Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
86/14.0IDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCO MOTA RIBEIRO
Descritores: CRIME DE FRAUDE FISCAL
PERDA DE VAGAGEM
AUTORIDADE TRIBUTÁRIA
Nº do Documento: RP2017032286/14.0IDPRT.P1
Data do Acordão: 03/22/2017
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTO N.º712, FLS.320-323)
Área Temática: .
Sumário: I – O fundamento da autonomia do instituto da perda de vantagens (artº 111º CP) resulta de o mesmo assumir uma natureza sancionatória análoga à da medida de segurança.
II – A perda de vantagens deve ser decretada sempre que se verifiquem os seus fundamentos, não ficando dependente da reclamação do seu valor (v.g dedução do pedido civil) ou do sucesso dessa pretensão.
III – Estando conexionada com o crime em apreciação e tendo em conta o seu caracter sancionatório é através da sentença e nela que a perda deve ser determinada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 86/14.0IDPRT.P1 - 4.ª Secção
Relator: Francisco Mota Ribeiro
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
1. RELATÓRIO
1.1 Por sentença de 14/07/2016, após realização da audiência de julgamento, no Proc.º nº 86/14.0IDPRT, que correu termos na Secção Criminal, J1, da Instância Local de Paços de Ferreira, Comarca do Porto Este, foram os arguidos B… e “C…, Lda.”, condenados:
1) O primeiro arguido, pela autoria, em concurso real, de um crime de fraude fiscal, previsto e punível pelos artigos 103.º, n.º 1, alínea a), do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco) euros, perfazendo o total de €900,00 (novecentos) euros e, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e. p. pelo art. 104.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, al. b), do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 1 (um) ano de prisão, substituído por 360 (trezentos e sessenta) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco) euros, num total de €1.800.00 (mil e oitocentos) euros;
2. A segunda arguida, pela prática de um crime de fraude fiscal previsto e punível pelos artigos 7º, 103.º, n.º 1, alínea a), do Regime Geral das Infrações Tributárias, e de um crime de fraude fiscal qualificada p. e. p. pelos artigos 7º, 104.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, al. b), do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa para cada um dos crimes. Em cúmulo jurídico das penas parcelares nos termos do disposto no art.º 77º do Código Penal, foi a sociedade arguida condenada na pena global e única de 400 (quatrocentos) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis) euros, punível por via do art.º 7º, nº1 do RGIT, num total de €2.400, (dois mil e quatrocentos euros).
- Na sentença recorrida foi julgado improcedente o pedido de declaração de perda a favor do Estado dos valores de €19.733,66, €60.777,31, €17.690,10 e €21.929,35, efetuado pelo Ministério Público, nos termos do disposto no art.º 111º do Código Penal.
1.2. Não se conformando com tal sentença, dela interpuseram recurso o Ministério Público e os arguidos, apresentando motivações que terminam com as seguintes conclusões:
Do recurso do Ministério Público
“1. Por sentença proferida nestes autos, a 14 de Julho de 2016, foi decidido julgar improcedente o pedido de declaração a favor do Estado do valor de €19.733,66, €60.777,31, €17.690,10 e €21.929,35, efetuado pelo Ministério Público, nos termos do disposto no art.º 111°, n° 2, 3 e 4 do Código Penal.
2. A perda de vantagens não se trata de uma pena acessória, porque não tem relação com a culpa do agente, nem de um efeito da condenação, porque também não depende de uma condenação; trata-se de uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, pois baseia-se na necessidade de prevenção do perigo da prática de crimes.
3. Resulta da sentença referida que foi provada a prática de um facto ilícito típico, consubstanciado na ocultação de valores com o objetivo de obter vantagens patrimoniais ilegítimas, furtando-se ao pagamento dos respetivos impostos, obtendo uma vantagem patrimonial à custa do correspondente prejuízo do Estado nos montantes de 19.733,66€; 60.777,31€, 17.690,10€, 21.929,35€.
4. Tais factos consubstanciam a prática do crime de fraude fiscal, pelo qual os arguidos foram condenados.
5. As necessidades, quer de prevenção especial (para que o arguido não pense que o crime compensa), quer as necessidades de prevenção geral com os seus reflexos sobre a sociedade no seu todo (prevenção geral), e ainda o reflexo da providência ao nível do reforço da vigência da norma (prevenção geral positiva ou de integração), impunham que fosse determinada a requerida perda de vantagens.
6. Assim, deveria ser declarada perdida a favor do Estado, a vantagem patrimonial no montante de 19.733,66€; 60.777,31€, 17.690,10€, 21.929,35€ que, através do facto ilícito típico (fraude fiscal, traduzida na ocultação de valores e consequente prejuízo de Estado), de que beneficiou o arguido B…, por si e em representação da sociedade arguida e "C…, LDA".
7. Tal montante reverteria a favor do Estado, que deixaria assim de poder exigir noutra sede aquela mesma quantia, nomeadamente no processo executivo que estivesse a correr, sendo assim ressarcido através da referida perda de vantagem.
8. Da conjugação do art.º 111º com o art.º 130º, ambos do Código Penal conclui-se não existirem limites ao confisco, nomeadamente aqueles que podiam advir da mera possibilidade de ser deduzido um pedido de indemnização civil.
9. A perda de vantagens deverá ser sempre decretada, podendo servir para compensar os danos do lesado, comprovados no processo, ou, mesmo fora dele.
10. Por tudo o exposto, deve a sentença recorrida ser parcialmente revogada e substituída por outra que, condene os arguidos a pagar ao Estado o montante correspondente ao empobrecimento deste, no montante de 19.733,66€; 60.777,31 €, 17.690,10, 21.929,35€, correspondente à vantagem obtida mediante a prática dos factos pelos quais foram condenados.”
Do recurso dos arguidos B… e “C…, Lda.”
“1.ª
O tribunal não dispõe de nenhum facto que demonstre que os arguidos tenham retirado para si, qualquer proveito dos montantes relativos ao IVA, como a sentença sob recurso o diz. Certo é, que não resultou qualquer benefício para os arguidos que, durante os anos em causa, e sobretudo o arguido B…, sempre viveu muito modestamente (como hoje assim vive), condição que é do conhecimento do Tribunal.
Os Recorrentes não se apropriaram de nada, facto que se conclui por falta de prova no inquérito e em julgamento, porém tal não obstou à acusação e ao Tribunal para, respetivamente, os terem acusado e condenado, por em proveito próprio e da sociedade arguida, terem ou retirarem uma vantagem patrimonial das quantias mencionadas na acusação e na sentença.
E nunca poderia ser condenado com base numa vantagem própria de que não há qualquer indício probatório nos autos.
