Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
881/16.6JAPRT-AP.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: ESPECIAL COMPLEXIDADE
REJEIÇÃO DO RECURSO
MOMENTO DA DECLARAÇÃO
Nº do Documento: RP20180207881/16.6JAPRT-AP.P1
Data do Acordão: 02/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 747, FLS 313-328)
Área Temática: .
Sumário: I - É justificada a rejeição do recurso deduzido contra o despacho que declarou a especial complexidade, se o recorrente impugna tal declaração para efeitos adversos para o seu estatuto processual (alargamento do prazo de prisão preventiva) mas pretende usufruir das vantagens que a mesma proporciona em sede de alargamento do prazo de recursivo, o que requereu e conseguiu, por ofender a boa fé e a lealdade processual.
II - A declaração de especial complexidade tem campo de aplicação privilegiado na fase de inquérito, mas pode ser proferida em momento diverso incluindo após o julgamento posto que os autos se encontrem na 1ª instância.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: REURSO PENAL n.º 881/16.6JAPRT-AP.P1
Secção Criminal
Conferência/Urgente

Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunto: Jorge Langweg

Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
1. No decurso da audiência de julgamento do processo comum colectivo n.º 881/16.6JAPRT, do Juízo Central Criminal do Porto-J6, da Comarca do Porto, por despacho proferido a 26/9/2017, o tribunal a quo, ouvidos os sujeitos processuais, declarou a especial complexidade dos autos.
2. Inconformados, os arguidos B..., C..., D..., E..., F... e G..., todos com os demais sinais dos autos, interpuseram recurso finalizando a motivação respectiva com as conclusões seguintes: (transcrição)
Arguido B...
1 - Vem o presente recurso interposto do douto despacho que declarou a excecional complexidade dos presentes autos, por se entender que não se verificam os pressupostos factuais que permitem a sua aplicação e, bem ainda, por se entender existir violação de caso julgado formal, nos termos do disposto nos artigos 620.º, n.º 1, 625.º, 628.º e 666.º do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do artigo 4.º do CPP.
A - DA NÃO VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS FACTUAIS QUE PERMITEM A APLICAÇÃO DA EXCECIONAL COMPLEXIDADE DO PROCEDIMENTO
2 - A excecional complexidade do procedimento será sempre declarada previamente e desde que efetivamente o procedimento se revele de excecional complexidade.
3 - Para que essa declaração de excecional complexidade possa ter lugar, necessário será que não se trate de uma qualquer complexidade, mas que se revele ao magistrado respetivo como uma complexidade acima da média, fora do comum, uma complexidade anormal, que transforme o procedimento em algo de especialmente complicado, muito difícil de gerir, de coordenar e de gerir de forma coordenada.
4 - É por essa razão que o legislador utiliza a expressão "excecional complexidade".
5 - Não basta que o procedimento seja complexo, deverá ser ainda excecionalmente complexo.
6 - Acresce que - é também evidente - o advérbio de modo «nomeadamente» do qual o legislador faz uso no n.º 3 do art. 215.º, do CPP, induz o cariz exemplificativo das causas que podem determinar aquela excecional complexidade, tratando-se de causas que não são de funcionamento automático.
7 - Ou seja, para além das causas enunciadas pelo legislador como, por exemplo, o número de arguidos ou de ofendidos ou do caráter altamente organizado do crime, outras causas poderão existir, desde que, efetivamente tornem excecionalmente complexo o procedimento.
8 - O conceito de excecional complexidade tem assim de ser apreciado caso a caso, pelo magistrado judicial, que, com a sua experiência, deverá ponderar se, na verdade, "aquele" processo suscita procedimentos anormalmente complexos, não usuais, pela dificuldade de investigação, pelo conjunto alargado de diligências de prova e pela sua excecional dificuldade de realização e de conjugação, o que, por vezes, é ditado nomeadamente pelo elevado número de arguidos e/ou de ofendidos e/ou do caráter altamente organizado do crime.
9 - A declaração de excecional complexidade do procedimento terá essencialmente por efeito o alargamento automático dos prazos de duração máxima da prisão preventiva.
