Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
260/15.2GAPVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: REVOGAÇÃO DA PENA SUSPENSA
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
CUMPRIMENTO DA PENA DE PRISÃO
Nº do Documento: RP20170628260/15.2GAPVZ.P1
Data do Acordão: 06/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 37/2017, FLS.152-156)
Área Temática: .
Sumário: I - O regime previsto no artº 44º CP constitui uma forma de cumprimento da pena de prisão e não uma pena de substituição.
II - Revogada a pena suspensa de seis meses de prisão, pode a prisão a cumprir sê-lo em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios electrónicos de controlo à distancia.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal 260/15.2GAPVZ.P1
Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
1.1. B…, arguido devidamente identificado nos autos acima referenciados, não se conformando com o despacho de 16/01/2017, que revogou a suspensão da execução da pena de seis meses em que foi condenado, recorreu para este Tribunal da Relação do Porto, formulando as seguintes conclusões (transcrição):
I. O recorrente foi condenado por douta sentença de 5/8/2015, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo n.º 1 do art. 292º do C.P, na pena de 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução durante 1 (um) ano, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 (um) ano, ao abrigo do art. 69º n.º 1, al a) e n.º 3 do C.P.
II. Por douta decisão de 16/1/2017, tal suspensão foi revogada ao abrigo do disposto no art 56º, n.º 1 al b) e n.º 2 do C.P.
III. O Tribunal a quo, na douta decisão ora recorrida, não considera factos que, no entender do recorrente, se revelam necessários e essenciais para se poder formular um juízo seguro na revogação da suspensão da pena de prisão.
IV. Sendo factualidade provada que o arguido, ora recorrente, foi condenado por duas vezes durante o período da suspensão da pena pelos crimes supra referenciados, o Tribunal a quo deveria ter levado em consideração que o cometimento de um crime durante tal período não implica necessária e automaticamente a sua revogação. Para que tal aconteça é necessário que esse comportamento evidencie que aquele não é merecedor do juízo de prognose positiva em que alicerçou a aplicação daquela pena de substituição.
V. A suspensão só deve ser revogada se se revelar que as finalidades que estiveram na base da suspensão já não poderão, por meio desta, ser alcançadas ou, “dito de outra forma, se nascesse ali a convicção de que um tal incumprimento infirmou definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão é dizer, a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade”, in Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, Figueiredo Dias.
VI. Embora o recorrente tenha sido condenado em duas ocasiões pelo crime de violação de proibições e pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tal não determina automaticamente que seja revogada a suspensão da pena de prisão.
VII. Da leitura do despacho recorrido, resulta que o Tribunal a quo revogou a suspensão porquanto entendeu ser “forçoso concluir que o arguido com o seu comportamento merece que a suspensão da execução da pena de prisão lhe seja revogada, já que revela claramente que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.”
VIII. A decisão aqui recorrida, embora sustentando-se nas condenações supra referenciadas, não considerou ou valorou que as respectivas sentenças entenderam ser suficiente a aplicação de penas de multa. Com certeza fundamentando-se em razões de facto e de direito que não foram, mas deveriam ter sido, devidamente analisados, mormente quando são a razão única na decisão de revogar a suspensão da pena de prisão anteriormente aplicada.
IX. Seria necessário que o Tribunal a quo tivesse reunido todos elementos indispensáveis para tomar tal decisão, nomeadamente, examinando a factualidade dada por provada nas indicadas sentenças e, se as mesmas mostram absolutamente eloquente quanto ao naufrágio das finalidades que estiveram na base da suspensão.
X. É certo que o Tribunal a quo não está obrigado a concordar com a fundamentação de tais sentenças, mas também é certo que a tais condenações, em penas de multa, durante a suspensão anterior não é só por si suficiente para afastar a possibilidade de se manter tal suspensão, decidindo logo pela sua revogação.
XI. Não foram consideradas as condições pessoais, familiares, sociais e económicas do recorrido no sentido de avaliar se a sujeição a um período de encarceramento por seis meses em estabelecimento prisional será a medida mais adequada.
