Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
367/14.3TBPVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MÁRCIA PORTELA
Descritores: ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
CONSTITUCIONALIDADE DO PRAZO PREVISTO PARA A PROPOSITURA DA ACÇÃO
Nº do Documento: RP20150915367/14.3TBPVZ.P1
Data do Acordão: 09/15/2015
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O n.º 1 do artigo 1817.º, CC, na redacção conferida pela Lei n.º 14/2009, ao estabelecer que a acção de investigação de paternidade deve ser intentada durante a menoridade do investigante, ou nos 10 anos posteriores à sua maioridade ou emancipação, não padece de inconstitucionalidade.
II - O Tribunal Constitucional esteve dividido nesta matéria até à prolação do acórdão do Plenário n.º 401/2011, Cura Mariano, nos termos do artigo 79.º D da Lei 28/82, que, por uma maioria de 7 contra 6, decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, CC, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante.
III - Trata-se de um acórdão do Plenário, com intervenção de todos os juízes, portanto, em que a questão foi amplamente debatida, tendo sido ponderados os diversos argumentos, com a profundidade habitual deste Tribunal.
IV - Nessa medida, pelo seu especial valor, esta decisão deve ser acatada até que seja apresentada razão que justifique a sua revisão.
V - Posteriores decisões deste Tribunal acerca desta questão foram decididas em conformidade com este acórdão, como sucedeu, por exemplo, nos acórdãos 446/2011, Carlos Pamplona de Oliveira, de 476/2011, Ana Maria Guerra Martins, e 545/2001, Maria Lúcia Amaral, acórdãos que contaram com o voto de Conselheiros outrora vencidos.
VI - O Tribunal Constitucional, que tem a última palavra em matéria de constitucionalidade, tem revertido as decisões do STJ que se pronunciaram no sentido de que o estabelecimento de um prazo de caducidade para as acções de investigação de paternidade é desconformidade com a CRP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 367/14.3TBPVZ.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório

B… intentou acção de investigação de paternidade contra C…, nos termos dos artigos 1869.º, 1871.º, 1817.º, 1819.º, aplicáveis por força do artigo 1873.º CC, pedindo que se reconheça que é sua filha e se ordene o averbamento da paternidade no assento de nascimento da A., com todas as consequências legais.

Alegou para tanto, e em síntese, que nasceu no dia 2 de Fevereiro de 1956, e foi registada na Conservatória do Registo Civil como sendo filha de D… e de pai incógnito, mas que é filha do R. porquanto ele e sua mãe mantiveram relações sexuais, com total exclusividade, nos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederam e de que resultou o seu nascimento.

Contestou o R., excepcionando a caducidade do direito do A. e impugnando a factualidade alegada.
Foi proferido saneador-sentença julgando procedente a excepção de caducidade.
Inconformada, apelou a A., apresentando as seguintes conclusões:
1ª Na sentença de que ora se recorre, o Tribunal decidiu pela procedência da excepção da caducidade.
2ª A Lei nº 14/2009 de 1 de Abril, estabeleceu um prazo de 10 anos após a maioridade do investigante para propor a acção de investigação da paternidade.
3ª As razões invocadas para a determinação de um prazo de caducidade das acções de investigação - segurança jurídica, envelhecimento das provas e argumento “caça fortunas” - estão ultrapassadas, não têm na actualidade relevância científica ou jurídica.
4ª A fixação de tal prazo de caducidade de 10 anos é inconstitucional por representar uma restrição não justificada e desproporcionada ao direito individual, qual seja o conhecimento da ascendência biológica
5ª O direito ao estabelecimento da filiação jurídica de acordo com a verdade biológica é um direito absoluto, devendo sobrepor-se a outros valores conflituantes, tais como a como a segurança jurídica.
6ª Os Tribunais superiores, mormente a orientação do STJ, têm vindo a decidir pela inconstitucionalidade de qualquer prazo de caducidade nas acções desta natureza.
7ª A decisão recorrida viola o disposto nos art. 1813º nº 1, aplicável por força do art. 1873º, ambos do CC, e os artigos 18º nº 2 e 3, 26º nº1 e 36º nº 1 da CRP
Apoio judiciário
A recorrente beneficia do apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, dispensa de pagamento da compensação de patrono, que se mantém para efeitos de recurso
Termos em que deve a presente apelação ser julgada procedente e, em consequência, anulada a decisão recorrida e substituída por outra que declare a inconstitucionalidade da caducidade, prosseguindo o processo de forma a recorrente poder saber a verdade biológica sobre a sua paternidade, fazendo V. Exas. inteira e sã Justiça.