10 - Tudo isto para afirmar que no caso dos presentes autos, verifica-se, desde logo, que a «maior dificuldade» do procedimento, a ter existido, sucedeu, sem quaisquer dúvidas, na fase do inquérito.
11 - Basta analisar todo o inquérito (e até toda a instrução) para constatar que foram levadas a cabo inúmeras diligências de prova - meios de prova e meios de obtenção de prova -, com vários suspeitos - e desde 17/05/2016 com sete arguidos em prisão preventiva - e de ofendidos/lesados.
12 - No entanto, nunca em qualquer uma dessas fases processuais foi declarada a excecional complexidade do procedimento.
13 - Mais, sempre foi entendimento do Tribunal, inclusivamente para efeitos de consulta, exame e análise de todo o inquérito - composto por milhares de folhas - por parte dos arguidos, em ordem a escorar requerimentos de abertura de instrução, pese embora todas as supra mencionadas circunstâncias - que não se justificava a declaração de excecional complexidade do procedimento e, em consequência, a prorrogação dos prazos previstos, designadamente, no artigo 287.º, como permite o artigo 107.º, n.º 6, ambos do CPP.
14 - Ora, na fase de julgamento trata-se apenas de proceder ao interrogatório de arguidos, à inquirição de testemunhas, à audição de gravações de interceções telefónicas - o que sucedeu apenas por duas vezes - e, proceder à análise de documentos, tudo a requerer o usual e normal labor de uma audiência de discussão de julgamento sem dificuldades acrescidas.
15 - Nada de extraordinário, de complexo, de anormal ou de procedimental ou processualmente mais difícil, complicado ou complexo que o comum em processos desta natureza.
16 - O certo, porém, é que o Tribunal vem agora declarar a excecional complexidade do procedimento, o que faz tendo em vista obviar a eventual libertação dos arguidos a 20 de novembro de 2017.
17 - No entanto, não pode ser esse o fundamento da declaração de excecional complexidade, uma vez que não é a aproximação do termo do prazo máximo de prisão preventiva que determina que um procedimento seja mais ou menos complexo e, consequentemente, que pode fazer concluir pela sua excecional complexidade.
18 - De contrário, estava encontrada a forma de todos os prazos de prisão preventiva previstos no n.º 2, do artigo 215.º, do CPP, sempre que necessário - o mesmo é dizer, sempre que se aproximasse o seu termo -, serem alargados para os prazos máximos previstos no n.º 3, do referido preceito legal. Bastaria constatar a aproximação do termo desse prazo, para se declarar a excecional complexidade do procedimento e assim se conseguir o alargamento desse mesmo prazo em vários meses ou, como no caso dos presentes autos, por mais de um ano (art. 215.º, n.º 3, do CPP).
19 - É por demais evidente que não foi essa a intenção do legislador. O procedimento só pode ser declarado de excecional complexidade em função da sua anormal, extraordinária e, por isso, excecional dificuldade, superior ao que é usual, devido a dificuldades acrescidas face ao que diariamente sucede, e não em função da maior ou menor aproximação do termo de um qualquer prazo, nomeadamente de duração máxima de prisão preventiva.
20 - O despacho recorrido violou, assim, o disposto nos artigos 215.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, por errada aplicação;
21 - Além de que não pode deixar de se invocar aqui a inconstitucionalidade do artigo 215.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de que a excecional complexidade do procedimento pode ser decretada em função da maior ou menor aproximação do termo do prazo da duração máxima de prisão preventiva; por violação do disposto nos artigos 32.º, n.ºs 1 e 2, e 28.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.
B - DA VIOLAÇÃO DO CASO JULGADO FORMAL
22 - Por outro lado, o Tribunal da Relação do Porto pronunciou-se já por duas vezes no sentido de que os presentes autos não revestem natureza de excecional complexidade, nos termos do disposto no n.º 4, do artigo 215.º, do CPP.
23 - Em ambas as decisões o Tribunal da Relação do Porto entendeu não se encontrarem preenchidos os pressupostos legais que permitissem atribuir aos presentes autos a natureza de excecional complexidade.