4.ª
Na hipótese de não se proceder à absolvição que se pede, a condenação deverá ser de multa, em dias e valores parcos.
Na condenação da sociedade Recorrente, o tribunal realizou o cúmulo jurídico, certo é, que quanto ao Recorrente B… tal cúmulo, salvo melhor opinião, não foi realizado, mas deve sê-lo, sob pena de violação das suas garantias.
Por estas razões deverão os Recorrentes ser absolvidos.
Estão assim violados os artigos 7º, 103 e 104 do RGIT.
Por ter violado o direito invocado nestas conclusões, a sentença recorrida deverá ser revogada.”
1.3. Os recursos foram admitidos pelo despacho de 03/10/2016, de fls. 348.
1.4. O Ministério Público respondeu ao recurso dos arguidos, de fls. 359 a 372, concluindo pela sua improcedência.
1.5. A Sra. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu o parecer de fls. 382 a 390, concluindo pela procedência do recurso do Ministério Público e pela improcedência do recurso dos arguidos.
1.6. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
1.7. Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo arguido e os poderes de cognição deste tribunal, importa apreciar e decidir as seguintes questões:
1.7.1. Saber se, por falta de prova no inquérito e em julgamento, o Tribunal não dispunha de nenhum facto que permitisse demonstrar que os arguidos tiraram para si qualquer proveito dos montantes relativos ao IVA;
1.7.2. Deverem ter sido aplicadas penas de multa “em dias e valores parcos”;
1.7.3. Omissão pela decisão recorrida da realização do cúmulo jurídico quanto às penas de multa aplicadas ao arguido B…;
1.7.4. Saber se no caso dos autos são ou não de declarar perdidas a favor do estado as vantagens patrimoniais obtidas com os crimes praticados, nos termos do art.º 111º do CP.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 Factos a considerar
2.2 Na sentença proferida nos presentes autos foi considerada provada a seguinte factualidade:
“1. A arguida "C…, Lda." dedica-se, desde a sua constituição em 2006 até à presente data, à atividade de "fabricação de estruturas de construção metálica, fabricação de portas, janelas e elementos similares em metal" para tanto, usando como sede, as instalações sitas em Rua …, Lugar de …, Paços de Ferreira.
2. Na qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais encontrava-se coletada, em 2011, 2012 e 2013, como contribuinte n.º ……… no Serviço de Finanças de Paços de Ferreira, enquadrada para efeitos de I.V.A. no regime normal de periodicidade mensal e para efeitos de I.R.C. no regime geral.
3. Desde 29-12-2009 até hoje, o arguido B… consta do registo comercial como gerente da sociedade arguida, sendo ele quem efetivamente gere de facto tal sociedade, designadamente dando instruções aos trabalhadores da mesma, apresentando-se como gerente da sociedade perante terceiros, emitindo e recebendo faturas e recibos, organizando tal documentação e diligenciando pelo cumprimento das respetivas obrigações fiscais.
4. O arguido, por si e no interesse da sociedade arguida, na declaração periódica de IVA para o período de maio de 2013, entregue no dia 10-07-2013, declarou falsamente, no campo 61 a existência de um montante de imposto de IVA a reportar, no valor de 58.123,10€.
5. Tal valor foi ainda considerado como saldo de abertura no exercício económico de 2013 na conta "… ….-IVA a recuperar”, na contabilidade da aludida sociedade.
6. No entanto, o arguido bem sabia que o saldo da tal conta "… ….-IVA a recuperar”, em dezembro de 2012, era zero, razão pela qual não tinha qualquer documento que pudesse justificar tal montante a reportar para o ano de 2013.
7. Apesar disso, o arguido inseriu o montante de 58.123,10€, na declaração periódica de IVA de maio de 2013, bem sabendo que não poderia haver qualquer montante de IVA a transitar para 2013, e como tal com perfeito conhecimento de que inseria um dado falso.
8. E, nas declarações periódicas de IVA relativas aos períodos de dezembro de 2012, Maio de 2013, Setembro de 2013 e Outubro de 2013, o arguido agindo por si e no interesse da referida sociedade arguida, ocultou valores com o objetivo de obter vantagens patrimoniais ilegítimas, furtando-se ao pagamento dos respetivos impostos.
9. Assim, e analisados os balancetes analíticos e extratos analíticos acumulados dos anos de 2012 e 2013, foi possível corrigir de forma meramente aritmética a matéria coletável nos períodos e montantes a seguir identificados, correção esta correspondente à diferença entre o valor da declaração periódica de IVA entregue, e o valor da respetiva declaração periódica de IVA corrigida com base nos elementos constantes da contabilidade cujos valores, até então, foram omitidos à Administração Fiscal conscientemente pelo arguido e ainda pela desconsideração do reporte evidenciado na declaração de Maio de 2013:


Exercício económico de 2012
Período de imposto Resultado período Resultado período Correção fiscal
na DP entregue corrigido
Janeiro €0.00 -€ 684,74 -€ 684,74
Fevereiro €0.00-€ 275,17 -€ 275,17
Março €0.00-€ 784,59 -€ 784,69
Abril €0.00€2.517,71 €2.517,71
Maio €0.00€ 514,78 € 514,78
Junho €0.00€ 1.601,53 € 1.601,53
Julho €0.00-€ 458,63 -€ 458,63
Agosto €0.00€ 3.387,23 € 3.387,23
Setembro €0.00€ 530,34 € 530,34
Outubro €0.00-€1.261,91 -€1.261,91
Novembro€0.00-€340,23 -€340,23
Dezembro€0.00€ 21.335,80 € 21.335,80
Total €0.00 € 26.082,12 € 26.082,12

Exercício económico de 2013
Período de imposto Resultado período Resultado período Correção fiscal
na DP entregue corrigido
Janeiro €0.00 -€455,69 -€455,69
Fevereiro €0.00-€l.110,48 -€1.110,48
Março €0.00€ 2.862,44 € 2.862,44
Abril €0.00€ 1.932,05 € 1.932,05
Maio €8.485,06 € 60.777,31 € 52.292,25
Junho €4.692,00 € 7.331,42 € 2.639,42
Julho €0.00€ 101,73 € 101,73
Agosto €0.00€ 8.144,14 € 8.144,14
Setembro €32.986,37 € 17.690,10 -€l5.296,27
Outubro €0.00€ 21.929,35 € 21.929,35
Novembro €515,59 € 515,59 €0.00
Dezembro €5.240,84 € 5.240,84 €0.00
Total . €51.919,86 € 124.958,80 € 73.038,94

10. Pelo que, nos períodos relativos a Dezembro de 2012, Maio de 2013, Setembro de 2013 e Outubro de 2013, o arguido por si e no interesse da arguida sociedade logrou obter uma vantagem patrimonial à custa do correspondente prejuízo do Estado nos montantes de:
Período de IVA IVA devido
2012/12 19.733,66€
2013/05 60.777,31€
2013/09 17.690,l0€
2013/10 21.929,35€

11. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, por si e no interesse da sociedade "C…, Lda.", bem sabendo que ao inserir falsamente o montante de 58.123,10€, como IVA a reportar, inseria um dado falso, fazendo-o com intenção concretizada de obter, para si e para aquela sociedade, vantagem patrimonial indevida, bem sabendo que desse modo diminuíam as receitas da Administração Fiscal.