Contra-alegou o R., pugnando pela manutenção do decidido.

2. Fundamentos de facto
São os seguintes os factos relevantes para a decisão do recurso:
1. B… nasceu no dia 2 de Fevereiro de 1956, e foi registada na Conservatória do Registo Civil como sendo filha de D… e de pai incógnito.
2. A acção de investigação de paternidade foi intentada em 27 de Fevereiro de 2014.

3. Do mérito do recurso

O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigo 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC), consubstancia-se em saber se o do n.º 1 do artigo 1817.º, CC, na redacção conferida pela Lei n.º 14/2009, ao estabelecer que a acção de investigação de paternidade deve ser intentada durante a menoridade do investigante, ou nos 10 anos posteriores à sua maioridade ou emancipação, padece de inconstitucionalidade.

Seguiremos o acórdão desta Relação, subscrito pela ora Relatora (www.dgsi.pt.jtrp, proc. 1565/11.7TBMCN.P1).

A inconstitucionalidade do anterior prazo de dois anos a contar da maioridade ou emancipação previsto no n.º 1 do artigo 1817.º CC na anterior redacção foi declarada, com força obrigatória e geral pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/2006, Paulo Mota Pinto.

A consequência da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória e geral consta do artigo 282.º, n.º 1, CRP: o efeito da declaração de inconstitucionalidade de uma norma com força obrigatória e geral é a repristinação da norma que ela tenha revogado.

No entanto, face às questões de ordem constitucional que suscitava a repristinação da norma revogada, como nos dá conta o acórdão do STJ, de 2011.11.15, Martins de Sousa, www.dgsi.pt.jstj, proc. 49/07.2TBRSD.P1.S1, a jurisprudência dos tribunais superiores, designadamente o STJ, se inclinou no sentido de que a acção de investigação de paternidade é imprescritível, não sendo aplicável o prazo de prescrição ordinária, como tem sido entendimento dos Tribunais superiores, em especial o STJ.

A título meramente exemplificativo refira-se os acórdãos do STJ, de:
— 2012.09.20, Serra Batista, www.dgsi.pt.jstj, proc. 1847/08.5TVLSB-A.L1.S1;
— 2012.05.24, Granja da Fonseca, www.dgsi.pt.jstj, proc. 37/07.9TBVNG.P1.S1;
— 2009.07.07, Oliveira Rocha, www.dgsi.pt.jstj, proc. 1124/05.3TBLGS.S1;
— 2008.07.03, Pires da Rosa, www.dgsi.pt.jstj, proc. 07B3451;
— 2008.04.17, Fonseca Ramos, proc. 08A474;
— 2007.10.23, Mário Cruz, www.dgsi.pt.jstj, proc. 07A2736;
— 2007.01.31, Borges Soeiro, www.dgsi.pt.jstj, proc. 06A4303;
— 2006.12.14, Alves Velho, www.dgsi.pt.jstj, proc.06A2489.

Entretanto, foi publicada a Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, que estabeleceu novos prazos para a investigação de paternidade: dez anos posteriores à maioridade ou emancipação (n.º 1), três anos a contar de diversas situações enunciadas nos n.ºs 2 e 3.

O Tribunal Constitucional esteve dividido nesta matéria até à prolação do acórdão do Plenário n.º 401/2011, Cura Mariano, nos termos do artigo 79.º D da Lei 28/82, que, por uma maioria de 7 contra 6, decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, CC, na redacção da Lei n.º 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que, aplicando-se às acções de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da acção, contado da maioridade ou emancipação do investigante.

