Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3386/17.4T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: RETRIBUIÇÃO
ELEMENTOS DE RETRIBUIÇÃO
LEI APLICÁVEL
INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLETIVA
ALTERAÇÃO DE RETRIBUIÇÃO
PROVA
REGIME FAVORÁVEL AO TRABALHADOR
MOTORISTAS
TRANSPORTE INTERNACIONAL RODOVIÁRIO
CLÁUSULA 74ª/7 DO CCTV CELEBRADO ENTRE A ANTRAM E A FESTRU
ALTERAÇÃO DE ALGUMA DAS COMPONENTES REMUNERATÓRIAS PREVISTAS EM CCT
NULIDADE
Nº do Documento: RP201907103386/17.4T8VFR.P1
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º296, FLS.386-407)
Área Temática: .
Sumário: I - A entidade patronal, por regra, não pode unilateralmente modificar o sistema retributivo dos seus trabalhadores, no que concerne aos elementos que derivam de lei ou dos instrumentos de regulamentação colectiva.
II - Apesar disso, nada impede que tal retribuição seja alterada por acordo entre as partes contratantes, ou mesmo unilateralmente, através de um compromisso vinculativo para a entidade patronal, desde que daí resulte um regime mais favorável para o trabalhador, sendo que a prova dessa favorabilidade compete ao empregador (art.º 342.º, n.º 2, do CC).
III - Os motoristas de transportes rodoviários internacionais ao terem direito à prestação retributiva prevista cláusula 74.ª /7 do CCTV entre a ANTRAM e a FESTRU, deixam de ter direito ao pagamento do trabalho suplementar prestado em dias normais de trabalho (embora não seja essa a única e exclusiva finalidade da cláusula).
IV - A alteração de alguma das componentes remuneratórias convencionalmente acordadas e previstas em CCT, seja por acordo entre os outorgantes, seja unilateralmente pelo empregador, é nula, por afrontar norma imperativa (no caso o art.º 531.º do Código do Trabalho/2003), a não ser que este prove que o sistema praticado resulta, a final, mais favorável ou vantajoso para o trabalhador.
V - Essa nulidade pode ser conhecida e oficiosamente declarada pelo tribunal, e tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, não estando essa declaração de nulidade condicionada à formulação, para esse efeito, de pedido reconvencional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO nº 3386/17.4T8VFR.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I. RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca de Aveiro – Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira, B..., propôs a presente acção declarativa emergente de contrato de trabalho contra C…, S.A., pedido que julgada a acção procedente, deve:
- A RÉ SER CONDENADA AO PAGAMENTO DOS CRÉDITOS SALARIAIS VENCIDOS COM A CESSAÇÃO DO CONTRATO DO AUTOR, NO VALOR DE €900,00 (ITEM 24º).
DEVE A RÉ SER CONDENADA A PAGAR AO AUTOR AS DIUTURNIDADES VENCIDAS E DEVIDAS, NO VALOR DE €1.795,50(ITENS 25º a 31º).
DEVE A RÉ SER CONDENADA A PAGAR AO AUTOR O MONTANTE DE €40.108,32, A TÍTULO DE SUBSÍDIO PELA CLÁUSULA 74ª, DO CCTV (ITENS 32º a 36º).
DEVE AINDA A RÉ SER CONDENADA A PAGAR AO AUTOR OS MONTANTES PEDIDOS A TÍTULO DE PRÉMIO TIR, NO VALOR DE €13.324,50 (ITENS 37º a 40º).
Alega, em síntese, que exerceu funções na Ré como motorista de pesados entre Fevereiro de 2008 e 6 de Outubro de 2017, data em que denunciou o contrato de trabalho, sendo que àquela data a R. lhe devia os valores peticionados a título de proporcionais de subsídio de férias e de natal, referentes ao ano da cessação do contrato de trabalho - €900,00 (art. 24º da petição inicial); a título de diuturnidades - €1.795,50 (arts. 25º a 31º da p.i.); de Cl. 74ª do CCTV - €40.108,32 (arts. 32º a 36º da p.i.) e a título de prémio TIR - €13.324,50 (arts. 37º a 40º da p.i.).
No essencial, sustenta que em Maio de 2017, a ré propôs-lhe, tal como aos demais trabalhadores motoristas, uma alteração ao seu contrato, na qual se dispunha a pagar-lhe, a partir daí, as diuturnidades, ajudas de custo (que já lhe pagava), trabalho suplementar ao fim-de-semana (que já lhe pagava), um subsídio por transporte de mercadorias perigosas (que já lhe pagava), vulgarmente designado por ADR, e o subsídio previsto na cláusula 74ª do irct aplicável ao sector, bem como, um prémio TIR, no valor de €105,74,
Nessa proposta o autor obrigava-se, ainda, a concordar que até à data do aditamento ao seu contrato teria estado em vigor “um sistema retributivo (…) aceite pelo trabalhador e do qual resultou um regime que garantiu todos os direitos e créditos, pelo que o segundo outorgante [trabalhador, ora autor] declara[va] nada ter a receber da primeira seja a que título for por créditos laborais vencidos até esta data ou que se reportem a o período desde o início do contrato até esta data, a título de diferenças salariais”.
Recusou assinar tal proposta de alteração por não corresponder à verdade, e por não querer abdicar de créditos laborais que lhe eram devidos a título de diferenças salariais.
No dia 7 de Agosto de 2017, comunicou a denúncia do contrato de trabalho à ré, tendo o contrato de trabalho, após cumprimento do período de aviso prévio, cessado no dia 6 de Outubro de 2017. Durante o período de aviso prévio interpelou a ré, em carta, no sentido de que com a cessação do contrato de trabalho, tinha o direito a ser pago por todos os créditos salariais até ao último dia da prestação de trabalho, que agora vem reclamar, dado que aquela não os liquidou, não concordando com a sua interpretação alegando que lhe pagou mais do que era devido, quer porque lhe pagou despesas, quer porque lhe pagou trabalho suplementar.
A relação laboral entre si e a Ré é regulada pelo irct celebrado entre a ANTRAM e a Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos e Outros, o CCTV – ANTRAM – FESTRU e SITRA, in BTE, 1.ª Série, n.º 9, de 08/03/80, com as subsequentes alterações.
Ao abrigo da Cláusula 74ª do referido CCTV, tinha o direito a receber um subsídio correspondente a 2 (duas) horas de trabalho extraordinário, por se encontrar no regime de trabalho para os trabalhadores deslocados no estrangeiro e vulgarmente conhecido no meio por “Cláusula 74ª”, mas a Ré nunca o pagou, apenas lhe tendo pago o trabalho extraordinário que efectivamente prestou.
A Cláusula 74ª determina um valor de referência para o subsídio, o correspondente a 2 horas de trabalho suplementar, que no caso é de €10,38, por cada dia, devendo ter sido pago em relação a todos os dias do ano, dos 9 anos 7 meses e 6 dias, em que prestou trabalho à ré.
A Ré não lhe pagou os montantes correspondentes a 3564 dias, a esse título, que incluindo o devido também com os subsídios de férias vencidos, computa no valor de €40.108,32.
Mais alega que o CCTV prevê que os trabalhadores que permaneçam na mesma categoria profissional têm o direito a 1 diuturnidade por cada período de 3 anos, até ao máximo de 5 diuturnidades, no valor de 2.590.00 (Escudos), que convertidos perfazem €12,90, por cada uma das diuturnidades.
A Ré nunca lhe pagou as diuturnidades a cujo direito adquiriu, tendo direito a receber a esse título €1.795,50.
Alega, ainda, que ao abrigo do sobredito irct, tinha o direito a receber um prémio TIR, mensal e com o subsídio de férias, no valor de €105,75 mensais, mas a ré nunca lhe pagou qualquer quantia a esse título.
Assim, a ré é também devedora do montante, incluindo os subsídios de férias, de €13.324,50.
Procedeu-se a audiência de partes não tendo sido possível obter a conciliação das partes.
Regularmente citada, a Ré apresentou contestação.
No essencial, alega que o Autor procedeu à denúncia do contrato de trabalho, única e exclusivamente, em virtude de ter arranjado outro trabalho, e não, tal como alega, em virtude da proposta que lhe foi apresentada.