XII. O recorrente nunca foi condenado por qualquer outro tipo de crime que não o qual foi nestes autos condenado e o conexo crime de violação de proibições, sendo um cidadão plenamente integrado social, familiar e economicamente.
XIII. O tipo de crimes pelos quais foi o recorrente condenado serão melhor prevenidos e punidos com penas, sanções acessórias e obrigações como, por exemplo, a realização de tratamentos médicos ou outras que se mostrem adequadas, que não impliquem a privação da liberdade.
XIV. O recorrente aceitou frequentar o curso “Responsabilidade e Segurança”, bem como aceitou, perante o Tribunal a quo, a imposição de outras condições e obrigações que o douto Tribunal entendesse aplicar para que a suspensão da execução da pena de prisão se mantivesse.
XV. Em alternativa, requereu a substituição da pena de prisão por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos previstos no art. 58º do C.P., ou outra que não implicasse a privação da liberdade.
XVI. Na eventualidade da suspensão da pena de prisão aplicada ser efectivamente revogada, requereu que esta fosse cumprida em regime de permanência na habitação ao abrigo do art. 44º do C.P.
XVII. As declarações do recorrente nesse sentido não foram consideradas ou valoradas na douta decisão ora em crise.
XVIII. Não se atenderam a todas as circunstâncias depuseram a favor do ora recorrente, em clara violação do disposto no artigo 71, n.º 2 do Código Penal.
XIX. Sendo de decidir manter-se a suspensão da pena de prisão a que foi o recorrente condenado.
1.2. Respondeu o MP junto do Tribunal “a quo”, pugnando pela improcedência do recurso, concluindo:
“ (…)
Note-se que o arguido entregou a sua carta de condução nos autos a 15.09.2015 para cumprimento da pena acessória em que foi condenado, tendo conduzido na via pública no dia 26/02/2016 violando a proibição de conduzir com que foi censurado nos autos. Ademais, o arguido voltou a conduzir na via pública no dia 18.04.2014 com uma taxa de álcool no sangue superior a l,2g/l e uma vez mais desrespeitando a proibição de conduzir com que foi censurado nos autos e voltando a conduzir em estado de embriaguez. Ou seja o arguido praticou no decurso do período de suspensão três crimes todos eles intrinsecamente relacionados com o crime pelo qual foi condenado nos autos, sendo que todos eles evidenciam flagrantemente a total indiferença do arguido face às penas (principal e acessória) em que foi condenado.
Dito de outro modo, não é possível face ao circunstancialismo descrito decidir pela extinção da pena, sendo por demais evidente que a conduta do arguido demonstra de forma indiscutível que as finalidades que estiveram na base da suspensão da pena não podem por meio dela ser alcançadas existindo, pois, motivos graves e bastantes que impõe a revogação da suspensão.
Todos estes factores foram devidamente focados e ponderados na decisão recorrida, a qual concluiu, como de resto não poderia deixar de fazer, que não foram alcançadas as finalidades da suspensão, pelo que nenhum reparo merece.
1.3. Nesta Relação, o Ex.º Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1.4. Deu-se cumprimento ao disposto no art. 417º,n.º 2 do CPP.
1.5. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
2. Fundamentação
2.1.Matéria de facto
A decisão recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto (transcrição):
1. O aqui arguido B… foi condenado nestes autos, por sentença de fls. 31 e ss., transitada em julgado a 30/09/2015, na pena seis meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de 1 ano, subordinada à obrigação de frequentar um curso de prevenção rodoviária destinado a condutores que conduzem com álcool, cumulada com a obrigação de entregar €600,00 aos Bombeiros Voluntários C… de uma vez, no prazo de 30 dias ou, em seis prestações, no valor mensal de €100,00 cada, e na pena acessória de proibição de conduzir pelo prazo de 1 ano, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
2. No prazo da suspensão o arguido não frequentou o curso de prevenção rodoviária por razões que não lhe podem ser imputadas, dado ter ficado doente, conforme justificou tempestivamente.