12. E, ao ocultar nas declarações periódicas de IVA dos períodos de dezembro de 2012, maio, setembro e outubro de 2013 factos e valores que aí deveriam constar, diminuía as receitas da Administração Fiscal em montantes mensais superiores a 15.000,00€, o que representou e quis, bem sabendo que desta feita obtinha para si e para a aludida sociedade quantia que sabia não lhe ser devida, à custa da defraudação da Fazenda Nacional.
13. Agindo deste modo, por si e em nome da arguida sociedade, o arguido pôs em causa o património do Estado - Administração Fiscal, bem como a verdade da respetiva situação tributária, violando os deveres de colaboração e lealdade que deveria assumir perante a Fazenda Nacional, agindo deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei.
14. O arguido B… aufere mensalmente o ordenado mínimo nacional, vive com uma filha de 15 anos de idade em casa arrendada, liquidando de renda mensal o valor de €200,00. Vive com ajudas monetárias dos Pais e, possui o 6º ano de escolaridade.
15. A sociedade arguida no período compreendido entre 1/1/2014 e 31112/2014, declarou €18.242,10 de prejuízo para efeitos fiscais e, € 7.180,01 de total de rendimentos do período.
16. Do certificado do registo criminal do arguido e da sociedade arguida nada consta.”

2.1.2 O Tribunal a quo motivou a decisão de facto nos seguintes termos:
“Para dar como provados os factos atrás expostos, o Tribunal formou a sua convicção com base no conjunto da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, e nos documentos juntos aos autos, analisados segundo a livre convicção do julgador e regras da experiência comum.
Assim, teve-se em consideração os autos de notícia de fls. 50 e 64 a 67, o relatório de inspeção tributária de fls. 55 a 63, a certidão de matrícula de fls. 69 a 72, o diário de movimentos de fls. 117 a 123, as faturas de fls. 123 a 275, a declaração periódica de IVA de fls. 276 a 279 e, o parecer fundamentado da autoridade tributária de fls. 290 a 300.
Em conjugação com estes documentos, foram atendidas as declarações prestadas por D…, inspetor tributário, que referiu ter efetuado uma análise à situação tributária da sociedade arguida e relativamente aos anos de 2011 e 2012, pois que, aquela entregava declarações periódicas de IV A a zero, como se não tivesse atividade económica. Esclareceu ainda que, viu faturas emitidas por esta sociedade e em sede de outros procedimentos inspetivos, nomeadamente, outras duas sociedades pertença do arguido e, com situações similares, ou seja, a existência de prejuízos para o Estado. Quando fez a inspeção e como as declarações de IRC não eram entregues, pediu para a sociedade arguida juntar a contabilidade, sendo certo que, tal não existia, apenas existindo um conjunto de papéis. A testemunha esclareceu com precisão a factualidade dada por assente, precisando que, a sociedade arguida havia declarado um crédito de IVA no valor de €58.123,10 que viria a reportar, sendo que, em sede de procedimento inspetivo foi notificada para fundamentar a origem de tal crédito, não o tendo feito. Mais precisou com clara evidência os valores constantes dos factos provados, designadamente, do facto 10), dando conta de todos os montantes de IVA devidos e, não entregues nos cofres do Estado. Até à data, não tem conhecimento que tais valores, já hajam sido entregues. Também referiu ter contactado o arguido e falado com o mesmo, pois que, até o notificou para apresentar a contabilidade, nunca o mesmo lhe tendo dado conta que não soubesse da realidade contabilística da sociedade arguida, esclarecendo ainda que, o arguido B… nem sequer se mostrou surpreso com a abordagem efetuada e, quanto ao que lhe foi solicitado.
No que ao depoimento da testemunha E… respeita, cumpre referir que, pela mesma foi declarado, ter prestado funções de contabilista para o arguido e a sociedade arguida desde o início da constituição da empresa e, até 2011/2012. Precisou que, atá ao ano de 2009 sempre foi efetuada a contabilidade dentro da normalidade, com toda a documentação que lhe era presente e, a partir dessa data, o arguido B… dizia-lhe que não havia contabilidade e, por isso as declarações eram entregues a zero. Com importância relatou ainda a testemunha que, o arguido B… não era alheio à situação em que a sociedade arguida se encontrava, sabendo da situação contabilística em que a mesma se encontrava, designadamente, do reporte do I.V.A. que vinha sendo declarado.
No que ao depoimento da testemunha F… concerne, cumpre referir que, a mesma declarou não se ter justificado o crédito de IVA porque tal já vinha das contabilidades anteriores e, não dispunha de elementos para tal. Esclareceu também que, fez a contabilidade da sociedade arguida e, até final de 2013, sendo que, anteriormente a 2013 era a G… que a fazia.
Pela testemunha G… foi referido que, o seu patrão, H…, lhe disse que era preciso recuperar a contabilidade da sociedade arguida e, que a mesma beneficiava de crédito de I.V.A. Mais referiu desconhecer se havia documentação que sustentasse o crédito de I.V.A., pois que, o reporte que efetuou já vinha de trás. No que ao arguido respeita, nunca contactou com o mesmo, pois que, sempre que este se dirigia ao escritório falava com o seu patrão, o já referido H….
A testemunha H… esclareceu que teve um gabinete de contabilidade e, fez a contabilidade da sociedade arguida, ao que se pensa, durante 4/5 anos atrás e, até 31/05/2016. Esclareceu que recebeu o arguido B… por mais do que uma vez no seu escritório, considerando-o um cliente normal, ou seja, como todos os outros que se interessam com os desígnios das sociedades que encabeçam. A testemunha não teve quaisquer dúvidas em referir que, o arguido sabia perfeitamente o que se passava na empresa, ora sociedade arguida.
Ora, da conjugação dos depoimentos prestados, dúvidas não nos restam que o arguido praticou os factos de que vem acusado.