Quanto aos créditos laborais peticionados pela cessação do contrato de trabalho, nenhum montante é devido.
Era aplicável à relação laboral estabelecida entre a Ré e o Autor a Convenção Coletiva de Trabalho celebrada entre a Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM) e a Federação dos Sindicatos do Transportes Rodoviários e Urbanos (FESTRU), publicada no BTE 1.ª Série, n.º 9 de 08/03/1980, com as alterações salariais introduzidas em 1997, no BTE, 1.ª Série, n.º 30, de 15/8/1997.
Decorre do referido IRCT que os trabalhadores que se encontrem numa categoria profissional que não preveja graus de progressão de carreira, têm direito a auferir €12,90, a título de diuturnidades, de três em três anos, até ao limite de cinco, nos termos da cláusula 38.ª.
E, na medida em que efetuava serviço internacional tinha o Autor direito à retribuição mensal referida na Cláusula 74.ª, n.º 7 daquele IRCT, não inferior a duas horas de trabalho suplementar por dia.
O Autor tinha ainda direito a auferir a ajuda de custo mensal, denominada Prémio TIR, no valor de €105,74.
Os montantes supra referidos, foram devidamente liquidados, não sendo a Ré devedora dos montantes que o Autor vem peticionar. A entidade empregadora não pode alterar unilateralmente a retribuição no que se refere a elementos que derivam da lei ou de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, mas nada impede que por acordo entre o trabalhador e o empregador, ou até mesmo unilateralmente, por compromisso vinculativo para o empregador, que a retribuição seja alterada, mas desde que dessa alteração surja um regime mais favorável para o trabalhador.
O esquema remuneratório acordado entre as partes era mais favorável ao trabalhador. O regime remuneratório praticado pela Ré, para além de ser do conhecimento do Autor, foi com este acordado.
Alega, que o Autor auferiu, desde o início da relação laboral, em fevereiro de 2008 até outubro de 2017, os montantes mencionados no quadro que integra o art.º 47.º do articulado, dizendo que através da comparação é possível demonstrar que o sistema retributivo acordado com o trabalhador era mais favorável para este, decorrendo que todos os meses o trabalhador auferiu montantes superiores ao que decorre do IRCT aplicável.
É despropositado e abusivo o comportamento agora adotado pelo Autor, uma vez que peticiona montantes que não lhe são devidos por já lhe terem sido liquidados. Sendo, apenas por manifesto abuso de direito, vem o Autor peticionar, o montante de €56.128,32 que não é devido pela Ré,
Conclui pela total improcedência da acção, com a sua consequente absolvição, pedindo a condenação do A. como litigante de má-fé.
Respondeu o autor, contrapondo, em síntese, que efectivamente a R. lhe pagou a quantia pedida em 24º da petição, tendo tal pagamento sido efectuado na sexta -feira que antecedeu a entrada da petição em juízo, razão pelo qual não se apercebeu, pedindo a não condenação na peticionada má-fé.
Saneados os autos, foi realizada audiência de discussão e julgamento com observância do seu legal formalismo.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença encerrada com o dispositivo seguinte:
- «Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a acção, por provada e, em consequência, condeno a Ré a pagar ao autor a quantia de €55.228,32, (cinquenta e cinco mil duzentos e vinte e oito euros e trinta e dois cêntimos), absolvendo a Ré na parte restante.
Custas a cargo da R..
Registe e notifique.
(..)».
I.3 Inconformada com esta sentença, a Ré empregadora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido e fixado o modo de subida e efeito adequados.
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1.4 O recorrido autor apresentou contra-alegações,
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I.5 O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
I.6 Cumpridos os vistos legais, remeteu-se o projecto de acórdão aos excelentíssimos adjuntos e determinou-se a inscrição para julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas para apreciação respeitam ao seguinte:
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ii) Erro de julgamento na aplicação do direito aos factos, ao condenar a Ré a pagar ao autor as quantias por este reclamadas a título de Cláusula 74.ª e Prémio TIR.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual que se passa a transcrever (a ordenação numérica foi introduzida por nós):
Factos provados:
1 - O autor foi admitido ao serviço da ré, em Fevereiro de 2008, para, sob as ordens e instruções dessa, prestar trabalho, com categoria profissional de motorista de pesados, funções que exerceu até à data da denúncia do seu contrato de trabalho, até ao dia 6 de Outubro de 2017 – (cfr. o doc. n.º 1 junto com a petição inicial para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido na íntegra).
2 - O autor denunciou o seu contrato após ser confrontado com uma proposta da ré para alteração ao seu contrato que recusou…
3 - Em Maio de 2017, a ré propôs ao autor – e propôs a todos os restantes trabalhadores motoristas – uma alteração ao seu contrato, na qual se dispunha a pagar-lhe, a partir daí, as diuturnidades, ajudas de custo (que já lhe pagava), trabalho suplementar ao fim-de-semana (que já lhe pagava), um subsídio por transporte de mercadorias perigosas (que já lhe pagava), vulgarmente designado por ADR, e o subsídio previsto na cláusula 74ª do irct aplicável ao sector, bem como, um prémio TIR, no valor de €105,74,
4 - Sendo que a proposta de alteração do contrato de trabalho o autor se obrigava a concordar que até à data do aditamento ao seu contrato teria estado em vigor “um sistema retributivo (…) aceite pelo trabalhador e do qual resultou um regime que garantiu todos os direitos e créditos, pelo que o segundo outorgante [trabalhador, ora autor] declara[va] nada ter a receber da primeira seja a que título for por créditos laborais vencidos até esta data ou que se reportem a o período desde o início do contrato até esta data, a título de diferenças salariais” – (vide a cláusula IV, do doc. n.º 2, junto com a petição inicial para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido na íntegra).
5 - Aditamento ao contrato de trabalho que o trabalhador ora autor se recusou a assinar por entender não corresponder à verdade, e por não querer abdicar de créditos laborais que entende lhe eram (e são) devidos a título de diferenças salariais.
6 - O autor comunicou a denúncia do contrato de trabalho à ré, no dia 7 de Agosto de 2017, tendo o contrato de trabalho, após cumprimento do período de aviso prévio, cessado no dia 6 de Outubro de 2017 – (cfr. o doc. n.º 3 junto com a petição inicial para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido na íntegra).
7 - Em 23/08/2017, o autor interpelou a ré, em carta subscrita pelo seu mandatário, no sentido de que com a cessação do contrato de trabalho, o autor tinha o direito de ser pago por todos os créditos salariais até ao último dia da prestação de trabalho – (vide o doc. n.º 4 junto com a petição inicial para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido na íntegra)
8 - A R. solicitou uma reunião com o mandatário do autor – (cfr. o doc. n.º 5, junto com a petição inicial para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido na íntegra).
9 - O autor foi admitido mo dia 1 de Fevereiro de 2008 e no dia 31 de Janeiro de 2011, adquiriu o direito a receber 1 (uma) diuturnidade no valor de €12,90;
10 - No dia 31 de Janeiro de 2014 adquiriu o direito a receber 2 (duas) diuturnidades, no valor de €29,80;
11 - No dia 31 de Janeiro de 2017 adquiriu o direito a receber 3 (três) diuturnidades, no valor de €44,70,
12 - Quantias que nunca lhe foram pagas.
13 - A ré nunca pagou o subsídio conhecido como “Cláusula 74ª” ao seu trabalhador, ora autor,
14 - A ré nunca pagou ao autor qualquer quantia a título de prémio TIR.
15 - Em maio de 2017, a Ré propôs, um aditamento ao contrato de trabalho dos motoristas que efetuam transporte internacional.
16 - Proposta essa dirigida a todos os motoristas da Ré, mais precisamente.
17 - O único trabalhador que se recusou a assinar o referido aditamento foi o aqui Autor.
18 - Entre a apresentação da proposta e a cessação do contrato de trabalho decorreram cinco meses.
19 - Em 23/8/17, a Ré foi interpelada pelo Autor, através de carta subscrita pelo seu mandatário, para liquidar os montantes devidos pela cessação do contrato de trabalho.
20 - A Ré liquidou ao A. o valor de €1.246,98, referente a ordenado base, proporcionais mês Férias, proporcionais subsídio de férias e proporcionais subsídio de natal, conforme Recibo de remunerações datado de 6/10/17, vide parte superior do Documento 1 junto com a contestação, para o qual se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos.
