Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
221/21.2T8AMT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO VILARES FERREIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
ACTOS PREJUDICIAIS À MASSA INSOLVENTE
ALEGAÇÃO FACTUAL
Nº do Documento: RP20220405221/21.2T8AMT-C.P1
Data do Acordão: 04/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Se bem se justifica, à luz do regime da “resolução” dos atos prejudiciais à massa insolvente, previsto no art. 120.º e segs. do CIRE, que a carta a que se refere o n.º 1 do art. 123.º deve conter os fundamentos estruturais da resolução, de modo a permitir ao terceiro/destinatário exercitar cabalmente o direito de impugnação que lhe assiste (art. 125.º);
II – De igual modo se compreende a desnecessidade de uma alegação factual exaustiva no cumprimento do referido dever, mormente quando em sede de impugnação, o impugnante, por via do que alegou, demonstrou pleno conhecimento da realidade pressuposta na declaração de resolução que lhe cabia contrariar, não sofrendo qualquer compressão no exercício do seu direito de defesa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROCESSO N.º 221/21.2T8AMT-C.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo de Comércio de Amarante - Juiz 4

Relator: Fernando Vilares Ferreira
Adjunta: Maria Eiró
Adjunto: João Proença

SUMÁRIO:
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ACORDAM os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:

I.
RELATÓRIO
1.
AA, por apenso a processo de insolvência, intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra MASSA INSOLVENTE DE BB, impugnando a resolução do reembolso do empréstimo efetuado a sua filha, BB, no valor de 42.500,00€.
Alegou, em síntese, que a Massa Insolvente não alegou, na notificação da resolução, os factos relativos à prejudicialidade e má-fé, o que consubstancia vício de nulidade, sendo que, de todo modo, não se verifica o pressuposto da má-fé.
2.
A contestou, sustentando a validade da notificação e a verificação de todos os pressupostos da resolução.
3.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte DISPOSITIVO:
[Pelo exposto, julgando a presente ação integralmente improcedente por não provada, absolvo a R. Massa insolvente de BB, do pedido contra ela formulado por AA.
Custas pelo A., sem prejuízo da demonstração de concessão do benefício de apoio judiciário.]
4.
Inconformado, o Autor interpôs o presente recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, assente nas seguintes
CONCLUSÕES:
[1.ª – A Recorrida, na notificação da carta resolutiva efetuada ao Recorrente, com a qual procede à resolução da devolução da quantia que tinha emprestado à sua filha, não alega os factos integradores da prejudicialidade do ato, nem alega os factos integradores da má-fé do Recorrente, alegação essencial para que a resolução validamente operasse.
2.ª – A pretensão da resolução desse negócio fica ferida com o vício da nulidade por falta de alegação de factos que integram os conceitos de prejudicialidade e má-fé.
Não basta dizer, como se diz na comunicação de resolução, que "... existe uma relação especial entre a insolvente e V. Exª, nos termos definidos na alínea b) do nº 1 do artº 49º do CIRE, havendo assim aproveitamento por pessoa especialmente relacionada com a insolvente, e que tal acto consubstancia um prejuízo para a massa insolvente, na medida em que diminui, dificulta e retarda a satisfação dos credores da insolvência, nos termos definidos nos nºs 1 e nº 2 do artº 120º do CIRE.
3.ª – Teria a Recorrida que alegar e provar quais os factos em que se concretiza o prejuízo e também alegar a conclusão de que os mesmos foram realizados e concretizados com o conhecimento de que o Recorrente sabia que estava a prejudicar os credores da insolvente, ou seja, que estava de má-fé.
4.ª – Resulta da notificação da carta de resolução que estes pressupostos essenciais não constam da comunicação, pelo que, deverá considerar-se que esta deficiente fundamentação afeta a resolução com o vício de nulidade.
5.ª – A decisão recorrida viola o artº 120º do CIRE e 350º do Código Civil.
5.
Contra-alegou a Ré, pugnando pela improcedência do recurso, com base nas seguintes CONCLUSÕES:
1.ª – A resolução do negócio a favor da Massa Insolvente foi uma resolução condicional - art.º 120.º do CIRE.
