Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
287/14.1EAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ERNESTO NASCIMENTO
Descritores: CRIME
JOGO DE FORTUNA E AZAR
JOGO ON LINE
USO DE COMPUTADOR
Nº do Documento: RP20180131287/14.1EAPRT.P1
Data do Acordão: 01/31/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PARCIAL PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 746, FLS 234-246)
Área Temática: .
Sumário: O DL 66/2015 de 29/4, veio apenas regulamentar o novo modo (on line) de prática dos jogos já existentes e não criar e regulamentar novos jogos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo comum singular 287/14.1EAPRT da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal de Santo Tirso, J2

Relator - Ernesto Nascimento
Adjunto – José Piedade

Acordam, em conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

I. 1. Efectuado o julgamento, no que ao caso aqui releva, foi o arguido B... condenado, pela prática de um crime de exploração de jogo ilícito de fortuna e azar, p. e p. pelo artigo 108.º do Decreto Lei 422/89, nas penas de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de € 7,00 e, em 80 dias de multa, à mesma taxa e, em cúmulo, na pena única de 260 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, num total de € 1.820,00.

I. 2. Inconformado com o assim decidido, recorre o arguido – pugnando pela revogação da sentença e sua substituição por outra que o absolva da prática do crime de exploração ilícita ou, caso assim não se entenda, que decida pela aplicação de penas substancialmente inferiores - rematando o corpo da motivação com as conclusões que se passam a transcrever:
1. discorda o recorrente da qualificação jurídica efectivada relativamente à conduta que lhe é imputada, e que foi efectivada pelo Digníssimo Tribunal “a quo” em sede de Sentença proferida e ora recorrida, pelo que, por entender ser de perspectivar um enquadramento jurídico diverso, vem pelo presente manifestar a sua discordância quanto à sua condenação pela prática do mencionado crime de exploração ilícita de jogo de fortuna e azar, p. e p, pelo artigo 108.º do Decreto Lei 422/89, de 2 de Dezembro;
2. na verdade, a entender-se que os computadores apreendidos à ordem dos presentes autos desenvolviam um qualquer jogo de fortuna e azar, sempre teria que se ter presente que os mesmos permitem aos utilizadores o acesso livre à internet, logo, qualquer tipo de jogo, pode ser utilizado, desenvolvido e jogado “online” através da internet por qualquer utilizador (através de acesso à internet, que tais máquinas permitiam) – conforme resulta da factualidade provada e do teor do relatório pericial elaborado;
3. ora, aquando da prática dos factos pelo qual o recorrente foi condenado, não existia qualquer regulamentação legal relativa aos “Jogos de Fortuna e Azar” desenvolvidos online (bem como as apostas desportiva à cota de base territorial, via online), o que só veio a acontecer com a entrada em vigor do Decreto Lei 66/2015, de 29 de Abril, cuja produção de efeitos legais se reporta a 29 de Junho de 2015;
4. com efeito, no caso em concreto verifica-se, que à data da prática dos factos em discussão nos presentes autos, existia claramente um vazio legal no que aos “Jogos e Apostas Online” dizia respeito, vertendo o nosso próprio legislador no preâmbulo de um tal diploma legal que, “Emerge, assim, a premente necessidade de criar um novo modelo de exploração e prática de jogo online, pensado à luz desta realidade e do vazio legal existente”, cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 2.11.2015, proferido no âmbito do processo 70/12.9EAMDL.G1 – ao que se sabe, “não publicado”;
5. a tudo acrescem as normas previstas nos artigos 1.º, 4.º alíneas n) e o), 5.º/1 alínea v), 49.º e 55.º do Decreto Lei 66/2015, de 29 de Abril, em que de uma forma clara e inquestionável, se tipifica a prática e a exploração de jogos de fortuna e azar via online, e claramente se renúncia à aplicação (eventualmente) subsidiária do Decreto Lei 422/89, de 2 de Dezembro, que era o anterior regime jurídico que tutelava a exploração e prática de jogos de fortuna e azar (por via física e não online);
6. sem descurar, importará também aqui salientar que inclusivamente, da matéria de facto dada como provada, os jogos não eram disponibilizados fisicamente pelas máquinas apreendidas, mas sim, eram disponibilizados apenas “via internet” e mediante servidores externos a tais máquinas, sendo por isso tais jogos jogados apenas mediante o acesso à internet, seja, via “online”;
7. assim, e segundo o princípio da legalidade, “nullum crimen sine lege”, princípio este consagrado no artigo 1º do C Penal e artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa, não poderá o recorrente ser condenado por uma conduta que à data da sua prática não era legalmente punível, o que se requer seja reconhecido para todos os devidos e legais efeitos e com todas as consequências daí advenientes;
sem prescindir,
8. sem conceder do exposto, sempre apraz referir que, de forma alguma se poderá compreender e aceitar a(s) pena(s) aplicada(s) ao recorrente, na medida em que, extravasa(m) claramente a culpa deste e as próprias necessidades de prevenção, e não tem(têm), devidamente, em conta as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do mesmo recorrente;
9. é de todo incompreensível, porque exagerada(s) e desproporcionada(s), a(s) pena(s) aplicada(s) ao recorrente, não se percebendo do porquê de, de modo absolutamente injustificado, ter sido aplicada ao ora recorrente uma pena de prisão que se distancia de forma considerável do seu limite mínimo, e, uma pena de multa que se aproxima do meio da pena abstractamente aplicável;
10. já no que respeita às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor da recorrente, é de referir que, não parece ter sido devidamente valorada a ausência de antecedentes criminais do tipo, bem como a inserção familiar, social e profissional do mesmo e, bem assim, o facto de não existir uma qualquer notícia posterior da prática de quaisquer factos similares da sua parte ou de outros factos ilícitos;
11. ao que acresce a total impossibilidade de uma qualquer reincidência por parte do recorrente, na medida em que, não explora um qualquer estabelecimento comercial do género do dos autos, o que, atenta a especificidade do tipo, faz diminuir de forma significativa as necessidades de prevenção especial;
12. no caso presente, e por de aplicação ao mesmo, atenta a problemática em apreço, deverá relevar-se tudo quanto vem vertido no douto Acórdão da Relação do Porto, de 18/09/2013 (proferido pela 4ª Secção no âmbito do Proc. 311/10.7EAPRT.P1), que nos refere estarmos perante o «domínio das denominadas “bagatelas penais”, com um pequena grau de ilicitude dos factos e com pequenas necessidades de prevenção geral, porquanto, o tipo em causa não é causador de grande alarme social;
13. ademais, e na sequência do decidido pelo STJ, no seu douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência 8/2013, sempre temos que a substituição da pena de prisão aplicada deveria ter sido efectivada, não em medida igual ou proporcional àquele prazo, mas sim em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, apresentando-se assim como exagerada e desproporcional a pena aplicada, impondo-se em medida inferior;
14. também o quantitativo diário, de € 7,00 da pena de multa que o Digníssimo Tribunal “a quo” julgou por adequado ao caso presente, merece a reprovação por parte do recorrente, na medida em que, ao fixar tais valores, não parece haver o Digníssimo Tribunal “a quo” ponderado, devidamente, os pressupostos legais, descurando “a situação económica e financeira” do aqui recorrente e “os seus encargos pessoais”, incorrendo, dessa forma, numa clara violação do disposto no artigo 47.º/2 C Penal;
15. pois que, na verdade, e ainda que resulte dos factos provados a ausência de constrangimentos relevantes a nível financeiro por parte do ora recorrente, o único rendimento mensal por aquele auferido corresponde ao salário mínimo nacional, com o que tem que fazer face a todas as suas despesas;
16. a pena aplicada ao ora recorrente, não é de forma alguma correcta e justa, revelando-se, aliás, como exagerada e desproporcionada às exigências de prevenção geral e especial aqui reclamadas, não se enquadrando, por isso, de forma alguma, nos princípios legais reguladores da presente matéria, como sejam, os artigos 40.º e 71.º C Penal;
17. de igual modo, também o quantitativo diário da pena de multa se revela como exagerado, e, em clara violação disposto no artigo 47.º/2 C Penal, por se afigurar como desproporcional à situação económica e financeira do recorrente e aos seus encargos pessoais;
18. donde, sempre será de concluir que, no caso presente, e atento tudo o exposto, sempre deverá decidir-se pela aplicação de penas substancialmente inferiores, na medida em que, das mesmas sempre resultarão perfeitamente prosseguidas as exigências de prevenção, resultando, daí, por realizadas, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição;
19. a douta Sentença sob recurso violou os artigos 40.º, 43.º, 47.º e 71.º C Penal, 1.º, 3.º, 4.º e 108.º, todos do Decreto Lei 422/89, de 2 de Dezembro, 1.º, 2.º, 5.º, 8.º, 9.º, 10.º, 49.º e 55.º, todos do Decreto Lei 66/2015, de 29 de Abril e 29.º da Constituição da República Portuguesa.

I. 3. Na resposta que apresentou a Magistrada do MP pugna pelo não provimento do recurso.

II. Subidos os autos a este Tribunal o Exmo. Sr. Procurador Geral Adjunto, da mesma forma, defende o não provimento do recurso.
Proferido despacho preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência e dos correspondentes trabalhos resultou o presente Acórdão.

III. Fundamentação

III. 1. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões da motivação apresentada pelo recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas - a não ser que sejam de conhecimento oficioso - e, que nos recursos se apreciam questões e não razões, bem como, não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, então, as questões suscitadas no presente são tão só,
a subsunção dos factos ao direito e,
a dosimetria das penas.