21 - O Autor auferiu, desde o início da relação laboral, em fevereiro de 2008 até outubro de 2017, os seguintes montantes (vide recibos de vencimento juntos a Fls. 34 a 108, como documentos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12), para os quais se remete e aqui se dão por reproduzidos na íntegra:

Recibo atual2008200920102011201220132014201520162017TOTAL
Ordenado Base6334,617378,348400,007800,008400,008400,007800,008400,008400,006000,0077312,95
Horas Extras3137,884104,505 101,014987,635928,303217,383330,533783,013799,082422,0039811,32
Aj.Custo Estrangeiro3451,00870,00830,001195,002402,501825,002400,001925,003050,001805,0019753,50
Aj.Custo Diária Est.100,00352,50650,00895,002 204,411907,502124,671771,322742,50752,5013500,40
Ajudas Custo Diária Nac.65,001601,562698,382243,722 088,891706,561382,312086,561614,79706,6816194,45
Ajudas de Custo Nac.1100,00390,00825,00952,50817,50690,00463,82757,50540,001242,867779,18
Trabalho Supl FER e FDS825,00625,00800,00575,00925,00550,00750,00875,001075,00425,007425,00
Prémio produtividade225,00725,0050,001000,00
Gratificação518,501500,002018,50
Sub. ADR1223,561576,891518,271286,221577,941418,821365,781524,901551,42941,4613985,26
Férias não gozadas300,00300,00
Baixa640,00- 480,00- 160,00- 1280,00
Sub. Alimentação1010,00365,001375,00
Total Bruto17 247,0517 263,7921 341,1619295,0724569,5419960,2619617,1120963,2922772,7916145,50199175,56
Total sujeito SS10 579,5913 684,7315 819,2814008,8517 056,2413 831,2013 246,3114 422,9114 825,5010 138,46137 613,07
Total sujeito IRS10 579,5913 684,7315 737,7814008,8517 056,2413 831,2013 246,3114 422,9114 825,5011 638,46139 031,57
Seg Social- 1 163,75- 1 501,99- 1 740,121 540,97- 1 876,19- 1 521,43- 1 457,09- 1 586,52- 1 630,81- 1 115,23- 15 134,11
IRS- 597,00- 941,00- 1 642,00-1 359,00- 2 016,00- 1 302,00- 1 349,00- 1 563,00- 1 659,00- 1 527,00- 13 955,00
Sobretaxa IRS- 21,00- 150,00- 137,00- 146,00- 34,00- 22,00- 510,00
Sindicato- 76,73- 92,98- 83,21- 60,00- 312,92
TOTAL Liquido15486,3014820,8017959,0416374,1020677,3516986,8316597,2917574,7919365,7813421,27169263,53
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II.2.2 Nos termos do art.º 662.º1, do CPC, impõe-se a intervenção oficiosa deste Tribunal ad quem para aditar um facto fulcral para apreciação da causa e do recurso ao elenco dos factos provados.
Alegou o autor (art.º 32.º da PI) encontrar-se no regime de trabalho para os trabalhadores deslocados no estrangeiro, nessa base reclamando o direito ao pagamento previsto na Cláusula 74.ª, com a epígrafe “Regime e trabalho para os trabalhadores deslocados no estrangeiro”, bem assim ao denominado “prémio TIR”.
A Ré não impugna essa alegação, tanto mais que aceita expressamente que “na medida em que efetuava serviço internacional, tinha o Autor direito à retribuição mensal referida na Cláusula 74.ª, n.º 7 daquele IRCT (…)”.
O Tribunal a quo assume que o trabalhador autor “Pelo facto de (..) ao serviço da R. efetuar serviço de transporte internacional, também tinha (..) direito à retribuição mensal referida na Cláusula 74.ª, n.º 7 daquele IRCT”, e que “Por ser motorista internacional, (..) tinha ainda direito a auferir a ajuda de custo mensal, denominada Prémio TIR, (..)”.
A aplicação da cláusula 74.ª é uma questão de direito, tendo como pressuposto um facto, ou seja, como se retira desde logo do seu n.º1, a prestação da actividade de motorista ao serviço da entidade empregadora trabalhando nos transportes internacionais rodoviários de mercadorias.
O tribunal a quo deveria ter levado esse facto ao elenco da matéria de facto provada, mas não o fez.
Assim, adita-se aos factos provados, sob o número 1a, o seguinte:
- 1ª-- “O autor desempenhava as suas funções de motorista ao serviço da Ré, executando transportes internacionais de mercadorias”.
II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
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II.3.1 O tribunal a quo concluiu assistir ao A. o direito reclamado ao pagamento dos montantes a título de Cláusula 74ª e Prémio TIR, desde o início da relação laboral com a Ré.
Na fundamentação da decisão recorrida, a este propósito e no que aqui releva, lê-se o seguinte:
- «Cumpre consignar que à relação laboral estabelecida entre a Ré e o Autor é aplicável a Convenção Coletiva de Trabalho celebrada entre a Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM) e a Federação dos Sindicatos do Transportes Rodoviários e Urbanos (FESTRU), publicada no BTE 1.ª Série, n.º 9 de 08/03/1980, com as alterações salariais introduzidas em 1997, no BTE, 1.ª Série, n.º 30, de 15/8/1997.
(..)
Pelo facto de o A., ao serviço da R. efetuar serviço de transporte internacional, também tinha o Autor direito à retribuição mensal referida na Cláusula 74.ª, n.º 7 daquele IRCT, não inferior a duas horas de trabalho suplementar por dia, sendo que, mais uma vez por referência ao estabelecido nesse instrumento de regulamentação coletiva, o cálculo deste valor reporta-se às percentagens previstas para o pagamento do trabalho suplementar, que nesse IRCT tem o acréscimo de 50%, a primeira hora e de 75%, a segunda hora
Por ser motorista internacional, o Autor tinha ainda direito a auferir a ajuda de custo mensal, denominada Prémio TIR, no valor de €105,74.
Pede pois o A. o pagamento de várias quantias por entender que lhe são devidas a título de diuturnidades, Cláusula 74º e Prémio TIR.
Respigando os factos provados, mormente as quantias recebidas pelo A, entre 2008 e 2017, verifica-se que inexiste qualquer quantia paga ao A. a título de Diuturnidades, Cláusula 74º e Premio TIR.
Ora, havendo uma CCT aplicável, não pode a entidade empregadora alterar unilateralmente a retribuição no que se refere a elementos que derivam da lei ou de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.
Também é certo que nada impede, como alega a R., que por acordo entre o trabalhador e o empregador, ou até mesmo unilateralmente, por compromisso vinculativo para o empregador, que a retribuição seja alterada, mas desde que dessa alteração surja um regime mais favorável para o trabalhador.
Todavia, no caso em apreço, como resulta da fundamentação apresentada, a R. não logrou provar que tinha com o A./Trabalhador um qualquer acordo que lhe permitisse alterar os valores estipulados pela mencionada CCT, e mesmo que os valores obtidos por acordo favorecessem o A. A R. não demonstrou que tinha acordado com o A. um esquema remuneratório mais favorável ao trabalhador. O facto de não aparecer em qualquer recibo de remuneração do A. junto aos autos pela R. a “ Cláusula 74 ” e “Prémio TIR” não nos permite concluir que o A. recebia aquelas verbas segundo outra denominação previamente acordada com o A.. Não podemos olvidar que nos recibos de remuneração aparece que o A. recebeu montantes a título de Horas Extra e Ajudas de Custo, montantes variáveis de mês para mês, decorrendo da análise de tais documentos que o A. trabalhou horas extraordinárias/suplementares e foi remunerado pelas mesmas, ou ainda que recebeu ajudas de custo pelas despesas que realizou e que a R. lhe reembolsou. Para além desta interpretação que resulta da análise de tais documentos, resta concluir que a R. não conseguiu provar que, como alega, efectuou o pagamento da “ Cláusula 74 ” e “Prémio TIR” sob outras denominações e por acordo com o A., sendo que tal sistema o favorecia.