2.ª – Está-se perante um reembolso efetuado pela insolvente a seu pai, no montante de € 42.500,00.
3.ª – A declaração de resolução efetuada pelo administrador da insolvência identificava claramente: a data da sua celebração, a identificação dos intervenientes, efetuado num período de suspeição, contornos estes que fazem presumir a prejudicialidade e a má-fé, que o Recorrente tem conhecimento direto (relação familiar) e explicado o prejuízo para os outros credores, por esvaziar a esfera patrimonial da insolvente no montante devolvido ao pai e porque este, no processo de insolvência, seria pago em último lugar.
4.ª – A declaração de resolução foi perfeitamente entendida pelo Recorrente, conforme resulta da sua douta impugnação.
5.ª – Na contestação à impugnação não foram acrescentados factos, nem foram juntos quaisquer outros elementos;
6.ª – A declaração de resolução continha os factos essenciais que integram os conceitos de prejudicialidade e má-fé: identifica a insolvente e o Recorrente, dizendo expressamente que era pai da insolvente; identifica o ato de reembolso, identifica qual o prejuízo estimado (€ 42.500,00), e a razão desse prejuízo (o crédito do Recorrente seria um crédito subordinado (e, por isso, seria graduado em último lugar), refere que o reembolso diminui, dificulta e retarda a satisfação dos credores da insolvência,
7.ª – E indicava as normas legais aplicáveis do CIRE.
8.ª – Explicando perfeitamente os motivos da resolução do negócio a favor da Massa Insolvente.
9.ª – Explicação essa perfeitamente entendida por um declaratário normal, entendendo-se este por uma pessoa de conhecimento e diligência médios.
10.ª – Não existem motivos de censura à douta sentença recorrida.
11.ª – Competia ao Recorrente fazer prova que afastasse a presunção da prejudicialidade e da má-fé – o que não conseguiu fazer.
II.
OBJETO DO RECURSO
Considerando as conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, e visto o preceituado nos artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil), a questão a decidir no presente recurso passa por saber se a resolução em benefício da massa insolvente, nos termos em que foi notificada pelo Administrador da Insolvência, não observou os devidos requisitos de fundamentação, enfermando por via disso de vício de nulidade.
III.
FUNDAMENTAÇÃO
1.
OS FACTOS
1.1.
Factos provados
O Tribunal de que vem o recurso julgou provados os seguintes factos:
1 - BB, NIF ..., em 22 de fevereiro de 2021, foi declarada insolvente nos autos que correm termos com o N.º 221/21.2T8AMT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo do Comércio de Amarante, Juiz 4.
2 - Tendo sido nomeado administrador da insolvência CC.
3 - Em 7 de Abril de 2021, o administrador da insolvência teve conhecimento, através da informação prestada pela própria devedora, e nos termos do documento comprovativo de transferência bancária, que a D. BB, em 17 de setembro de 2019, efetuou reembolso a seu pai, AA, no montante de 42.500,00€.
4 - Em 26 de Abril de 2021, nos termos do art.º 123º do CIRE, e tendo presente o disposto no art.º 120º do CIRE, nomeadamente o seu n.º 4, por carta registada com aviso de receção, o Administrador da Insolvência procedeu à resolução, em benefício da massa insolvente, com o seguinte teor:
{CARTA REGISTADA COM AVISO DE RECEPÇÃO
2021-04-26
ASSUNTO: Proc. n.º 221/21.2T8AMT, Juízo de Comércio de Amarante, Juiz 4, Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - BB, NIF ...
Exmo. Senhor,
CC, nomeado administrador da insolvência no âmbito do processo em epígrafe, vem expor e informar V. Exa.:
“1) Tomou o signatário conhecimento, em 7 de Abril de 2021, através da informação prestada pela própria devedora, cf. doc.1, e nos termos do documento comprovativo de transferência bancária, cf. doc. 2, de que foi, pela D. BB, efetuado reembolso do empréstimo concedido por V. Exa., que é pai da insolvente, no montante de € 42.500,00, em 17 de Setembro de 2019.