III. 2. A fundamentação de facto da decisão recorrida.

No dia 14 de Outubro de 2014, cerca das 15h20, no estabelecimento comercial de restauração e bebidas denominado “C..., Lda”, situado na ..., ..., Loja ., freguesia ..., Santo Tirso, explorado pelo arguido B... e no interior de uma sala que funciona como prolongamento do café existiam duas máquinas electrónicas tipo vídeo, sem qualquer referência exterior quanto à sua designação ou modelo, compostas cada uma por um móvel de aglomerado de madeira de cor preta, um monitor um teclado, um rato e um cpu (instalado no interior do móvel).
As máquinas são constituídas por um móvel de estrutura em madeira, de cor preta, tipo bancada, no qual se encontra um monitor, abaixo do qual se situa uma prateleira que comporta um teclado de computador e um rato. A meio das máquinas encontra-se instalado o mecanismo de introdução de moedas e o cofre respectivo.
No interior das máquinas, acedido através de uma porta situada na parte traseira, encontram-se os vários componentes de um computador, portátil da marca ASUS modelo ..., incluindo os discos rígidos da marca Maxtor, s/n ........ e Seagate, s/n ........, que servem como seus suporte.
Tais máquinas comportam um único disco rígido que tem instalado o mesmo software, estando fraccionado em duas partições, contendo o sistema operativo Windows, bem como diversos utilitários e um programa de gestão de acessos à Internet, que arranca por defeito e é responsável pela gestão de toda a máquina.
Tal aplicação denominada “D...” arranca automaticamente sempre que a máquina é ligada à eletricidade, apresentando-se como a única aplicação que é disponibilizada ao utilizador para este intervir.
Nas configurações da aplicação, designadamente no ficheiro “E...”, a mesma através de um conjunto de validações e procedimentos não identificados está programada para efectuar o redireccionamento para dois sites “http://F....com” e http:/G....org.
O site “http://sh.dontexist.com”, apresenta-se como um conjunto de links a páginas alusivas a super-heróis. Tais links são utilizados como forma de introdução de um código de validação/ativação (sequência de toques nas figuras alusivas aos super-heróis) de jogos de fortuna ou azar disponibilizados pelo site www.G....com.
A página “oficial” do site www.G....org disponibiliza diversos jogos de diversão agrupados por categorias. Este site tem no entanto outros conteúdos que internamente estão “guardados” nas localizações “www.G.../ADVENTURE/...” e www.G....org/FUN/..., conteúdos estes que apenas estão acessíveis a quem tem permissão para tal.
A máquina em questão servia de interface, isto é, os jogos, bem como as componentes a estes associadas, estão num servidor remoto, que comunica com a máquina transmitindo-lhes a informação necessária, para que os jogos possam ser por ela desenvolvidos.
O disco rígido (marca Hitachi, s/n .......) encontrado no interior do computador portátil contém o sistema operativo Windows, para além de outros vulgares utilitários e na diretoria “C:\Programas” consta uma pasta com a designação “H...”, dento da qual se encontra instalado o software necessário para a prática do jogo do póquer online, através do aludido site, bem como uma outra pasta com a denominação “I...”.
A H... é um dos maiores e mais influentes sites de jogos de póquer online. Nele estão disponíveis jogos à Real Money (dinheiro real) e Play Money (dinheiro fictício), em diversas modalidades de poker como J..., K..., L..., M..., N..., O..., P..., entre outras. Apesar do jogo ser totalmente online, este obriga à instalação de um software específico.
Naquele dia, o arguido B... tinha no seu estabelecimento comercial as duas máquinas de jogo acima referidas, ambas com “noteiro” e “moedeiro”, encontrando- se a máquina 1 ligada, em pleno funcionamento a desenvolver um jogo do tipo “slot machine”, designado por “Halloween”.
A máquina 2 possuía as mesmas características da máquina 1, encontrando-se a mesma desligada.
O jogo “Haloween” é um jogo do tipo “slot machine” ou rolos electrónicos, que funciona da seguinte forma:
No cenário daquele jogo estão os indicadores “Crédito”, “Prémio” e “Aposta”. 16- O indicador de Crédito apresenta o número de créditos disponíveis para jogar.
O indicador Prémio vai indicando o número de créditos que se ganha em cada jogada premiada (na jogada seguinte este indicador regressa a zero, sendo os créditos somados aos existentes no indicador Créditos).
O indicador Aposta regista o número de créditos apostados em cada jogada.
Ao centro do cenário encontra-se uma janela com os 5 (cinco) rolos de símbolos, com os quais se desenvolve o jogo.
O jogador pode, então, seleccionar o número de créditos que pretende apostar, pressionando a respectiva tecla – as teclas de jogo são podem ser visualizadas na base do ecrã.
Quanto maior for aposta, mais créditos gasta mas mais possibilidades de prémios terá.
Seguidamente, pressiona o campo, destinado a iniciar o jogo.
Automaticamente os rolos electrónicos começam a girar, até que se imobilizam. Se uma vez imobilizados, os símbolos apresentados configurarem uma combinação vencedora (a tabela de combinações/prémios pode ser visualizada a qualquer momento do jogo pressionado a respectiva tecla), o jogador ganha o prémio correspondente; se não configurarem uma combinação vencedora, o jogador nada ganha.
Este tipo de jogos, é em tudo semelhantes aos desenvolvidos pelas “slot machines” exploradas nos casinos: jogos de rolos cujo objectivo é conseguirem combinações de símbolos premiadas.
A obtenção destes prémios no jogo acima descrito depende única e exclusivamente da sorte do jogador.
Se o jogador estiver algum tempo sem desenvolver qualquer jogada ou aposta, a máquina regressa ao ambiente de trabalho normal.
Para se voltar a aceder ao jogo, uma vez que o mesmo está camuflado é necessário um conjunto de operações que permitam o acesso ao mesmo.
A segunda máquina dois (2) existente na sala, estava desligada, sendo em tudo idêntica à primeira e acima descrita, possuindo um noteiro, possibilitando a inserção de grandes quantias em dinheiro e apesar de resguardada estava ao alcance de qualquer cliente. 29- As máquinas possuíam um noteiro e um sistema de inserção de moedas, designado de moedeiro.
No interior da máquina número um existia o valor de € 11,10 em moedas e no cofre do noteiro € 120,00.
Na máquina número dois no cofre do noteiro havia € 20,00.
Ambas as máquinas estavam ligadas à corrente por cabos estando o seu acesso disponível a qualquer cliente.
Jogo do tipo Vídeo-Póquer
O jogo tem início com a escolha de número de apostas que o jogador pretende efectuar em cada jogada. Surgem então, de imediato, em simultâneo, de forma aleatória e dispostas em linha, na base do ecrã, cinco cartas. Cada uma destas cartas, pertence a um baralho, podendo portanto, aparecer qualquer uma das 52 cartas e ainda a figura de um Joker que substitui qualquer carta numa sequência premiada.
A fixação das cartas é feita pressionando a carta escolhida, aparecendo de imediato a informação de que a carta está fixa. O jogador poderá optar por “fixar” as cartas que entender, na expetativa de que, as que não fixou, sejam substituídas por outras que, conjuntamente com as já fixadas, venham a constituir uma das sequências premiadas admitidas pela máquina e visualizadas no próprio ecrã no decorrer de todo o jogo.
O jogador tanto pode apostar na sequência de 5 cartas do mesmo naipe, como na escolha de 3 cartas do mesmo valor, mas de naipes diferentes, ou em qualquer outra combinação admitida neste tipo de jogo. Então, uma de duas situações pode ocorrer:
A combinação que saiu não é premiada, e neste caso o jogo termina;
- A combinação que saiu é premiada, sendo que, sempre que tal acontece, o jogador poderá optar por somar (“creditar”) os créditos ganhos na jogada, aos que já tem, ou por tentar dobrar esses mesmos créditos.
O lançamento das cartas, tal como a substituição das não “fixadas”, como ainda o sorteio da carta para a dobra, são processos totalmente aleatórios executados pelo programa.
O objectivo do jogo, tal como no vídeo-poker, é o de conseguir combinações premiadas, tais como: sequência real (ás, rei, dama, valete e 10 do mesmo naipe), sequência numérica, sequência de cor, “fullen”, trios, pares, etc.
O jogo acima descrito apresenta, como resultados, pontuações dependentes da sorte, ou seja, para qualquer resultado, o jogador está impossibilitado de controlar, de forma relevante para a condução do jogo, os factores determinantes do resultado, sendo a sorte e o acaso que determinam o seu.
O Jogo do tipo Vídeo-Bingo
No cenário de jogo é possível visualizar os vários alinhamentos que originam prémio, expostos permanentemente na área superior direita bem como o respectivo valor do prémio em função da aposta efectuada.
O jogador pode utilizar de 1 a 4 cartões para jogar e pode, nomeadamente, escolher de entre vários cartões disponíveis. Os cartões de jogo estão dispostos na área inferior do ecrã.
Para começar o jogo é necessária a introdução de créditos. De seguida, é escolhida a quantidade de cartões com que se pretende jogar, após o que se efectua a aposta. Através do accionamento do respectivo botão é iniciado o jogo, começando o sorteio aleatório de números (ou bolas).
Terminado o sorteio dos números, se existirem cartões com alinhamentos premiados, o valor dos prémios é adicionado ao respectivo contador, podendo o jogador iniciar outra jogada. Caso contrário, o jogador nada ganha.
No dia 14.10.2014, o arguido difundia, naquele local, música ambiente por quatro colunas, ligadas a uma mesa de mistura que se encontrava acoplada a um computador portátil, da marca ASUS, ....
O estabelecimento “C..., Lda” era titular de licença da SPA – Sociedade Portuguesa de Autores, não tendo sido apresentada a licença da Passmúsica, que representa os direitos da Audiogest e da GDA.
As máquinas e computador atrás identificados, que proporcionavam a prática daqueles jogos, foram, pelo menos, no dia 14.10.2014, mantidos pelo arguido no mencionado estabelecimento e para utilização dos seus clientes, sendo tal equipamento efectivamente utilizado pelos mesmos.
O arguido colocou as acima identificadas máquinas e tinha o computador portátil, no estabelecimento comercial explorado por si, com o propósito concretizado de obter para si ganhos proporcionados pela utilização pelos seus clientes dos jogos atrás descritos.
Durante o tempo em que as referidas máquinas se encontraram naquele estabelecimento e em que foram, efectivamente, utilizadas por diversas vezes e por diversos indivíduos, o arguido retirou dessa utilização os lucros correspondentes.
Agindo da forma descrita, o arguido B... tinha a vontade livre e a perfeita consciência de explorar jogos de fortuna e azar fora dos locais legalmente autorizados, sendo sua intenção ao fazê-lo, bem sabendo que as máquinas e computador utilizados continham jogos cujo resultado dependia unicamente do acaso.
Bem sabia o arguido que as suas condutas eram punidas e proibidas por lei.
B... é o segundo de três irmãos, proveniente de um agregado em que o progenitor empresário do sector têxtil e a progenitora telefonista se divorciaram quando o arguido tinha 5 anos de idade. O arguido e irmãos ficaram a residir com a mãe, agregado que B... integrou até aos 20 anos de idade. B... tem uma dinâmica relacional de proximidade afectiva com a sua progenitora. Com 20 anos o arguido começou a residir sozinho, situação que manteve cerca de ano e meio, reintegrando o agregado materno. Posteriormente B... iniciou relacionamento afectivo, mantendo-se cerca de 3 anos a residir integrado no agregado dos pais da sua namorada, situação em que se mantinha à data dos factos subjacentes ao presente processo. Há cerca de 2 anos B... passou novamente a residir sozinho, em habitação dos pais, regressando recentemente ao agregado materno, no qual se mantém até à data actual, usufruindo de uma dinâmica intrafamiliar de forte coesão. B... tem o 12º ano de escolaridade. Desistiu da frequência da escolaridade aquando da reprovação no 12º ano, que concluiu aos 19 anos de idade. Aos 18 anos começou a trabalhar como motorista na empresa têxtil do seu pai, na qual permaneceu cerca de 4 anos. Posteriormente esteve cerca de 1 ano desempregado e a beneficiar de subsídio de desemprego, começando a ajudar em bares. Aos 24 anos passou a assumir funções de gerente de um bar e aos 25 anos começou a explorar por conta própria estabelecimento de café até final de 2016. Há cerca de 6 meses deixou a gestão desse estabelecimento, alegadamente propriedade do seu progenitor, mantendo-se a desempenhar e até à data actual funções de empregado nesse espaço comercial, declarando auferir o salário mínimo nacional. Ao nível afectivo-relacional B... mantém o relacionamento de namoro há cerca de 6 anos, sendo referenciado o relacionamento como bem estruturado e com objectivos bem definidos quanto ao futuro em comum. O arguido não identifica constrangimentos relevantes ao nível financeiro, declarando auferir actualmente o salário mínimo nacional. À data dos factos subjacentes ao presente processo assim como actualmente, o arguido centra o seu quotidiano no exercício da sua actividade profissional e no convívio familiar, reconhecendo que gosta de viajar. O arguido é pessoa humilde e trabalhadora, sendo respeitador e respeitado no meio social em que se encontra inserido. Ao longo do seu trajecto vivencial, B... tem apresentado um comportamento globalmente consentâneo com os padrões e normas sociais, beneficiando de uma inserção sem indicadores de constrangimentos ou rejeição, não existindo qualquer referência ou indicador passível de constituir factor de risco.
No processo nº437/07.4GDGMR do 1º Juízo Criminal de Guimarães, por sentença de 12.11.2007, transitada em julgado em 5.5.2008, o arguido B... foi condenado pela prática em 11.11.2007, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo art.292º, nº1 e 69º, nº1, al. a) do Código Penal na pena de 80 dias de multa e na pena acessória de 6 meses de proibição de conduzir veículos a motor, tendo sido extinta, pelo cumprimento, a aludida pena.
No processo nº127/08.0GDSTS do 2º Juízo Criminal de Santo Tirso, por sentença de 29.4.2008, transitada em julgado em 5.11.2008, o arguido B... foi condenado pela prática em 12.4.2008, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo art.292º, nº1 e 69º, nº1, al.a) do Código Penal na pena de 55 dias de multa e na pena acessória de 3 meses de proibição de conduzir veículos a motor, tendo sido aquela substituída por trabalho a favor da comunidade e, entretanto, extinta pelo cumprimento.
No processo nº1523/08.9TAGMR do 1º Juízo Criminal de Guimarães, por sentença de 6.7.2009, transitada em julgado em 7.9.2009, o arguido B... foi condenado pela prática em 14.7.2008, de um crime de violação de proibições p. e p. pelo art.353º do Código Penal na pena de 4 meses de prisão, suspensa por 1 ano, tendo sido extinta a aludida pena nos termos do art.57º do Código Penal.