Pese embora o arguido tivesse admitido saber do crédito de IVA, tentou demonstrar ao Tribunal que nunca pediu ao Estado a sua devolução pois que, a administração tributária exigia-lhe uma garantia bancária e, o mesmo não a podia prestar. Em suma, o arguido tentou demonstrar ao Tribunal que no seu entender os factos que lhe vêm imputados, o são por culpa do contabilista, pois, apenas se limitava a entregar a documentação aos contabilistas, desconhecendo, o que após se passava. Todavia, note-se que, tal justificação não colheu. Aponte-se ainda que, quem está à frente de uma empresa, não pode deixar de cumprir com os pagamentos devidos e, justificar qualquer operação contabilística e, muito menos se, tal pode originar responsabilidade criminal para a sociedade e para os seus membros estatutários, sendo que, ao contrário do que o arguido fez crer, tal também não acontecia, pois que, a quase totalidade das testemunhas foi unânime em referir que o arguido sabia muito bem o estado da empresa arguida. Por último, repare-se, como referido pela testemunha, D…, o arguido já não é principiante nestas andanças, pois que, em sede de outros procedimentos inspetivos a outras duas suas empresas, já vem sendo prática, a existência de prejuízos para o Estado. Note-se que, bem referiu a testemunha que quando notificou o arguido para justificar o dito crédito de I.V.A., juntando suporte contabilístico de tal crédito, o mesmo nunca referiu de nada dispor ou saber, ou sequer ficou surpreso com o solicitado.
O Tribunal teve em consideração as declarações do arguido para prova da sua situação sócio - económica, atendendo às declarações modelo 22 juntas a fls. 289 a 296 para prova da situação económica da sociedade arguida, nomeadamente, do facto 15) e, ainda o certificado do registo criminal do arguido e sociedade arguida, juntos, respetivamente, a fls. a fls. 336 e 350 para prova dos seus antecedentes criminais.
Pelo exposto, dúvidas não restam ao Tribunal que o arguido praticou os factos pelos quais vem acusado.”
2.1.3 Na escolha e determinação da medida concreta da pena o Tribunal a quo considerou o seguinte:
“Importa agora, determinar a medida da pena que, em concreto, e relativamente ao crime praticado, se adequa ao comportamento do arguido.
O crime de fraude fiscal p. e p. pelo art.1 03º, nº1, aI. a) do RGIT é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias. Assim, prevê este crime, a aplicação, em alternativa, de pena de prisão ou de pena de multa.
Por sua vez o crime de fraude fiscal qualificada p. e p. pelo art.º 104º, nº1, aI. d) e nº2, aI. b) do RGIT, é punido com pena de prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e, de 240 a 1200 dias de multa para as pessoas coletivas. Assim, prevê este crime, para o caso das pessoas singulares a aplicação apenas de pena de prisão.
No que, ao primeiro dos ilícios importa, a primeira operação a efetuar para determinar a pena, consiste na escolha entre aquelas duas penas principais.
A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (cfr. Artº 40º do Código Penal). Todavia, convém ter presente que a aplicação de uma pena criminal tem uma finalidade de prevenção geral e especial da prática de futuros crimes e não uma função de retribuição pelo mal que foi praticado.
Neste sentido, refere o Prof. Figueiredo Dias "A base irrenunciável da solução aqui defendida para o problema dos fins das penas reside pois em que estes só podem ter natureza preventiva - seja de prevenção geral, positiva ou negativa, seja de prevenção especial, positiva ou negativa -, não de natureza retributiva', in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, ano 2001, pág.104.
A pena tem em si intrínseco um fim de utilidade social que consiste na reafirmação da confiança comunitária na vigência das normas violadas (prevenção geral positiva ou de integração), e por outro lado, na dissuasão, dirigida à generalidade dos indivíduos, da prática de crimes (prevenção geral negativa) e na educação do agente para o Direito (prevenção especial).
Deste modo, tendo presente a finalidade da aplicação da pena criminal, fácil é de compreender que a pena de prisão se apresenta como a ultima ratio do sistema criminal, sabendo-se o quanto a privação da liberdade, ainda que visando a dissuasão e a prevenção da criminalidade, pode ser, em resultado da estigmatização e da desqualificação social que provoca, criminógena, potenciando, ao invés de reduzir, a prática de futuros crimes.
A opção pela aplicação de uma pena não privativa da liberdade decorre ainda do critério estatuído no art.º 70º do Código Penal, em que o legislador dá preferência a este tipo de sanção, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
No caso vertente, e sendo certo que, as exigências de prevenção geral são elevadas, ponderando a frequência com que este tipo de crime vem ocorrendo, entendemos que, as exigências de prevenção especial se mostram medianas, pois que, o arguido encontra-se inserido, familiar, social e profissionalmente e, não possui antecedentes criminais. Assim, entendemos que, uma pena de multa realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de proteção dos bens jurídicos e de reintegração destes agentes na sociedade.
Ponderando, agora, em sede de determinação da medida concreta da pena, cujos critérios se encontram plasmados no art.º 71º do Código Penal, desde logo, a fixação dos dias de prisão deverá ser estabelecida em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, Acresce ainda que, de acordo com o estabelecido no artigo 13º, do Regime Jurídico das Infrações Tributárias, na determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei atende-se, sempre que possível, ao prejuízo causado pelo crime.
Assim sendo, na determinação da medida concreta da pena, feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, haverá que atender a todas as circunstâncias que possam abonar em favor dos arguidos, ou pelo contrário, que imponham uma mais severa censura dos seus atos.
Assim, ponderando a intensidade do dolo, pois o arguido agiu com dolo direto, o grau de ilicitude do facto que é elevado, atento os montantes ocultados e também indevidamente declarados, circunstâncias que depõem contra o arguido, a favor do arguido há a considerar a sua inserção social, profissional e, familiar, bem como a ausência de antecedentes criminais, pelo que, se julga adequado aplicar ao arguido B…:
- a pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa pelo crime de fraude fiscal, previsto e punível pelos artigos 103.º, n.º 1, alínea a) do RGIT, à taxa diária de €5,00 (cinco) euros, atenta a situação económica dada por assente (cfr. art. 15º, nº1 do RGIT), perfazendo o total de €900,00 (novecentos) euros;
- a pena de 1 (um) ano de prisão pelo crime de fraude fiscal qualificada p. e. p. 104.º, n.º 1, alíneas d) e n.º 2 aI. b), do RGIT.
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Considerando que, o legislador, partindo do princípio de que a pena de prisão, porque atinge o direito fundamental à liberdade e, consequentemente, afeta gravemente a dignidade da pessoa humana, só deve ser aplicada em última instância, importa averiguar da possibilidade de substituir aquela pena de prisão.
Conforme dispõe o art.º 43º, nº1 do Código Penal A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47 º.
Assim, atentas as considerações já acima vertidas aquando da determinação da medida concreta da pena e, por se entender que a execução da prisão não se mostra essencial para prevenir o cometimento de futuros crimes, a pena de 1 ano de prisão será substituída por multa nos termos da regra geral do art. 43º do Código Penal e que se fixa em 360 dias.
