Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1789/16.0T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
EXECUÇÃO
FALTA DE PAGAMENTO
CONTRIBUÍÇÕES
CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS ADVOGADOS E SOLICITADORES
Nº do Documento: RP201804111789/16.0T8MAI.P1
Data do Acordão: 04/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º672, FLS.236-239)
Área Temática: .
Sumário: O juízo de execução é incompetente em razão da matéria para uma ação executiva para pagamento de quantia certa instaurada pela Caixa de Previdência B… contra um seu beneficiário, com base em certidão de dívida por si emitida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 1789/16.0T8MAI.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
A Caixa de Previdência B… intentou a presente execução para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, contra C…, alegando o seguinte:
1. O executado, sendo advogado de profissão, encontra-se obrigatoriamente inscrita na Caixa de Previdência B…, doravante designada B…, nos termos do disposto no artigo 29º, nº 1 do Regulamento da B…, aprovado pelo D.L. n.º 119/2015, de 29 de Junho, e anteriormente nos termos do art.º 5.º, n.º 1 da Portaria n.º 487/83, de 27 de Abril.
2. E estando inscrito na B…, o executado tem de pagar mensalmente as contribuições para a Caixa, a que se refere o artigo 79º e seguintes do Regulamento da B…, aprovado pelo D.L. nº 119/2015, de 29 de Junho (e anteriormente art.º 72.º e seguintes da Portaria n.º 487/83, de 27 de Abril, com a redacção introduzida pela Portaria n.º 884/94, de 1 de Outubro).
3. Sucede que o executado não tem pago as contribuições para a B…, a que está obrigada, devendo, neste momento, a quantia de €52.305,14, sendo €29.497,82 de contribuições em dívida e €22.807,32, a título de juros, conforme certidão de dívida emitida pela B…, de 9 de março de 2017 (Doc. 1).
4. O executado devidamente interpelada pela B… a efectuar o pagamento das contribuições em dívida, não o fez.
5. Pelo que a B… se viu forçada a recorrer aos meios judiciais para cobrar a dívida de contribuições.
6. Assim, com a presente execução, a B… pretende haver do executado a quantia de €52.035,14, acrescida dos juros moratórios, sobre o valor das contribuições em dívida, contados à taxa de 5,168% (em 2016), e nos anos subsequentes à taxa de juros que for fixada nos termos do disposto no artigo 81º, nº 4, do Regulamento da B…, aprovado pelo D.L. n.º 119/2015, de 29 de Junho, até ao integral e efectivo pagamento.
7. A certidão de dívida emitida pela Direcção da B…, de 9 de março de 2017, constitui título executivo nos termos do disposto no artigo 703º, n.º 1, alínea d), do C.P.C. e do artigo 81º, nº 5 do Regulamento da B…, aprovado pelo D.L. n.º 119/2015, de 29 de Junho.
8. Termos em que se requer a V. Exa se digne ordenar a citação do executado para pagar à B… a quantia exequenda de €52.035,14, titulada pela certidão de dívida emitida pela B… em 9 de março de 2017, acrescida dos juros moratórios vincendos, sobre o valor das contribuições em dívida, contados à taxa de 5,168% (no ano de 2016), e nos anos subsequentes à taxa de juro que for fixada nos termos do disposto no artigo 81º, nº 4 do Regulamento da B…, aprovado pelo D.L. n.º 119/2015, de 29 de Junho, até ao integral e efectivo pagamento, acrescido ainda das despesas com a presente acção, nas quais se incluem as custas judiciais e as despesas com o agente de execução, sob pena do prosseguimento da execução, seguindo-se os ulteriores termos do processo até final.

Após ter sido ordenada a citação do executado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 726º, nº 6, do C.P.C., foi proferida decisão que julgou verificada a execeção dilatória de incompetência do tribunal em razão da matéria e consequente indeferimento liminar do requerimento executivo.

