Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3534/16.1T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LUÍSA ARANTES
Descritores: IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
DECISÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
TEMPESTIVIDADE
FIM DO PRAZO EM FÉRIAS JUDICIAIS
Nº do Documento: RP201703083534/16.1T8STS.P1
Data do Acordão: 03/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS N.º11/2017, FLS.69-72)
Área Temática: .
Sumário: O prazo para a impugnação da decisão de autoridade administrativa apenas se suspende aos sábados, domingos e feriados e não em férias judiciais, pois que na administração pública não existem férias "judiciais".
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º3534/16.1T8STS.P1

Acordam, em conferência, os juízes na 1ªsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
Por decisão de 12/6/2015, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária aplicou a B…, a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de sessenta dias, nos termos dos arts.138 e 145.º, n.º1, alínea f) do C.Estrada.
Por carta registada enviada em 1/9/2015, o arguido impugnou judicialmente tal decisão e remetido o processo a juízo para apreciação da impugnação, foi proferido, em 7/12/2016, despacho judicial, o qual rejeitou, por extemporaneidade, a impugnação apresentada.
Inconformado com tal rejeição, o arguido interpôs recurso, extraindo da motivação, as seguintes conclusões [transcrição]:
1.º - O Exmo. Sr. Juiz a quo no seu douto despacho fundamentou a rejeição da impugnação com o facto de o arguido ter impugnado judicialmente no dia 01/09/2015, quando tinha sido notificado em 10/07/2015
2.ºRefere, salvo melhor opinião, erroneamente que o prazo terminaria em 7/08/2015, justificando com o facto de, no caso de impugnação judicial, as férias judiciais não suspendem o prazo para aquela
3.º Concordamos com esse facto, não existindo suspensão do prazo mas, conforme sobejamente retratado na mais douta jurisprudência, no caso de terminar o prazo de impugnação judicial em férias judiciais, o seu termo passa para o 1.º dia útil seguinte, ou seja, o 1.º dia útil depois das férias judiciais, o que ocorreu (01/09/2015).
4.º O Acórdão do STA, no processo 0458/08, de 29/10/2008, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Miranda de Pacheco;
O Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, no processo 7/14.0T8ORQ.E1, de 19/05/2015, em que foi Relator o Exmo. Desembargador João Gomes de Sousa;
O Acórdão do STA, no processo 0311/14, de 28/05/2014, em que foi Relator o Exmo. Conselheiro Aragão Seia.
5.º Todos, sem exceção dispõe que, quando o prazo que se aplica aos presentes autos, termina em férias judiciais, não suspendendo estas o mesmo, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do CPP e CPC aplicável analogicamente, o que ocorreu tendo o arguido, aqui Recorrente, impugnado judicialmente no dia 01/09/2015, ou seja, no primeiro dia útil depois das férias judiciais, conforme referido no douto despacho a quo.
6.º Foi, portanto, tempestiva sua impugnação.
O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela sua procedência [fls.45 a 47].
Remetidos os autos ao Tribunal da Relação, a Sra.Procuradora-Geral Adjunta apôs visto.
Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
II – FUNDAMENTAÇÃO
Decisão recorrida
O despacho recorrido tem o seguinte teor:
«O tribunal é competente.
*
Da tempestividade do recurso
Dispõe o art.59º, nº3 do DL nº433/82, de 27.10 (RGCO) que o recurso da decisão da autoridade administrativa é apresentado à autoridade administrativa no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido (…).
O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados – cfr. art.60º, nº1, daquele diploma.
O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte – cfr. 60º, nº2, do mesmo diploma.
Ora, as férias judiciais não suspendem o aludido prazo, atenta a sua natureza substantiva – cfr. Ass.nº2/94, de 10.03.
Na situação em apreço, o recorrente foi notificado da decisão administrativa em 10.7.2015 – cfr. fls.8.
A impugnação judicial foi remetida via postal registada para a entidade administrativa no dia 1.9.2015 – cfr. fls.16.
Por conseguinte, o prazo em causa expirou no dia 7.8.2015, pelo que o recurso foi apresentado à entidade administrativa muito além do prazo peremptório de 20 dias úteis legalmente concedido para a prática do aludido acto.
Assim, forçoso é concluir que o recorrente excedeu o prazo para apresentação da presente impugnação judicial.
A lei sanciona esta falta com a rejeição imediata do recurso – art. 63º, nº1, do cit. DL nº433/82.
Pelo exposto, rejeito o presente recurso, nos termos do art. 63, n.º 1, do referido diploma legal, por inobservância do prazo legal de impugnação.
Custas pelo arguido, fixando-se a respectiva taxa de justiça em 1 UC (art.92º e 94º, nº3, do DL nº433/82, de 27/10).