2) Analisada a informação prestada pela insolvente, verifica-se que o ato em causa foi celebrado dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
3) Com efeito, a declaração de insolvência da D. BB foi proferida a 22 de Fevereiro de 2021.
4) Mais, existe uma relação especial entre a insolvente e V. Exa., nos termos definidos na alínea b) do n.º 1 do Art.º 49.º do CIRE, havendo assim aproveitamento por pessoa especialmente relacionada com a insolvente.
5) Tal ato consubstancia um prejuízo para a massa insolvente, na medida em que diminui, dificulta e retarda a satisfação dos credores da insolvência, nos termos definidos nos n.º 1 e n.º 2 do Art.º 120.º do CIRE, prejuízo esse que se estima num montante equivalente ao valor do reembolso efetuado ou seja, € 42.500,00.
6) Com efeito, o crédito em causa deveria ser considerado como subordinado, nos termos da alínea a) do Art.º 48.º do CIRE, (e graduado depois dos restantes créditos sobre a insolvência).
Face ao que antecede, vem informar V. Exa., nos termos do Art.º 123º do CIRE, e tendo presente o disposto no Art.º 120º do CIRE, nomeadamente o seu n.º 4, da resolução, em benefício da massa insolvente, do ato consubstanciado no reembolso do empréstimo a V. Exa, no montante de € 42.500,00, ocorrido a 17 de Setembro de 2019.
Apresenta respeitosos cumprimentos,
CC
Junta: Dois documentos}
5 - A qual foi rececionada pela insolvente em 28.04.2021.
6 - Como quem recebeu essa notificação foi a própria insolvente, o administrador da insolvência procedeu à resolução do negócio a favor da Massa Insolvente por Notificação Judicial Avulsa,
7 - Tendo a mesma sido concretizada em 18 de junho de 2021.
8 - A insolvente é filha do Autor.
9 - O Impugnante tem 82 anos, tem um baixo nível de escolaridade, 1.º ciclo do ensino básico.
10 - A filha (insolvente) trabalha na Câmara Municipal ..., e residiu na cidade de Guimarães, desde 1991.
11 - Em 2019, a insolvente veio residir para a freguesia ..., no concelho de Felgueiras.
12 – A Insolvente foi pedindo ao Impugnante, ao longo dos anos, várias quantias, que este nunca pressionou para que fossem devolvidas.
1.2.
Factos não provados
Dos factos alegados, tidos com relevância para a decisão, o Tribunal a quo julgou não provados os seguintes:
A. Foi com absoluta surpresa que o impugnante recebeu a notícia constante da notificação judicial avulsa que recebeu no dia 18.06.2021.
B. Surpresa que resulta não só da notificação da resolução, mas também pela notícia de que sua filha BB tinha sido declarada insolvente.
C. O Impugnante tem precárias condições de saúde.
D. O facto de a filha ter residido em Guimarães entristeceu o Impugnante que apenas convivia com a filha, esporadicamente ou em ocasiões especiais.
E. Em 2019, quando a insolvente veio residir para Felgueiras, mantivesse o afastamento da família, apenas se encontrando com o pai em ocasiões especiais.
F. Na altura em que devolveu ao Impugnante a quantia que este lhe havia emprestado, o que lhe disse foi que não pretendia mais viver em Guimarães e que por tal razão vendeu o apartamento que ali tinha, encontrando-se, por isso, em condições de restituir o que o Impugnante lhe havia emprestado.
G. Soube também o Impugnante, na data em que recebeu a notificação judicial avulsa, que sua filha tinha recebido anteriormente carta que lhe foi dirigida pelo Sr. Administrador de Insolvência, que nunca lhe chegou a ser entregue.
H. Tudo na prossecução da estratégia de ocultar ao Impugnante a sua real situação, estratégia que sempre contou com a conivência da irmã da insolvente, que sabendo da real situação, nunca expôs ao pai a situação financeira da irmã.