III. 3. A este propósito e dado que sempre se teria que ter como definitivamente fixada esta matéria de facto, uma vez que o recurso não versa sobre a matéria de facto e se não vislumbra a existência de qualquer um dos vícios da decisão - do conhecimento oficioso – previstos no artigo 410.º/2 C P Penal, importa, não obstante, atentar no seguinte.

O arguido estrutura o segmento do recurso, atinente com o quantum da pena, também, nas circunstâncias de os proventos serem divididos com o proprietário da máquina e de, em relação à sua pessoa, se verificar uma total impossibilidade de qualquer reiteração da mesma conduta, atendendo ao facto de não, mais, explorar um qualquer estabelecimento comercial do género.
A invocação destas 2 circunstâncias encerra, em si mesmo, um evidente equívoco - seja o de se invocar matéria de facto, julgada como tal, confundindo-se elementos de prova com factos a provar.
Com efeito.
Levou-se à matéria de facto, indevidamente, um elemento de prova, como é, o relatório social.
Quando o que aí deve constar são factos, enquanto pedaços da vida real, perceptíveis pelos sentidos.
E, no caso factos atinentes com a personalidade e condições da vida pessoal do arguido.
Factos estes, essenciais, para as operações de escolha da espécie e da medida da pena.
E, cuja falta de averiguação, vem sendo tratada em sede de vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º C P Penal.
Segundo o artigo 1.º alínea g) C P Penal relatório social é “a informação sobre a inserção familiar e sócio-profissional do arguido e, eventualmente, da vítima, elaborada por serviços de reinserção social, com o objectivo de auxiliar o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade do arguido, para os efeitos e nos casos previstos nesta lei”.
Um desses casos é o artigo 370.º C P Penal, cujo n.º 1 dispõe que “o tribunal pode em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correcta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação de serviços de reinserção social, ou a respectiva actualização, quando aqueles já constarem do processo”.
No que traduz, inequivocamente, a ideia de estarmos, então, perante um meio de prova – e sujeito à livre apreciação da prova.
Não se pode, por isso - no que se traduz, por isso numa técnica errada, apesar de muito usual, na prática - reproduzir, parcialmente e, muito menos, na íntegra, o conteúdo do relatório social, no elenco dos factos provados.
Isto, porque, apenas os factos devem ser levados a este capítulo e, no caso concreto, depois de feita a análise crítica da prova que sobre eles tiver sido produzida.
No caso não houve nenhuma intermediação.
O tribunal aceitou – teve a bondade de dar como provados - acriticamente, como factos e como reais e verdadeiros, o que o relatório social retractou como tendo sido dito pela fonte de informação, com base na qua foi o mesmo elaborado.
Sem contraditório, sem qualquer exercício de valoração e, sem a intervenção, curiosamente, do próprio, arguido que, não obstante, invoca a seu favor, o que dele consta - no que se reporta aos seus derradeiros segmentos de vida, cuja valoração e ponderação, foi, efectivamente, esquecida na decisão recorrida.
E, da mesma forma, assim se postergou os princípios da concentração, imediação e da oralidade.
Dar como provado o que consta de um relatório social é tão errado, como dar como provado o facto que consta, como tendo sido declarado, de um qualquer documento, público ou particular.
E, da mesma forma, já agora, dar como provado que a testemunha tem o arguido como boa pessoa – situação que amiúde acontece.
No entanto e, decisivamente, uma vez que não vem colocado em causa o julgamento firmado sobre tal segmento da matéria de facto e, porque a questão, em concreto, suscitada no recurso, relacionada, se prende tão só, com o quantum da pena e, porque algumas das circunstâncias invocadas pelo arguido, com virtualidade de demonstrar a existência de erro em tal operação, ali não estão retratadas enquanto factos – apenas enquanto conteúdo do relatório social - nenhuma consequência se retira deste apontado e manifesto erro de procedimento – a não ser a sua não consideração, por não constarem, de facto, do elenco dos factos – qual tale - provados.
Nem o ter-se como não escrito o que da decisão recorrida consta, pois que se nada do que aí consta é facto, da mesma forma, muito do aí constante nem sequer relevo assume para o efeito pretendido com a elaboração do relatório.
Nem a verificação do vício da insuficiência de averiguação de factos essenciais.
Tão pouco a falta de análise crítica de prova produzida – exigida, apesar de não ter sido produzida qualquer outra prova que contrarie o conteúdo do dito relatório social e imponha decisão diversa.

III. 4. Apreciando.

III. 4. 1. A subsunção dos factos ao direito

A questão do enquadramento jurídico a conferir aos jogos aqui designados por “Halloween” e da aplicabilidade, ou não, na sua regulamentação, da disciplina legal contida no Decreto Lei 422/89.