3. O arguido liquidou aos Bombeiros Voluntários C…: €100,00 a 15/09/2015, €100,00 a 14/01/2016 e €400,00 a 09/09/2016 - cfr. 19,56 e 124.
4. Por sentença de 16/03/2016, transitada em julgado a 30/05/2016, proferida pela instância criminal local de Barcelos - J2, foi o aqui arguido condenado pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. nos termos do art. 353° do C.P., na pena de oito meses de prisão substituída pela pena de 240 dias de multa, à taxa diária de €5,00, por ter o mesmo conduzido na via pública no dia 26/02/2016, desrespeitando/violando a proibição de conduzir com que foi censurado nos presentes autos, tendo entregue a sua carta de condução a 15/09/2015, pelo que só o poderia fazer depois de 15/09/2016 - cfr. certidão de fls. 85 e seguintes, que aqui se dá por integralmente reproduzida e integrada para todos os efeitos legais.
5. Por sentença de 04/05/2016, transitada em julgado a 03/06/2016, proferida pela instância criminal local de Vila do Conde - J2, foi o aqui arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292°, n.º 1, e 69°, n.º 1, al. a), do C.P. na pena de 9 meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 15 meses e de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. nos termos do art. 353.° do CP; na pena de quatro meses de prisão, em cúmulo jurídico de ambas as penas, foi condenado na pena de 11 meses de prisão substituída por 300 dias de multa, à taxa diária de €5,00, por ter o mesmo conduzido na via pública no dia 18/04/2016, com uma taxa de álcool no sangue superior a 1,20 g/l e desrespeitando/violando a proibição de conduzir com que foi censurado nos presentes autos, tendo entregue a sua carta de condução a 15/09/2015, pelo que só o poderia fazer depois de 15/09/2016 - cfr. ofício com cópia da sentença de fls. 92 e seguintes e CRC e respectivos boletins de fls. 102 e seguintes, que aqui se dá por integralmente reproduzida e integrada para todos os efeitos legais.
6. Ouvido em declarações a 07/09/2016, o mesmo comprometeu-se a efectuar o pagamento do montante de €400,00 em falta devido aos B.V. C…, o que fez a 09/09/2016.
7. Ouvido de novo em declarações em 13/12/2016 e confrontado com as condenações sofridas pelos crimes praticados no período de suspensão, o aqui arguido não apresentou qualquer justificação para a prática dos mesmos crimes, dizendo apenas estar arrependido.
8. Resulta do relatório social junto a fls. 171 e seguintes que o arguido revela uma postura de auto-crítica relativamente às suas condutas objecto de censura penal por reiteradamente ter infringido a lei, estando disposto, caso o tribunal lhe dê essa oportunidade, a frequentar o curso de "Responsabilidade e Segurança - CVEE- Condução de Veículo em Estado de Embriaguez- Estratégias de Prevenção da Reincidência, da responsabilidade da DGRSP.
Os factos dados supra como provados foram assim considerados tendo em conta os documentos e demais elementos juntos aos autos
2.2. Matéria de Direito
É objecto do presente recurso a decisão proferida nos autos em 16/01/2017 (fls. 181/183, revogando a suspensão da execução da pena de seis meses de prisão em que foi condenado o arguido. De acordo com a motivação do recurso e respectivas conclusões, o arguido insurge-se contra tal decisão por entender que, no caso, se justifica a manutenção da suspensão da execução da pena.
A decisão recorrida justificou a sua decisão de revogar a suspensão da execução da pena, no facto de o arguido, durante o período da suspensão, ter praticado, “por duas vezes, crimes, um deles do mesmo tipo daquele que foi condenado nos presentes autos, e os outros dois relacionados com a pena acessória aplicada nos presentes autos”. Daí que tenha concluído ser “bem patente a desconsideração com que o condenado tem votado esse verdadeiro acto de fé de que beneficiou, conforme o próprio não deixará de ter consciência”. “Ou seja: é forçoso concluir que o arguido com o seu comportamento merece que a suspensão da execução da pena de prisão lhe seja revogada, já que revela claramente que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
O arguido entende que não se atenderam a todas as circunstâncias favoráveis, “em clara violação do disposto no art. 71º,2 do C.P.”, e que a suspensão da execução da pena de prisão só deve ser decidida quando as finalidades que estiveram na base da suspensão já não puderem ser alcançadas. Sublinha ainda que, embora tenha sido condenado em duas ocasiões, pelo crime de violação de proibições e pelo crime de condução em estado de embriaguez, no período da suspensão, tal não determina automaticamente a revogação da suspensão da pena de prisão. Alega ainda que a decisão recorrida não valorou o facto de, nas referidas condenações, se ter optado pela aplicação de penas de multa.
