Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
157/18.4T9VCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: CRIME DE FALSAS DECLARAÇÕES
CRIME DE FALSO TESTEMUNHO
Nº do Documento: RP20190628157/18.4T9VCD.P1
Data do Acordão: 06/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 805, FLS 53-60)
Área Temática: .
Sumário: Comete o crime de falsas declarações p. e p. pelo art.º 348º-A do C. Penal, e não o crime de falsidade de testemunho p. e p. pelo art.º 360º do mesmo Diploma Legal, quem presta declarações falsas à autoridade pública ou a funcionário no exercício das suas funções, fora de um processo judicial, verificados os restantes elementos do tipo legal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. Penal n.º 157/18.4T9VCD.P1
Comarca do Porto
Juízo Local Criminal de Vila do Conde.

Acordam, em Conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I-Relatório.

No Processo Comum Singular n.º 157/18.4T9VCD, do Juízo Local Criminal de Vila do Conde, Juiz 1, foi submetida a julgamento a arguida B…, melhor identificada na sentença a fls. 122.
A sentença de 30.01.2019 tem o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a ACUSAÇÃO provada e procedente e, em conformidade:
- Condeno o(a) arguido(a) B…, por crime de falsidade de depoimento ou declaração, art. 360.º, n. 1, do Cód. Penal, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de €5,5, no total de €275.
- Condeno, ainda, o(a/s) arguido(a/s) nas custas do presente processo), cuja taxa de justiça fixo em 2UC, e demais encargos a que a sua actividade deu causa [cfr. art. 8.º, n.º 9, do R.C.P, com referencia à tabela III a este anexa, e artigos, 513.º, n.º1 e 514º, do C.P.P.]
(…)»
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Inconformada com a decisão, a arguida interpôs recurso apresentando a competente motivação, que remata com as seguintes conclusões:
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O recurso foi admitido por despacho constante a fls. 139 dos autos.
O MP junto do tribunal a quo veio oferecer a sua resposta, que rematou com as seguintes conclusões:
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Nesta Relação, o Exmo. PGA emitiu Parecer que se transcreve na parte pertinente.
«(…)
3. Quanto ao mérito do recurso, constatamos que a Senhora Juiz condenou a arguida/recorrente pela prática de um crime de falsidade de depoimento p. e p. pelo art. 360 n.º 1, do Cód. Penal, quando a mesma se encontrava acusada por um crime de falsas declarações p. e p. pelo art. 348.º-A, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal, não tendo, previamente, comunicado àquela a alteração, nos termos do disposto no art. 358.º, do C.P.P., pelo que se verifica, assim, uma nulidade, de conhecimento oficioso (art. 379.º n.º 1 b), do C.P.P.).
4. Termos em que, deverá ordenar-se a baixa do processo à primeira instância para a reabertura da audiência, a fim de ser comunicada à arguida a alteração não substancial em causa, nos termos do citado art. 358.º, do C.P.P., seguindo-se os demais trâmites legais.»
Foi cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Colhidos os vistos, e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentação.

Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

1.-Questões a decidir.
Face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, pela ordem em que são enunciadas, são as seguintes as questões decidir:
- Invocada proibição de prova do constante no auto de fls. 9 e 10, por a aqui arguida B… não ter sido advertida de que, por ser companheira do arguido, no caso, podia recusar-se a depor, nos termos do art. 134º, nº2, do CPP.
- Impugnação da matéria de facto.
- Qualificação jurídica dos factos.
- Atenuação especial da pena.
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2. Enumeração dos factos provados, não provados (a seu tempo se reproduzirá a motivação da decisão de facto).
«2. FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS
1. No 5 de Novembro de 2016, pelas 01h20, C…, filho de D… e de E…, natural …, nascido em 17 de Outubro de 1984, foi detido pela GNR de Vila do Conde na Rua …, em …, no âmbito do NUIPC 994/16.4GAVCD, após acidente de viação e como suspeito da prática dos crimes “condução de veículo a motor sem habilitação legal”, “condução perigosa de veículo rodoviário” e “resistência e coacção sobre funcionário”.
2. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, a arguida acompanhava C…, pelo que lhe foi solicitado pela Guarda Principal F… que identificasse o suspeito em auto, em virtude de este não se fazer acompanhar do seu documento de identificação.