24 - Pelo exposto, relativamente à questão em apreciação sucedeu caso julgado formal, o mesmo é dizer, porque as decisões mencionadas recaíram unicamente sobre a relação processual, têm força obrigatória dentro do processo, como decorre do consignado no artigo 620.º, do CPCivil, aplicável do ex vi do art. 4.º, do CPP.
25 - Nem se diga que, agora, na fase da audiência de julgamento, tudo se tornou mais complexo;
26 - Com efeito, após as fases do inquérito e da instrução, tudo o que se passou nos autos manteve-se praticamente inalterado comparativamente ao que sucedeu anteriormente, não convocando dificuldades de maior.
27 - Não pode o Tribunal voltar a pronunciar-se sobre esta questão da excecional complexidade do processo uma vez que os pressupostos de facto e de direito que estiveram na base das mencionadas decisões do Tribunal da Relação mantêm-se.
28 - Não se trata, como se afirma no douto despacho recorrido de «(...) um substrato material objetivamente diverso daquele que foi analisado e decidido na fase de inquérito». As provas a analisar já constavam todas do processo, salvo parte das testemunhas arroladas pela defesa.
29 - Quando se iniciou a audiência de julgamento o processo era já composto por milhares de folhas e praticamente os mesmos volumes e apensos; A acusação, obviamente, já havia sido deduzida; Aos arguidos já eram imputados os crimes por que estão a ser julgados; O incidente de perda ampliada de bens já havia sido deduzido; Já havia sido admitida a constituição dos assistentes; O número de arguidos manteve-se o mesmo;
As perícias à personalidade de alguns arguidos não são realizadas pelo tribunal e já se encontram nos autos os respetivos relatórios que não levantam quaisquer dificuldades;
Os pedidos de habeas corpus foram decididos rapidamente e, obviamente, pelo STJ, não por este Tribunal;
Os recursos interpostos e as reclamações pela não admissão de recurso não são decididas por este Tribunal, mas pelo Tribunal superior;
30 - De novo, em audiência, para além de parte das testemunhas arroladas pelos arguidos, e das vicissitudes usuais de qualquer audiência, nada há que já não constasse dos autos em fases processuais anteriores; e, no entanto, a excecional complexidade do processo nunca foi declarada e foi até recusada, por duas vezes, pelo Tribunal da Relação.
31 - Pelo que, não podia o Tribunal voltar a pronunciar-se sobre esta questão uma vez que os pressupostos de facto e de direito que estiveram na base das mencionadas decisões mantêm-se inalterados.
32 - Assim, não tendo entendido, o douto despacho recorrido violou o disposto nos artigos 620.º, n.º 1, 625.º, 628.º e 666.º do CPCivil, ex vi do artigo 4.º do CPP.
Arguido C...
A - O arguido/recorrente discorda completamente do teor do despacho proferido pelo Tribunal a quo em 26 de Setembro de 2017 que declarou "a especial complexidade dos presentes autos".
B - O despacho recorrido teve apenas como objectivo alargar o prazo máximo de duração da medida de coacção de prisão preventiva imposta a sete dos arguidos que estão a ser julgados nestes autos.
C - Os presentes autos não se revestem de qualquer excepcional ou especial complexidade, tal como detalhadamente foi exposto supra nos pontos 3º a 25º.
D - O Tribunal a quo, ao declarar a especial complexidade do presente processo excedeu claramente os seus poderes, abusando dos mesmos apenas e só para manter em prisão preventiva os sete arguidos.
E - O despacho recorrido violou a lei processual penal, mais concretamente o artigo 215º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal.
F - O Tribunal a quo violou direitos e garantias constitucionais do recorrente, tal como exposto nos pontos 27º a 30º supra.
G - O Tribunal a quo violou o princípio da legalidade (artigo 3º da Constituição da República Portuguesa) e os princípios da proporcionalidade, da necessidade e da adequação (artigo 18º da Constituição da República Portuguesa) ao declarar a especial complexidade do processo sem que os pressupostos legais estejam cumpridos.
