Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4887/09.3TBMAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO ELEUTÉRIO
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
REGULAMENTO
Nº do Documento: RP201104114887/09.3TBMAI-3
Data do Acordão: 04/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Comunitária: REGULAMENTO CE 44/2001
Sumário: I - Está em causa uma decisão proferida por um tribunal de um Estado Membro da União Europeia que é, nos termos do art. 33° do Regulamento (CE) n° 44/2001, reconhecida em Portugal sem necessidade de recurso a qualquer processo.
II - Contudo, para executar, como pretende a recorrida, a sobre dita decisão precisa de ser declarada executória a requerimento de qualquer parte interessada (art. 38° n° 1 do sobredito Regulamento).
III - O procedimento para esse efeito está previsto no art. 39° do Regulamento e, pela natureza das coisas, precederá a execução
IV - Consequentemente, a recorrida teria que lançar mão do referido procedimento o que não aconteceu pelo que não tinha título executivo para a execução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 4887.09

Acordam no Tribunal da Relação do Porto.
*
Foi proferido o seguinte despacho:
(…)
Na oposição à execução, a executada invocou depois a excepção da invalidade/inexequibilidade do título, concluindo pela extinção da instância, nos termos do disposto nos arts. 814°, d) e 817°, nº 4, do Código de Processo Civil.
Para tal, alegou que a executada não conhece os termos do processo que correu perante os Tribunais italianos e que não foi regularmente citada para os termos desse processo.
Alegou depois que o reconhecimento ou a execução da sentença que se oferece como título executivo seria uma flagrante violação do principio do contraditório, que nos termos dos arts. 33° e 34°, do Regulamento (CE) nº 44/2001 a sentença proferida pelo Tribunal italiano não pode ser reconhecida e executada em Portugal, na medida em que a execução de sentença emitida em processo em que foi ignorado o princípio do contraditório é manifestamente contrária à ordem pública do Estado de Direito Português.
Concluiu que o título executivo em causa não reconhece à exequente o direito de exigir judicialmente a quantia peticionada uma vez que esse direito não está reconhecido e que o titulo executivo não reúne as condições necessárias e suficientes para fundamentar a instauração da presente execução.
Notificada, a exequente pugnou pela improcedência do requerido, na contestação, a fls. 88 e segs.
Alegou a exequente, para tal e em síntese, que a citação efectuada pelo Tribunal de Itália foi recebida pela executada, que esta recebeu cópia da citação também em língua portuguesa, concluindo que não foi inobservado o princípio do contraditório e que a executada não desconhecia a dívida.
Cumpre decidir.
A acção executiva visa a implementação das providências adequadas à efectiva reparação do direito violado e tem por base um título, pelo qual se determinam o seu fim e limites, conforme resulta do disposto nos arts. 4°, nº 3 e 45°, n° 1, do Código de Processo Civil.
A presente baseia-se na sentença proferida no processo n° 5041/2008 R.G./n° 2216/2008 D.I., que correu termos pela Chancelleria Civile do Tribunale di Podenone, em Itália, que condenou a aí Ré, ora executada, a pagar à aí Autora, ora exequente, a quantia de € 510.531,53 (quinhentos e dez mil e quinhentos e trinta e um euros e cinquenta e três cêntimos), conforme certidão digitalizada que se encontra a fls. 55 e segs., cujo teor se dá aqui por reproduzido.
Sob a epígrafe "Exequibilidade das sentenças e dos títulos exarados em países estrangeiros", preceitua o art. 49°, n° 1, do Código de Processo Civil, que "Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, as sentenças proferidas por tribunais ou por árbitros em país estrangeiro só podem servir de base à execução depois de revistas e confirmadas por tribunal português competente."
Pese embora o teor desta disposição legal, "Com o Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões, em matéria civil e comercial, criou-se um instrumento normativo de direito comunitário que permitiu a unificação, no âmbito da sua aplicação, das normas de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, bem assim a simplificação das formalidades com vista ao reconhecimento e execução, rápidos e simples, das decisões proferidas sobre essas matérias." (Acórdãos da Relação do Porto, de 20 de Setembro de 2005. proferido no processo nº 0421613, e de 26 de Outubro de 2006, proferido no processo nº 0635515, in http :// www.dgsi.pt/jtrp.nsf)
Nos autos de que o presente apenso é oposição, foi dada à execução uma sentença proferida por um Tribunal de um Estado-Membro, independentemente da designação que lhe for dada, prevista no art. 32°, do referido Regulamento.
O Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho de 22 de Dezembro de 2000, distingue o reconhecimento da exequibilidade da decisão.
Quanto ao reconhecimento, preceitua o art. 33°, do referido Regulamento, que "As decisões proferidas num Estado-Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem necessidade de recurso a qualquer processo."
Este preceito parte do princípio da confiança mútua entre jurisdições dos Estados-Membros, possibilitando a livre circulação das decisões judiciais.
Ora, "A confiança recíproca na administração da justiça no seio da Comunidade justifica que as decisões judiciais proferidas num Estado-Membro sejam automaticamente reconhecidas, sem necessidade de recorrer a qualquer procedimento, excepto em caso de impugnação." (Considerando 16° ao Regulamento)
Por outro lado, "A mesma confiança recíproca implica a eficácia e a rapidez do processo para tornar executória num Estado-Membro uma decisão proferida noutro Estado-Membro. Para este fim, a declaração de executoriedade de uma decisão deve ser dada de forma quase automática, após um simples controlo formal dos documentos fornecidos, sem a possibilidade de o tribunal invocar por sua iniciativa qualquer dos fundamentos previstos pelo presente regulamento para uma decisão não ser executada." (Considerando 17° ao Regulamento)
Quanto à exequibilidade da decisão, preceitua o art. 38°, nº 1, do referido Regulamento, que "As decisões proferidas num Estado-Membro e que nesse Estado tenham força executiva podem ser executadas noutro Estado-Membro depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada."
Ora, o requerimento de declaração de executoriedade deve ser apresentado no Tribunal de comarca do domicílio da parte contra quem a execução for promovida ou pelo lugar da execução, conforme resulta do disposto no art. 39°, do referido Regulamento e do respectivo Anexo u.
Preceitua depois o art. 41°, do referido Regulamento, que "A decisão será imediatamente declarada executória quando estiverem cumpridos os trâmites previstos no artigo 53° (...).", ou seja, a parte que invocar o reconhecimento ou requerer uma declaração de executoriedade de uma decisão deve apresentar uma cópia da decisão que satisfaça os requisitos de autenticidade.
Na parte final do art. 41°, do Regulamento, estatui-se que "A parte contra a qual a execução é promovida não pode apresentar observações nesta fase do processo."
Daqui resulta que é apenas na fase de recurso da decisão sobre o pedido de declaração de executoriedade (recurso admissível para o tribunal da Relação, independentemente do valor cfr. art. 43° do Regulamento e Anexo III), que a parte contra a qual a execução é promovida terá ocasião de alegar motivos de recusa da declaração de execução, previstos nos arts. 34° e 35°, do mesmo Regulamento, designadamente a contrariedade à ordem pública do Estado-Membro requerido ou a falta de comunicação ou notificação ao requerido revel do acto que iniciou a instância ou acto equivalente, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa.
Daí que, conforme resulta do disposto no art. 45°, nº l, do mesmo Regulamento, o Tribunal onde foi interposto o recurso ao abrigo dos arts. 43° e 44° apenas possa recusar a declaração de executoriedade por um dos motivos especificados nos artigos 34° e 35°.
Acresce que, conforme resulta do disposto no n° 2, do mesmo art. 45°, "As decisões estrangeiras não podem, em caso algum, ser objecto de revisão de mérito."
Ora, a exequente deu à execução a sentença proferida por um Tribunal de um Estado-Membro sem que previamente tivesse requerido a declaração de executoriedade da mesma, através do procedimento de natureza declarativa previsto nos arts. 38° a 47°, do referido Regulamento (CE) nº 44/2001.
Assim sendo, a mesma carece de força executiva por falta da respectiva declaração de executoriedade.