I. O motivo para o Impugnante não ter pressionado nos termos referidos em 12, foi porque sendo apenas mais uma herdeira, sempre as irmãs poderiam acertar contas após o seu falecimento.
J. O que nunca passou pela cabeça do Impugnante foi que a filha se encontrava em dificuldades financeiras graves, dada a aparência de que tudo corria bem na sua vida, sempre pedindo as quantias com justificações que não demonstravam tal situação.
K. Não achou estranho nem questionou a sua filha insolvente, quando esta lhe devolveu a quantia emprestada, porque acreditou no que esta lhe disse, ou seja, que continuando a trabalhar na Câmara Municipal ..., já mais madura, pretendia sair de Guimarães para viver mais próximo do seu trabalho.
2.
OS FACTOS E O DIREITO
2.1.
Os factos julgados provados mereceram, por parte do Tribunal de que vem o recurso, a seguinte aplicação do direito:
[- Verificação dos pressupostos para a resolução:
A matéria da resolução em benefício da massa insolvente encontra-se regulada nos arts. 120º e ss. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
Relativamente ao direito pregresso, “O facto de o devedor insolvente, mediante a prática de actos que visam a dissipação do seu património, facilmente poder frustrar os seus credores, seja em momento anterior ao processo de insolvência, seja até no seu decurso, levou a que o legislador se rodeasse de mecanismos mais simples, mais céleres e mais eficazes para promover a tutela daqueles.” - Fernando Gravato de Morais in Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina, Abril de 2008, pg. 41. “O direito de resolução consagrado nos artigos 120.º e 121.º do CIRE permite ao Administrador de Insolvência, de forma expedita e eficaz, destruir os actos prejudiciais ao património da massa insolvente e apreender para esta última não só aqueles bens que se mantenham ainda na titularidade do insolvente, como ainda aqueles que se manteriam, caso não tivessem sido praticados ou omitidos pelo devedor aqueles actos” (ac. da RP, Rel. João Diogo Rodrigues, processo n.º 616/13.5TJVNF-C.P1, 11/11/2014, consultado em www.dgsi.pt).
Estamos perante uma acção de simples apreciação negativa, “uma vez que em consequência das disposições que a regulam substantiva e adjectivamente visa tão-só a demonstração da inexistência ou inverificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo administrador de insolvência” e “assim sendo, sobre a massa insolvente impende o ónus de fazer prova da existência dos pressupostos da resolução que declarou unilateralmente” (ac. da RG, Rel. Jorge Teixeira, proc. 304/13.2TBPTL-I.G1, 25/06/2015, consultado em www.dgsi.pt).
Este ónus da prova, contudo, como se verá, é “atenuado” com a existência de diversas presunções.
*
O n.º 1 do art. 120.º do CIRE delimita três pressupostos gerais para que seja possível efectuar uma resolução em benefício da massa insolvente:
a) Realização de um determinado acto pelo devedor. “Com a alteração do art. 120.º, n.º 1 pela Lei 16/2012, deixou de ser possível a resolução de omissões, ainda que por lapso a lei continua a fazer referência a essa possibilidade nos arts. 120.º, n.º 4 e 126.º, n.º 2.” (Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2015, Almedina, pág. 203).
b) Um limite máximo temporal: o acto ser praticado dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência. Só “este período é considerado como suspeito para efeitos de resolução. Assim, se o acto tiver sido praticado antes desse período, não poderá o mesmo ser objecto de resolução em benefício da massa insolvente” (Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2015, Almedina, pág. 203).
c) Prejudicialidade, ou seja, o acto prejudicar a massa por diminuir, frustar, dificultar, colocar em perigo ou retardar a satisfação dos credores da insolvência. Tratam-se de actos que colidem com os interesses dos credores, quer porque diminuem o valor da massa insolvente, quer porque dificultam ou tornam mais demorada a satisfação dos créditos da insolvência (Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Volume I, Reimpressão, Quid Juris, pág 434). O n.º 3 do art. 120.º do CIRE prevê contudo uma presunção inilidível de prejudicialidade - presunção iuris et de iure - considerando que os actos elencados no art. 121.º, n.º1 do CIRE, mesmo que praticados ou omitidos fora dos prazos ali mencionados (desde que dentro do limite temporal dos dois anos), são prejudiciais à massa insolvente.
