000,00€ para cada uma daquelas e em 15.000,00€ para cada um destes, sendo certo que o tribunal as fixou em 20.000,00€ e 10,000,00, respectivamente, sem prejuízo da sua ulterior redução em 30%, em atenção à proporção de culpa da vítima.
Já se referiu o enquadramento jurídico da indemnização de tais danos, sendo pertinente o que supra se referiu a esse respeito, que aqui seria inadequado repetir.
Os factos relevantes para a decisão do problema estão descritos nos itens 19 a 29 dos factos provados. Aí sobressai o relevo da presença da vítima na vida pessoal da sua mulher e da sua filha C…, com uma ligeiramente menor preponderância em relação aos demais filhos, dada a sua autonomização em relação ao agregado original. Mas está evidenciada a dor que a sua perda a todos trouxe.
Considerando tal elenco de factos e o que supra se referiu sobre a equidade que preside à fixação da compensação por este tipo de danos e as soluções jurisprudenciais existentes sobre a matéria, afigura-se-nos perfeitamente adequada a solução decretada, em relação a tais indemnizações, pelo tribunal recorrido. Nada justifica a alteração dessa decisão.
Improcederá, por isso, também nesta parte, esse recurso.
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Por fim, versa esta apelação sobre a quantificação da indemnização do dano da perda de vida de D….
Pretendem estes apelantes a sua fixação em 75.000,00€, em vez dos 60.000,00 fixados na decisão em crise, com sujeição à dedução de 30%, como já justificado.
A discussão dessa questão mostra-se, no entanto, já realizada supra, a propósito do recurso que, sobre a mesma matéria, o réu FGA havia oferecido.
Foi já afirmada a adequação da solução decretada a esse respeito pelo tribunal a quo, nenhum outro argumento tendo sido trazido que justifique uma diferente análise ou solução da questão.
Restará, por isso, enunciar a improcedência desta apelação também nesta parte.
*
Pelo exposto, julgar-se-á parcialmente procedente o recurso deduzido pelo réu FGA, em razão do que se alterará a decisão recorrida, condenando-se o réu, ora apelante, a pagar à autora B… a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia 6.574,12€, em vez dos 30.985,70€ que a esse título haviam sido fixados. Sobre aquele valor contar-se-ão juros nos termos fixados na decisão recorrida que, nessa parte, não foi impugnada.
Em tudo o mais improcederão quer o recurso do reu FGA, quer o recurso das AA. e intervenientes, em todo o restante se confirmando a decisão recorrida.
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Sumariando:
1. Apesar de qualquer vida humana se revestir de idêntica dignidade e merecer idêntica tutela jurídica, nem por isso se justifica que na valoração do dano da respectiva perda se esqueçam factores diferenciadores, tais como a idade, a inserção familiar e social, a perspectiva e expectativa de vida, a saúde ou o grau de culpa do lesante.
2. No caso de uma vitima com 63 anos, saudável, muito activa, trabalhadora e muito bem disposta, que amava a vida, a família e os amigos e que vivia para a família, é adequada a fixação dessa indemnização em 60.000,00€.
3. Não são cumuláveis o recebimento de uma pensão de sobrevivência e o recebimento de indemnização pelo dano patrimonial constituído pela perda dos rendimentos que a vítima proporcionava ao cônjuge sobrevivo.
4. A responsabilidade do Fundo de Garantia Automóvel é subsidiária em relação à do sistema de segurança social, só garantindo a reparação dos danos na parte em que estes ultrapassem as prestações devidas por esse sistema.

3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso deduzido pelo réu FGA, em razão do que alteram a decisão recorrida, condenando o réu, ora apelante, a pagar à autora B… a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia 6.574,12€ (seis mil quinhentos e setenta e quatro euros e doze cêntimos), em vez dos 30.985,70€ que a esse título haviam sido fixados, absolvendo o réu quanto ao pagamento da diferença entre tais valores, em que se encontrava condenado. Sobre aquele valor contar-se-ão juros nos termos fixados na decisão recorrida.
No restante, improcederão quer o recurso do réu FGA, quer, na totalidade, o recurso das AA. e intervenientes, em tudo o mais se confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação das AA. e intervenientes pelos próprios; custas do recurso de apelação do réu por este e pelas AA. e intervenientes, na proporção do decaimento.
Registe e notifique.

Porto, 6/12/2016
Rui Moreira
Fernando Samões
Viera e Cunha