Com efeito, "I - O Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões, em matéria civil e comercial, distingue o reconhecimento da exequibilidade da decisão. II - O reconhecimento de decisões de qualquer Estado-Membro dá-se sem necessidade de recurso a qualquer processo. III - Para que tenham força executiva necessitam de declaração executória a requerimento de qualquer interessado. IV - Só em sede de execução e por via de oposição de pode conhecer de eventuais anomalias." (Acórdão da Relação do Porto, de 17 de Outubro de 2006, proferido no processo nº 0621470, in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf).
Pelo exposto, sem necessidade de outras considerações, deverá julgar-se procedente a oposição à execução, por insuficiência do título face à falta de declaração de executoriedade da sentença dada à execução e declarar-se extinta a execução.
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Pelo exposto:
- Declaro procedente a presente oposição à execução e em consequência, por insuficiência do título face à falta de declaração de executoriedade da sentença dada à execução, declaro extinta a execução.
(…)
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Apelou a exequente e concluiu da seguinte forma:
1. O Regulamento (CE) 44/2001, aqui aplicável, determina a competência dos tribunais em matéria civil e comercial, estabelecendo que as decisões proferidas num Estado-Membro da União Europeia (UE) são reconhecidas nos demais Estados-Membros, sem necessidade de recurso a outro processo.
2. A declaração de executoriedade de uma decisão deve ser emitida após um simples controlo formal dos documentos fornecidos, sem que os tribunais possam invocar automaticamente um dos motivos de não execução previstos pelo regulamento.
3. O sistema de competência judiciária, de reconhecimento e de execução de decisões judiciais em matéria civil e comercial do Regulamento Comunitário n.º 44/01 e da Convenção de Bruxelas, sobre a mesma matéria, incluindo a que resulta de pactos atributivos de competência judiciária, visa o reconhecimento automático dessas decisões, o favorecimento da sua exequibilidade e da sua livre circulação no espaço territorial da União Europeia.
4. E, desse modo, interpretou-se erroneamente, no nosso modesto ver, os art.s 38.Q a 47J do citado regulamento, os quais deveriam ser considerados formalmente preenchidos, uma vez que uma decisão proferida num Estado-Membro deverá ser reconhecida noutros Estados-Membros, sem a necessidade de nenhum procedimento especial.
5. E mesmo que o fosse, ainda que incidentalmente, perante o tribunal, este seria competente para o reconhecer (n.º 3 do art. 33.9 do Reg. 44/2001).
6. Aliás, o tribunal competente para essa declaração é precisamente o que proferiu a decisão de que se recorre (art. 39.º, n.º 1 e 2 cit. Reg. - "...domicílio da parte contra a qual a execução for promovida ou pelo lugar da execução).
7. Tendo sido ainda igualmente cumprido o requisito do art. 53.? do c/t. Reg., uma vez que a parte que requereu a executoriedade apresentou cópia que satisfaz plenamente os requisitos de autenticidade.
(…)

Contra-alegou a executada argumentando no sentido do não provimento do recurso.
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A matéria de facto a considerar consubstancia-se na decisão proferida pelo supra referido tribunal italiano (acima realçada a negrito) que condenou a recorrida e que foi dada à execução pela recorrente.
Sufraga-se o entendimento vertido na decisão recorrida.
De facto, está em causa uma decisão proferida por um tribunal de um Estado-Membro da União Europeia que é, nos termos do art. 33º do Regulamento (CE) nº 44/2001, reconhecida em Portugal sem necessidade de recurso a qualquer processo.
Contudo, para a executar, como pretende a recorrida, a sobredita decisão precisa de ser declarada executória a requerimento de qualquer parte interessada (art. 38º nº 1 do sobredito Regulamento).
O procedimento para esse efeito está previsto no art. 39º do Regulamento e, pela natureza das coisas, precederá a execução (efectivamente, quando instaura a execução, já a parte terá que estar munida de um título executivo o que só acontece após a declaração de executoriedade acima referida).
Consequentemente, a recorrida teria que lançar mão do referido procedimento o que não aconteceu pelo que não tinha título executivo para executar a recorrida.
Conclui-se, por isso, pelo bem fundado da decisão proferida.
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Nestes termos, sem necessidade de mais considerações e ao abrigo do preceituado no art. 713º nº 5 do CPC, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 11.4.2011
António Eleutério Brandão Valente de Almeida
Maria José Rato da Silva Antunes Simões
Abílio Sá Gonçalves Costa