Vejamos.
Nos termos do art. 56º, n.º 1, do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.
No presente caso, entendeu-se aplicável ao caso disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 56º C. Penal, ou seja, a prática, no decurso da suspensão, de crime pelo qual o arguido veio a ser condenado, revelando esta conduta que as finalidades que estiveram na base da suspensão não foram alcançadas.
A nosso ver, esta decisão mostra-se correcta, como facilmente se demonstrará.
É verdade que não basta a mera prática de um ou mais crimes no período de suspensão da pena, como alega o arguido. É necessário que essa prática demonstre a frustração do juízo de prognose favorável subjacente à suspensão da execução da pena de prisão. Foi precisamente esse fundamento que a decisão recorrida convocou quando sublinhou a “desconsideração” a que condenado tem votado “esse verdadeiro acto de fé de que beneficiou”.
As finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão consistiam, no essencial, na reintegração plena do agente na sociedade através de um comportamento responsável e sem praticar crimes. Subjacente à suspensão da execução da pena de prisão está sempre um juízo de prognose favorável, traduzido numa expectativa fundada, mas assente num compromisso responsável com o condenado, de que a mera censura do facto e a ameaça da prisão sejam bastantes para que não sejam cometidos novos crimes.
No presente caso, a prática de novos crimes, na pendência da suspensão, não tem qualquer justificação. O arguido foi condenado, no âmbito deste processo, pelo crime de condução em estado de embriaguez, por decisão transitada em julgado em 30-09-2015. Em 04-05-2016 cometeu um crime do mesmo tipo e foi ainda condenado mais duas vezes pelo crime de violação de proibições, precisamente por conduzir durante o período em que, por força da pena acessória de proibição de conduzir, aplicada neste processo, estava proibido de o fazer. Ou seja, o condenado foi completamente indiferente à decisão que o condenou na pena acessória de proibição de conduzir e à advertência solene da ameaça da prisão através da pena de substituição (suspensão da execução da pena de prisão). Esta indiferença (bem sublinhada pela decisão recorrida), mostra-nos à evidência que as finalidades subjacentes à suspensão da execução da pena de prisão não foram de modo algum alcançadas, uma vez que não levaram o arguido a assumir um comportamento responsável relativamente ao tipo de criminalidade em que incorrera. Em rigor, o desprezo reiterado do arguido mostra que a suspensão da pena de prisão não teve qualquer efeito ressocializador e, portanto, a decisão não poderia ter sido outra.
Apesar de o arguido alegar que não foram devidamente ponderadas todas as circunstâncias favoráveis, em violação do art. 71º do C. Penal, a verdade é que apenas destaca o facto de não ter sido condenado em penas de prisão, nos crimes que cometeu durante a suspensão da execução da pena. Todavia, esse aspecto não é só por si determinante; determinante é saber (como decorre do art. 56º, 1, b) do C.P) se a prática de crimes na pendência da suspensão revela ou não a frustração das finalidades que estiveram na base da suspensão. Na verdade, a lei não exige (para a revogação da suspensão) a prática de crime por que o arguido venha a ser condenado em pena de prisão. O que exige é o cometimento de crime por que venha a ser condenado e a demonstração de que as finalidades da suspensão não foram, por essa via, alcançadas. Ora, como acima vimos, a indiferença repetida do arguido pela anterior condenação, praticando crimes da mesma natureza (condução em estado de embriaguez) ou com ele relacionados (duas condenações pelo crime de violação de proibições, por conduzir durante o período em que, por força da pena acessória de proibição de conduzir, aplicada neste processo, estava proibido de o fazer), mostra-nos com clareza que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena de prisão não foram alcançadas e, portanto, se impunha a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
Aqui chegados, importa no entanto apreciar a pretensão do arguido (conclusões XV e XVI) no sentido da substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos previstos no art. 58º do C.P ou, “na eventualidade da suspensão da pena de prisão aplicada ser efectivamente revogada, o cumprimento da mesma em regime de permanência na habitação ao abrigo do art. 44º do C.P”.
Relativamente à pretensão de substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, a mesma não é possível. As penas de substituição (e a prestação de trabalho a favor da comunidade prevista no art. 58º do CP é efectivamente uma pena de substituição) são aplicadas na decisão condenatória. Portanto, o trânsito em julgado da respectiva decisão impede o julgador de, em sede de revogação da suspensão, alterar a pena de substituição tempestivamente aplicada.
Já quanto à pretensão de cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação a solução é mais discutível. Na verdade, se entendermos estar perante uma “forma de execução” da pena, nada obsta a que o tribunal pondere a sua aplicação, depois de ter revogado a suspensão da execução da pena de prisão. A questão foi discutida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2016, de 21 de Março (Diário da República n.º 56/2016, Série I de 2016-03-21) que fixou jurisprudência nos termos seguintes:
Em caso de condenação em pena de multa de substituição, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, do C.P, pode o condenado, após o trânsito em julgado daquela decisão, requerer, ao abrigo do disposto no artigo 48.º, do C.P, o seu cumprimento em dias de trabalho, observados os requisitos dos arts. 489.º e 490.º do CPP.”
Na base deste entendimento, o STJ distinguiu entre penas de substituição e formas de execução da pena. O trânsito em julgado da decisão que aplica uma pena de substituição impede que o Tribunal opte por outra pena de substituição, mas não impede que opte por uma das formas de cumprimento da pena principal prevista na lei. Com efeito, diz o acórdão citado: “ (…) Sendo, pois, o pagamento da pena de multa em dias de trabalho, previsto no artigo 48.º, do CP, uma forma de execução da pena de multa, e não uma pena de substituição, e sendo uma forma de execução antes de o condenado entrar em situação de incumprimento, é aplicável quer se trate de uma pena de multa principal, quer de uma pena de multa de substituição. (…) ”
A nosso ver, o regime previsto no art. 44º do C.P deve ser entendido como uma forma de cumprimento da pena de prisão e não como uma pena de substituição, o que permite a sua aplicação no presente caso.
Ora, provou-se que o arguido “revela uma postura de auto-crítica relativamente às suas condutas objecto de censura penal por reiteradamente ter infringido a lei” e que o mesmo deu o seu assentimento ao cumprimento da pena de prisão, em regime de permanência na habitação. A ilicitude objectiva da conduta do arguido não é muito acentuada, uma vez que não resultou da sua actividade ilícita qualquer dano para terceiro. Por outro lado, o arguido foi condenado na pena de 6 meses de prisão, sendo entendimento geral que as penas curtas de prisão devem ser evitadas, por não contribuírem necessariamente para a ressocialização efectiva do condenado.
Assim, impõe-se manter a decisão recorrida, na parte em que revogou a suspensão da execução da pena de 6 meses prisão, devendo no entanto a pena de prisão ser cumprida em regime de permanência na habitação, sujeita a fiscalização electrónica, por entendermos que esta forma de cumprimento realiza adequadamente as finalidades da punição.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em conceder parcial provimento ao recurso e consequentemente:
a) Manter a decisão recorrida na parte em que revogou a suspensão da execução da pena de seis meses de prisão.
b) Determinar que o condenado cumpra a pena de seis meses de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios electrónicos de controlo à distância, devendo o Tribunal “a quo” tomar as providências adequadas ao cumprimento da pena de prisão, nos termos agora determinados.
Sem custas.

Porto, 10/05/2017
Élia São Pedro
Donas Botto