Nos termos do art.º 15º, nº 1 do RGIT «Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre €1 e €500, tratando-se de pessoas singulares, e entre €5 e €5000, tratando-se de pessoas coletivas ou entidades equiparadas, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos»
Como já acima referido, considerando a situação económica do arguido dada por provada, entendemos adequado fixar o montante diário em €5.00 (cinco) euros, o que perfaz um total de €1.800,00 (mil e oitocentos) euros.
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Relativamente à sociedade arguida" C…, LDA.", deve à mesma ser aplicada uma pena de multa, pelo que cumpre determinar o quantum dessa multa em que deverá ser condenada.
A moldura abstrata da pena de multa aplicável ao crime de fraude fiscal p. e p. pelo art.º 103º, nº1, do RGIT vai de 20 até 720 dias, de acordo com o estabelecido nos artigos 12º, nºs 2 e 3, e ao crime de fraude fiscal qualificada p. e p. pelo art.º 104º, nº 1 do RGIT, é punido com pena de multa de 240 a 1200 dias.
A cada dia de multa, como acima vertido, corresponde uma quantia entre €5,00 e €5.000.00, tratando-se de pessoas coletivas ou entidades equiparadas, que o Tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos (artigo 15º, nº 1, do RGIT).
Ora, ponderando os factos considerados como assentes no presente processo, entendemos ser adequado fixar a pena de multa em 250 (duzentos e cinquenta) dias para cada um dos crimes cometidos pela sociedade.
Porque se verifica uma situação de concurso de crimes e, considerando as penas parcelares aplicadas, a moldura do concurso de crimes varia entre o mínimo de 250 dias de pena de multa (a mais elevada das penas parcelares) e o máximo de 500 dias de pena de multa (a soma das penas parcelares concorrentes).
Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas e, atento o disposto no art. 77º do Código Penal, julga-se adequado aplicar à sociedade arguida a pena global e única de 400 (quatrocentos) dias de pena multa.
No que concerne ao quantitativo diário, atenta a situação económica dada por assente, fixa-se o mesmo em €6,00 (seis), perfazendo assim o valor global de €2.400,00 (dois mil e quatrocentos) euros.”
2.1.4 O Tribunal a quo fundamentou a decisão de improcedência da pretensão de declaração de perda das vantagens patrimoniais nos seguintes termos:
“O Ministério Público veio requerer a perda da vantagem patrimonial nos termos do artigo 111º, nºs 2 e 4 do Código Penal, nos montantes de €19.733,66, €60.777,31, €17.690,10 e €21.929,35, quantias estas devidas à Administração Tributária e de que esta ficou desapossada pelo crime cometido pelo arguido e sociedade arguida de fraude fiscal, previsto e punível pelos artigos 103.º, n.º 1, alínea a), do Regime Geral das Infrações Tributárias.
Dispõe o artigo 111º, do Código Penal que:
“1 - Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado.
2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa-fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.
3 - O disposto nos números anteriores aplica-se às coisas ou aos direitos obtidos mediante transação ou troca com as coisas ou direitos diretamente conseguidos por meio do facto ilícito típico.
4 - Se a recompensa, os direitos, coisas ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor".
Ora, como é sabido a perda de vantagens é exclusivamente determinada por necessidades de prevenção. Como bem ensina Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, pág. 315, em anotação ao art.º 111º, não se trata de uma pena acessória, porque não tem relação com a culpa do agente, nem de um efeito da condenação, porque também não depende uma condenação. Trata-se de uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, pois baseia-se na necessidade de prevenção do perigo da prática de crimes, "mostrando ao agente e à generalidade que, em caso de prática de um facto ilícito típico, é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito decorrente do objeto" (Figueiredo Dias, 1993: 638, e apontando também nesse sentido, Maia Gonçalves, 2007: 436, anotação 3ª, ao artigo 111º, considerando que o preceito tem em vista "mais uma perigosidade em abstrato" e visa a "prevenção da criminalidade em geral", Leal Henriques e Simas Santos, 2002: 1162 e 1164, e Sá Pereira e Alexandre Lafayette, 2007: 299, anotação 6ª ao artigo 111º.
Ora, não foi deduzido pelo Ministério Público pedido de indemnização civil, pois que, é entendimento da Autoridade Tributária, serem suficientes os meios legalmente previstos no art. 148º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) para cobrança coerciva do imposto em causa; como bem salientado a fls. 298 dos autos.
Pelo exposto e, porque partilhamos do entendimento da Autoridade Tributária, dispondo esta de meios legais para ser ressarcida das quantias que lhe são devidas, a perda de vantagem patrimonial requerida pelo Ministério Público terá que improceder.
2.2 Fundamentos fáctico-conclusivos e jurídicos
2.2.1 Da alegada falta de prova no inquérito e em julgamento de factos que permitissem demonstrar que os arguidos tiraram para si qualquer proveito dos montantes relativos ao IVA
Alegam os arguidos que “não se apropriaram de nada, facto que se conclui por falta de prova no inquérito e em julgamento”.
Tal afirmação, de carácter conclusivo, é feita tanto na motivação do recurso como nas respetivas conclusões. Mas não aduzem os arguidos qualquer fundamento concreto, fáctico-jurídico, para sustentar uma tal conclusão. Nem sequer têm em conta, expressa ou implicitamente, o que resulta da matéria de facto dada como provada nos pontos 9. e 10. dos factos provados, onde se deu como assente que nos períodos relativos a dezembro de 2012, maio de 2013, Setembro de 2013 e outubro de 2013, o arguido por si e no interesse da arguida sociedade, e por força das declarações fraudulentas relativas à matéria coletável, nos termos ali concretamente descritos, logrou obter uma vantagem patrimonial à custa do correspondente prejuízo do Estado, nos montantes aí descriminados, isto é, de €19.733,66, €60.777,31, €17.690,l0, e €21.929,35.