Inconformada, a exequente recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1. O tribunal a quo é o competente para a decisão e tramitação deste processo executivo.
2. Pois a B…, não obstante prosseguir fins de interesse público, tem uma forte componente privatística.
3. A B… «é uma instituição de previdência autónoma, com personalidade jurídica, regime próprio e gestão privativa…» (cf. Art.º 1.º, n.º 1 do regulamento aprovado pelo Dec. Lei nº 119/2015, de 29/06) não fazendo parte do sistema público de segurança social (cf. Ilídio das Neves in Direito da Segurança Social – Princípios Fundamentais Numa Análise Prospectiva).
4. A B… não está sujeita a um poder de superintendência do Governo, mas a um mero poder de tutela (cf. artigo 97º do regulamento aprovado pelo Dec. Lei nº 119/2015, de 29/06), sendo essa tutela meramente inspetiva.
5. A B… não faz parte da administração direta ou indireta do Estado.
6. Os seus membros directivos não são designados pelo Governo, mas eleitos «pelas assembleias dos B1… e dos associados da B3…».
7. Mas, além disso, a B… não é financiada com dinheiros públicos, sejam oriundos do Orçamento do Estado ou do Orçamento da Segurança Social.
8. Pelo que a B… não deve ser qualificada como uma mera “entidade pública”.
9. As contribuições para a B… não têm natureza tributária, mais se assemelhando a contribuições para um fundo de pensões.
10. As contribuições para a B… assentam numa verdadeira relação sinalagmática entre o montante das contribuições pagas e a futura pensão de reforma a ser percebida pelo beneficiário.
11. A este facto acresce que, nos termos do disposto no art.º 80.º, n.º 4 do regulamento aprovado pelo Dec. Lei nº 119/2015, o montante das contribuições depende em exclusivo da opção e, portanto, da única vontade do beneficiário.
12. Nos termos da sentença recorrida, os tribunais administrativos e fiscais seriam os competentes para a tramitação e decisão de execução fundada em certidão de dívida reportada a contribuições para instituição de previdência.
13. Todavia, o nº 2 do artigo 148º do CPPT impõe, para que se possa fazer uso o processo de execução fiscal, no caso de «dívidas a pessoas colectivas de direito público que devam ser pagas por força de acto administrativo», que a lei estipule expressamente os casos e os termos em que o pode fazer.
14. No novo regulamento da B…, aprovado pelo Dec. Lei nº 119/2015, de 29/06, não existe norma que, de forma expressa, determine que as dívidas à B… sejam cobradas através de processo de execução fiscal a correr nos serviços de finanças
15. O que foi confirmado, já depois da entrada em vigor do novo regulamento da B…, pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) à Direcção da B….
16. E porque “não há direito sem ação”, não resta à B… outro caminho senão recorrer aos tribunais judiciais, como no presente caso, para cobrar as contribuições em dívida por parte dos seus beneficiários, isto sob pena de ficar sem tutela jurisdicional efectiva para o apontado propósito.
17. Assim a interpretação das referidas normas de modo a concluir pela incompetência do tribunal a quo acarretaria o incumprimento de preceito constitucional, constante do artigo 20º, nº 1, da CRP, que estipula que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos…»
18. Tendo em conta o princípio constitucional previsto no artigo 20º, nº 1, da CRP que dispõe que «a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos…», a interpretação conjugada da alínea o) do n.º 1 do artigo 4º do ETAF (aprovado pela Lei nº 32/2002, de 19/02) e do nº 2 do artigo 148º do CPPT, perfilhada na sentença recorrida, ou seja, de que apenas os tribunais administrativos e fiscais seriam competentes para dirimir os litígios entre a B… e os seus beneficiários, é inconstitucional por violação do disposto no art.º 20.º, n.º 1 da CRP, na medida em que, como vimos, levará a um verdadeiro “beco sem saída”, pois, a B… ficaria, dessa forma, sem possibilidade de poder cobrar as contribuições em dívida pelos seus beneficiários.
19. Pois, as dívidas à B… não poderão ser cobradas judicialmente nem nos tribunais administrativos e fiscais, nem por meio de execuções fiscais promovidas pela AT, nem por meio de execuções fiscais promovidas pela Segurança Social, por falta de norma habilitante para o efeito.
20. A sentença recorrida violou, assim, o artigo 2º, nº 2, do C.P.C; o artigo 179º, nºs 1 e 2 do NCPA e o artigo 148º, nº 2, do CPPT; o artigo 81º, nº 5, do RB…; a alínea o) do nº 1 do artigo 4º do ETAF e, além disso, a interpretação normativa extraída do referido conjunto de preceitos legais é inconstitucional por violar o artigo 20º, nº 1, da CRP.

Não houve contra-alegações.

Cumpre decidir.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do novo C.P.C.
A questão a decidir consiste em saber se o juízo de execução é o tribunal competente em razão da matéria para a ação executiva instaurada pela Caixa de Previdência B…, com base em certidão de dívida emitida por esta.