H - Foi violado o direito do arguido em ser julgado em prazo razoável e mediante um processo equitativo (artigo 20º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa).
I - Foram igualmente violados os artigos 27º, n.º 1 e 28º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (quanto à restrição desproporcional e injustificada do direito à liberdade e relativamente aos prazos de prisão preventiva alargados por despacho que violou a lei processual penal).
J - Foi também violado pelo Tribunal a quo o n.º 2 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa (direito do arguido a ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa).
K - O processo aqui em análise não se reveste de especial/excepcional complexidade, pelo que deve o despacho recorrido ser revogado (quer quanto à declarada especial complexidade dos autos, quer quanto à correspondente elevação dos prazos máximos dai prisão preventiva dos arguidos a ela sujeitos).
Arguido D...
A) Refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/1/2005 "a noção de "especial complexidade" do art. 215º n.º 3 do Código de Processo Penal está em larga medida, referida a espaços de indeterminação, pressupondo uma integração densificada pela análise e ponderação de todos os elementos do respectivo procedimento; a integração da noção exige uma ponderação de todos os elementos da configuração processual concreta, que se traduz no essencial, em avaliação prudencial sobre os factos; a especial complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quando avaliada na perspectiva do processo, considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais mas na dimensão factual do procedimento enquanto conjunto e consequência de actos e revelação interna e externa de acrescidas dificuldades de investigação com refracção nos termos e nos tempos do procedimento; o juízo sobre a especial complexidade constitui um juízo de razoabilidade e da justa medida na apreciação das dificuldades do procedimento, tendo em conta nomeadamente, as dificuldades de investigação, o número de intervenientes processuais, a deslocalização de actos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, ou a intensidade de utilização dos meios..."
B) A definição de excepcional complexidade terá sempre de ter em consideração, num todo, sopesando as dificuldades do processo, o número de intervenientes, o carácter altamente organizado do crime e a necessidade de se carrear para os autos mais elementos de provas que se mostram assaz importantes, não só para a acusação, bem como para os demais intervenientes referindo o artigo 215º n.º 3 do Código de Processo Penal que os prazos máximos de prisão preventiva só pode ser elevados com a verificação cumulativamente de dois pressupostos: estarmos perante processo por um dos crimes referidos no n.º 2 do artigo 215º e se o processo se revelar de especial complexidade.
C) Ora até à data da prolação do despacho, 26 de Setembro de 2017, já toda a acusação e respectiva prova se encontrava reunida, as acusações particulares e os pedidos de indemnização cível deduzidos, as contestações apresentadas, e cerca de 12 (doze) sessões de audiência de julgamento realizadas.
D) Não houve recolha ou produção de prova acrescida ou sequer susceptível de perturbar o normal andamento do processo, encontrando-se o processo na sua fase final, ainda antes de terminar o prazo máximo da prisão preventiva a que estavam sujeitos os arguidos, e consequentemente inexistiam motivos que validassem a determinação da excepcional complexidade do presente processo, não podendo nunca aceitar-se como motivo a aproximação do prazo máximo de prisão preventiva a que estavam sujeitos os arguidos.
E) A excepcional complexidade não foi decretada antes de 26 de Setembro de 2017, mesmo sendo um processo muito volumoso, com nove arguidos e vários ofendidos, nem em fase de inquérito, nem de instrução, fases onde se verifica a maior complexidade do processo, nomeadamente com interrogatórios, inquirições, intercepções telefónicas, transcrições e registos, buscas, autos de vigilâncias, os registos fotográficos e de vídeo, autos de buscas e de apreensões, e outras inúmeras diligências de prova, provas essas que serviram de suporte às acusações de que os arguidos eram alvo, quando sujeitos a primeiro interrogatório judicial, tendo em sede Recurso o Tribunal da Relação de Guimarães entendido que o processo não revestia excepcional complexidade.