Factualidade que o Tribunal considerou provada com base nos documentos juntos aos autos e nos depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, como claramente resulta da motivação da decisão sobre a matéria de facto, acima transcrita, que os arguidos não põem em causa, sendo aliás um tal aproveitamento patrimonial iniludivelmente corroborado pelas regras da lógica e da experiência comum, que permitem com cristalina clareza compreender a relação de carácter indutivo existente entre os comportamentos do arguido e as vantagens de carácter patrimonial com eles visadas e obtidas. Sendo quiçá por isso que os recorrentes nem sequer sustentam a afirmação conclusiva, verdadeiramente não motivada, de uma abstrata inexistência de prova, sem ponderar ou tecer sequer qualquer referência à que efetivamente foi produzida e considerada pelo Tribunal a quo. Circunstância que, além de não permitir que este Tribunal sindique a decisão produzida pelo Tribunal a quo sobre a matéria de facto, e desde logo porque não é invocado qualquer erro notório na apreciação da prova, nem o Tribunal o vislumbra, nos termos e para os efeitos do art.º 410º, nº 2, al. c), do CPP, assim como não foi deduzida uma concreta impugnação daquela decisão, nem sequer por referência ao art.º 412º, nº 3, al. a) e b), o que sempre implicaria a especificação dos concretos pontos de facto que os arguidos considerassem incorretamente julgados e ainda as concretas provas que impusessem decisão diversa da recorrida. O que faz com que o recurso padeça, nesta parte, de uma verdadeira ineptidão.
Razão por que, e não se vislumbrando sequer uma legal possibilidade de este Tribunal pôr em causa a decisão recorrida, na parte em que os recorrentes abstrata e conclusivamente invocam não terem sido produzidas quaisquer provas relativamente à vantagem patrimonial auferida, deve o recurso ser julgado improcedente, por manifesta falta de fundamento.
2.2.2 Da pretensão deduzida pelos arguidos quanto à aplicação das penas de multa “em dias e valores parcos”.
As mesmas considerações supra aduzidas impõe-se que sejam também agora tecidas relativamente a este segmento do recurso dos arguidos, acrescentando-se apenas a especificidade de aqui aqueles afirmarem, como fundamento da sintética pretensão, conclusivamente traçada, isto é deverem as penas de multa aplicadas serem “em dias e valores mais parcos”, que “os factos provados demonstram que o incumprimento resulta de um conflito de deveres que a sociedade arguida e o seu gerente tiveram de optar”. Podendo deduzir-se do assim invocado pelos arguidos que, não fosse essa circunstância, ou melhor a ilação que retiram como constitutiva do conflito de deveres, as penas de multa aplicadas não mereceriam censura por parte dos arguidos.
Acontece que analisados criteriosamente os factos dados como provados, de nenhum deles, individualmente considerado, ou cotejados entre si, se pode retirar a conclusão de que os arguidos agiram no âmbito de um conflito de deveres. Sublinhe-se, aliás, que o conflito de deveres, expressamente previsto no art.º 36º do CP, é causa de justificação do facto ou de exclusão da ilicitude, e que, a verificar-se, implicaria a absolvição dos arguidos e não a simples aplicação de “parcas” penas, como estes pretendem. Sendo que para verificação de tal causa de exclusão da ilicitude seria necessário que os arguidos tivessem atuado numa situação de conflito de deveres e que ao agirem satisfizessem dever ou ordem de valor igual ou superior ao do dever ou ordem que sacrificaram com a conduta típica constitutiva dos crimes por que acabaram por ser condenados nos autos.
Ora, da factualidade dada como provada, não resulta, desde logo, que os arguidos tivessem agido numa situação de conflito de deveres e muito menos que tivessem atuado com vista à satisfação de um dever maior do que aquele que resultou da violação das normas penais por que foram condenados nos autos.
Assim sendo, não pode proceder a pretensão dos arguidos, nem no âmbito da verificação da referida causa de justificação, nem para viabilizar a pretensão de condenação em penas de multa inferiores àquelas em que foram condenados.
E sendo esse o único fundamento do recurso, não tendo ademais, fora dele, sido posta em causa a decisão recorrida, não tendo sido indicadas, como o exige o art.º 412º, nº 2, do CPP, quaisquer normas jurídicas violadas, nem o sentido em que, no entendimento dos recorrentes, o tribunal violou a sua interpretação, no que toca, obviamente, à escolha e determinação das penas de multa concretamente aplicadas, as quais se nos oferecem como adequadamente fundamentadas de facto e de direito na decisão recorrida, deverá também nesta parte ser negado provimento ao recurso.
2.2.3 Da não realização do cúmulo jurídico quanto às penas de multa aplicadas ao arguido B…
Invoca ainda o recorrente B… que relativamente a ele deveria o Tribunal a quo ter procedido ao cúmulo jurídico das penas de multa que lhe foram aplicadas, tal como o fez relativamente à arguida C…, Lda..
Não lhe assiste, porém, razão.
De facto, estabelece o art.º 77º, nº 1, do CP, que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena.
Porém, no nº 3 do mesmo artigo estabelece-se que se as penas aplicadas ao concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.
E tal acontece, desde logo no caso de a pena de prisão em concurso, com outra pena de prisão apicada como pena principal, resultar da fixação em alternativa à multa aplicada (como acontecia na previsão do art.º 46º, nº 3 do CP, na versão originária) ou sucedaneamente à pena de multa não paga (nos termos atualmente previstos no art.º 49º do CP), situação em que se considera serem de espécie diferente, estando por isso sujeitas a um sistema de acumulação material[1]. Valendo, logicamente, o mesmo raciocínio para os casos em que as penas em concurso são uma pena de multa aplicada a título principal e uma de multa como pena de substituição de uma pena de prisão, porquanto não só têm génese fáctico-jurídica diferente como as consequências do seu incumprimento são também diferentes – cfr. art.ºs 49º, nº 1, e 43º, nº 2 do CP; no primeiro caso, a pena de multa, aplicada como pena principal, alternativa à de prisão, não sendo voluntária ou coercivamente paga, nem substituída por trabalho, dá lugar ao cumprimento de pena de prisão subsidiária pelo tempo correspondente ao da multa, reduzido a dois terços, enquanto que na pena de multa de substituição, a que se refere o art.º 43º, o seu incumprimento dá lugar ao cumprimento da pena de prisão que havia sido fixada na sentença.[2]
Razão por que andou bem o tribunal recorrido ao não proceder ao cúmulo jurídico, através da aplicação de uma pena única, das penas de multa aplicadas ao arguido, devendo também nesta parte ser negado provimento ao recurso.
2.2.4 Da determinação da perda a favor do Estado das vantagens patrimoniais obtidas com os crimes praticados, nos termos do art.º 111º do CP
Na sentença recorrida foi desatendida a pretensão deduzida pelo Ministério Público, de ver declaradas perdidas a favor do Estado as vantagens patrimoniais obtidas com os crimes por que foram condenados os arguidos nos autos, mais precisamente os valores de €19.733,66, €60.777,31, €17.690,10 e €21.929,35.