III. 4. 1. 1. Vejamos, o que a este propósito consta da decisão recorrida.
“Do crime de exploração ilícita de jogo
O artigo 108.º/1 do DL 422/89 de 02/12, na redacção que lhe foi dada pelo DL 10/95, de 19/01, dispõe que “quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias”.
Adianta o n.º 2 do aludido normativo que “será punido com a pena prevista no número anterior quem for encarregado da direcção do jogo, mesmo que não a exerça habitualmente, bem como os administradores, directores, gerentes, empregados e agentes da entidade exploradora.”
O artigo 1º do citado diploma estabelece que “jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”, ou seja, todos aqueles jogos e apostas que o homem comum designa por “jogos a dinheiro”.
Acrescenta o seu artigo 3.º que “a exploração e a prática de jogos de fortuna ou azar só são permitidas nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporários criadas por Decreto-Lei ou, fora daqueles, nos casos excepcionados nos artigos 6.º a 8.º”, os quais se referem a exploração de jogos em navios ou aeronaves, por ocasião de manifestações de relevante interesse turístico, em localidades em que a actividade turística for predominante ou do jogo do bingo em salas próprias, fora das áreas dos municípios em que se localizem os casinos.
Explicita ainda o artigo 4.º do mesmo diploma que
1 - Nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar:
(…)
g) Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
Os elementos típicos desta infracção são:
a exploração de jogos de fortuna ou azar (objecto da acção);
que essa exploração se processe por qualquer forma (modo de acção);
a exploração de tais jogos e por tais formas fora dos locais legalmente autorizados (ofensa do bem jurídico tutelado);
a existência de dolo em qualquer das suas modalidades (elemento subjectivo). Não constitui, por isso, elemento de tipo legal de crime que o jogador tenha ganho ou perda económica consoante o resultado do jogo porquanto o legislador quis prevenir o mero perigo desse resultado se verificar.
No que toca ao bem jurídico tutelado, há que ter presente que o direito de explorar jogos de fortuna ou azar é reservado ao Estado, assumindo, assim, foros de ordem pública, e que só pode ser exercido por sociedades anónimas a quem o Governo adjudica a respectiva concessão, confinando-se a sua exploração e prática a casinos em zonas de jogo, ou fora daquelas, nos casos já supra mencionados – artigo 9.º e 3.º do DL 422/89 – visando-se o combate a actividades marginais à economia legal – o jogo clandestino.
Assim resulta, na verdade, do preâmbulo desta lei: “a legislação do jogo é de interesse e ordem pública, dadas as respectivas incidências sociais, administrativas, penais e tributárias” (...) “a disciplina actual do jogo consagra algumas soluções que carecem de ser adaptadas às alterações de natureza sócio-económica verificadas nos últimos anos e, fundamentalmente, à função turística que o jogo é chamado a desempenhar, designadamente como factor favorável à criação e ao desenvolvimento de áreas turísticas.”
O Estado assume assim função de controlo do impulso lúdico, garantindo a lisura dos processos e fundamentalmente a possibilidade de controlar a oferta de jogo, quer qualitativa, quer quantitativamente.
O arguido invoca, em sede contestatória, que a conduta descrita na acusação é atípica, uma vez que se consumou antes da entrada em vigor do Decreto Lei 66/2015, de 29.4 que, no seu preâmbulo, refere a “premente necessidade de criar um novo modelo de exploração e prática de jogo online, pensado à luz desta realidade e do vazio legal existente.”
Ora, a este respeito seguimos o entendimento adoptado em situação similar expresso no sumário do acórdão da Relação de Lisboa de 8.3.2014, relatado por Luís Gominho, in Bases de Dados Jurídico-Documentais do IGFEJ que assim se reproduz:
“I – O “vazio legal existente” mencionado no preâmbulo do DL 66/2015, de 29/04, que entre nós veio disciplinar o jogo online, deverá ser entendido como reportando-se primacialmente à regulamentação da exploração e prática dessa modalidade de jogo, e não, como uma manifestação do Legislador concernente a uma eventual não punibilidade de condutas que devessem ser consideradas como típicas à luz do DL 422/89, de 2 de Dezembro.
- Para a definição de jogo ilícito e ou modalidades afins constante deste último Diploma, não é o facto das instruções que permitiam o funcionamento do jogo não estarem residentes no interior da máquina (mas sim acedíveis via internet a partir de um servidor remoto), que tornam, ou não, ilícita a sua exploração, já que tal circunstância não é elemento do tipo de crime de exploração ou exposição ilícita de jogo.
- O que temos por decisivo para esse efeito, é saber se o seu “resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte” e qual a natureza (o tema) do respectivo jogo.
- Pelo que malgrado tal forma de acesso às respectivas instruções (que assim permite dispensar a sua locação num disco rígido), continuarmos a entender que funcionando a máquina em apreço como uma slot machine, resultando o vantagem do jogador de uma conversão em dinheiro de pontos obtidos de forma absolutamente aleatória, este tipo de condutas continuam a caber no artigo 108.º do DL 422/89, de 02/12.
- Se forem posteriores à entrada em vigor do citado DL 66/2015, e o jogo dever ser considerado online, a moldura da punição passa a ser diferente: a pena de prisão aumenta de dois para cinco anos, desaparece a pena de multa cumulativa, embora surja de forma adversativa, acrescentada agora para os quinhentos dias.”
Não se pode, assim, considerar que a conduta do arguido é penalmente atípica e insusceptível de persuasão penal, pelo contrário, uma vez que a conduta do arguido encontra previsão legal criminal, com referência à data da prática dos factos.
Na realidade, da matéria fáctica provada resulta que o arguido preencheu o tipo objectivo deste ilícito típico, pois explorava jogo cujos resultados eram aleatórios, fora de área de jogo legalmente estabelecida.
De facto, o funcionamento dessas máquinas permitia o desenvolvimento de jogos de póquer, bingo ou do tipo de slot machine, ou seja, jogos de fortuna ou azar (“Jogo de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte” – artigo 1.º do DL já citado).
Resulta ainda que o arguido sabia que aquela máquina desenvolvia temas de jogo de fortuna ou azar e que, por isso, tal não podia nem devia fazer, tanto mais que não tinha qualquer autorização para o efeito e que actuou assim o arguido de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, pelo que se mostra preenchido o tipo subjectivo de ilícito.
Pelo exposto, o arguido praticou um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelo artigo 108.º do DL 422/89, de 2/12, com referência aos artigos 1.º e 3.º/1, do mesmo diploma legal que lhe vinha imputado.
(…)”.

III. 4. 1. 2. A isto que contrapõe o arguido?

Discorda – continua a discordar – o arguido da qualificação jurídica da sua apurada conduta, como integradora do tipo de crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108.º do Decreto Lei 422/89, de 02 de Dezembro.
Para o que alinha o seguinte raciocínio:
- os computadores apreendidos à ordem dos presentes autos, são do tipo “Internet D...” - ou seja, um equipamento que permite aos utilizadores o acesso livre à internet, logo, a qualquer tipo de jogo, podendo ser utilizado, desenvolvido e jogado “online” através da internet por qualquer utilizador;
- donde - mesmo que se considere como provado que as máquinas em causa permitiam o acesso a jogos de fortuna ou azar – o que não se concede, mas por mero dever legal de patrocínio se acautela – a verdade é que, um tal acesso, e por nada existir “localmente” nas ditas máquinas, seja, nos respectivos discos, era sempre verificado através da internet, dos denominados servidores, completamente “externos” a tais máquinas;
- ora, aquando da alegada prática dos factos, não existia ainda qualquer regulamentação legal relativa aos “Jogos de Fortuna e Azar Online”, seja à prática e desenvolvimento de jogos de fortuna e azar via internet, o que só veio a acontecer com a entrada em vigor do Decreto Lei 66/2015, de 29 de Abril, e respectiva produção dos efeitos legais a 29 de Junho de 2015;
- verificando-se, nesta conformidade, que à data da prática dos factos em discussão nos presentes autos, existia claramente um vazio legal no que aos Jogos e Apostas Online dizia respeito;
- para tanto, veja-se o preâmbulo do referido diploma legal em que o nosso legislador manifesta o seguinte: «Desde a aprovação do mencionado Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, a exploração e a prática desta actividade sofreram grandes alterações, sendo que o quadro normativo que actualmente a rege não acompanhou essa evolução. Para além da própria evolução tecnológica dos sistemas e equipamentos de jogo, surgiu igualmente uma nova realidade não abrangida por aquela regulamentação, que assumiu, nos últimos anos, uma relevância crescente e incontornável - o jogo online.
O quadro normativo atual regulador dos jogos de fortuna ou azar revela-se incapaz de dar resposta à atual dimensão desta atividade, sendo necessário regular novas formas de exploração que permitam responder às evoluções verificadas no mercado.»
“Emerge, assim, a premente necessidade de criar um novo modelo de exploração e prática de jogo online, pensado luz desta realidade e do vazio legal existente”;
- posição esta supra mencionado também acolhida no Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, de 02-11-2015 (proferido no âmbito do processo n.º 70/12.9EAMDL.G1 - ao que se sabe, “não publicado”);
- com a entrada em vigor de um tal diploma legal, é pacífico que a exploração online de jogos de fortuna e azar deverá ser imputado, directa e necessariamente, ao titular do respectivo site ou ao titular do respectivo servidor que disponibiliza tais jogos, pois que é a “única entidade” que dispunha de tais acessos - pois que, e como resulta à saciedade, não é o explorador de um qualquer estabelecimento comercial que detém a direcção, exploração e/ou titularidade da existência de um qualquer site ou acesso a jogos ilícitos, na sua actividade comercial de mera disponibilização de acesso a determinado equipamento para “navegar” na Internet;
- além de que, da matéria de facto dada como provada, nunca e em momento algum resulta que qualquer alegado jogo de fortuna e azar era disponibilizado por qualquer uma das máquinas apreendidas, propriamente ditas – pois que, o que resulta é que qualquer alegada prática de jogos de fortuna e azar era levado a efeito via online, pelo que, tendo em consideração que a factualidade dos presentes autos se reporta ao período temporal verificado até ao dia 14 de Outubro de 2014, qualquer (alegada) “conduta”, sempre seria de qualificar como penalmente atípica e, por conseguinte, insusceptível de persuasão penal e,
assim, e segundo o princípio da legalidade, “nullum crimen sine lege”, princípio este consagrado no artigo 1º do Código Penal e artigo 29º da Constituição da República Portuguesa, não poderá o Recorrente ser condenado por uma conduta que à data da sua prática não era legalmente punível, o que se requer seja reconhecido para todos os devidos e legais efeitos e com todas as consequências daí advenientes.