Trata-se de um acórdão do Plenário, com intervenção de todos os juízes, portanto, em que a questão foi amplamente debatida, tendo sido ponderados os diversos argumentos, com a profundidade habitual deste Tribunal.

Nessa medida, pelo seu especial valor, esta decisão deve ser acatada até que seja apresentada razão que justifique a sua revisão.

Aliás, posteriores decisões deste Tribunal acerca desta questão foram decididas em conformidade com este acórdão, como sucedeu, por exemplo, nos acórdãos 446/2011, Carlos Pamplona de Oliveira, de 476/2011, Ana Maria Guerra Martins, e 545/2001, Maria Lúcia Amaral, acórdãos que contaram com o voto de Conselheiros outrora vencidos.

E várias decisões do STJ, no sentido da desconformidade da norma em apreço tem sido revertida pelo Tribunal Constitucional, como dá conta Abrantes Geraldes, no acórdão do STJ, de 2015.05.28, nota, www.dgsi.pt.jstj, proc. 2615/11.2TBBCL.G2.S1:

«Mesmo depois desta alteração legislativa continuou a discutir-se a constitucionalidade de um regime jurídico que fixava o prazo de caducidade de 10 anos após a maioridade ou emancipação para a interposição de acções de investigação de paternidade.
A mesma foi afirmada por este STJ no Ac. de 13-2-13 (Rev. nº 214/12.0TBVVD.G1.S1 – Rel. Salreta Pereira), no Ac. de 9-4-13 (Rev. nº 187/09.7TBPFR.P1.S1 – Rel. Fonseca Ramos), no Ac. de 18-12-13 (Rev. nº 3579/11.8TBBCL.S1 – Rel. Pires da Rosa), no Ac. de 18-2-05 (Rev. nº 4293/10.7TBSTS.P1.S1 – Rel. Fonseca Ramos) e no Ac. de 14-2-15 (Rev. nº 692/11.5TBPTG.E1.S1 – Rel. Júlio Gomes).
O juízo de inconstitucionalidade foi formulado no Ac. do STJ, de 21-3-13 (Rev. nº 1906/11.7T2AVR.P1.S1 – Rel. Paulo Sá), entretanto invertido pelo Trib. Const., dando origem, a novo aresto do STJ de 15-10-13. Também assim no Ac. de 14-1-14 (Rev. nº 155/12.1TTBVLC-A.P1.S1 – Rel. Martins de Sousa), seguido de novo aresto de 9-7-04 em conformidade com o juízo de não inconstitucionalidade afirmado pelo Trib. Const. Outrossim no Ac. de 27-5-04 (Rev. nº 165/13.1TBVLR.P1.S1 – Rel. Martins de Sousa), a que se sucedeu novo aresto de 13-1-05, depois de negado pelo Trib. Const. a inconstitucionalidade do preceito.
Ou seja, o Trib. Constitucional, por diversas vezes, vem negando o preceituado no art. 1817º, nº 1, do CC, na sua actual redacção, o juízo de inconstitucionalidade (v.g. o Ac. do Plenário nº 401/2011, o Ac. nº 704/2014, de 28-10-14, e o Ac. nº 547/2014, de 15-7-14)».

Por todo o exposto, e sem necessidade de maiores considerandos, não padece de inconstitucionalidade a norma do artigo 1817.º, n.º 1, CC, na redacção da Lei 14/2009, de 1 de Abril, na parte em que estabelece um prazo de dez anos para a propositura da acção de investigação de paternidade, contado da maioridade ou da emancipação do investigante, pelos fundamentos constantes do acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 401/2011, Cura Mariano, para que se remete.

4. Decisão

Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela A..

Porto, 15 de Setembro de 2015
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira (com declaração de voto)
Rui Moreira
__________
Declaração de voto

Em face da posição do Tribunal Constitucional, a qual vem sendo assumida pela jurisprudência mais recente do nosso Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que o prazo a que alude o artigo 1817,nº1, do CC não é inconstitucional, não faz sentido manter a posição assumida no acórdão desta Relação (de 07-02-2012) que defendeu a inconstitucionalidade, subscrevendo, assim, a posição aqui defendida.

Maria de Jesus Pereira.