Aliás, no quadro comparativo que a R. apresenta no Art. 47º da contestação, mais não faz que retirar e substituir as Ajudas de Custo no Estrangeiro e retirar as horas extras. Mas não alega nem prova que o A. não trabalhou horas extra merecedoras de remuneração, situação que não é incompatível com o pagamento pela R. da Cláusula 74ª (tanto mais que no aditamento que a R. pretendia que o A. assinasse e que este recusou, se encontra previsto que a R. se propõe pagar “ Cláusula 74” e “ Prémio Tir”, a par com o pagamento de ajudas de custo aquando de trabalho prestado no estrangeiro e remuneração por trabalho prestado aos fins de semana), não se podendo pois concluir, como pretende a R. na sua versão, que havia acordo com o A. para que a remuneração fosse efectuada daquele modo ou que o A. beneficiasse com tal forma de pagamento, que o regime remuneratório praticado pela Ré, para além de ser do conhecimento do Autor, foi com este acordado.
Para que tal se pudesse concluir, necessário se tornava apurar quantas viagens o A. efectuou ao estrangeiro, em que dias, com que duração, ….
Invoca o A. que todas a remunerações pagas ao autor a título de trabalho extraordinário correspondem a trabalho extraordinário efectivamente prestado e não a uma compensação pelo não pagamento do subsídio previsto na Cláusula 74ª, do CCTV, tendo a R. como desculpa para o seu incumprimento o facto de pagar ao autor trabalho extraordinário. Cumpre reflectir quer a R. não afasta aquela invocação, conforme sobredito.
Em suma, pretende a R. que efectuou o A. pagamentos mais favoráveis que os legalmente impostos, todavia a R. não demonstra tal conclusão.
O facto de os recibos reflectirem o pagamento ao A. de ajudas de custo, não permite concluir que o pagamento àquele título pagava efectivamente o prémio TIR ( ou também o pagamento do prémio TIR) ou que quando nos recibos estão espelhados pagamentos por horas extraordinárias, não podemos inferir que os mesmos pagavam a referida Cláusula 74º ( ou que cobriam também tal cláusula).
Nada pois, e sem qualquer outra prova, nos permite concluir que todas as retribuições pagas ao A. a título de trabalho extra não correspondam a trabalho extraordinário efectivamente prestado ( e não a uma compensação pelo não pagamento do subsídio previsto na Clausula 74ª, cláusula que prevê o pagamento de uma verba para compensar a deslocação do trabalhador fora do pais e não o pagamento por trabalho extraordinário).
(..)
Aqui chegados, entendemos que resulta pacífico, face a quanto antecede e aos factos provados, que o A. tem direito ao pagamento dos montantes pedidos a título de Cláusula 74ª e Prémio TIR, entendendo-se que as contras apresentadas pelo A. a este título se encontram regularmente calculadas.
Assim, ao abrigo da Cláusula 74ª do já referido CCTV supra, tinha o direito a receber um subsídio correspondente a 2 (duas) horas de trabalho extraordinário, que é o valor correspondente a 2 horas de trabalho suplementar, e que no caso do autor, ( cfr. número 7 da sobredita Cláusula 74ª determina um valor de referência para o subsídio) se calcula em €10,38, por cada dia, por se encontrar no regime de trabalho para os trabalhadores deslocados no estrangeiro e vulgarmente conhecido no meio por “Cláusula 74ª”. Como a R. não demonstrou que pagou tal subsídio ao autor, sendo que o subsídio em causa deve ser pago em relação a todos os dias do ano e é devido pelos 9 (nove) anos e 9 (sete) meses e 6 (seis) dias, em que o autor prestou trabalho à ré, deve a R. ao autor, aquele subsídio previsto na Cláusula 74ª do CCTV para o sector, no total de 3564 dias, a esse título, acrescido de subsídios de férias vencidos, no valor total de €40.108,32.
No que concerne ao Prémio TIR, entendemos que as contas apresentadas pelo trabalhador se encontram correctas, tendo pois o A. direito àqueles valores, pois que, ao abrigo do sobredito irct, o autor tinha o direito a receber um prémio TIR, mensal e com o subsídio de férias, no valor de €105,75 mensais, sendo a R. devedora a este título, do montante de, incluindo os subsídios de férias, €13.324,50.
(..)».
Discorda a Ré do decidido, argumentando, no essencial, o seguinte:
- Logrou demonstrar que as rubricas auferidas pelo autor, por comparação aos valores mínimos previstos na Convenção Coletiva, beneficiaram o Recorrido, resultando tal dos recibos de vencimento e da tabela que consta da Contestação (cfr. artigo 47.º), a qual foi parcialmente dada como provada.
- O motorista que efetue transporte internacional, como é o caso do Recorrido, não poderá, ao abrigo do disposto n.º 8 da Cláusula 74.ª, auferir, simultaneamente, o montante devido pela Cláusula 74.ª/7 e trabalho suplementar prestado em dias úteis, dado aquele pagamento excluir este.
- É entendimento assente da jurisprudência que o montante devido por via da Cláusula 74.ª/7, tratando-se de uma retribuição complementar destinada à compensação e à disponibilidade para a prestação do trabalho no estrangeiro, fazendo parte da retribuição, não se encontra relacionado com a efetiva realização de trabalho suplementar.
- A jurisprudência é dominante na possibilidade de alteração da retribuição por acordo entre as partes na relação laboral, ou mesmo unilateralmente, pela Entidade Empregadora, desde que daí resulte um regime mais favorável para o trabalhador.
- Não obstante, o Tribunal “a quo” considerar que a Recorrente não logrou provar que a referida alteração foi acordada com o trabalhador, a jurisprudência dominante nesta matéria refere que tal alteração poderá ocorrer unilateralmente, sendo certo que tal alteração terá de ser no sentido mais favorável ao trabalho, como se logrou demonstrar.
- Para a substituição dos direitos pecuniários previstos na convenção coletiva, basta que, no caso concreto, se verifique ser mais favorável ao trabalhador, não sendo necessário o seu acordo expresso, sendo suficiente que o trabalhador o aceite, como se verificou.
Por seu turno, o recorrido pugna pela manutenção do decidido, defendendo, também no essencial, o seguinte:
- Não tendo a ré/recorrente provado que os valores pagos a título de trabalho suplementar eram efectuados em substituição da cláusula 74ª, n.º 7, e não pelo trabalho suplementar efetivamente prestado, o Tribunal a quo não poderia ter julgado de modo diverso ao que fez;
- A ré/recorrente alega que sempre pagou o prémio TIR aos seus motoristas, sendo que, nos recibos de vencimento, esses valores eram imputados às rubricas “Despesas (…)”, mas não ilidiu a alegação do autor/recorrido, que sempre afirmou que os valores que lhe eram pagos a título de despesas, nacionais e internacionais, eram de facto despesas ao serviço da ré/recorrente, mas que nada tinham a ver com o Prémio TIR;
- Se a Ré nada temia por ter pago sempre todos os créditos devidos aos seus trabalhadores, por que razão precisava de incluir a cláusula IV na proposta de aditamento ao contrato de trabalho.
II.3.2 Importa começar por determinar o direito substantivo aplicável e relevante para a apreciação das questões objecto do recurso.
A relação laboral entre autor e ré iniciou-se em Fevereiro de 2008, logo, estando ainda em vigor o pretérito Código do Trabalho de 2003, e subsistiu até 6 de Outubro de 2017, em plena vigência do actual Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro [com início de vigência no 5.º dia após a sua publicação, por não ter sido fixado dia para a entrada em vigor, isto é, a 17 de Fevereiro (art.º 2.º 1 e 2, da Lei n.º 74/98, de 11 Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 26/2006, de 30 de Junho)].
As dúvidas sobre a norma aplicável em caso de alteração de um particular regime jurídico encontram, em regra, solução no próprio ordenamento jurídico. Como refere BAPTISTA MACHADO, «os problemas de sucessão de leis no tempo suscitados pela entrada em vigor de uma LN [lei nova] podem, pelo menos em parte, ser directamente resolvidos por esta mesma lei, mediante disposições adrede formuladas, chamadas “disposições transitórias”» [Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, pp. 229-231].
A Lei n.º 7/2009 contém normas transitórias que delimitam a vigência do Código do Trabalho revisto quanto às relações jurídicas subsistentes à data da respectiva entrada em vigor, cabendo, pois, recorrer aos critérios sobre aplicação da lei no tempo enunciados naquelas normas.