A resolução pode ser condicional ou incondicional, consoante se exija, ou não, respectivamente a má-fé de terceiro.
A resolução incondicional está prevista no art. 121.º do CIRE. Mas vamos abster-nos de analisá-la, já que a carta resolutiva chama à colação apenas
o art. 120.º, n.º 1 do CIRE. Uma vez que juridicamente é a norma do art. 120.º do CIRE que é invocada, somente se irão verificar dos pressupostos da resolução condicional.
Nos casos de resolução condicional exige-se, para além dos requisitos gerais de temporalidade e prejudicialidade acima aludidos, a existência de má-fé de terceiros. Entende-se por má-fé o conhecimento de qualquer destas circunstâncias: i) que o devedor se encontrava em situação de insolvência; ii) o carácter prejudicial do acto e que o devedor estava, à data, em situação de insolvência iminente; iii) o início do processo de insolvência; - art. 120º nº5 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa; Esse conhecimento é um ónus da prova da massa insolvente.
Contudo, presume-se a má-fé do terceiro, verificados dois requisitos: 1. os actos tenham sido praticados ou omitidos no período de dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência; 2. tenha participado ou de que se tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data – art. 120º nº4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa.
Provados estes dois factos verifica-se uma presunção de má-fé. É uma presunção iuris tantum que admite prova em contrário (art. 350.º, n.º 2 do CC), ou seja, a prova que não se verifica nenhuma das situações previstas no n.º 5.
Nos termos do artigo 49º, do citado código, para o que ora releva, “1 - São havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoa singular: (…) b) Os ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor ou de qualquer das pessoas referidas na alínea anterior;
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O AI declarou resolver o negócio nos termos do art. 120.º, n.º 1 do CIRE. Não tendo feita nenhuma alusão à resolução incondicional, deveremos aferir se estavam verificados os pressupostos da resolução condicional, como já frisámos.
Relativamente aos requisitos gerais está provado que resolveu acto jurídico da insolvente (reembolso do empréstimo), que ocorreu no período de “suspeição” (dois anos antes da declaração de insolvência).
Também está provado o carácter prejudicial, já que se tendo provado que o dinheiro – 42.500€ - saiu da esfera jurídica patrimonial da A., é ostensivamente uma actuação que colide com os interesses dos credores, porque diminui o valor da massa insolvente, tornando mais difícil a satisfação dos créditos da insolvência, tanto mais que a não ter sido realizado o reembolso, o crédito do pai (Autor) seria qualificado como subordinado, ou seja, pago em último lugar.
No que se reporta à má-fé, tratando-se de pai e filha, verifica-se uma presunção de má-fé. É uma presunção iuris tantum que admite prova em contrário (art. 350.º, n.º 2 do CC), pelo que competia ao A. provar que não se verifica nenhuma das situações previstas no n.º 5, ou seja (para o que ora releva) que não tinha conhecimento: i) que a filha se encontrava em situação de insolvência; ii) o carácter prejudicial do acto e que a filha estava, à data, em situação de insolvência iminente;
Essa prova não foi feita, sendo que os factos alegados a esse propósito se deram como não provados.
Verificam-se, assim, todos os pressupostos para resolver o negócio.
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- Conteúdo da comunicação:
O A. alega a nulidade da resolução, pelo facto de a mesma não estar fundamentada.
Comecemos por fazer alguns considerandos in abstracto para depois descer ao caso em concreto.