F) A mera aproximação do termo do prazo em curso da duração máxima da prisão preventiva não se basta para justificar a declaração de excepcional complexidade do processo, exige-se que exista anormais dificuldades, o que não acontece, não bastando a justificação de que o processo tem um elevado número de arguidos e que existe um caráter altamente organizado do crime, pois nada de complexo ou anómalo com especial relevância ou impacto na produção de prova aconteceu, exigindo-se um juízo prudencial, de razoabilidade, de critério da justa medida na apreciação e avaliação das dificuldades suscitadas pelo procedimento e não estritamente do processo.
G) In 04-02-2009-acordão Supremo Tribunal de Justiça - 09P0325 "...A declaração de especial complexidade é uma medida cautelar, um compromisso necessário do legislador, em política criminal, de forma a estabelecer o equilíbrio entre a necessidade e exigências de investigação, em certos ilícitos mais graves catalogados por lei - através dos meios processualmente válidos inerentes à investigação criminal - e, os direitos ou garantias do cidadão arguido, em prisão preventiva, além de se circunscrever no âmbito do processo justo, em que a elevação do prazo de duração máxima da prisão, não é arbitrária mas, contida pelo princípio da legalidade, considerado esse prazo, assim elevado, suficientemente idóneo à realização das diligências necessárias à ultimação do inquérito".
H) Acórdão do STJ de 26-01-2005, Ex.mo Juiz Conselheiro Dr. Henriques Gaspar:
... A especial complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quando avaliada na perspectiva do processo, considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais, mas na dimensão factual do procedimento enquanto conjunto e sequência de actos e revelação interna e externa de acrescidas dificuldades de investigação com refracção nos termos e nos tempos do procedimento.
3. O juízo sobre a especial complexidade constitui um juízo de razoabilidade e da justa medida na apreciação das dificuldades do procedimento, tendo em conta nomeadamente, as dificuldades da investigação, o número de intervenientes processuais, a deslocalização de actos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, ou a intensidade de utilização dos meios."
I) Acórdão Tribunal Relação Porto, processo n.º 431/10.8GAPRD: "…Verificamos que o despacho recorrido não indica, em concreto, quais as diligências que ainda é necessário efectuar, não as quantifica e, sobretudo, não diz se tais diligências de prova são muito difíceis de obter e o porquê dessa dificuldade.
…A existência de 24 arguidos não confere, só por si, dificuldade excecional em concretizar a investigação de forma célere com vista a estabelecer a linearidade das relações que mantêm entre si e com outros, pelo que este quadro factual contido no despacho recorrido, face às regras da experiência comum, não fundamenta materialmente a declaração deste procedimento criminal como de excecional complexidade, nos termos do art. 215.º n.ºs 3 e 4 do CPP."
J) Pelo exposto não estão preenchidos os pressupostos para a declaração de excepcional complexidade neste processo e assim não poder ser elevado o prazo máximo de prisão preventiva.
K) No recurso interposto pelo arguido E..., para o Tribunal Relação Guimarães foi já decidido que o presente processo não reveste natureza de excepcional complexidade, decisão esta em que a factualidade era quase a mesma de hoje, sem alterações de relevo de direito ou facto, decisão essa que constituiu caso julgado formal e como tal insusceptível de nova decisão sobre essa mesma questão, tendo assim o douto despacho de que se recorre violado o disposto nos artigos 620.º, n.º 1, 625.º, 628.º e 666.º, todo do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4.º do CPP.
L) O despacho de que se recorre, ao decretar a excepcional complexidade, motivando o alargamento dos prazos máximos de prisão preventiva, sem alegar motivos justificativos que determinem de forma objectiva a adequação dos factos ao processo e ao procedimento, violou princípios fundamentais plasmados na Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o direito do arguido de ser julgado em prazo razoável (artigo 20º e 32º), da legalidade (artigo 3º) da proporcionalidade e adequação (artigo 18º) e o direito à liberdade (27º, n.º 1 e 28º, n.º 4).
Arguido E...
1 - Vem o presente recurso interposto do despacho que declarou a excepcional complexidade dos autos, por se entender existir violação do caso julgado formal, nos termos do disposto nos artigos 620.º, n.º 1 e 628.º do Código de Processo Civil (CPC) ex vi art. 4.º do Código do Processo Penal (CPP), e ainda por se entender que não se verificam os pressupostos de facto ou de direito de que dependem a declaração de excepcional complexidade.