3. Nessa sequência, a arguida declarou à Guarda Principal F… que o seu companheiro se chamava G…, corroborando a identificação falsa que C… havia transmitido verbalmente à GNR, o que ficou a constar do auto de identificação que a arguida assinou.
4. A arguida sabia que, ao transmitir à GNR um nome falso do suspeito, estava a prestar à autoridade policial declarações que não correspondiam à verdade e a determinar que tais informações ficassem exaradas em documento oficial, tendo agido com o propósito de auxiliar C… a furtar-se à perseguição criminal pelos crimes que cometeu.
5. Actuou sempre a arguida com vontade livre e com plena capacidade para avaliar o desvalor dos seus actos e se determinar de acordo com essa avaliação, ciente além do mais de que a sua conduta era proibida e punida por Lei.
6. A arguida exerceu a actividade de auxiliar em Lar de idosos.
7. Encontra-se desempregada há um ano.
8. Beneficia de RESI, no valor de €387.
9. Tem três filhos de 11, 145 e 23 anos.
10. Vive no agregado ma mãe.
11. Possui o 4º ano de escolaridade.
12. Não regista condenações.
FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem.
MOTIVAÇÃO DE FACTO
A convicção do tribunal formou-se com base na análise conjugada e crítica de todos os meios de prova, apreciando-os à luz das regras da experiência comum (cf. artº 127.º, do CPP), nomeadamente, na certidão de fls. 2 e ss, extraída do proc. 157/18.4T9VCD, salientando-se o auto de identificação, fls. 9 e 10, CRC, de fls. 119, a par das declarações do(s) arguido(s) e depoimento da testemunha.
A arguida B… num registo comprometido, incoerente e parcial relatou que à data dos factos não sabia o nome completo do ‘C…’, que havia conhecido pouco tempo antes, que dava pelo nome C1… e argumentou que assinou o auto junto a fls. 7, sem que o tivesse lido, o qual fora preenchido pela militar da GNR no local dos factos, onde a luz era deficiente.
Em sentido contrário, depôs a militar F…, que de forma coerente e consistente, esclareceu que o Fábio demonstrou resistência na sua identificação, quando fora questionado para o efeito, no interior da ambulância, limitando-se a afirmar chamar-se G…, no momento em que a B… se encontrava junto à porta da mesma, no exterior, que terá ouvido e depois replicou naquele mesmo local. Esclareceu, ainda, que foi notória a reticencia e o encobrimento da identificação daquele, pela sua própria família, que se encontrava no exterior do Hospital para onde o mesmo foi conduzido, o que se percebera ante a informação dos seus colegas e da PJ relativamente à existência de mandados pendentes contra o mesmo. Face ao depoimento da F…, que explicitou os procedimentos habituais usados no âmbito das suas funções, designadamente na tomada de depoimentos, como fora o caso dos autos, para identificação, face à incoerência da versão da arguida, que persistiu na afirmação de que, inclusive, à data o C… não era seu companheiro, contrariamente ao que disse e consta do auto de fls.9, ainda assim não se percebe que tenha afirmado, em julgamento, que o veiculo onde se faziam transporta estava registado em seu nome, embora a propriedade fosse do C….
Ora, da conjugação entre as declarações da arguida e o depoimento da testemunha decorre à evidência a parcialidade da 1.ª, com a sua desresponsabilização quanto aos factos que lhe são imputados na acusação, contrariamente à da 2.ª, que teve uma intervenção pontual no processo de onde fora extraída a certidão de fls. 9 e segs., fê-lo no exercício das suas funções e sem qualquer interesse no desfecho do processo, como se extraiu, o que serviu para formar a convicção no sentido dos factos assentes. Neste contexto, não restaram dúvidas ao tribunal quanto à conduta da arguida, que prestou depoimento não coincidente com a verdade, atento o teor do auto de identificação de fls. 9, onde se encontra detalhado o que pela mesma fora dito, em contradição com as suas declarações ora prestadas, que se mostraram inverosímeis e inconsistentes.