III. 4. 1. 3. Vejamos.

Entende o recorrente que se os computadores apreendidos à ordem dos autos desenvolviam um qualquer jogo de fortuna e azar, sempre teria que se ter presente que os mesmos permitem aos utilizadores o acesso livre à internet, pelo que qualquer tipo de jogo pode ser utilizado, desenvolvido e jogado “online” através da internet por qualquer utilizador.
Aduz que, no momento da prática dos factos pelos quais foi condenado, não existia qualquer regulamentação legal relativa aos “Jogos de Fortuna e Azar” desenvolvidos “online”, o que só veio a ocorrer com a entrada em vigor do Decreto Lei 66/2015, de 29 de Abril, que produziu efeitos legais em 29 de Junho de 2015.
Esta questão foi já abordada e decidida na decisão recorrida, invocando-se o acórdão da RL de 8.3.2104, consultável no site da dgsi, que trata esta questão de forma, absolutamente, esclarecedora, esclarecida, cabal e definitiva e, que passaremos de ora em diante a seguir de perto.
Não obstante, o arguido continua a defender o contrário: que as características on line da disponibilização do jogo aqui em causa, o fariam incluir no regime do Decreto Lei 66/2015, de 29 de Abril, que por não estar em vigor à data dos factos, conduziria à não punibilidade da sua apurada conduta nos autos.
Devemos, no entanto, adiantar, desde já, que nem mesmo o acórdão da RG de 2.11.2015, no processo 294/14.4T8VNG.G1, disponível no endereço electrónico www.dgsi.pt/jtrg, que afinal corresponde ao acórdão invocado pelo arguido, como melhor consta da sua identificação - processo comum com intervenção do tribunal singular 70/12.9EAMDL – se acolhe a posição aqui por si defendida - ao contrário do que, ele alega, de forma ligeira e desatenta, porventura numa leitura menos cuidada e mais apressada
Com efeito, o que aí consta com relevo, nesta matéria, lateralmente – e, depois de se ter entendido que em nenhum facto da sentença (e antes da acusação) se configura, de forma inequívoca, o comportamento dos arguidos como sendo de “exploração” dos jogos “online” – é o seguinte: “(…) já no decurso do corrente ano, foi publicado o Decreto Lei 66/2015, o qual, naturalmente, não se aplica ao caso destes autos, dado o princípio da irretroactividade das leis penais. Relevante, no entanto, é o reconhecimento pelo próprio legislador, manifestado na exposição de motivos, da inexistência de regulamentação para os jogos “online”. Transcreve-se: “desde a aprovação do mencionado Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, a exploração e a prática desta atividade sofreram grandes alterações, sendo que o quadro normativo que atualmente a rege não acompanhou essa evolução. Para além da própria evolução tecnológica dos sistemas e equipamentos de jogo, surgiu igualmente uma nova realidade não abrangida por aquela regulamentação, que assumiu, nos últimos anos, uma relevância crescente e incontornável - o jogo online”.
Adiantando a nossa posição, devemos referir que entendemos que o tipo de situações, apurada nos autos, continua a caber no artigo 108.º do Decreto Lei 422/89.
A questão subjacente à exploração ilícita de jogos, desde há muito tempo, vem gerando elevada controvérsia, mormente nos tribunais superiores. Facto ilustrado na disparidade de decisões que veio a culminar com a chamada do STJ a pronunciar-se, o que fez através do AFJ 4/2010, onde se decidiu que, “constitui modalidade afim e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos artigos 159.º/1, 161.º, 162. e 163.º do Decreto Lei 422/89, na redacção do Decreto Lei 10/95, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público”
Que, contudo, não colocou termo a toda a controvérsia - apenas, resolveu a questão concreta aí é contemplada - jogo de fortuna e azar versus jogos afins – voltando a temática do jogo de fortuna e azar, agora, novamente, à ribalta, por força da regulamentação do jogo “on line”.
Para enquadrar a temática aqui em discussão, há que salientar que estamos num domínio em que a evolução tecnológica é permanente.
Circunstância que esteve presente na mente e na intenção do legislador do Decreto Lei 66/2015.
Como se refere no seu preâmbulo, não foi apenas a “evolução tecnológica dos sistemas e equipamentos de jogo” que justificou a criação daquele novo regime.
Foi “uma nova realidade não abrangida por aquela regulamentação que assumiu, nos últimos anos, uma relevância crescente e incontornável – o jogo online”.
Surge, “assim, a premente necessidade de criar um novo modelo de exploração e prática do jogo online, pensado à luz, desta realidade e do vazio legal existente.”
Foi por isso, que no domínio do Decreto Lei 422/89, a exploração e a prática desta actividade sofreu grandes alterações, tendo mais recentemente, sido necessário para acompanhar a evolução tecnológica dos sistemas e equipamentos de jogo com a nova realidade e, assim, estabelecer a regulamentação dos denominados jogos “online”, porque o quadro normativo existente, acerca dos jogos de fortuna ou azar, se revelou incapaz de dar resposta à actual dimensão desta actividade. Foi, por isso, necessário regular as novas formas de exploração que permitam responder às evoluções verificadas no mercado.
Assim, pelo facto de não existir uma regulamentação adequada ao jogo “online” é que a mesma foi criada com o Decreto Lei 66/2015.
O que naturalmente não significa que antes da sua entrada em vigor, as condutas como a imputada ao arguido não fossem legalmente puníveis. A exploração do jogo de fortuna e azar nas condições em que foi levada à prática pelo arguido, já se encontra abrangida, inequivocamente, pelo Decreto Lei 422/89, de 2 de Dezembro.
Com efeito, para a definição de jogo ilícito e ou modalidades afins à luz do Decreto Lei 422/89, não era a circunstância de as instruções que permitiam o funcionamento do jogo estarem ou não residentes no interior da máquina, que tornava ilícita a sua exploração. A localização do servidor – no disco ou remoto - não é elemento do tipo. Como factualidade decisiva para o preenchimento, ou não, do tipo, é saber se o “resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte” e qual a natureza (o tema) do jogo.
Ora tais requisitos, no caso concreto, estão preenchidos. Existe aquela primeira contingência, o jogo corresponde ao das slot machines, para haver créditos tem que se arriscar dinheiro.
E, daí que, não obstante a entrada em vigor do Decreto Lei 66/2015, os tribunais continuaram a condenar, em situações em que também estava em causa o mesmo jogo Halloween, cfr. acórdãos deste tribunal de 12.11.2014 e da RC de 4.3.2015.
Isto, no entendimento de que, como decorre literalmente do transcrito preâmbulo, o vazio refere-se ao modelo de exploração e prática do mencionado jogo e, já não ao de punibilidade pura e simples das condutas que já o fossem anteriormente. A este propósito refira-se que o Decreto Lei 66/2015 não revogou o Decreto Lei 422/89, de 2 de Dezembro.
Na realidade, com o Decreto Lei 66/2015, passa a existir uma definição e uma regulamentação devidamente estruturada, do que deva ser entendido por «jogos e apostas online», os jogos de fortuna ou azar, as apostas desportivas à cota e as apostas hípicas, mútuas e à cota, em que são utilizados quaisquer mecanismos, equipamentos ou sistemas que permitam produzir, armazenar ou transmitir documentos, dados e informações, quando praticados à distância, através de suportes electrónicos, informáticos, telemáticos e interactivos, ou quaisquer outros meios”.
E, assim, dado que, nada desta realidade estava conformada no ordenamento jurídico, nesta decorrência e nesta perspectiva é que o legislador utilizou a expressão “vazio legal”.
Carece assim, de fundamento, de forma assaz manifesta, a posição defendida elo arguido, de forma, não só isolada, como peregrina, mesmo.
A sua conduta, traduzida na exploração de jogos de fortuna e azar – independentemente do suporte, ser máquina automática, com o servidor instalado no disco ou computador e aqui “on line”, com servidor remoto - já era punida ao tempo e antes da entrada em vigor do Decreto Lei 66/2015.
A exploração deste género de jogo, dependendo o ganho do jogador apenas da sua sorte, já era punida.
O novo modo de praticar o jogo já existente, agora “online” é que necessitou de ser regulamentado, através da nova legislação.
E, assim, a conduta do arguido, exploração do jogo de fortuna e azar, “on line”, à luz da nova legislação merece tratamento diverso e mais gravoso - a pena de prisão passa de 2 para 5 anos; desaparece a pena de multa cumulativa, que surge de forma alternativa, agora para os 500 dias, cfr. artigo 49.º/1.
Assim nenhuma censura merece o enquadramento jurídico efectuado na decisão recorrida, sustentado na matéria fáctica dada como provada, não tendo, “in casu” qualquer acolhimento a alegada violação do princípio da legalidade “nullum crimen sine legem”.