No que concerne ao conteúdo da comunicação a mesma não tem que ser exaustiva, mas apenas a suficiente para que o destinatário percepcione qual o acto ou actos que estão a ser resolvidos e os motivos dessa resolução, para que possa exercer cabalmente o direito à impugnação. Assim, ac. da RG, Rel. Jorge Teixeira, processo 1257/13.2TJCBR-P.G1, 24/09/2015, consultado em www.dgsi.pt “I- A comunicação pelo administrador da insolvência de resolução em benefício da massa insolvente de actos prejudiciais à massa, destina-se a que o terceiro com o direito de impugnar o acto, através de acção, possa previamente conhecer os concretos factos ou fundamentos que contra ele são invocados, deverá conter, sob pena de nulidade, a respectiva motivação. II- Essa obrigação de explicitação das razões específicas da resolução do acto em benefício da massa insolvente, contanto que se afigure idónea ao cumprimento deste desiderato, não tem de ser efectuada de um modo extremamente aprofundado e exaustivo, do ponto de vista factual, sendo suficiente uma motivação sintética que referencie, de modo perceptível, as razões concretas da resolução”.
Na ausência de um mínimo factual que impossibilite ao receptor da carta identificar o porquê da resolução estamos perante uma nulidade que afecta a validade do acto. Visa-se essencialmente tutelar o princípio do contraditório e da proibição de indefesa.
No entanto, tudo o que ficou dito está estreitamente relacionado com a interpretação da declaração resolutiva, devendo atender-se às regras interpretativas previstas no art. 236.º e ss do CC. Em regra a “uma declaração negocial vale com o sentido que seria apreendido por um declaratário normal, entendendo-se por declaratário normal uma pessoa de conhecimento e diligência médios” (Ac. da RP, Rel. Anabela Dias da Silva, processo 1851/10.3T2AVR-D.P1, 28/04/2015, consultado em www.dgsi.pt, numa situação que considerou válida uma resolução que apontou o acto resolvido, situou-o no tempo, “mais dizendo que essa mesma venda, por todos os factos referidos, diminui, frustra, põe em perigo ou retarda a satisfação dos credores da insolvência, pois que desse negócio resultou para os credores dos insolventes uma diminuição das garantias patrimoniais do crédito que detêm sobre os mesmos, e sem se olvidar que os requisitos da prejudicialidade e da má-fé de terceiro “in casu” se presumem, temos que a mesma cumpre, no que toca ao seu conteúdo, os requisitos mínimos de fundamentação que, em seu entender, justificam a resolução do negócio”).
Muito dependerá do caso concreto, sendo que determinado conteúdo poderá aparentemente ser insuficiente para uma cabal defesa e compreensão, mas a própria impugnação demonstrar o contrário. Aplica-se aqui por analogia as regras da petição inicial. Note-se que outros factores deverão intervir neste ónus. Na verdade, se existir má-fé seria incompreensível que se tutele a posição do destinatário da carta. Provando-se que este sabia e queria prejudicar a massa, naturalmente que bem sabe qual o acto que a massa insolvente pretende ver resolvida. Nestes casos não se poderá afirmar que o impugnante fique surpreendido, sendo um verdadeiro abuso de direito invocar a nulidade da resolução nestes casos. Aliás, segundo as regras gerais da interpretação (art. 236.º e ss do CC), conhecendo o declaratário o sentido da declaração é este que vale.
Repare-se que mesmo em caso de ineptidão por ser ininteligível a p.i., caso o R. tenha compreendido, a lei admite a sanação do vício, pelo que nos casos em que da impugnação resulta que compreendeu toda a factualidade que subjaz a resolução deve ser o mesmo regime legal. O contraditório não sofre qualquer compressão, nem se viola o princípio da proibição de indefesa, que fundamenta a nulidade. Posições diversas atêm-se em formalismos exacerbados.
Atento tudo o exposto, e considerando o circunstancialismo em concreto, entendemos que a resolução estava fundamentada quanto baste e não comprimiu ou suprimiu o direito de contraditório. Desde logo a carta de resolução enuncia qual o acto que se revolve, data de celebração, os intervenientes e o facto de ter sido celebrado num período de suspeição – dois anos. Os contornos concretos fazem presumir a prejudicialidade e a má-fé, pelo que não eram essenciais constar da declaração de resolução os factos relativos aos mesmos. Conforme acórdão citado pela R., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.03.2014, processo n.º 1936/10.6TBVCT-N.G1.S1, para o qual “no caso da resolução condicional regulada no artigo 120.º do CIRE exige-se que se invoque o acto que se resolve, a causa que leva a considerar o acto como prejudicial, e o circunstancialismo que integre a má-fé, se não vigorar a presunção iuris tantum prevista no n.º 4 do mesmo artigo”.