No que ao caso importa cabe atender ao n.º 1 do artigo 7.º da referida Lei, onde se dispõe o seguinte:
[1] Sem prejuízo do disposto no presente artigo e nos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho aprovado pela presente lei os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou adoptados antes da entrada em vigor da referida lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento.
A norma corresponde ao art.º 8.º n.º1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do trabalho de 2003, que por sua vez já tinha correspondência no art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, diploma que aprovou o pretérito regime jurídico do contrato individual de trabalho, usualmente designado por LCT.
Em qualquer dessas normas acolhe-se o regime comum de aplicação das leis no tempo contido no artigo 12.º do Código Civil, isto é, “(..) o princípio tradicional da não retroactividade das leis, no sentido de que elas só se aplicam para futuro. E mesmo que se apliquem para o passado – eficácia rectroactiva – presume-se que há a intenção de respeitar os efeitos jurídicos já produzidos”. Prevenindo o n.º2, “em primeiro lugar, os princípios legais relativos às condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos, ou referentes aos seus efeitos. Assim, por exemplo, as condições de validade de um contrato (capacidade, vícios de consentimento, forma, etc), bem como os efeitos da respectiva invalidade, têm de aferir-se pela lei vigente ao tempo em que o negócio foi celebrado. (..) Se, porém, tratando-se do conteúdo do direito, for indiferente o facto que lhe deu origem, a nova lei já é aplicável (..)» [Pires de Lima e Antunes varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 1987, pp. 61].
Por conseguinte, quanto à questão de saber se era admissível a alteração da estrutura remuneratória prevista no IRCT e se de facto tal ocorreu em termos vantajosos para o autor, como reclama a recorrente, caberá atender ao Código do trabalho de 2003.
Por outro lado, cumpre atender ao contrato colectivo de trabalho celebrado entre a ANTRAM - Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a FESTRU - Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários Urbanos, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 9, de 8 de Março de 1980, com a revisão publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 16, de 29 de Abril de 1982, que as partes reconhecem como aplicável à relação laboral que as vincula, pese embora não se encontre demonstrada a filiação de cada uma delas na respectiva associação subscritora daquele instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, mas dado a mesma ser sempre aplicável por força das diversas Portarias de Extensão (PE), designadamente a publicada no BTE, 1ª série, n.º 33, de 8 de Setembro de 1982, atendendo à actividade desenvolvida pela Ré, bem como às funções desempenhadas pelo autor ao seu serviço.
A cláusula 74.ª da CCTV aplicável, com a epígrafe “Regime de trabalho para os trabalhadores deslocados no estrangeiro”- introduzida nas alterações ao CCTV publicadas no BTE n.º 16 de 29 de Abril de 1982, não constando do diploma original (publicado no BTE n.º 9 de 8/03/0980)-, estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
1. Para que os trabalhadores possam trabalhar nos transportes internacionais rodoviários de mercadorias deverá existir um acordo mútuo para o efeito. No caso do trabalhador aceitar a empresa tem de respeitar o estipulado nos números seguintes.
(..)
7. Os trabalhadores têm direito a uma retribuição mensal que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia.
8. A estes trabalhadores, de acordo com o estabelecido no número anterior, não lhes é aplicável o disposto nas cláusulas 39.ª (Retribuição de trabalho nocturno) e 40.ª (Retribuição de trabalho extraordinário).
No acórdão do STJ de 17-12-2009 [proc.º 949/06.7TTMTS.S1, Conselheiro Sousa Grandão, disponível em www.dgsi.pt], explica-se o sentido e alcance desta cláusula, nos termos seguintes:
«(..)
Como se vê, a cláusula em análise começa por pressupor um acordo mútuo entre as partes no sentido de que o motorista possa trabalhar nos transportes internacionais rodoviários de mercadorias (n.º 1) e, uma vez aceite essa possibilidade por banda do trabalhador, fica a entidade patronal obrigada a pagar-lhe “… uma retribuição mensal … não inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia”.
Tem este Supremo Tribunal vindo a entender, pacífica e reiteradamente, que a enunciada “retribuição” se destina a compensar o trabalhador pela maior penosidade e risco decorrentes da possibilidade de desempenho de funções no estrangeiro, certo que esse desempenho “… implica uma prestação de trabalho extraordinário de difícil controlo, não dependendo, pois, de uma efectiva prestação deste tipo de trabalho – extraordinário”, conforme se observa no Acórdão desta secção de 12/09/2007, na revista n.º 1803/07.
“Trata-se [discorre, logo a seguir, o mesmo Aresto], enfim, de uma «retribuição» complementar destinada à indicada compensação e à disponibilidade para uma tal prestação de trabalho, e que faz parte da retribuição global, cabendo no conceito legal de retribuição, não tendo a ver com a realização efectiva de trabalho extraordinário, aproximando-se da figura da compensação, ou «retribuição estabelecida» aos trabalhadores em geral pela isenção de horário de trabalho…”.
É dizer que o direito à falada compensação não exige um efectivo e ininterrupto desempenho de funções no estrangeiro, bastando a vinculada disponibilidade do trabalhador para esse efeito».
A reiteração deste entendimento é reafirmada no mais recente acórdão de 24-02-2015 [Proc.º 365/13.4TTVNG.P1.S1, Conselheiro Gonçalves Rocha, disponível em www.dgsi.pt], em termos elucidativos, em cuja fundamentação, na parte que aqui interessa, pode ler-se o seguinte:
- «(..)
Consagrou-se portanto no seu n.º 7 o direito dos trabalhadores dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias, deslocados no estrangeiro, a uma retribuição mensal que não pode ser inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia.
Sobre a natureza jurídica deste direito tem a jurisprudência entendido, com foros de consensualidade, que se trata de uma retribuição especial que tem por objectivo compensar aqueles trabalhadores pela maior penosidade e esforço que lhes é exigido pelo desempenho de tal actividade, prestada em condições de grande isolamento por, normalmente, terem de trabalhar sozinhos e longe do respectivo agregado familiar e do seu círculo de amigos.
E assim se firmou doutrina no sentido de que é devida em relação a todos os dias do mês, independentemente da prestação efectiva de qualquer trabalho, acrescendo à retribuição de base que é devida. Mas não pressupõe uma efectiva prestação de trabalho extraordinário, pelo que, e revestindo carácter regular e permanente, integra a retribuição.
Foi esta a posição do acórdão deste Supremo Tribunal com o nº7/2010 (publicado no DR, 1ªsérie, de 9.7.2010) donde se colhe que “[A] retribuição mensal prevista no nº7 da cláusula 74ª, do contrato colectivo de trabalho celebrado entre a ANTRAM – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e FESTRU – Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários Urbanos, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ªsérie, nº9, de 8 de Março de 1980, e no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ªsérie, nº16, de 29 de Abril de 1982, tendo como base mínima de cálculo o valor equivalente a duas horas extraordinárias, é devida em relação a todos os dias do mês do calendário”.
Para tanto argumentou-se que “[A] especial característica de retribuição mensal, supra-assinalada, de compensação de uma acordada disponibilidade, tornando-a alheia à efectiva prestação de trabalho extraordinário, não tem qualquer ligação com o período normal de trabalho, que compreende os dias úteis do mês; por outro lado, diversamente da remuneração por trabalho extraordinário, é uma atribuição patrimonial regular que radica na possibilidade do exercício da actividade em particulares condições de penosidade e risco, e não em situações excepcionais referidas ao tempo normal de trabalho. O elemento sistemático, assente nos distintos regimes, correspondentes às distintas características da retribuição mensal especial e da remuneração por trabalho extraordinário, aponta, por conseguinte, no sentido da primeira, apesar de ter como base mínima pecuniária de cálculo o mesmo valor diário da última, nada mais ter em comum com esta (…)”.
Seguiu-se portanto a doutrina que já vinha do acórdão deste Supremo Tribunal de 05.02.2009 – proferido no processo 08S2311 e publicado em www.dgsi.pt – onde se decidiu que “A retribuição especial prevista no nº7 da cláusula 74ª do CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU” (…) “destina-se a compensar o trabalhador pela maior penosidade e risco decorrentes da possibilidade de desempenho de funções no estrangeiro, certo que esse desempenho implica uma prestação de trabalho extraordinário de difícil controlo, não dependendo, pois, de uma efectiva prestação deste tipo de trabalho extraordinário. Assim, o direito à aludida compensação não exige um efectivo e ininterrupto desempenho de funções no estrangeiro, bastando a vinculada disponibilidade do trabalhador para esse efeito”.