III. 4. 2. A medida das penas.

III. 4. 2. 1. Os fundamentos da decisão recorrida.

A este propósito expendeu-se na decisão recorrida pela seguinte forma:
DA MEDIDA CONCRETA DA PENA
O artº 108º, nº 1 do DL nº 422/89 de 02/12, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº10/95, de 19/01, estatui como moldura penal pela prática deste tipo incriminador, a pena de prisão até dois anos e multa até 200 dias.
A aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa – art.40º do cit. diploma.
Este princípio da prevenção geral positiva ou de integração, que decorre do princípio básico da necessidade da pena, consagrado no art.18º, nº2 da CRP, fornece, pois, uma “moldura de prevenção”, dentro da qual actuam considerações de prevenção especial de socialização.
A culpa constitui o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações de ordem preventiva, nos termos do art.40º do Código Penal (sobre este assunto, vide Fig. Dias, Direito Penal Português, II, 227 e ss.).
Estabelece, assim, o art.71º, nº1 do Código Penal que a determinação da medida da pena (...) é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – nº 2 da cit. disposição legal.
Contra o arguido ponderam-se as exigências de prevenção geral no reforço da validade das normas violadas, o crescente número de pessoas que adquirem o vício do jogo e o forte sentimento de impunidade que impende sobre os agentes do tipo de crime em causa, a intensidade do dolo com que o agente actuou e que revestiu a sua modalidade mais grave – o dolo directo; a motivação; o modo de execução; o número de máquinas, que foram colocadas em sala reservada para criar melhor ambiente para a prática do jogo; o poder aditivo dos jogos em causa nos autos; os seus antecedentes criminais.
A favor do arguido pesa a moderada ilicitude material da conduta em análise, atentas as circunstâncias que rodearam a prática da infracção, com ênfase para o relativamente reduzido valor da quantia apreendida nos autos, a sua integração social, familiar e laboral (o arguido é pessoa humilde e trabalhadora, sendo respeitador e respeitado no meio social em que se encontra inserido), sendo que, como se refere nas conclusões do relatório social, a fls.298: “o arguido apresenta um percurso de vida tendencial e globalmente normativo, assente fundamentalmente no agregado de origem e na dinâmica relacional positiva com a mãe e com a namorada, como estruturas coesas e solidárias, o que associado ao exercício regular de actividade profissional constitui factor de protecção.”
A moldura penal aplicável compreende-se entre 1 mês e dois anos de prisão (art.108º do DL nº422/89 e 41º, nº1, do Código Penal), pelo que julgo adequada, atentos os acima enunciados critérios e a concreta espécie da pena, a condenação do arguido em 6 meses de prisão.
A esta pena acresce a pena de multa até 200 dias, nos termos do art. 108º, nº 1 do DL nº 422/89 de 02/12.
A moldura penal aplicável fixa-se, assim, entre 10 dias e 200 dias de multa (arts.47º, nº1 do Código Penal e 108º nº 1 do DL nº 422/89 de 02/12).
Em face da ilicitude material relativamente reduzida da conduta do arguido e ponderando-se os mesmos critérios acima enumerados para a determinação da medida da pena de prisão, julgo adequada a fixação da pena de 80 dias de multa.
Não há necessidade, no entanto, de executar a aludida pena de prisão a fim de prevenir o cometimento de futuros crimes, tanto mais que o arguido deixou de explorar o estabelecimento onde ocorreu a prática delituosa, afigurando-se-nos ser suficiente para afastar o arguido da reiteração criminosa, a sua condenação numa pena não privativa da liberdade, nomeadamente numa pena de natureza pecuniária.
Assim, ponderando os elementos tidos acima em conta para graduar a pena principal e atendendo às necessidades de prevenção especial de socialização e geral de integração ínsitas na condenação, reputamos como adequada, justa e proporcional a substituição da pena de prisão, aplicada a título principal, por idêntico número de dias de multa, ou seja, 180 dias - cfr. art.43º e 47º do Código Penal.
No que respeita ao quantitativo diário da pena de multa rege o art.47º, nº2, do Código Penal que “cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 5 € e 500 €, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.”
Da discussão da causa resultou provado que o arguido B... é solteiro e não tem filhos, integrando actualmente o agregado familiar da mãe. O arguido declarou auferir o salário mínimo nacional.
Assim e atendendo à situação pessoal e económica do arguido, que não tem grandes encargos, considero ajustada a fixação da taxa diária da pena de multa em 7 €.
Por fim, toma-se em consideração o preceituado no art.6º do DL nº48/95, de 15.3. que dispõe que “enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa será aplicada uma só pena equivalente à soma da multa directamente imposta e da que resultar da substituição da prisão”.
Deste modo, as penas de multa acima aplicadas, a título substitutivo e principal, serão materialmente cumuladas.

III. 4. 2. 2. As razões do arguido.

Neste segmento pretende o arguido questionar a justeza e correcção das penas que lhe foram aplicadas, que tem como exageradas e desproporcionadas.
Assim, considera que, as penas extravasam claramente a sua culpa e as próprias necessidades de prevenção e, não têm, devidamente, em conta as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a seu favor;
desde logo, tem como incompreensível, que,
na moldura penal, de prisão de 1 mês a 2 anos de prisão e de multa, de 10 a 200 dias, seja aplicada a pena de 6 meses de prisão e de 80 dias de multa, pois que, de modo absolutamente injustificado, a pena de prisão distancia-se, consideravelmente, do seu limite mínimo e a pena de multa aproxima-se do ponto médio;
não obstante, e independentemente do acerto, ou não, de decisão quanto à medida da pena de prisão inicialmente aplicada, de 6 meses, posteriormente substituída por 180 dias de multa – e, não estando em causa uma tal substituição, porque “legalmente imposta”, atenta a pena concreta aplicada e o preceituado no artigo 43.º do C Penal, que impõe a substituição das denominadas “penas curtas” de prisão - haverá contudo que atentar que o STJ no AFJ 8/2013 decidiu que, «a pena de multa que resulte, nos termos dos atuais artigos 43.º/1 e 47.º C Penal, da substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, deve ser fixada de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º e não, necessariamente, por tempo igual ou proporcional ao estabelecido para a prisão substituída» - de modo que, optando-se, como optou o Tribunal “a quo”, pela substituição da dita pena curta de prisão, uma tal substituição deverá ser fixada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e aqui, sempre se tem como exagerada e desproporcional a pena de substituição de 180 dias de multa, a qual deveria ter sido fixada em montante inferior;
no que respeita às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a seu favor, aponta para – o que parece não ter sido devidamente valorado - a ausência de antecedentes criminais do tipo, a sua inserção social, familiar e profissional e, bem assim, o facto de não existir uma qualquer notícia posterior da prática de factos similares ou quaisquer outros, a que acresce, naturalmente, a total impossibilidade verificada relativamente à sua pessoa, de uma qualquer reiteração de condutas, atendendo ao facto de não explorar um qualquer estabelecimento comercial do género, o que, de per si, atendendo à especificidade do tipo de crime em apreço, faz “cair por terra” uma qualquer necessidade de prevenção especial relativamente à sua pessoa, sendo que,
ademais estamos no domínio das denominadas “bagatelas penais”, sendo pequeno o grau da ilicitude dos factos (considerando que se tratava apenas de duas máquinas, o lucro não seria grande e os proventos do recorrente ainda menores, uma vez que os dividira com o proprietário da máquina – cfr. facto sob a epígrafe “bb);
como, também, pequenas se mostram, igualmente, as exigências preventivas gerais, já que a sua conduta não inculca na colectividade uma forte necessidade de manutenção da validade das normas jurídicas violadas;
ainda incompreensível, sempre será o quantitativo diário de € 7,00, que revela não ter sido ponderada, minimamente, a sua situação económica e financeira e os seus encargos pessoais - o facto de auferir o salário mínimo nacional - e, ainda que não identifique o mesmo «constrangimentos relevantes ao nível financeiro», ser com esse valor que tem que fazer face a todas as suas despesas, ordinárias e extraordinárias - o que leva a concluir que, perante um rendimento mensal insuficiente para fazer face a todas as despesas do seu agregado familiar, aquela taxa se revela como desproporcional, a qual se entende modestamente não poderia ser superior ao mínimo legal de € 5,00 - sob pena de ser colocada em risco a sua própria subsistência.
Invoca em abono da sua pretensão de fixação de penas menos gravosas, as normas contidas nos artigos 47.º/2, 71.º/2, designadamente, nas alíneas a), d) e e) e a violação das contidas nos artigos 40.º, 43.º, 47.º/2 e 71.º/1 e 2 C Penal.

III. 4. 2. 3. Vejamos.

III. 4. 2. 3. 1. Como é sabido a questão da medida da pena não é do conhecimento oficioso por parte do tribunal de recurso.
Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena, o juiz serve-se do critério global contido no artigo 71º C Penal, estando vinculado aos módulos – critérios de escolha da pena constantes do preceito. Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.
O dever jurídico, substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo da decisão sobre a determinação da pena.
Acerca da questão da cognoscibilidade, controlabilidade da determinação da pena, no âmbito do recurso, há que dizer que a intervenção do tribunal nesta sede, de concretização da medida da pena e do controle da proporcionalidade no respeitante à sua fixação concreta, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada.
Vem-se entendendo que se pode sindicar a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação dos factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro de prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada.
Como sabemos, há muito está ultrapassada a fase da consideração, como ponto de partida para a determinação da medida concreta da pena, o do ponto médio da sua moldura abstracta – que, de resto, da decisão recorrida não resulta haja sido aplicado, expressamente ou, tenha estado subjacente e, aplicado de forma implícita, à operação de determinação da medida da pena, que, não obstante culminou com tal resultado - bem como, consolidado está o entendimento de ser esta a matéria onde transparece e se assume na plenitude, a arte de julgar, como ponto incontornável de partida e de chegada e que a operação de determinação da medida da pena se faz em função dos critérios gerais de medida da pena, seja, a culpa do agente e as exigências de prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.
As circunstâncias factuais determinativas da medida concreta da pena são apenas aquelas que constam da decisão da matéria de facto – maxime dos factos provados - sem prejuízo de o significado preciso de alguma expressões circunstanciais poder eventualmente conjugar-se com a motivação da convicção formada pelo tribunal.
Dispõe o artigo 71º/1 C Penal, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e exigências de prevenção”.
Por outro lado, as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida, do possível, na reinserção do agente na comunidade e por outro lado a pena não pode ultrapassar, em caso algum a medida da culpa, artigo 40º/1 e 2 C Penal.
Deve, então, a medida concreta da pena ser fixada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, nos termos concretizados no n.º 2 do artigo 71.º C Penal.
Culpa e prevenção são assim os dois termos de um binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida da pena.
Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena, através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.
Só finalidades relativas de prevenção geral e especial e não finalidades absolutas de retribuição e expiação justificam a intervenção do sistema penal.
Com a determinação de que sejam tomadas em consideração as exigências de prevenção geral, procura dar-se satisfação à necessidade da comunidade, de punição do caso concreto, tendo-se em conta, de igual modo, a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos e com o recurso à vertente da prevenção especial, procura satisfazer-se as exigências de socialização do agente com vista à sua integração na comunidade.
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias in Direito Penal – Questões fundamentais – A doutrina geral do crime - Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 121: “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.”
Em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa. A culpa é condição necessária mas não suficiente, da aplicação da pena
O princípio da culpa, não se fundamenta em qualquer concepção retributiva da pena, antes sim no princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal e “é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização”, cfr. Prof. Figueiredo Dias – in ob. cit. § 56.
A função da culpa no sistema punitivo assume-se “numa incondicional proibição de excesso, constituindo o limite inultrapassável: de quaisquer exigências preventivas”, cfr Prof. Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 109 e ss.
Citando, ainda o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 227, “a medida da pena há-de ser dada pela tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, que se traduz nas expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada”.
“O Código Penal atribui à pena um conteúdo de reprovação ética, dando tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime, ligada ao princípio da eminente dignidade da pessoa humana, limita de forma inultrapassável a medida da pena, sem deixar de atender aos fins da prevenção geral e especial.
A culpa jurídico-penal traduz-se num juízo de censura, que funciona ao mesmo tempo, como um fundamento e limite inultrapassável da medida da pena”, ibidem, 215.
O modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é, como ensina, ainda, o Prof. Figueiredo Dias, “aquele que comete à culpa a função, única, mas nem por isso menos decisiva, de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral, de integração, a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos, dentro do que é consentido pela culpa e, cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dento da referida “moldura de prevenção”, que sirva melhor as exigências de socialização ou, em casos particulares, de advertência ou segurança do delinquente” in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Abril - Dezembro 1993, 186-187.
As circunstâncias e critérios do artigo 71º C Penal devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