Ressalte-se que o que se pretende é que a A. pudesse exercer o contraditório e que não seja surpreendido por novos factos imprevisíveis e que violem o princípio da proibição de indefesa. Ora, no caso concreto, os elementos acima aludidos para além de permitirem perfeitamente apreender qual o acto em causa (através da data, nome de intervenientes e qualificação do mesmo), apontam para uma “suspeição” pelo facto de ser celebrado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência. Os demais factos que concretizam as presunções são factos de que a A. tem conhecimento directo (relação familiar). E foi devidamente explicado o prejuízo para os outros credores, por esvaziar a esfera patrimonial da insolvente no montante devolvido ao pai e porque este, no processo de insolvência, seria pago em último lugar.
Por fim, a impugnação demonstra inteira compreensibilidade dos motivos da resolução.
Indefere-se assim a nulidade invocada.]
O que se nos impõe dizer é, desde já, que a sentença recorrida, nomeadamente no que concerne à questão que importa solucionar nesta instância de recurso, se nos apresenta solidamente alicerçada no direito que temos por aplicável, decorrente da boa interpretação das pertinentes normas jurídicas nela citadas, com o apoio de abundante jurisprudência dos nossos tribunais superiores, incluindo desta Relação do Porto.
Se bem se justifica, à luz do regime da “resolução” dos atos prejudiciais à massa insolvente, previsto no art. 120.º e segs. do CIRE, que a carta a que se refere o n.º 1 do art. 123.º deve conter os fundamentos estruturais da resolução, de modo a permitir ao terceiro/destinatário exercitar cabalmente o direito de impugnação que lhe assiste (art. 125.º), de igual modo se compreende a desnecessidade de uma alegação factual exaustiva no cumprimento do referido dever, mormente quando em sede de impugnação, como é o caso dos autos, o impugnante, por via do que alegou, demonstrou pleno conhecimento da realidade pressuposta na declaração de resolução e que lhe cabia contrariar.
Com efeito, no caso que nos ocupa, tendo o Administrador da Insolvência comunicado ao Autor desta ação, agora Recorrente, o que consta do ponto 4) do elenco dos factos provados, e tendo o Autor impugnado nos concretos termos em que o fez por via da petição inicial destes autos (veja-se respetivos artigos 1.º a 11.º, visando a impugnação do pressuposto da má-fé; e respetivos artigos 12.º a 14.º, com referência ao requisito da “prejudicialidade” do ato relativamente à massa), é fora de dúvidas que o Impugnante em nada se viu afetado ou condicionado no exercício do seu direito de defesa.
Como se deixou bem evidenciado na decisão recorrida, não tendo o contraditório do impugnante sofrido qualquer compressão, nem tendo ocorrido violação do princípio da proibição de indefesa, nada há que possa fundamentar a invocada nulidade, sendo certo que formalismos exacerbados, como o são os preconizados pelo Apelante, não podem ser merecedores de acolhimento.
Assim, sem necessidade de maiores desenvolvimentos face ao que se deixou doutamente explanado na decisão recorrida, concluímos pela não verificação da apontada nulidade à declaração de resolução e, em consequência, pela improcedência do recurso.
2.2.
Por ter dado causa às custas do recurso, o Apelante constituiu-se na obrigação de as suportar (cfr. art. 527.º, nºs 1 e 2, do CPCivil, e 1.º, n.º 1, do RCProcessuais).
IV.
DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, julgamos improcedente o recurso e decidimos:
a) Manter a decisão recorrida; e
b) Condenar o Apelante no pagamento das custas do recurso.
***
Porto, 5 de abril de 2022
Os Juízes Desembargadores,
Fernando Vilares Ferreira
Maria Eiró
João Proença