Trata-se pois duma retribuição mensal, paga em relação a 30 dias, haja ou não prestação de trabalho, e que se destina a compensar o trabalhador pela sua disponibilidade para desempenhar funções como motorista de transportes internacionais.
Efectivamente, e conforme advém do nº 1 da cláusula em causa, para que os trabalhadores tenham que exercer essas funções no serviço dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias tem que haver um acordo prévio das partes nesse sentido. E no caso daqueles aceitarem, a retribuição consagrada no seu nº 7 constitui a contrapartida por esta disponibilidade para exercerem funções em condições mais penosas do que se fossem exercidas no país, face ao isolamento em que são, normalmente, efectivadas.
Doutro modo, também advêm benefícios para a empresa, pois a estes trabalhadores não é devido o acréscimo de 25% pela prestação de trabalho nocturno estabelecido na cláusula 39ª, nem qualquer outra retribuição por trabalho extraordinário eventualmente prestado, conforme clausulado no nº 8.
Concluímos portanto que se trata duma retribuição especial devida pelas empresas do sector aos seus trabalhadores que aceitem exercer funções nos transportes internacionais, nada tendo a ver com o pagamento de qualquer trabalho suplementar prestado para além do seu horário de trabalho».
Estando provado que o Autor foi contratado para exercer as funções de motorista nos transportes internacionais rodoviários de mercadorias e que as desempenhou ao longo da relação laboral, é forçoso concluir, tal como entendeu o Tribunal a quo, que lhe assistia o direito àquela prestação retributiva, em montante não inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia, independentemente das concretas deslocações ao estrangeiro.
Mais, como também foi entendido, nos termos do CCVT, o autor tem também direito a uma retribuição mensal, paga a título de subsídio de deslocação ao estrangeiro, designado, vulgarmente por Prémio TIR.
De resto, a Ré não discordou do direito do autor a essas prestações, tendo-o admito na contestação.
O que veio dizer é que praticava um esquema remuneratório mais favorável ao autor, por acordo com este, que nunca contra tal se insurgiu na pendência da relação laboral, propondo-se demonstrar através do quadro que incluiu no artigo 47.º da contestação, dado como provado no facto 21, que os pagamentos efectuados ao autor eram superiores àqueles que auferiria se apenas fosse pago nos termos previstos na CCTV. Alegando ainda, que essa alteração pode ter lugar mesmo unilateralmente, pela Entidade Empregadora, desde que daí resulte um regime mais favorável para o trabalhador.
No essencial, é justamente essa a posição que vem reiterar, assente no pressuposto de que logrou demonstrar que as rubricas auferidas pelo autor, por comparação aos valores mínimos previstos na Convenção Coletiva, beneficiaram-no, resultando tal dos recibos de vencimento e da tabela que consta da Contestação, a qual foi parcialmente dada como provada.
Conforme se sintetiza no sumário do já citado Acórdão do STJ de 17-12-2009:
X - A Jurisprudência constante deste Supremo Tribunal evidencia que a entidade patronal, por regra, não pode unilateralmente modificar o sistema retributivo dos seus trabalhadores, no que concerne aos elementos que derivam de lei ou dos instrumentos de regulamentação colectiva.
XI - Apesar disso, nada impede que tal retribuição seja alterada por acordo entre as partes contratantes, ou mesmo unilateralmente, através de um compromisso vinculativo para a entidade patronal, desde que daí resulte um regime mais favorável para o trabalhador, sendo que a prova dessa favorabilidade compete ao empregador (art. 342.º, n.º 2, do CC).
À data da celebração do contrato em causa vigorava, como se mencionou inicialmente o CT/03, relevando aqui o seu art.º531 do CT, dispondo que “[A]s disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador e se daqueles disposições não resultar o contrário”.
De referir que o actual Código do Trabalho não diverge dessa solução, consagrando-a em termos idênticos no art.º 476º.
Acompanhando-se o entendimento acima referido e tendo em conta aquela disposição legal, aceita-se, como princípio, a posição defendida pela recorrente no sentido de ser admissível a alteração do sistema retributivo devido ao autor, por acordo entre este e a Ré, ou mesmo unilateralmente, mas dependendo a sua validade, em qualquer dos casos, de um resultado mais favorável àquele.
Foi nesse pressuposto, ou seja, acolhendo igualmente este entendimento, que o tribunal a quo enfrentou a questão em apreciação.
Certo é, que o ónus de alegação e prova desse resultado mais favorável recaía sobre a Recorrente (art.º 342.º, n.º 2, do CC).
Precisamente por isso, não é despiciendo relembrar que nos termos do disposto no n.º1 do art.º 5.º do CPC, [Às] partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles que se baseiam as excepções invocadas”.
Vale isto por dizer, que se porventura o alegado esquema retributivo mais favorável aos trabalhadores e, em concreto, ao autor, tinha por base uma correspondência entre determinadas rubricas que lhes eram pagas e a cláusula 74.ª e o prémio TIR, ambas prestações retributivas estabelecidas no IRCT aplicável, então deveria a Ré ter feito essa alegação em termos concretos e precisos no seu articulado, dado tratar-se de matéria de excepção ao direito invocado pelo autor. Em suma, de acordo com as regras gerais sobre a repartição do ónus de prova, ao autor cabia alegar a relação de trabalho com a ré e o exercício da actividade de motorista de transportes internacionais, enquanto factos constitutivo do direito a ser pago nos termos previstos no IRCT aplicável, nomeadamente, a título de cláusula 74.ª e prémio TIR; em contraponto, sobre a Ré recaia o ónus de alegar e provar os factos necessários, concretos e precisos, que caracterizavam o alegado esquema retributivo mais favorável, enquanto defesa por excepção (art.º 342.º 1 e 2, do CC).
Importando também assinalar que na alegação constante da contestação, designadamente no art.º 47.º, a recorrente estava então a referir-se globalmente a todas as prestações reclamadas pelo autor, nomeadamente, a título de diuturnidades, cláusula 74.ª /7 e prémio TIR, sem cuidar de explicar concreta e precisamente em que termos estava estruturado o alegado esquema remuneratório acordado entre as partes e mais favorável, nem tão pouco, quando, como e em que termos acordou essa alteração com o autor. Limitou-se a dizer (art.º 47.º) que “(..) o Autor auferiu, desde o início da relação laboral, em fevereiro de 2008 até outubro de 2017, os seguintes montantes (vide recibos de vencimento que aqui se juntam como documentos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12), através da comparação infra é possível demonstrar que o sistema retributivo acordado com o trabalhador era mais favorável para este”, imediatamente a seguir inserindo o quadro com a menção dos valores pagos ao autor anualmente e a que título, que foi considerado provado no facto 21.
Não se provou que tenha havido o alegado acordo de alteração do sistema retributivo previsto na CTV aplicável, nem do facto provado 21 pode extrair-se essa conclusão. Concorda-se, pois, com o Tribunal a quo conclui que “a R. não conseguiu provar que, como alega, efectuou o pagamento da “ Cláusula 74 ” e “Prémio TIR” sob outras denominações e por acordo com o A., sendo que tal sistema o favorecia”.
Não obstante, como resulta do que se disse, ainda assim subsistia a possibilidade de alteração unilateral por parte da Ré, mas dependendo a sua validade de um resultado mais favorável para o autor.
Entendeu o Tribunal a quo que [O] facto de os recibos reflectirem o pagamento ao A. de ajudas de custo, não permite concluir que o pagamento àquele título pagava efectivamente o prémio TIR ( ou também o pagamento do prémio TIR) ou que quando nos recibos estão espelhados pagamentos por horas extraordinárias, não podemos inferir que os mesmos pagavam a referida Cláusula 74º ( ou que cobriam também tal cláusula)”, para depois concluir que “[N]ada pois, e sem qualquer outra prova, nos permite concluir que todas as retribuições pagas ao A. a título de trabalho extra não correspondam a trabalho extraordinário efectivamente prestado ( e não a uma compensação pelo não pagamento do subsídio previsto na Clausula 74ª, cláusula que prevê o pagamento de uma verba para compensar a deslocação do trabalhador fora do pais e não o pagamento por trabalho extraordinário)”.