Quanto ao elemento subjectivo, como se reporta a uma atitude interior da arguida - a uma atitude psicológica – o tribunal socorreu-se, para os apreciar, dos elementos de natureza objectiva e de presunções e ilações ligadas ao principio da normalidade da vida e da experiência comum, para concluir que a arguido sabia o que fazia, sendo óbvio que quem adopta as condutas sabe da ilicitude das mesmas.
Quanto às condições pessoais e sócio-económicas do(s) arguido(s), o Tribunal atendeu às suas declarações que, nesta aparte, se mostraram sinceras.
Para prova de que a arguida não regista condenações, valorou-se o CRC juntos aos autos.»
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3.- Apreciação do recurso.
3.1.- Invocada proibição de prova do constante no auto de fls. 9 e 10, por a aqui arguida B… não ter sido advertida de que, por ser companheira do arguido no caso, podia recusar-se a depor, nos termos do art. 134º nº2 do CPP.
Sustenta a arguida, no seu recurso:
- Resultou provado na sentença recorrida que a arguida era, à data dos factos, companheira do C…
- Em momento algum foi dada a possibilidade à arguida de não prestar depoimento no momento em que lhe foi solicitada a identificação do seu companheiro, conforme prevê o artigo 134º nº 1 b) do Código de Processo Penal.
- quer as declarações verbais perante a militar da GNR F…, quer o documento de fls. 9, obtidos com omissão da advertência legal aludida no art.º 134.º, n.º 2, do CPP, configuram uma autêntica proibição de prova e a consequente proibição da sua valoração por consubstanciarem a perturbação da liberdade de vontade da arguida, ali testemunha, pela utilização de meios enganosos, absolutamente proibida pelo art.º 126.º, n.ºs 1 e 2 do CPP.
- não tendo sido advertida da possibilidade de se recusar a depor, foi negado à arguida um benefício legalmente previsto de recusa de prestar depoimento, pelo que tal prova é proibida pelo art. 126.º, n.ºs 1 e 2 do CPP.
- a decisão que se fundamenta em depoimento obtido mediante utilização de meio enganoso por não advertência da possibilidade de recusa a depor padece de error in procedendo por nulidade de prova produzida.
- os dados obtidos com tal atuação não podem ser utilizados.
- não resultando assim provado que a arguida tivesse praticado o crime pelo qual vem acusada por ser nula a prova na qual o tribunal a quo se alicerçou.

Vejamos.
A questão suscitada consiste em alegada falta de advertência a que se refere o art. 134º n.º2 al. b) do CPP relativamente à aqui arguida, perante agente da PSP.
O preceito legal esgrimido pela recorrente sob a epígrafe “Recusa de depoimento” preceitua no nº 2:
A entidade competente para receber o depoimento adverte, sob pena de nulidade, as pessoas referidas no número anterior da faculdade que lhes assiste de recusarem o depoimento”.
E o nº 1 al. b) prevê que podem recusar-se a depor como testemunhas, entre outros, quem tiver convivido em condições análogas ás dos cônjuges, relativamente a factos ocorridos durante a coabitação.
O auto onde se substancia a conduta imputada à arguida é aquele que consta dos presentes autos a fls. 9 e 10.
Consta do referido auto, lavrado em 05.11.2016, e no âmbito de factos ocorridos nesse dia, denominado auto de identificação relativo a B…, após a completa identificação da B… (constando filiação, data de nascimento, naturalidade, estado civil, documento de identificação - cartão de cidadão com número do mesmo, arquivo de emissão e validade) e sob o título: “Descrição dos Factos e Informações Complementares”: “Identificada, após ter sido interveniente em acidente de aviação, tendo o veículo em que circulava se colocado em fuga. Informou ainda residir com o arguido, seu companheiro e quando questionada sobre o nome do mesmo disse que se chamava G…, desconhecendo mais dados.”
Do auto de notícia, constante a fls. 3 a 6 onde consta identificado como arguido o C…, consta:
«No dia 05-11-2016, por volta das 01h20, quando me encontrava de serviço de patrulha às ocorrências acompanhada pelo Guarda nº …. H…, circulávamos na Avenida … em …-Vila do Conde avistamos o veículo de matricula ..-..-GI, marca "FIAT", Modelo "…", ligeiro de passageiros de cor cinzento a sair de junto de uma zona residencial.