I. No plano interno, no dizer de A. Varela, «o poder jurisdicional começa por ser dividido por diferentes categorias de tribunais, de acordo com a natureza da matéria das causas.
A competência em razão da matéria distribui-se deste modo por diferentes espécies ou categorias de tribunais que se situam no mesmo plano horizontal, sem nenhuma relação de hierarquia (de subordinação ou dependência) entre elas». Manual de Processo Civil, pág. 197.
É um pressuposto processual, ou seja, uma condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa. A competência é aferida em relação ao objeto da ação, tal como é apresentado pelo autor na petição inicial.
Como salienta Manuel de Andrade, «a competência do tribunal não depende, pois, da legitimidade das partes nem da procedência da acção. É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e da pretensão do autor (compreendidos aí os respetivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão». Noções Elementares de Processo Civil, pág. 91.
Para fundamentar a incompetência em razão da matéria do juízo de execução, a decisão recorrida considerou que, dada a natureza da exequente, enquanto pessoa coletiva de direito público, emerge de uma relação jurídica administrativa e fiscal e não de uma relação de direito privado.
Nos termos do artigo 40º, nº 1, da Lei nº 62/2013, de 26.8 (Lei da Organização do Sistema Judiciário – LOSJ), os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Aos juízos de execução, de acordo com o disposto no artigo 129º, nº 1, do mesmo diploma, compete exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil, com as exclusões previstas nos nºs 2 e 3.
Por sua vez, o artigo 144º, nº 1, da citada lei, estabelece que aos tribunais administrativos e fiscais compete o julgamento de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.
Delimitando o âmbito da jurisdição administrativa, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, no artigo 4º, nº 1, alínea o), dispõe que compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a relações jurídicas administrativas e fiscais que não digam respeito às matérias previstas nas alíneas anteriores.
Conforme resulta do artigo 1º do Anexo ao Decreto-Lei nº 119/2015, de 29.6 (Novo Regulamento da Caixa de Previdência B…), a apelante é uma instituição de previdência autónoma, com personalidade jurídica, regime próprio e gestão privativa, que visa fins de previdência e de proteção social dos B1… e dos B2… da B3…, que se rege pelo aludido regulamento e, subsidiariamente pelas bases gerais do sistema de segurança social e pela legislação dela decorrente, com as necessárias adaptações. Trata-se de uma pessoa coletiva pública, sujeita a tutela por parte do Governo – artigo 97º do citado decreto-lei nº 119/2015 –, integrando-se na administração autónoma.
Como se refere no Acórdão de Tribunal de Conflitos de 27.04.2017, proferido no âmbito do processo nº 037/16 «a Caixa de Previdência B… (B…), pessoa colectiva pública que tem por fim estatutário conceder pensões de reforma aos seus beneficiários e subsídios por morte às respectivas famílias, prossegue finalidades de previdência e, consequentemente realiza uma função de segurança social, estando incluída na organização desta e sujeita desde sempre à legislação que a regula, ainda que de forma subsidiária». in www.dgsi.pt.
Está em causa a cobrança coerciva de contribuições obrigatórias para um regime de segurança social que, dada a natureza da exequente como pessoa coletiva pública emerge de uma relação jurídica administrativa e fiscal.
Como tal, no âmbito das contribuições exigidas nesta execução, a exequente atua na veste de autoridade pública, com vista à realização do interesse público legalmente definido, o que determina a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal.
De resto, a posição de que tais contribuições obrigatórias devem ser coercivamente realizadas em execução fiscal foi a unanimemente seguida no citado acórdão do Tribunal de Conflitos de 27.04.2017, proferido no âmbito do processo nº 037/16; no acórdão daquele mesmo Tribunal, de 1.2.2018; no acórdão da Relação do Porto, de 20.6.2016, e, mais recentemente, no acórdão de 5.2.2018, proferido no processo nº 785/17.5T8OVR.P1, desta secção.
Finalmente, podendo a apelante exigir em execução fiscal o pagamento das contribuições obrigatórias que lhe sejam devidas, não se verifica qualquer violação do disposto no artigo 20º, nº 1, da CRP, que assegura o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos respectivos direitos e interesses legalmente protegidos.
Improcede, assim, o recurso da exequente Caixa de Previdência B….

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, consequentemente confirmar a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Sumário:
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Porto, 11.4.2018
Augusto de Carvalho
Carlos Gil
Carlos Querido