*
Comunique à ANSR, remetendo cópia desta decisão (art.70º/4 do DL nº433/82, de 27/10).»
Apreciação
O âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.
No caso em apreço, a questão suscitada traduz-se em saber se a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa foi apresentada tempestivamente.
Nos termos do art.59.º, n.º3, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas [RGCO], o recurso é apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido.
Por sua vez, o art.60.º do mesmo diploma, sob a epígrafe Contagem do prazo de impugnação, estabelece:
«1 – O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados.
2 – O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.»
E o artigo 279.º do C.Civil, sob a epígrafe Cômputo do termo dispõe: «À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras:
(…)
e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparados as férias judiciais, se o ato sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo.»
No caso em apreço, o arguido foi notificado por carta registada com aviso de receção, assinado em 10/7/2015 e a impugnação judicial foi remetida em 1/9/2015, por carta registada, para a entidade administrativa.
Na tese recursiva, tendo o prazo para a impugnação judicial terminado em férias judiciais, o seu termo passa para o 1º dia útil depois das férias judiciais, ou seja, para 1/9/2015. Defende para tanto a aplicação do disposto no art.279.º, alínea e), do C.Civil, invocando nesse sentido jurisprudência do STA e ainda o Ac.R.Évora de 19/5/2015.
Entendemos que não assiste razão ao recorrente.
O processo de contraordenação tem duas fases distintas:
- uma primeira fase, da competência da autoridade administrativa, que tem por finalidade a prática de atos de investigação e de recolha de provas que permitam determinar a existência de uma contraordenação e, se assim for, a aplicação de uma coima [art.54.º, n.º2, do RGCO];
-a segunda fase inicia-se com o recurso de impugnação judicial, em que a decisão da autoridade administrativa é apreciada pelo tribunal. Mas, para tanto, é necessário que recebido o recurso, a autoridade administrativa envie os autos ao Ministério Público, o qual decide o destino a dar-lhes. É com a apresentação dos autos ao juiz que a decisão da autoridade recorrida se converte em acusação, iniciando-se a fase judicial do processo de contraordenação. Vale por dizer, que o recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa ainda faz parte da fase administrativa do processo.
Por isso, o STJ uniformizou jurisprudência no sentido de que «não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do Dec. Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração do Dec. Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro» - AUJ n.º 2/94, de 10/3/1994, DR, I, de 7/5/1994.
Como se refere neste AUJ «o recurso a que alude o artigo 59.º, n.ºs 1 e 3, do Decreto-Lei n.º 433/82 não é apresentado em juízo, mas perante a autoridade administrativa.
E perante ela o processo permanece, até que por esta os autos sejam enviados ao Ministério Público (artigo 62.º, n.º 1, do mesmo diploma), podendo, entretanto, e até ao envio dos autos, a mesma autoridade administrativa revogar a decisão de aplicação da coima (artigo 62.º, n.º 2), o que significa que, até ao envio dos autos ao Ministério Público, tudo se mantém no âmbito meramente administrativo, não representando a interposição do recurso a imediata entrada na fase judicial do processo. Donde se conclui que, fazendo o recurso de impugnação parte da fase administrativa do processo, e não da fase judicial, não pode esse acto - de interposição - ser considerado acto praticado em juízo e, consequentemente, não pode também o respectivo prazo ser considerado «prazo judicial».
Saliente-se que o Ac.R.Évora de 19/5/2015, invocado pelo recorrente, sustenta que este AUJ caducou. Entendemos, com todo o respeito por opinião contrária, que tal não ocorreu no que se refere ao aspeto em discussão.
O Ac.STJ de 3/11/2010, relatado pelo Conselheiro Maia Costa, é muito elucidativo a este propósito, pelo que o transcrevemos parcialmente: «Ao fixar o entendimento de que o prazo do art. 59º, nº 3, do RGCO não era um prazo judicial, o Acórdão nº 2/94 veio estabelecer que a tal prazo não se aplicava o disposto no nº 3 do art. 144º do CPC, na redacção que então vigorava, e que, consequentemente, o prazo corria continuamente. É este o sentido do Acórdão nº 2/94.
Da mesma forma, e decorrendo da natureza não judicial do prazo, não seriam aplicáveis ao mesmo prazo as restantes regras atinentes aos prazos judiciais, como os arts. 104º, nº 1, e 107, nº 5, do CPP.
O DL nº 244/95, como já vimos, veio modificar supervenientemente o quadro legislativo. Mas fê-lo apenas em dois aspectos: ampliando o prazo de 8 para 20 dias; e determinando a suspensão do prazo nos sábados, domingos e feriados, mas já não nas férias judiciais.