Ora, o Tribunal a quo, considerando embora ser a perda de vantagens exclusivamente determinada por necessidades de prevenção, e referindo tratar-se “de uma medida sancionatória análoga à medida de segurança, pois baseia-se na necessidade de prevenção do perigo da prática de crimes”, visando-se com a mesma mostrar “ao agente e à generalidade que, em caso de prática de um facto ilícito típico, é sempre e em qualquer caso instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito decorrente do objeto", citando o Professor Jorge de Figueiredo Dias, além de outros autores, a verdade é que paradoxalmente acaba depois por confundir tal instituto com o da indemnização cível, e a pretensão indemnizatória a ele inerente de ressarcimento de perdas e danos emergentes da prática de um crime, instituto que tem regulação própria no direito civil (art.º 129º do CP), e sendo fundamento para a dedução do respetivo pedido indemnizatório no processo penal, nos termos do art.º 71º do CPP, no qual se consagra o chamado princípio da adesão, a verdade é que material e processualmente não se confunde com o instituto da perda de vantagens.
Ora independentemente das incongruências que para nós resultam obvias na sobreposição forçada que se pretenda querer fazer do instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos emergentes da prática de um crime relativamente ao da perda de vantagens do crime (ignorando a apenas mui específica e excecional relação de subsidiariedade existente entre ambos os institutos) para desse modo afastar a possibilidade de aplicação deste último nos casos em que o ofendido comunique ao processo que não pretende nele, mas sim por outra via, obter o ressarcimento dos danos causados com o crime[3], pensamos que a essência do fundamento da autonomia do instituto da perda de vantagens em relação ao da indemnização de perdas e danos emergentes da prática de um crime, é, à partida, e num plano desde logo iminentemente substantivo, o facto de aquele assumir uma natureza sancionatória análoga à da medida de segurança e o outro apenas uma natureza fundamentalmente ressarcitória das perdas e danos sofridos pelo ofendido ou lesado com o comportamento ilícito típico. Diferente natureza que assume uma particular importância na solução do caso-problema dos autos.
Citando o Professor Figueiredo Dias, a propósito da natureza jurídica do regime da perda de vantagens: trata-se de "uma providência sancionatória análoga à da medida de segurança (...), no sentido de que é sua finalidade prevenir a prática de futuros crimes, mostrando ao agente e à generalidade que, em caso de prática de facto ilícito-típico, é sempre e em qualquer caso (e sublinharíamos o sempre e em qualquer caso) instaurada uma ordenação dos bens adequada ao direito; e que, por isso mesmo, esta instauração se verifica com inteira independência de o agente ter ou não atuado com culpa".
E como refere o mesmo autor, na reflexão que possa haver no tocante à articulação entre a responsabilidade civil (ou fiscal) e perda de vantagens, o instituto da perda de vantagens marca sempre a sua autonomia. Porque, “seja como for quanto a este ponto, também aqui há lugar e justificação autónomos para a perda.” Questionando-se apenas a sua utilidade, mas não já a possibilidade do seu decretamento, nos casos em que tenha sido deduzido pedido cível conexo com o processo penal, pois nestes casos “poucas serão as hipóteses em que a perda das vantagens poderá vir a ser decretada utilmente.” E sendo só nestes casos, em função de uma comprovada e concreta inutilidade, que se poderá verificar uma específica e excecional subsidiariedade entres os dois institutos.
Decretamento de perda esse, portanto, e voltando ao caso dos autos (onde não foi deduzido qualquer pedido cível), a decretar sempre, e também sem prejuízo do que a Administração Fiscal possa vir ou não a decidir e a conseguir no âmbito da pretensão assente na respetiva obrigação fiscal – aliás, numa harmonia ontologicamente perfeita. Isto é, se efetivamente cobra o crédito a ela correlativo ou não, se o deixa ou não prescrever, se em relação a ele deixa ou não operar qualquer fundamento de oposição, etc.. Porque a questão da determinação da perda de vantagens, conexionada que está diretamente com o crime praticado, e competindo ao Tribunal decidi-la na sentença penal, não pode ser deixada à sorte (abdicando o Tribunal de tal poder-dever de decisão, omissão que seria sempre irreversível), de uma futura e eventual reclamação dos valores que o Fisco pudesse entender serem devidos e ao sucesso que tal pretensão pudesse ter. Sendo que é na sentença penal e através dela que se poderá cumprir o caráter sancionatório de tal medida. Tendo abdicado por isso a sentença recorrida de dar o sinal, desde logo comunitariamente muito relevante, de que, “sempre e em qualquer caso”, o crime não compensa.
Sendo este, portanto, o sentido e alcance da norma do art.º 111º, nº 2, do CP, ao estabelecer que “são também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.”
E assim redefinimos e clarificamos também uma nossa posição anterior, bem como as dúvidas que já então nos assaltaram, quando subscrevemos como adjunto o Acórdão deste Tribunal da Relação, de 23/11/2016.
Razão por que deve ser concedido provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, determinando-se a perda das vantagens patrimoniais obtidas com a prática dos crimes dos autos, nos termos peticionados.
2.2.5 Responsabilidade pelo pagamento de custas
Uma vez que os arguidos decaíram totalmente nos recursos que interpuseram são responsáveis pelo pagamento da taxa de justiça e dos encargos a que a sua atividade deu lugar (artigos 513.º e 514.º do Código de Processo Penal.
Nos termos do disposto nos art.º 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais e a Tabela III a ele anexa, a taxa de justiça varia entre 3 a 6 UC, devendo ser fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela iii.
Tendo em conta a reduzida complexidade do processo, julga-se adequado fixar, para cada um dos arguidos, essa taxa em 4 UC.
3. DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto em:
a) Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido B… e pela arguida C…, Lda.”;
b) Julgar totalmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, decretar a perda a favor do Estado das vantagens patrimoniais que para os arguidos B… e C…, Lda.” resultaram da prática dos crimes dos autos, nos valores de €19.733,66, €60.777,31, €17.690,10 e €21.929,35, sem prejuízo dos direitos da ofendida Autoridade Tributária ou de terceiro de boa-fé, bem como da dedução de eventuais pagamentos que os arguidos possam ter feito ou vir a fazer por conta da indemnização àquela devida;
c) Condenar os arguidos Recorrentes no pagamento das custas do recurso, com taxa de justiça que se fixa, para cada um, em 4 UC.
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Porto, 22 de março de 2017
Francisco Mota Ribeiro
António Gama
João Pedro Nunes Maldonado, (vencido, quanto ao provimento do recurso do Mº Pº, nos termos da declaração seguinte)
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[1] Neste sentido, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra 2005, p. 418.
[2] Neste sentido tem ido a maioria da doutrina e da jurisprudência – cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª Edição Atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa 2010, p. 284, e Ac. do STJ, de 27/04/2011, Pº 2/03.5GBSJM.S1, Ac. TRP de 21/09/2016, pº 478/10.4PASTS-A.P1, e de 12/03/2014, Pº 955/06.1TAFLG-A.P1, todos in http://www.dgsi.pt/.