É nesta consideração que o Tribunal a quo entendeu serem devida ao autor as retribuições reclamadas a título de cláusula 74.ª/7 e prémio TIR.
Pois bem, quanto a esta última prestação retributiva concordamos com o Tribunal a quo. Com efeito, não se retira dos factos provados, nomeadamente do n.º 21, que qualquer pagamento, sob as rubricas ai mencionadas, tivesse por finalidade ser um substituto do prémio TIR; e, se assim é, muito menos pode aferir-se, se porventura tal tem correspondência com a realidade, que no cômputo final o resultado fosse mais favorável ao autor, proporcionando-lhe receber mais do que receberia se fosse paga a quantia mensal prevista no IRCT a título de prémio TIR.
Mas já não acompanhamos a sentença quanto ao decidido a propósito da quantia reclamada a título da cláusula 74.ª/7, pese embora também entendamos estar demonstrado que houve um pagamento mais favorável que possa relacionar-se directamente com esta prestação e ser entendido como alternativo ou substitutivo. Passamos a justificar esta posição.
Flui do facto provado no facto 21 que a Ré pagou ao autor a título de trabalho suplementar, em cada ano, os valores que se passam a discriminar abaixo, num total de €39 811,32.
- 2008: 3.137,88;
- 2009: 4.104,50;
- 2010: 5.101,01;
- 2011: 4.987,63;
- 2012: 5.928,30;
- 2013: 3.217,38;
- 2014: 3.330,53;
- 2015: 3.783,01;
- 2016: 3.799,08;
- 2017: 2.422,00.
Resulta, ainda, que nos mesmos anos a R. pagou também ao autor trabalho suplementar prestado em dias feriados e em fins-de-semana, os valores anuais perfazendo um total de 7 425,00, conforme segue:
- 2008: 825,00
- 2009: 625,00
- 2010: 800,00
- 2011: 575,00
- 2012: 925,00
- 2013: 550,00
- 2014: 750,00
- 2015: 875,00
- 2016: 1 075,00
- 2017: 425,00
Como resulta do entendimento firmado na jurisprudência considera-se que a prestação retributiva devida a título de cláusula 74.ª/7, destina-se a “a compensar o trabalhador pela maior penosidade e risco decorrentes da possibilidade de desempenho de funções no estrangeiro, certo que esse desempenho “… implica uma prestação de trabalho extraordinário de difícil controlo aproximando-se da figura da compensação, ou «retribuição estabelecida» aos trabalhadores em geral pela isenção de horário de trabalho…”.
De outro passo, entende-se igualmente, que o seu pagamento não pressupõe a efectiva prestação de trabalho extraordinário.
Mas para além disso, atenta a finalidade deste pagamento considerado na sua globalidade, entende-se que do estabelecido na cláusula 74.ª/7, “também advêm benefícios para a empresa, pois a estes trabalhadores não é devido o acréscimo de 25% pela prestação de trabalho nocturno estabelecido na cláusula 39ª, nem qualquer outra retribuição por trabalho extraordinário eventualmente prestado, conforme clausulado no nº 8”.
Não tem, pois, razão o recorrido quando vem defender nas suas contra-alegações, reproduzindo o que já dissera na Petição Inicial, que o estabelecido na Cláusula 74.ª/7, significa apenas “que caso o trabalhador faça 2 (duas) horas de trabalho suplementar ao fim de um dia de trabalho (mesmo que sejam prestadas durante o horário noturno) não tem direito a ser pago com os acréscimos retributivos previstos nas identificadas cláusulas 39ª e 40ª”, ou seja, como depois conclui, não “quer significar que caso o trabalhador preste efetivamente trabalho suplementar, em quantidade superior a essas 2 (duas) horas, essas horas prestadas em acréscimo não lhe devam ser pagas”.
Com o devido respeito, não se retira da conjugação dessas normas que a previsão da cláusula 74.º /7, tenha em vista essa limitação temporal.
Na nossa perspectiva, pode dizer-se é que não abrange todo e qualquer trabalho prestado que se reconduza à noção de trabalho suplementar. Referimo-nos, em concreto, ao trabalho que seja prestado em dias feriados ou em dias de descanso semanal ou complementar, que integra também o conceito de trabalho suplementar na medida em que vai para além do que é normalmente, ou em regra, exigível ao trabalhador como contrapartida da retribuição mensal.
Melhor explicando, no CCTV em causa, conforme estabelecido na Cláusula 41.ª/1, “[O] trabalho prestado em dias feriados ou dias de descanso semanal ou complementar é pago com o acréscimo de 200%”.
Ora, o n.º8, da cláusula 74.ª, não contém qualquer referência à Cláusula 41./1.ª, estabelecendo apenas que “A estes trabalhadores, de acordo com o estabelecido no número anterior, não lhes é aplicável o disposto nas cláusulas 39.ª (Retribuição de trabalho nocturno) e 40.ª (Retribuição de trabalho extraordinário)”.
Daí consideramos que o trabalho suplementar prestado em dias feriados ou em dias de descanso semanal ou complementar não está coberto pela cláusula 74.º 7, assistindo ao trabalhador motorista de transportes rodoviários internacionais o direito a ser pago pela sua prestação, mesmo quando sejam pagos nos termos previstos naquela cláusula.
O autor veio alegar que os valores que lhe foram pagos a título de trabalho suplementar tiveram correspondência na efectiva prestação de horas de trabalho prestadas nessas condições, não reclamando a esse título qualquer crédito. Mas concomitantemente, entende ser-lhe devido e pretende ser pago de todas as prestações mensais vencidas e que lhe eram devidas a título de cláusula 74.º/7, no montante de €40.108,32.
Pedido que o tribunal a quo acolheu, mas como já afirmámos, sem que mereça a nossa concordância. Seguem-se as razões.
Assumindo-se que os motoristas de transportes rodoviários internacionais ao terem direito à prestação retributiva prevista cláusula 74.ª /7 do CCTV, deixam de ter direito ao pagamento do trabalho suplementar prestado em dias normais de trabalho (embora não seja essa a única e exclusiva finalidade da cláusula), cumpriria indagar se os valores que foram pagos pela Ré ao autor a esse título importaram num valor global superior ao que receberia se lhe tivesse sido paga aquela prestação, para se equacionar a possibilidade de se considerar estar-se perante uma alteração à estrutura salaria prevista na CCTV, no que a essa prestação respeita, mais favorável ao autor.
Foi essa a posição defendida pela ré e que o autor logo à partida quis rebater.
No caso, colocando-se a questão após a cessação do contrato de trabalho, essa aferição dever ser feita atendendo aos valores que foram pagos pela Ré ao autor a título de trabalho suplementar prestado em dias normais ao longo da relação laboral, ou seja, como demonstrado, €39.811,32, em confronto com os que lhe eram devidos no mesmo período temporal a título da prestação prevista na cláusula 74.ª/7, em concreto, €40.108,32, montante pedido pelo autor, sem que a correcção desse cálculo tenha sido questionada pela Ré, e reconhecido pelo tribunal a quo.
Assim, verificando-se que os valores pagos são em montante inferior ao que seria devido àquele título, fica imediatamente afastada a possibilidade de se considerar que esses pagamentos foram mais favoráveis e, logo, excluída a necessidade de qualquer outra análise. Daí que, embora analisando a questão noutra perspectiva, concluamos tal como o Tribunal a quo não ter a Ré demonstrada a alegada prática de esquema remuneratório mais favorável ao autor, ainda que por decisão unilateral da Ré.
Mas essa constatação significará, sem mais, que ao autor assiste o direito a ser pago do reclama a título da cláusula 74.º/7, acrescendo ao que lhe foi pago a título de trabalho suplementar prestado em dias úteis?
É que se assim for, como entendeu o Tribunal a quo, está a ignorar-se que se a ré tivesse cumprido integralmente o esquema remuneratório estabelecido no CCTV, pagando ao autor as quantias devidas a título de cláusula 74.ª/7, este não teria o direito a receber o pagamento daquele trabalho suplementar, isto é, o valor total de €39.811,32.