Quer dizer: o DL nº244/95 não veio expressamente alterar a natureza do prazo de recurso das decisões administrativas que aplicam coimas, nem sequer estabelecer um regime de contagem idêntico ao dos prazos judiciais, hipótese em que se poderia argumentar a favor de uma tácita intenção de modificar a sua natureza. O que o DL nº 244/95 fez, ao estabelecer que o prazo se suspende nos sábados, domingos e feriados, foi fazer coincidir o regime de contagem desse prazo com o dos prazos administrativos em geral, previsto no art. 72º, nº 1, b), do Código de Procedimento Administrativo, e em contraste com o modo de contagem dos prazos judiciais, que eram suspensos nos sábados, domingos, feriados e nas férias judiciais.
Ou seja: o DL nº 244/95 não converteu, expressa ou tacitamente, o prazo previsto no art. 59º, nº 3 num prazo judicial. Pelo contrário, acentuou a sua natureza administrativa.
Com a reforma introduzida no CPC pelo DL nº 329-A/95, de 12-12, os prazos judiciais passaram a ser contínuos, suspendendo-se, porém, durante as férias judiciais (art. 144º, nº 1), regra que á aplicável ao processo penal, por força do nº 1 do art. 104º do CPP.
Contudo, essa modificação legislativa não se repercutiu no prazo para impugnação das decisões administrativas em matéria de aplicação de coimas, que se mantém idêntico: suspende-se (apenas) nos sábados, domingos e feriados, mas não em férias, pois na administração pública não existem férias.
É certo que o DL nº 244/95 em alguma medida contradiz o Acórdão nº 2/94: na parte em que estabelece a suspensão do prazo nos sábados, domingos e feriados, quando da doutrina do Acórdão resultava que o prazo corria continuamente. Quanto a essa parte, não pode haver dúvidas de que a doutrina do Acórdão caducou.
Mas apenas nessa parte, e já não quanto à não suspensão nas férias judiciais. E o mesmo se dirá do que se refere a outras regras dos prazos judiciais, como o disposto no art. 107º, nºs 5 e 6, do CPP (este último número aditado pela Lei nº 59/98, de 25-8).»
Por outro lado, como decorre do art.296.º do C.Civil, os prazos previstos no art.279.º do C. Civil são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados na lei. Ou seja, o disposto no art.279.º do C.Civil só é aplicável se inexistir disposição legal em contrário, pois se houver é essa disposição legal que é aplicável.
Ora, no caso das contraordenações sujeitas ao regime geral, existe disposição legal contrária ao art. 279.º, alínea e), do C.Civil: o art.60.º do RGCO, aplicável ao caso em apreço [neste sentido. V. Ac.R.Guimarães de 30/11/2015, relatado pela Desembargadora Maria Dolores Sousa, in www.dgsi.pt].
Acresce, como já supra referido, que a apresentação do recurso de impugnação judicial perante a autoridade administrativa não é um ato a praticar em juízo, como o exige a parte final da alínea e) do art.279.º do C.Civil.
De realçar que o Tribunal Constitucional, no Ac.473/2001, de 24/110/2001, se pronunciou no sentido de não considerar inconstitucional, designadamente por violação do nº 1 do artigo 20º da Constituição, o disposto nos artigos 59º nº 3 e 60º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na interpretação de que, terminando em férias judiciais o prazo para a interposição do recurso neles previsto, o mesmo não se transfere para o primeiro dia útil após o termos destas.
De salientar ainda que a jurisprudência do STA indicada pelo recorrente reporta-se a impugnações judiciais de atos da administração fiscal, em que é aplicável o art. 20.º do CPPT [«1 - Os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil. 2 - Os prazos para a prática de actos no processo judicial contam-se nos termos do Código de Processo Civil.»], que remete expressamente para o C.Civil., nomeadamente, para ao art.279º do C.Civil, no que respeita a contagem dos prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial. Assim, a argumentação expendida em tais acórdãos não pode ser transporta para o caso presente.
Concluindo, não é aplicável, in casu, o art.279.º, alínea e) do C.Civil.
Considerando que o arguido foi notificado da decisão da autoridade administrativa em 10/7/2015 e o prazo de 20 dias para a impugnação da decisão da autoridade administrativa apenas se suspendeu aos sábados, domingos e feriados, ao apresentar o recurso de impugnação judicial em 1/9/2015, fê-lo extemporaneamente, pelo que bem andou a decisão recorrida ao rejeitá-lo com tal fundamento.
III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os juízes na 1ªsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando em 4 Uc a taxa de justiça.
[texto elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários].

Porto, 8/3/2017
Maria Luísa Arantes
Renato Barroso