[3] Que clara e desenvolvidamente se dilucidada no Ac. deste Tribunal da Relação do Porto, de 22/02/2017, Pº nº 2373/14.9IDPRT.P1, a cuja decisão e fundamentos também aderimos plenamente.
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DECLARAÇÃO DE VOTO
Adiro, integralmente, aos pressupostos descritos no parecer do Mº Pº junto deste tribunal, a saber:
1º não existem condições de procedibilidade para o funcionamento do instituto previsto no artigo 111º do Código Penal;
2º o seu funcionamento não está na disponibilidade ou discricionariedade do ofendido/lesado;
3º o MºPº tem legitimidade (enquanto titular da ação penal e de acordo com as suas competências constitucionais) para promover a aplicação do instituto em qualquer procedimento criminal;
4º o instituto não tem por objetivo essencial a ulterior satisfação de indemnizações mesmo que esse possa vir a ser o destino dos valores perdidos a favor do Estado (neste sentido e por simples recurso interpretativo a um critério prático-normativo, julgamos que a perda de vantagens declarada no âmbito do artigo 111º do Código Penal é suscetível de atribuição ao lesado, de acordo com o regime do artigo 130º, nº2, do mesmo diploma, reformulando o entendimento expresso no Acórdão do TRP de 23.11.2016, no processo nº 905/15.4IDPRT, pelo ora subscritor relatado.
A sentença recorrida em nada colide com este entendimento. O que o julgador entende é algo distinto: a perda de vantagens constitui uma medida sancionatória análoga à medida de segurança (explicando as suas finalidades) e manifestando a Autoridade Tributária que os meios de cobrança coerciva do imposto (que corresponde, quanto ao capital em causa, à obrigação de indemnização civil e à vantagem do crime) são suficientes para a restauração da sua esfera patrimonial em relação aos arguidos (contribuintes inadimplentes), a requerida perda de vantagens não poderá proceder. A decisão, não obstante a sua narrativa simples, não condiciona a aplicação do instituto à dedução de pedido de indemnização civil, nem retira legitimidade ao Mº Pº para a requerer mas, tão só, entende não se alcança na declaração de perda que substancialmente legitima a aplicação desta medida as exigências preventivas que são pela mesmas visadas.
E reveste-se de todo o sentido o entendimento expresso pelo julgador, reforçado por outros argumentos.
A finalidade visada pelo instituto em questão é, pacificamente, a “(…) prevenção da criminalidade em globo, ligada à ideia – antiga, mas nem por isso menos prezável – de que “o crime” não compensa. Ideia que se deseja reafirmar tanto sobre o concreto agente do ilícito-típico (prevenção especial ou individual), como nos seus reflexos sobre a sociedade no seu todo (prevenção geral), mas sem que neste último aspeto deixe de caber o reflexo da providência ao nível de reforço da vigência de norma (prevenção especial positiva ou de integração) (…)” (cfr. Figueiredo Dias, As consequências Jurídicas do Crime, 2005, pág.632).
Tendo a norma violada sido objeto de tutela judicial (o agente foi punido com pena de multa, que onera o seu património) e sendo a vantagem obtida pelos arguidos com o seu comportamento (que corresponde, integralmente, à obrigação de capital tributária e, simultaneamente, à obrigação de indemnização da responsabilidade civil extracontratual dos lesantes) revertível pelos mecanismos de execução coerciva que a Autoridade Tributária e Aduaneira pretende utilizar, não se percebe, compreende, que outro desígnio, em termos de prevenção geral intimidatória e prevenção especial, possa ser alcançado com a reclamada perda da vantagem (com a sua declaração e, principalmente, com a sua execução) de acordo com os princípios gerais da necessidade, proporcionalidade e adequação da aplicação das sanções (no sentido da existência de um verdadeiro pressuposto material de proporcionalidade, P. P. Albuquerque, CCP, 3ªedição, pág.462, e Figueiredo Dias, As consequências jurídicas do crime, 2005, pág.635) mesmo entendendo a perda de vantagens como medida sancionatória análoga à medida de segurança (sem menosprezar posição contrária e bem fundamentada, exposta por Damião da Cunha in Perda dos objetos relacionados com o crime, UCP, Porto, 1991, que defende a natureza de pena acessória da medida) e, por isso, não absorvida pelo princípio constitucional da inadmissibilidade de perda de direitos civis, profissionais e políticos como efeito necessário da pena - cfr. artigo 30º, nº4, da Constituição da República Portuguesa, e artigo 65º, nº1, do Código Penal. De outro modo, aceitando o efeito necessário desta medida apenas com a verificação dos pressupostos formais, estaria aberta a porta para a aplicação automática do instituto (que dispensaria o recurso ao princípio do pedido que o MºPº exerce e contraria o sistema sancionatório penal, orientado pelos princípios constitucionais da fragmentaridade e do mínimo de intervenção do direito penal).
Entendo, nos crimes tributários, que a perda das vantagens adquiridas pelo agente através do facto ilícito típico que correspondam, simultaneamente, à obrigação fiscal não cumprida e à obrigação de indemnização civil pela prática daquele facto só serve as suas finalidades preventivas quando a Administração Fiscal (o titular do interesse penalmente tutelado) se desinteressa pela mesma (em sentido aproximado, Figueiredo Dias, As consequências Jurídicas do Crime, 2005, pág.633), facto que não sucede quando a mesma, de forma clara, comunica (no âmbito das suas competências legais) que pretende proceder à cobrança coerciva do imposto-indemnização-vantagem.
Tal entendimento não abrange, naturalmente, as eventuais vantagens na parte em que excedam o empobrecimento do Estado-Administração Fiscal, casos em que o instituto preenche, plenamente, as finalidades que estão na sua génese.
Concluindo, entendo que:
1º só podem ser declaradas perdidas a favor do Estado as coisas, direitos e vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridas pelo agente e representem uma vantagem patrimonial, com fundamento no artigo 111º, nº 2, do Código Penal;
2º o referido instituto, medida sancionatória análoga à medida de segurança, visa exclusivamente finalidades de prevenção geral e especial, nas modalidades de integração e dissuasão;
3º nos casos em que, nos crimes tributários, a vantagem corresponda integralmente à obrigação fiscal incumprida e à obrigação de indemnização civil decorrente da prática do facto ilícito típico, apenas pode/deve ser decretada a sua perda se o titular dos danos causados pelo mesmo (a Autoridade Tributária e Aduaneira) se desinteressar pela reparação do seu direito, casos que em a declaração de perda de vantagens, de forma necessária, proporcional e adequada, acautela as finalidades preventivas que a originaram.
Nestes termos negaria provimento ao recurso do Mº Pº.

João Pedro Nunes Maldonado