Posto isto, a patrulha decidiu inverter a marcha e colocando-se á retaguarda do veículo, deu ordem de paragem, utilizando, para o fim, os meios disponíveis no veículo da patrulha, nomeadamente sinais luminosos e sirene.
De imediato apercebemo-nos que o veículo aumentou a velocidade, pondo-se em fuga.
Iniciámos seguimento, tendo o condutor do veículo infra mencionado desligado todas as luzes do veículo, para que supostamente não fosse visto, e ao chegar à Rua …-Vila do Conde o mesmo embateu num separador em cimento que se encontrava a separar as faixas de rodagem, despistando-se e colidindo no muro de uma residência
De imediato saiu do lugar do condutor o arguido, que se colocou em fuga apeado; do lugar do pendura saiu também um indivíduo colocando-se também em fuga apeado; do lugar do passageiro à retaguarda, saiu uma senhora que se manteve no local, constatando-se tratar-se da proprietária do veículo, senhora B…, identificada no auto de identificação que se anexa.
Ao depararmo-nos com os factos descritos, o Guarda H… iniciou seguimento apeado ao arguido, tendo o mesmo a cerca de 500m do local do sinistro entrado para um campo agrícola, local onde o Guarda H… o agarrou pela primeira vez.
Nessa altura o arguido empurrou o Guarda H…, acabando por caírem ambos ao chão. De seguida, novamente em fuga, percorreu alguns metros, tendo o Guarda H… usado da força estritamente necessária para o imobilizar e algemar.
(…)
Já na presença de todos os intervenientes no sinistro, foi questionado ao condutor do veículo, o motivo pelo qual encetou fuga, ao que o mesmo de imediato respondeu, dizendo não possuir carta de condução.
Foi-lhe solicitada a sua identificação pessoal ao que o mesmo respondeu que não a tinha porque tinha partido e perdido o cartão de cidadão, disse chamar-se G…, nascido a 17.10.1984.
Uma vez que o arguido apresentava ferimentos visíveis no rosto e zona da cabeça, provocados pelo sinistro, foi solicitada a presença do INEM, tendo o mesmo sido transportado para a Unidade Hospital ….
No local do sinistro, compareceu a mãe do arguido e a irmã, que seguiram a ambulância até ao hospital, tentando durante o percurso interromper a marcha da mesma.
Enquanto os militares se encontravam no hospital, aperceberam-se que nenhum dos familiares presentes se mostrava disponível para identificar o arguido, assim como foi verificado que com o nome de G…, nada aparecia nos registos hospitalares, factos esses que suscitaram dúvidas á participante.
Entretanto, após insistência dos militares desta guarda, a irmã I…, acedeu e identificou o arguido como sendo G…, no entanto o arguido ao assinar o auto de identificação, assinou “C…”, rasurou e posteriormente assinou, G…, factos que aumentaram as suspeitas dos militares, de que a identificação fornecida não correspondia à verdade, conforme se prova no auto de identificação que se anexa.
Neste seguimento, foram efectuadas várias diligências, tendo-se apurado que o arguido se chama: C… e que estava a fornecer uma identificação falsa, possivelmente por ter dois mandados de detenção pendentes, para cumprimento de pena efetiva pelo período de 5 anos e 9 meses, relativo ao processo 396/13.4 JACBR, por Tráfico de estupefacientes e de 1 ano e 6 meses, pelo processo 952/13.0TAPFR, por 1 crime de Detenção de arma proibida, (…).-
(…)
Informo ainda que o arguido acabou por revelar a sua verdadeira identificação, após ter sido confrontado com os factos, assinando todo o expediente correspondente à detenção, sendo depois conduzido para o estabelecimento prisional de Custóias para cumprimento da respectiva pena…
(…).»
A arguida nestes autos, não prestou a informação em causa na sentença na qualidade de testemunha e no âmbito de um processo judicial. Resulta do auto de fls. 9 e 10, mormente quando conjugado com o auto de notícia de fls. 3 a 6, que a arguida prestou a informação em causa, como diz o MP na sua resposta, no âmbito das providências cautelares previstas no artigo 249º do CPP e nomeadamente da al., b) do seu n.º2, porquanto a informação pedida pretendia que fosse fornecida a identificação verdadeira do suspeito naqueles autos, o posteriormente arguido C…, que as autoridades tinham motivos para suspeitar que estava a ser sonegada e dada uma identificação falsa.
Ora como se escreve no Comentário Judiciário do Código de Processo Penal § 9º do Comentário ao artigo 134º «A faculdade de recusa, autêntico direito ao silêncio, vigora também o caso de “informações” solicitadas “por qualquer entidade”, v.g., aquando da realização de perícias ou relatório social (arts. 160.º, 271.º/4 e 370.º). Aquando das medidas cautelares e de polícia, não se impõe ao OPC, no caso de “informações” (art. 249.º/2/b), fornecidas pelas pessoas elencadas no art. 134.º, a advertência quanto à faculdade de recusa, enquanto não há arguido constituído
Portanto, atenta a doutrina expendida no Comentário citado e atento o itinerário de que se dá conta no auto de notícia de fls. 3 a 6, nomeadamente para os agentes acederem à identidade verdadeira do ali arguido, onde se insere a diligência junto da aqui arguida, ali acompanhante do arguido e passageira do mesmo veículo, parece-nos claro que a informação – falsa – obtida junto da aqui arguida o foi no âmbito das providências cautelares previstas no artigo 249º do CPP e nomeadamente da al., b) do seu n.º2, quando ainda não havia arguido constituído, pelo que não havia que efectuar a advertência do n.º2, do art. 134º, do CP.
Pelo exposto improcede esta questão.
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3.2. Impugnação da matéria de facto.
A arguida, pressupondo a verificação da proibição de prova que invocou defende que assim restam apenas as declarações da arguida, produzida em sede de audiência de discussão e julgamento (prestadas no dia 23 de Janeiro de 2019, as quais de acordo com a ata do registo de gravação áudio tiveram inicio às 14h42m14s e fim às 15h04m21s), que negou que alguma vez tivesse identificado o seu companheiro pelo nome de G…, antes sim identificando o mesmo como C1…, o que se confirma fazer parte da identificação do mesmo, resultante dos factos provados.
Vejamos.
Como facilmente se conclui perante a improcedência da questão anterior é clara a improcedência da pretendida alteração da matéria de fato, porquanto se mantém na íntegra a prova esgrimida pelo Tribunal, que aliás não foi de outro modo impugnada, nomeadamente no âmbito do artigo 412º do CPP.
Improcede manifestamente a questão posta.
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3.3.Qualificação jurídica dos factos
O Ministério Público na sua resposta levanta a questão de que os factos não integram o crime do artigo 360º do CP, mas o crime do artigo 348º-A – falsas declarações - do CP, pelo qual a arguida vinha acusada.
Vejamos.
Os elementos constitutivos do crime p. e p. pelo art. 360 do CP, são:
- quem como testemunha, perito, técnico, tradutor ou intérprete;
- perante tribunal ou funcionário competente para receber como meios de prova, depoimento, relatório, informação ou tradução;
- prestar depoimento, apresentar relatório, der informação ou fizer traduções falsos.
Ocorre de imediato constatar quer em face da matéria de facto provada na sentença quer da matéria de facto alegada na acusação que com excepção de um segmento frásico é igual à constante da sentença, que a arguida nestes autos não prestou a informação em causa nos factos na qualidade de testemunha e no âmbito de um processo judicial; fê-lo antes como já vimos e resulta do auto de fls. 9 e 10 no âmbito das providências cautelares previstas no artigo 249º do CPP e nomeadamente da al., b) do seu n.º2, que visava a identificação correcta do suspeito naqueles autos, o posteriormente arguido C….
O auto onde se substancia a conduta imputada à arguida é aquele que consta dos presentes autos a fls. 9 e 10, que na questão anterior deixamos reproduzido.
Portanto, atentos os factos provados e como se escreveu no Ac. do TRP de 18.06.2003, disponível na colectânea de jurisprudência, Ano XXVIII, Tomo III, Pág. 224, com fortes semelhanças com o caso dos autos, a aqui arguida não comete o crime de falsidade de depoimento ou de falsidade de testemunha, porque a declaração não é feita no âmbito de um processo judicial por alguém que seja testemunha, declarante ou perito.
Ora, assim sendo resta averiguar se os factos são subsumíveis ao crime que era imputado á arguida na acusação, nomeadamente o crime de falsas declarações p. e p. pelo art. 348º -A, do CP.
Dispõe o art. 348.º-A do Cód. Penal:
Quem declarar ou atestar falsamente à autoridade pública ou a funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos, próprios ou alheios, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal – n.º 1.
Se as declarações se destinarem a ser exaradas em documento autêntico o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa – n.º 2”.
Resulta da norma em causa que o crime será sempre praticado por quem, de forma determinada, livre e consciente, independentemente das circunstâncias em que o faça, designadamente, enquanto arguido, ou não, declarar ou atestar falsamente, estado ou qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos, próprios ou alheios.
Ora, percorrendo os factos provados, verificamos que foi esse, exactamente, o comportamento da recorrente, a qual, perante a agente da PSP, F…, sabendo estar a faltar à verdade, afirmou que o suspeito de crimes, condutor do veículo que era sua propriedade e onde também circulava, se chamava G…, quando na verdade se chamava C…, replicando a identidade falsa que aquele havia afirmado no interior da ambulância e que aquela ouviu quando se encontrava no exterior à porta da mesma, como decorre da motivação da convicção do tribunal, na decisão em escrutínio.
Temos por claro que em tais circunstâncias o declarado pela aqui arguida é o bastante para a tornar incursa na prática do crime pelo qual está acusada.
Também nos parece evidente que a aqui arguida não foi solicitada pela agente da PSP, na qualidade de testemunha e no âmbito de um interrogatório formal a confirmar a identidade do C… mas, tão só, como acompanhante e conhecida deste que, então, ainda não havia sido constituído arguido.
Pelo exposto parece-nos incontroverso que a arguida praticou o crime p. e p. pelo artigo 348º-A do C.P. - vide neste sentido o Ac. do TRL de 25.09.2014, acedido em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/5232e824282a207180257d5e0036e05f?OpenDocument e o Ac. do TRE de 16.06.2015, acedido em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/b6ec6ca16d5d861d80257e74003a6d97?OpenDocument.
Impõe-se uma nota para dar conta que alterando-se a qualificação jurídica dos factos para a versão que já constava da acusação, temos por respeitado o princípio do contraditório, como o impõe o artigo 32º, nº 5, da CRP, e a doutrina constante do acórdão do Tribunal Constitucional nº 324/99, que está na génese do art. 424º, nº 3, do Código de Processo Penal.
Assim, diferentemente do tribunal a quo, entendemos que a arguida com a sua conduta perante a agente da PSP praticou não um crime de falsidade de depoimento, p. e p. pelo art. 360º, n.º1, do C.P., mas um crime de falsas declarações do artigo 348ºA, n.º1, do C.P.
Será esse o crime pelo qual será condenada.
Posta a qualificação dos factos operada nesta instância [nova apenas relativamente à efectuada na decisão em escrutínio], impõe-se determinar a medida da pena dentro da moldura do crime em causa, que tem uma moldura mais apertada que o crime pelo qual vinha condenado.
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Concordamos com a opção do tribunal a quo, nos termos do artigo 70º do CP, por uma pena não detentiva, nomeadamente a pena de multa, por esta se mostrar adequada e suficiente quer para efeitos de prevenção geral quer especial, dado que a arguida não regista condenações.
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Determinação da medida concreta da pena.
Realizado o enquadramento jurídico-penal da conduta da recorrente de forma diversa do ocorrido na primeira instância cumpre determinar a pena concretamente aplicável ao caso, atendendo à pena abstractamente aplicável, aos critérios de determinação da medida da pena e às suas finalidades.
Questão que aliás a arguida também havia colocado no seu recurso pretendendo a redução da pena para 10 dias de multa.
Nos termos do art. 348º A, n.º1, do C.P. o crime praticado pela arguida é punido com pena de prisão (de 1 mês, art. 41º, n.º1, limite mínimo) até 1 ano ou com pena de multa – 10 a 360 dias, art. 47º n.º1 do CP [a pena de multa no crime de que a arguia vinha condenada tinha de ser encontrada dentro de uma moldura abstracta não inferior a 60 dias, no seu limite mínimo e até 360 dias no seu limite máximo, regime geral. É claro que perante a pena – 50 dias - encontrada na 1ª instância o tribunal não alcançou a medida abstracta da pena de multa.]
Nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 40.º, do Código Penal, “[a] aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, sendo que, para os efeitos do disposto no artigo 71.º, do Código Penal, está subjacente o seguinte pressuposto: “culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida da pena” – Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, página 214.
A pena encontra o seu fundamento último na exigência do respeito pela dignidade da pessoa humana, toda a pena tem de ter como suporte axiológico normativo uma culpa concreta, princípio que significa que não há pena sem culpa, e que a culpa decide sobre a medida da pena a aplicar; ou seja, a culpa é o pressuposto de validade e o limite inultrapassável da pena em relação a cada crime, ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 1.º, da Constituição da República Portuguesa.
Nas palavras de Figueiredo Dias “[a] culpa (…) é o ponto de referência que o julgador não pode ultrapassar; até esse limite jogam então as considerações relativas à prevenção, geral e especial.”.
Até ao limite da culpa, cabe às exigências de prevenção geral positiva, ou seja, à medida exigida pela tutela dos bens jurídicos, determinar a medida da pena.
Dentro desta “moldura de prevenção”, devem ser valorados todos os factores relevantes para a medida da pena, nomeadamente os que se prendem com a chamada prevenção especial, com as exigências de socialização e com o princípio da proporcionalidade ou proibição do excesso, estabelecendo-se um limiar máximo, que coincide com o ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos, e um ponto mínimo, que coincide com as exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico – Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, página 107.
De acordo com o exposto, a determinação da medida da pena desenvolve-se em 3 fases: primeiro, determina-se a moldura penal (medida legal ou abstracta da pena) aplicável ao caso, depois, dentro daquela moldura legal, determina-se a medida concreta da pena a aplicar, e, finalmente, o juiz escolhe a espécie de pena que efectivamente deve ser cumprida, de entre as penas postas à sua disposição no caso. – Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Ob. Cit., página 198.
Posto isto, considerando o disposto no art. 71º do CP, vejamos as circunstâncias que depõem a favor e contra a arguida.
A arguida actuou com dolo directo.
Os factos revelam uma ilicitude reduzida visto que a arguida pretendeu claramente encobrir o seu companheiro.
As exigências de prevenção geral são moderadas, visto que não estamos perante um crime de realização frequente.
A arguida não beneficia de importantes atenuantes como seriam a confissão ou o arrependimento sincero.
As suas condições pessoais conhecidas são, o nascimento em 28.06.1972, actualmente, com 46 anos de idade, prestes a fazer 47 anos, à data da prática dos factos com 44 anos, desempregada há um ano e a viver no agregado de sua mãe, beneficia do RSI no montante de 387€ e tem três filhos com idades compreendidas entre os 11 e os 23 anos, e ao que decorre da melhor interpretação dos factos, dois deles menores.
A arguida é delinquente primária, o que depõe a seu favor. Em consequência as necessidades de prevenção especial têm um grau reduzido.
Ponderadas todas as circunstâncias supra referidas, entendemos proporcional à culpa evidenciada nos factos e adequada à satisfação das exigências de prevenção que no caso imperam, sendo por isso justa, necessária e adequada a pena de 30 dias de multa à taxa diária de 5,5€; taxa, não posta em causa no recurso.
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III- Decisão.

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso alterando a decisão da 1ª instância, e consequentemente, condenar a arguida B…, não pela prática de um crime de Falsidade de depoimento, p. e p. pelo art. 360º, n.º 1 do CP [como ocorreu na 1ª instância], mas pela prática de um crime de Falsas declarações p. e p. pelo artigo 348º A, n.º1 do CP, na pena de 30 (trinta) dias de multa à taxa diária de 5,5€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo a quantia de 165€ (cento e sessenta e cinco euros).
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Sem custas dado o parcial provimento do recurso.
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Notifique.
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Elaborado e revisto pela relatora – artigo 94º, n.º 2, do CP.P.

Porto, 28 de Junho de 2019.
Maria Dolores da Silva e Sousa
Manuel Soares