III. 4. 2. 3. 2. Vejamos.

Como vimos já,
a este crime corresponde a moldura penal abstracta de, prisão de 1 mês a 2 anos de prisão e, cumulativamente, multa, de 10 a 200 dias e,
o arguido foi condenado na pena de 6 meses de prisão, substituída por 180 dias de multa e, na pena de 80 dias de multa – sempre à taxa diária de € 7,00.
O Tribunal “a quo” deu como provado no ponto 52 dos factos provados na sentença toda a situação familiar, social e profissional do arguido, para que remetemos na íntegra e que considerou na determinação concreta da pena.
Deu ainda como provado nos pontos 53, 54 e 55 dos factos provados na sentença a identificação dos processos em que o arguido foi condenado, o tipo de crime e as penas sofridas, para que remetemos na íntegra e que considerou na determinação concreta da pena.

III. 4. 2. 3. 2. 1. Os dias de multa.

Invoca o arguido a seu favor quanto à primeiramente invocada causa de discordância, atinente com a correspondência operada na substituição da pena de 6 meses de prisão em 180 dias de pena de multa, a jurisprudência fixada pelo STJ através do Acórdão 8/2013, onde se decidiu que “a pena de multa que resulte, nos termos dos atuais artigos 43.º/1 e 47.º C Penal, da substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a 1 ano, deve ser fixada de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º C Penal e não necessariamente, por tempo igual ou proporcional ao estabelecido para a prisão substituída”.
Com efeito assim se decidiu, no que se entendeu ser a tese que resultava da interpretação literal da norma e, como pressuposto essencial deste entendimento foi valorado o argumento de que o legislador penal desde 1954, primeiro e, depois através do C Penal de 1982 mencionava que a substituição se fazia pelo número de dias de multa correspondente e, que com a Reforma de 1995, sem alteração com a de 2007, se passou a consagrar, tão só, que a substituição é feita por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável.
Assim se entendeu que tal alteração não pode ter sido casual - apesar da invocação dos trabalhos preparatórios poder introduzir algum ruído, nesta afirmação – donde a eliminação da expressão “correspondente” repetidamente utilizada não só nos textos legais, como na jurisprudência produzida ao longo de 41 anos, o que tinha como efeito a sabida tradição de que a substituição da prisão se fazia por multa correspondente, donde a eliminação deste termo do texto legal não pode ter deixado de ser intencional e com um significado muito preciso.
Curiosamente esta decisão teve como acórdão fundamento um acórdão da RC - que veio a ser a acolhida, no confronto com o Acórdão recorrido - onde se decidira numa situação de condenação na pena de 4 meses de prisão na substituição por igual período de multa, na 1.ª instância e sob recurso do arguido que pugnava pela sua redução proporcional, uma vez que a pena de prisão havia sido fixada no equivalente a 1/4 do limite máximo, então, também a pena de substituição deveria obedecer a tal proporção – se veio a decidir que a pena de substituição devia ser fixada nos termos do artigo 71.º C Penal, dentro da moldura geral de 10 a 360 dias, assim se encontrando o valor de 200 dias – seja uma pena de substituição mais gravosa do que aplicada em 1.ª instância.
Note-se que o AFJ tem um voto de vencido apresentado pelo Conselheiro Santos Cabral – que muito embora subscrevendo a decisão, defende que atenta a incoerência normativa de um sistema que adota o critério de correspondência aritmética para algumas penas de substituição, cfr. artigo 48.º e 58.º C Penal e de correspondência normativa para outras, a única justificação pode ser encontrada na circunstância de um dia de prisão implicar um sofrimento maior para o condenado que um dia de multa, donde a concreta pena de prisão pode-se revelar suficiente para cumprir as exigências de prevenção que no caso se façam sentir, mas o número de dias de multa correspondente ser insuficiente para fazer face a tais exigências, o que significa que na sequência lógica dos pressupostos que sustentam o decidido, os dias de multa de substituição devem, em regra, ter uma maior dimensão do que os dias de prisão que substituem.
Assim, não há dúvida que a multa de substituição deve ser fixada, nos termos definidos no artigo 71.º C Penal, dentro da moldura prevista no artigo 47.º/1 C Penal - seja de 10 a 360 dias.
Aparentemente não foi esta a moldura tida em consideração na decisão recorrida, pois que, desde logo, não se invoca nunca esta moldura, tão pouco a norma legal que a prevê e aquela que para ela remete, tudo parecendo transmitir a ideia de se ter operado a substituição em termos de correspondência aritmética entre a prisão de 6 meses e a multa de 180 dias.
Erradamente como vimos já.
E, então o que temos é que o arguido discorda que, numa moldura penal abstracta de prisão de 1 mês a 2 anos e de multa de 10 a 200 dias, seja condenado, na pena de 6 meses de prisão - substituída por igual período de multa, seja, por 180 dias de multa - e, cumulativamente, na pena de 80 dias de multa, o que perfaz um total de 260 dias de multa.
Se aquele primeiro valor foi fixado aproximadamente em ¼ do ponto médio da moldura, o segundo foi-o no ½ e este foi-o, em montante ligeiramente superior a 1/3.
Se, o critério para a determinação da medida concreta das penas de prisão e de multa, são semelhantes, no entanto, tal não significa, em termos de resultado, uma absoluta correspondência aritmética.
E, no caso não se evidencia uma absoluta e flagrante desproporção nos resultados obtidos, em termos de pena de prisão e de pena de multa.
A rigorosa correspondência impunha a aplicação de uma pena de prisão superior, cerca de 9 meses, ou uma de multa ligeiramente inferior, cerca de 50 dias.
Flagrante desproporção, desde logo, é, assim. a fixação da pena de multa de susbstituiçao, fixada no ponto médio – 180 em 360 dias.
E a pena única nesta sede há-de corresponder ao cúmulo material de ambas as penas de multa, cfr. artigo 6.º/1 do Decreto Lei 48/95 de 15MAR, que dispõe que, “enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa será aplicada uma só pena equivalente à soma da multa directamente imposta e da que resultar da substituição da prisão.”
Importando, no entanto aqui e agora, desde, já salientar, que por força da proibição da reformatio in pejus consagrada no artigo 409.º C P Penal, não pode o arguido ver agravada a pena – única - em que foi sancionado, pois que apenas ele próprio recorreu.
Donde, pelo exposto, não há que corrigir qualquer patente e ostensiva desproporção, a traduzir evidente erro na aplicação do direito – que, de todo, não existe - nem, pela via da aproximação da pena fixada em cerca de 1/4 do ponto médio à fixada em cerca de 1/3 (em obediência, ainda assim, no resultado final, à referida proibição de reforma em prejuízo do arguido) nem, pelo contrário, pela aproximação desta ao valor daquela.
Apenas e tão só, há que corrigir o valor da pena de multa de substituição, a que corresponde a moldura abstracta de 10 a 360 dias.
Na crítica que se faça à operação aqui em causa – em qualquer das suas vertentes – pena de prisão, pena de multa, a título principal e pena de multa, a titulo de pena de substituição - importaria que o arguido fizesse uma ponderação em concreto dos factores que pudessem conduzir aos efeitos pretendidos.
Ao arguido incumbia, naturalmente, alegar e situar quais as circunstâncias que foram subavaliadas e situar quais as que foram sobrevalorizadas - que não estejam ajustadas aos enunciados fins das penas, contidos no artigo 40º/1 C Penal ou que violem os critérios legais de determinação da medida concreta das penas, contidos no artigo 71º C Penal.
E, fê-lo com as apontadas circunstâncias de onde pretende ver as penas reduzidas a valores que não quantifica, é certo, mas que entende não poderem extravasar a sua culpa e as necessidades de prevenção, defendendo que se deve ter em conta - as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime – que depõem a seu favor (que, no seu entendimento, parecem ter sido esquecidas ou não devidamente valoradas), no caso:
a ausência de antecedentes criminais do tipo,
a sua inserção social, familiar e profissional,
o facto de não existir uma qualquer notícia posterior da prática de factos similares ou quaisquer outros,
a total impossibilidade verificada relativamente à sua pessoa, de uma qualquer reiteração de condutas, atendendo ao facto de não explorar um qualquer estabelecimento comercial do género, o que, de per si, atendendo à especificidade do tipo de crime em apreço, faz “cair por terra” uma qualquer necessidade de prevenção especial relativamente à sua pessoa;
a bagatela pena traduzida no pequeno o grau da ilicitude dos factos (considerando que se tratava apenas de duas máquinas, o lucro não seria grande e os proventos do recorrente ainda menores, uma vez que os dividira com o proprietário da máquina;
a pequena exigência preventiva geral, já que a sua conduta não inculca na colectividade uma forte necessidade de manutenção da validade das normas jurídicas violadas.
Há que referir o seguinte, em relação a estas circunstâncias.
O facto de não ter ainda sido condenado por crime desta natureza, não o torna em delinquente primário, desde logo.
Com efeito, foi já condenado, anteriormente por 3 ocasiões, por crimes de condução em estado de embriaguês, por duas ocasiões e, uma outra de violação de proibições.
E, ninguém tem o direito de ser sempre considerado como primário, até à condenação, de um tipo legal de crime diverso dos anteriormente cometidos.
Seja a ninguém é reconhecido o direito de ser tratado como tal, ou, no que se traduz no mesmo, é reconhecido o direito de por uma primeira vez cometer cada um e qualquer dos crimes previstos no ordenamento jurídico.
Ademais, mesmo que primário pudesse ser tido – e não pode – tal condição, só por si, pouco ou nenhum valor pode assumir, pois que se por um lado é o que é suposto, é o que é normal, para o bom pai de família, que não pode ser premiado por não ter antecedentes criminais e, por outro, constitui factor, que, só por si, não demonstra, desde logo, nem, bom comportamento anterior, nem arrependimento ou demonstração de uma personalidade avessa ou distante em relação aos factos - que seria o que neste capítulo assumiria particular pertinência e relevo.
Da mesma forma, o facto de não haver notícia de quaisquer factos posteriores similares ou ilícitos, nenhum relevo tem, desde logo, porque tal não significa que não existam – o que aqui não releva, de todo - contudo, mais relevante seria, porventura, o retrato de bom comportamento posterior, mormente se destinado a reparar as consequências do crime, como se refere no artigo 71.º/2 alínea e) C Penal
Saliente-se, ainda, que, o facto de o arguido não ter prestado declarações em audiência, se não o pode, naturalmente, prejudicar, da mesma forma, tem como consequência que, por mera estratégia pessoal de defesa, esbanjou uma soberana oportunidade de por essa via trazer aos autos a sua versão dos factos e, vg, confessar os factos, revelar-se arrependido e como tendo uma personalidade que com eles não condiz. E, porventura, dessa postura e dessas circunstâncias atenuantes gerais, reivindicar, fundadamente, tratamento mais benévolo, em termos de punição.
Donde não há prova, validamente produzida em audiência e o relatório social não serve para tal desiderato e, por isso, não se pode ter como adquirido que os proventos seriam divididos com o proprietário da máquina ou que se verifique a alegada total impossibilidade, relativamente à sua pessoa, de uma qualquer reiteração de condutas, atendendo ao facto de não explorar um qualquer estabelecimento comercial do género.
E, assim, com relevo, temos que, estamos perante factos com um pequeno grau da ilicitude, traduzido no facto de se tratar de, apenas, duas máquinas, o lucro não seria grande.
Em relação à caracterização do crime em causa, que o arguido enquadra nas denominadas "bagatelas penais", há que afirmar que, obviamente a gravidade que o legislador lhe decidiu atribuir e configurar é a que resulta da moldura penal abstracta - acima ja enunciada.
E assim, há que ponderar que,
a singela, simples e básica, materialidade provada evidencia uma mediana, absolutamente normal, intensidade dolosa, no cometimento dos factos. Estamos assim, perante um caso absolutamente paradigmático, sem nada de realce que o distinga da normalidade em relação à forma de cometimento destes crimes, quer a nível da ilicitude, quer da culpa;
está integrado em termos familiares, sociais e profissionais – factores que, não obstante sendo pré-existentes nenhuma virtualidade tiveram no sentido de obviar, de dissuadir, de bloquear, de inibir a intenção criminosa;
são absolutamente normais as necessidades de prevenção geral – dada a frequência assustadora e inusitada com que este tipo de crimes vêm ocorrendo e,
finalmente, as bem mais acentuadas, de prevenção especial.
Assim e tendo presente as apontadas molduras penais abstractas, cremos bem que se mostra ajustada a fixação das ditas penas parcelares, respectivamente, nos 6 meses e nos 80 dias de multa.
Isto porque nenhuma das considerações feitas pelo recorrente tem a virtualidade de evidenciar que as mesmas deveriam ter sido fixadas num patamar inferior e, muito menos no mínimo, ou muito próximo disso.
Já assim, não acontece em relação à pena de multa de substituição.
Com efeito numa moldura abstracta de 30 a 360 dias, estas considerações melhor se adequam a uma pena de multa de substituição de 150 dias – afinal, numa correspondência aproximada ao valor da multa, pena principal.
E, assim, por decorrência, a importar, rectificação da pena única - que o arguido expresamente não chega a colocar em causa – no caso, ainda que sem a invocação da violação do disposto no artigo 77.º C Penal – que no caso tem que corresponder à soma material de ambas as penas - 230 dias
Assim, em resumo, dado ser susceptível – em via de recurso - de correcção, o procedimento e as operações de determinação da medida da pena (vg. o desconhecimento ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação da medida da pena, a falta de indicação de factores relevantes para tal operação, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis), temos que no caso concreto, há que proceder à correcção da operação efectuada na 1ª instância, exclusivamente, quanto à pena de muta de substituição.
Penas parcelares revistas – bem como o resultado final, de resto - que se têm como adequadas à medida da culpa do arguido e, seguramente, susceptíveis de assegurar, ainda, os apontados interesses da prevenção geral e especial.
Procede, assim, este segmento do recurso.