Ora, é entendimento do Supremo Tribunal, há muito pacificamente firmado, que a alteração de alguma das componentes remuneratórias convencionalmente acordadas e previstas em CCT, seja por acordo entre os outorgantes, seja unilateralmente pelo empregador, é nula, por afrontar norma imperativa (no caso o art.º 531.º do Código do Trabalho/2003), a não ser que este prove que o sistema praticado resulta, a final, mais favorável ou vantajoso para o trabalhador. Nulidade que pode ser conhecida e declarada oficiosamente pelo tribunal.
Esse entendimento é sintetizado no sumário do Acórdão do STJ de 27-06-2012 [proc.º 248/07.7TTVIS.C1.S1, Conselheiro Fernandes da Silva, disponível em www.dgsi.pt], nos termos seguintes:
«(..)
IV - A remuneração correspondente à Cláusula 74.ª, n.º 7, do CCTV subscrito pela ANTRAM – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e FESTRU – Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários Urbanos e publicado no BTE n.º 9, de 8 de Março de 1980, e no BTE n.º 16, de 29 de Abril de 1982, é componente da retribuição, sendo devida em relação a todos os dias do mês do calendário.
V - É nula, por afrontar norma imperativa, a alteração de alguma das componentes remuneratórias convencionalmente acordadas e previstas em CCT, seja por acordo entre os outorgantes, seja unilateralmente pelo empregador, a não ser que este prove que o sistema praticado resulta, a final, mais favorável ou vantajoso para o trabalhador.
VI - Essa nulidade pode ser conhecida e oficiosamente declarada pelo tribunal, e tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, não estando essa declaração de nulidade condicionada à formulação, para esse efeito, de pedido reconvencional.
VII - Decretada oficiosamente a nulidade, com a reposição integral do regime remuneratório do CCT, e não sendo possível quantificar as despesas efectuadas pelo trabalhador, por falta de elementos, há que proferir condenação no que vier a ser posteriormente liquidado (art. 661.º, n.º 2 do CPC)».
Para ficarmos melhor elucidados sobre esta doutrina, recorrendo à fundamentação desse aresto, a esse propósito e no que aqui releva, afirma-se o seguinte:
- «(..) como é entendimento deste Supremo Tribunal, há muito pacificamente firmado, a alteração de alguma das componentes remuneratórias convencionalmente acordadas e previstas em CCT, seja por acordo entre os outorgantes, seja unilateralmente pelo empregador, é nula, por afrontar norma imperativa (no caso o art. 14.º do Regime Jurídico das Relações Colectivas de Trabalho – Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, em vigor à data da celebração do contrato de trabalho sujeito – com disciplina homóloga nos arts. 4.º, n.ºs 1 e 3, 114.º/2 e 531.º do Código do Trabalho/2003), a não ser que este prove que o sistema praticado resulta, a final, mais favorável ou vantajoso para o trabalhador.
(..)
Essa nulidade decorre do disposto nos arts. 280.º/1 e 294.º do Cód. Civil e, podendo ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado, pode ser conhecida e oficiosamente declarada pelo Tribunal, 'ut' art. 286.º da mesma Codificação.
A declaração de nulidade tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente – art. 289.º/1 do mesmo Cód. Civil.
(..)
A nulidade com que nos confrontamos, (não constando embora de demonstrado acordo das partes, mas resultando unilateralmente da iniciativa do empregador – ‘Aos actos jurídicos que não sejam negócios jurídicos são aplicáveis, na medida em que a analogia das situações o justifique, como é manifestamente o caso, as disposições do capítulo precedente’, 'ut' preceituado no art. 295.º do mesmo Cód. Civil), é a da prática/implementação de uma alteração da grelha retributiva contrária à Lei, por afastamento, no contrato individual, do adrede convencionado na regulamentação colectiva, sem a prova de que esse desvio, pela via alternativa do pagamento ao km., redundasse em vantagem para o destinatário/trabalhador.
As consequências da declaração (oficiosa) de nulidade – que ora se proclama – decorrem da própria previsão legal que prevê a respectiva cominação. São um seu efeito inevitável: deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado.
Como se decidiu nos Acórdãos deste Supremo Tribunal de 14.3.2006 e de 23.1.2008 – em cuja fundamentação nos louvamos, porque consentânea, e a cujos termos nos reportamos (Rec. n.º 1377/05 e Proc. 07S2186, ambos da 4.ª Secção, respectivamente, este in www.dgsi.pt), indo igualmente nesse sentido o proficiente Parecer da Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta produzido nos Autos a fls. 1668 – a declaração oficiosa de nulidade implica não apenas a aplicação do regime convencional indevidamente preterido, como também a restituição de tudo o que tiver sido prestado.
Em conformidade com a bondade da referida fundamentação, expendida nos sobreditos Arestos – um e outro versando o tratamento de casos com manifestas afinidades com o que ora nos toma –, decretada oficiosamente a nulidade, impõe-se extrair daí, como consequência, o reconhecimento do direito do A. ao reembolso das despesas com as refeições, nos termos convencionados na cl.ª 47.ª-A do CCT aplicável, com restituição das quantias já recebidas pelo trabalhador a esse título, sob as diversas rubricas acima referidas, mantendo-se a condenação da R. no pagamento da retribuição devida de acordo com a convencionada previsão da cl.ª 41.ª do dito CCT (trabalho em dias de descanso e feriados e descanso compensatório não gozado)».
Acolhemo-nos a este entendimento.
No caso, embora não demonstrado o alegado acordo, nem tão pouco a prática por decisão unilateral da Ré de um esquema remuneratório mais favorável ou vantajoso para o autor, o certo é que ao longo de toda a relação laboral do autor aquela alterou a estrutura remuneratória convencionada na CCTV, pagando-lhe o trabalho suplementar efectivamente prestado, no caso relevando o que respeita aos dias úteis, ao invés de lhe pagar a prestação prevista na cláusula 74.º/7.
Aplicando os princípios expostos na fundamentação do transcrito acórdão do STJ, essa alteração da estrutura remuneratória é nula, nulidade que pode ser conhecida e declarada oficiosamente por este Tribunal de recurso. A nulidade, que desde já afirmamos declarar, tem efeito rectroactivo, por isso devendo ser restituído tudo o que tiver sido recebido pelo autor por essa via de pagamento, em concreto €39 811,32. Mas de outro passo, há que reconhecer-lhe o direito ao pagamento das quantias devidas a título de cláusula 74.ª/7, que se apurou terem o valor global de €40.108,32.
Estando devidamente determinados os valores a restituir pelo autor e a serem-lhe pagos pela Ré, não se coloca aqui a necessidade de remeter para liquidação de sentença, sendo possível apurar o valor que, feito o encontro entre ambos, assiste ao autor o direito a receber, em concreto, €297,00 [€40.108,32 - €39.811,32].
É essa a decisão que cumpre proferir.
Concluindo, quanto a esta questão procede parcialmente o recurso, ainda que com fundamentação diversa, cabendo alterar a sentença recorrida.
Quanto ao demais objecto do recurso, nomeadamente no que concerne ao prémio TIR, não existem fundamentos para alterar a sentença, mantendo-se o decidido.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência:
1 - Declara-se nula a alteração do regime convencionado na cl.ª 74.ª/7, do CCTV entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 9, de 8 de Março de 1980, com a revisão publicada no BTE 1.ª série, n.º 16, de 29 de Abril de 1982, devendo o autor restituir à Ré o valor de €39.811,32 (que por esta lhe foi pago pelo trabalho suplementar prestado em dias úteis); e, condenando-se a recorrente ré a pagar-lhe o valor de €40.108,32, valor global das quantias devidas a título de cláusula 74.ª/7.
1.1- Feita a dedução do valor a ser restituído pelo autor ao montante a ser-lhe pago pela Recorrente, vai esta condenada no pagamento de €297,00.
2 – No mais, nomeadamente no que concerne ao prémio TIR, mantém-se a sentença recorrida.

Custas da acção e do recurso, a serem suportadas pela recorrente e pelo recorrido na proporção do respectivo decaimento (art.º 527.º 2, CPC).

Porto, 10 de Julho de 2019
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira