Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
480/13.4SGPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA LUÍSA ARANTES
Descritores: SUBSTITUIÇÃO DA MULTA POR TRABALHO
PRAZO
Nº do Documento: RP20160707480/13.4SGPRT.P1
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 1013, FLS.179-182)
Área Temática: .
Sumário: Após o decurso do prazo previsto no art. 489º do Cód. Penal, para pagamento da multa, não fica precludida a possibilidade de o condenado requerer a substituição da multa por trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º480/13.4SGPRT-A.P1

Acordam, em conferência, os juízes no Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
No processo comum n.º480/13.4SGPRT, da Comarca do Porto – Porto – Instância Local – Secção Criminal – J3, por sentença proferida em 19/3/2015, o arguido B… foi condenado pela prática de um crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada previsto pelo art.199.º, n.º1, e punido pelo art.197.º, n.º1, ambos CDADC, na pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 14 meses, subordinada ao cumprimento de um plano de readaptação social e à obrigação de não frequentar feiras e outros locais conotados com a compra ou venda de obras contrafeitas, e ainda na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de €5,00, num total de €900,00.
Em 15/2/2016, o arguido requereu, nos termos do art.48.º, n.º1 e 2, com referência ao art.58.º, n.º3 e 4, ambos do C.Penal, a substituição da pena de multa em que foi condenado por trabalho a favor da comunidade [fls.17 dos presentes autos de apenso].
O Ministério Público opôs-se [fls.19 a 21].
Sobre o requerimento do arguido, recaiu despacho, datado de 17/2/2016, com o seguinte teor:
«Não obstante ter já decorrido o prazo previsto no art.489.º do CPP - 18-01-2016 - e dado que a possível prisão (subsidiária) é a última ratio, entendemos ser ainda possível a substituição por TFC.
Assim, e antes de mais, com cópia da sentença, oficie à DGRS solicitando a elaboração de relatório para aplicação de TFC em substituição da pena de multa.»
Inconformado com tal decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
1 - O arguido B… requereu a substituição da pena de multa de 180 dias, à razão diária de € 5,00, em que havia sido condenado, por dias de trabalho, nos termos do art. 48º, nº 1, do CP.
2 - O requerimento foi formulado já depois do decurso integral do prazo de 15 dias consagrado no nº 2, do art. 489º, aplicável por remissão expressa do nº 1, do art. 490º, ambos do CPP;
3 – Por douta decisão o tribunal a quo deferiu ao requerido, admitindo a substituição da pena de multa por dias de trabalho.
4 – Ocorre que o prazo previsto no nº 1 do art. 490º do CPP é de natureza perentória, sendo que o seu decurso implica a preclusão do respetivo direito.
5 - Ao considerar, na essência, que o prazo previsto no nº 1 do art. 490º do CPP, tem caráter meramente indicativo ou ordenador, e que o seu desrespeito não impede a prática do ato posteriormente nem retira a validade deste, deferindo em consequência a substituição da pena de multa por dias de trabalho, nos termos do art. 48º, nº 1, do CP, após decurso integral do referido prazo, violou a douta decisão em crise o disposto nos arts. 48, nº 1, do CP, 489, nº 2 e 490º, nº 1, estes do CPP.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. Venerandos Desembargadores se dignarão suprir, deve ser julgado procedente o presente recurso, revogada a douta decisão em crise, a qual deverá ser substituída por nova decisão que indefira, por intempestiva, a substituição da pena de multa por prestação de trabalho nos termos do art. 48º, nº 1, do CP, com o que se fará justiça.
O arguido respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência [fls.38 a 43]
Foi proferido despacho de sustentação [fls.45].
Remetidos os autos ao Tribunal da Relação e aberta vista para efeitos do art.416.º do C.P.Penal, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, com fundamento na extemporaneidade do requerimento de substituição da pena de multa [fls.54 e 55].
Cumprido o disposto no art.417.º, n.º2, do C.P.Penal, não foi apresentada resposta.

II - FUNDAMENTAÇÃO
Elementos relevantes para a decisão a proferir no presente recurso:
> Por sentença proferida em 19/3/2015, o arguido B… foi condenado pela prática de um crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada previsto pelo art.199.º, n.º1, e punido pelo art.197.º, n.º1, ambos CDADC, na pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 14 meses, subordinada ao cumprimento de um plano de readaptação social e à obrigação de não frequentar feiras e outros locais conotados com a compra ou venda de obras contrafeitas, e ainda na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de €5,00, num total de €900,00.
> Em 15/2/2016, o arguido requereu, nos termos do art.48.º, n.º1 e 2, com referência ao art.58.º, n.º3 e 4, ambos do C.Penal, a substituição da pena de multa em que foi condenado por trabalho a favor da comunidade.

Apreciação
Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 412.º do C.P.Penal, o âmbito do recurso é delimitado pelo teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só podendo o tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito.
No caso vertente, a questão suscitada reconduz-se à tempestividade, ou não, do pedido de substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade,
O recorrente insurge-se contra o facto do tribunal a quo ter considerado tempestivo o requerimento apresentado pelo arguido para que a pena de multa em que foi condenado fosse substituída por dias de trabalho.
O art.48.º do C.Penal [Substituição da multa por trabalho] prevê a possibilidade de substituição da multa por dias de trabalho, dispondo o seu n.º1 «a requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas coletivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
Por sua vez, o C. P. Penal, no capítulo referente à execução da pena de multa, estabelece no art.º 489.º, sob a epígrafe Prazo de pagamento:
«1. A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs….
2. O prazo de pagamento é de quinze dias a contar da notificação para o efeito.
3. O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações», ou seja, o prazo de pagamento da multa, quando esta for paga em prestações, decorre até se terem vencido todas as prestações.
E o art.490.º do C.P.Penal, sob a epígrafe Substituição da multa por dias de trabalho no seu n.º1 prevê que «o requerimento para substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos nº 2 e 3 do artigo anterior, …»
Da conjugação destas disposições legais, deve entender-se que após o decurso do prazo previsto no art.489.º do C.P.Penal para pagamento da multa, fica precludida a possibilidade de requerer a substituição da multa por trabalho?
Afigura-se-nos que não. Vejamos.
A jurisprudência encontra-se dividida quanto a esta questão, tendo-se formado duas correntes:
-uma, defende que o pedido de substituição da pena de multa por dias de trabalho pode ser feito para além do prazo estabelecido para o pagamento voluntário da multa [v. Ac.R.Porto de 5/7/2006, proc.n.º0612771, 30/9/2009, proc.n.º344/06.8 e de 15/6/2011, proc. 422/08.9PIVNG-A.P1, todos disponíveis in www.dgsi.pt];
-outra, sustenta que o pedido de substituição da pena de multa por dias de trabalho só pode ser feito no prazo previsto no art.489.º, [v. Ac.R.Porto de 11/7/2007, proc. n.º 0712537 e de 23/6/2010, proc. n.º95/06.3GAMUR-B.P1 e Ac.R.Lisboa de 17/10/2013, proc.n.º 3/11.0PFSCR-A.L1-9, in www.dgsi.pt], dado que a natureza perentória dos prazos estabelecidos nos arts. 489.º n.º 2 e 490.º n.º 1 do C. P. Penal implica a preclusão do direito de requerer a substituição da multa por dias de trabalho.
Para esta segunda corrente, o pedido de substituição da multa por dias de trabalho tem que ser formulado antes do incumprimento se ter verificado.
Embora esta tese tenha a seu favor o teor literal da lei, afigura-se-nos não ser a mais consentânea com o espírito do legislador.
Como se afirma no supra mencionado Ac.R.Porto de 30/9/2009, o nosso legislador é um forte opositor às medidas detentivas.
Já o C. Penal de 1982 acentuou a opção, sempre que possível, por penas não detentivas, como decorre da “Introdução” do diploma, aí se expondo os inconvenientes das penas de prisão, lendo-se nomeadamente no nº 9: «Já atrás se referiram as razões por que, no momento actual, não pode o Código deixar de utilizar a prisão. Mas fá-lo com a clara consciência de que ela é um mal que deve reduzir-se ao mínimo necessário…», e, depois, no nº 10: «É, contudo, nas medidas não detentivas que se depositam as melhores esperanças…»
Com a revisão do C.Penal, operada pelo DL nº 48/95, de 15 de Março, a figura da substituição da multa por trabalho ficou a ter lugar no art.48.º, tendo sido introduzidas duas diferenças:
a) a exigência de requerimento do condenado para que a substituição seja efetuada;
b) que tal substituição realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
A exigência do requerimento do condenado compreende-se pela necessidade de que este se comprometa no seu integral cumprimento, o que não seria alcançável se o tribunal pudesse oficiosamente determinar a substituição da multa por trabalho.
«Estando subjacente à medida de prestação de trabalho o intuito de obviar aos efeitos negativos que se reconhecem às reacções penais detentivas, mormente as de curta duração, assim se facultando ao condenado uma via mais para se eximir à execução da prisão subsidiária correspondente à multa, e visando a exigência do requerimento do condenado apenas tornar claro que tal medida de substituição da multa por trabalho exige sempre a manifestação de vontade concordante do condenado, parece razoável que o prazo referido no nº 1 do artº 490º do C. P. Penal não seja havido como um prazo peremptório, que faça precludir a possibilidade do condenado requerer aquela substituição da multa por dias de trabalho. As preocupações eminentemente pessoais que atravessam o direito criminal, com relevo para a procura da verdade material e, dentre os fins a atingir com a imposição das penas, a recuperação e a integração social do condenado, preocupações que, necessariamente, se reflectem no direito adjectivo, apontam claramente no sentido de que, por uma razão de cariz essencialmente formal (…) não seja preterida a possibilidade de opção por uma pena que, porventura, se revele mais ajustada.»- Ac.R.Porto de 5/7/2006, supra mencionado.
Por outro lado, se é certo que o espírito do legislador não é suficiente para fundamentar uma decisão contrária à vertida na letra da lei, tal não acontece na situação em análise, pois a pena de multa pode ainda ser tida como cumprida para além do prazo de 15 dias e mesmo após o decurso do prazo de vencimento das prestações fixadas.
É isto que resulta do art. 49.º do C. Penal, sob a epígrafe Conversão da multa não paga em prisão subsidiária.
Estabelece tal dispositivo legal:
«1 - Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços (…)
2 - O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.
3 - (…)
4 - O disposto nos n.º 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída (…)»
Face ao n.º2 deste preceito, o condenado está sempre em tempo de pagar a multa em que foi condenado, mesmo que já tenha entrado em incumprimento e mesmo que o incumprimento tenha sido declarado.
O legislador previu várias soluções para que a execução da prisão subsidiária surja como a última via, pelo que apesar de se mostrar ultrapassado o prazo referido no nº 1 do ar.º 490º do C.P.Penal quando o arguido requereu a substituição da multa por dias de trabalho, não deve com base apenas na extemporaneidade indeferir-se a pretensão formulada.
Nestes termos, entendemos que o arguido não formulou extemporaneamente o pedido de substituição da multa por dias de trabalho, pelo que se confirma a decisão recorrida.

III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes na 1ªsecção criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público [art.522.º, n.º1, do C.P.Penal].
[texto elaborado pela relatora e revisto por ambas as signatárias]

Porto, 7/7/2016
Maria Luísa Arantes
Ana Bacelar