III. 4. 2. 3. 2. 2. O valor da taxa diária.

Já neste segmento nenhum fundamento assiste à apontada discordância do arguido, que pretende ver reduzida a taxa diária de € 7,00 para o valor mínimo de € 5,00, sob pena de ser colocada em risco a sua própria subsistência, invocando, o facto de, não ter sido ponderada, minimamente, a sua situação económica e financeira e os seus encargos pessoais - o facto de auferir o salário mínimo nacional - e, ainda que não identifique o mesmo «constrangimentos relevantes ao nível financeiro», ser com esse valor que tem que fazer face a todas as suas despesas, ordinárias e extraordinárias - o que leva a concluir que, perante um rendimento mensal insuficiente para fazer face a todas as despesas do seu agregado familiar.
No que se reporta à fixação do quantitativo diário da multa, esta deve ser função da situação económico-financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, correspondendo cada dia a uma quantia entre € 5,00 e € 500,00, nos termos do artigo 47º/2 C Penal.

Donde se não vê, de todo, a validade de aos casos do género, de crime de exploração ilícita de jogo de fortuna e azar – independentemente das condições particulares do respectivo agente - se possa pretender fazer valer o argumento de que todos devem - como vem acontecendo - ser taxados pelo mesmo valor, no caso, o mínimo.
Por seu lado, o nº. 3 desta norma, prevê a possibilidade de o tribunal autorizar o pagamento da multa em prestações, sempre que a situação económica e financeira do condenado, o justifique.
“A amplitude estabelecida naquela norma, quanto ao quantitativo diário da multa, visa eliminar ou pelo menos esbater as diferenças da sacrifício que o seu pagamento implica entre os arguidos possuidores de diferentes meios de a solver”, cfr. Ac. STJ de 2.10.97, in CJ, S, V, 184, citando o Conselheiro Maia Gonçalves.
“Como critério que deve ser tomado em conta na determinação da condição económica e financeira do condenado, deve atender-se ao maior campo possível de eleição de factores relevantes.
Deverá atender-se à totalidade dos rendimentos próprios, qualquer que seja a fonte, como seguro, é, que àqueles rendimentos devem ser deduzidos os gastos e encargos”.
Donde, como, de resto, se vem entendendo, sem resistência conhecida, o montante diário da pena de multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado, por forma afazê-lo sentir esse juízo de censura e bem assim assegurar a função preventiva que qualquer pena envolve, sem todavia, deixar de assegurar ao condenado um mínimo de rendimento para que possa fazer face às suas despesas e do seu agregado familiar.
O quadro factual apurado, que reflecte a situação económica do recorrente - tendo presente os factores, financeiros, familiares, profissionais e sociais envolventes - que não podemos deixar de considerar como integradores - por facilidade de expressão - do que se pode considerar como de pobre e de modesta condição social, não obstante, consente a aplicação de uma taxa diária, na ordem, como a fixada, de € 7.00.
Esta taxa mostra-se fixada dentro dos limites e critérios fixados na lei e não se vislumbra que não esteja ajustada à situação económica do recorrente, pelo que não se vê razão, digna de realce que justifique aqui se proceda à sua alteração, muito menos, para o patamar mínimo previsto na lei, de € 5,00.
Este valor, sob pena de flagrante e grosseiro atentado à justiça material do caso concreto e o princípio da igualdade, não pode deixar de ficar reservado àqueles - e muitos são, de resto – que apresentem condições sócio-económicas bem mais precárias que o arguido, desde logo, quem tenham rendimentos inferiores ou que os não receba, de todo.
Assim, não se pode concluir, por um lado, pela sua desproporcionalidade e, por outro, pela proporcionalidade, do valor mínimo.
Donde, neste segmento, bem andou o Tribunal a quo, pois que fixou o quantitativo diário da multa, num valor que cumpre com a sua função, de transmitir a noção de censura social do comportamento delinquente.

IV. Dispositivo

Nestes termos e com os fundamentos mencionados, acordam os juízes que compõem este tribunal em conceder, apenas, parcial provimento ao recurso apresentado pelo arguido B...,
em função do que, pela prática de um crime de exploração de jogo ilícito de fortuna e azar, p. e p. pelo artigo 108.º do Decreto Lei 422/89, vai condenado,
na pena de 6 meses de prisão, substituída por 150 dias de multa, à taxa diária de € 7,00 e,
bem como, na pena de 80 dias de multa, à mesma taxa e,
ao abrigo do disposto no artigo 6.°/1 do Decreto Lei 48/95, de 15 de Março, em cúmulo, na pena única de 230 dias de multa, à taxa diária de € 7,00, num total de € 1.610,00,
mantendo-se no mais tudo o decidido na decisão recorrida, nos segmentos impugnados.

Sem tributação.

Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário.

Porto, 2018.janeiro.31
Ernesto Nascimento
José Piedade