2 - A inexistência da excepcional complexidade foi já sucitada e decidida nos autos recorridos, designadamente e, a saber, por despacho proferido em 06/12/2016, pelo Meritíssimo Sr. Juiz de Instrução Criminal junto da Comarca de Braga, despacho confirmado por Acórdão transitado em julgado, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 24 de abril de 2017, no âmbito do recurso que correu termos sob o número 881/16.6JAPRT-T.G1, actualmente junto aos autos no apenso designado sob a letra "V".
3 - Por força do trânsito em julgado do Acórdão proferido em 24 de Abril de 2017, que já se pronunciou acerca da inexistência de especial complexidade dos presentes autos (cfr. Ac. Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do recurso que correu termos sob o número 881/16.6JA PRT-T.G1, actualmente junto aos autos no apenso designado sob a letra "V") temos que tal questão é insusceptível de ser (re) pronunciada pelo Tribunal de Julgamento, nos termos do disposto nos artigos 620.º, n.º 1 e 628.º CPC ex vi art. 4.º CPP.
4 - O despacho recorrido, proferido em violação do caso julgado formal quanto à concreta questão processual controvertida - declaração de excepcional complexidade dos autos
- violou também o disposto no artigo 2.º da CRP, pelo que, é manifestamente inconstitucional.
5 - Não se pode dizer que houve alteração do substrato material como pretende o despacho recorrido para defender que a fase de Julgamento trouxe alguma dificuldade "anormal", "excepcional" e /ou inesperada, o que justificaria de per si, uma reapreciação sobre a mesma questão processual controvertida
- com efeito, o substrato material é o mesmo porquanto o processo é o mesmo, o que alterou foi apenas a fase em que o mesmo se encontra, ou seja, fase de Audiência de Discussão e Julgamento.
6 - Fase que diga-se, em abono da verdade, não trouxe nada de novo aos presentes autos e que, pelo contrário decorreu, como decorre na presente data, dentro do quanto se afigura normal e expectável em fase de Julgamento.
7 - O despacho proferido porque recaiu sobre uma relação processual controvertida previamente apreciada, decidida e transitada em julgado, viola o caso julgado formal tal e qual a sua definição legal (art. 620.º CPC ex vi artigo 4.º do CPP) e ainda os Princípios Jurídicos Fundamentais e Constitucionais da Certeza e da Segurança Jurídica.
8 - O despacho recorrido, proferido em violação do caso julgado formal quanto à concreta questão processual controvertida - declaração de excepcional complexidade dos autos - violou também o disposto no artigo 2.º da CRP, pelo que, é manifestamente inconstitucional.
9 - O princípio do Estado de direito democrático, consagrado no art. 2.º da CRP, postula uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da continuidade da ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas - Princípios da Certeza e Segurança Jurídicas, princípios que o despacho recorrido defraudou.
10 - Foram, em síntese, os seguintes os fundamentos para a declaração da excepcional complexidade dos autos: a dimensão dos autos, a natureza, qualidade e quantidade dos crimes imputados aos arguidos e "extensão" da Acusação, bem como os pedidos de indemnização civil (quatro) e de perda ampliada deduzidos contra três arguidos nos autos, a que acresce a constituição de assistentes, as contestações apresentadas pelos arguidos, e ainda o número de arguidos e testemunhas arroladas e as perícias determinadas e, até, os pedidos de habeas corpus deduzidos pelos arguidos em prisão preventiva.
11 - Conforme foi já decidido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, de 11/10/2010, proferido no processo n.º 128/10.9GAAMR-A.G1, publicado in www.dgsi.pt, cabe ao intérprete integrar à luz do caso concreto o que deve entender-se por processo de excepcional complexidade; quando se apela a uma tal noção está em causa o processo em si, como conjunto de actos tendentes ao respectivo desfecho, sendo que tais actos devem exprimir uma dificuldade procedimental anormal, com uso de meios invulgares em si ou quando tomados no seu conjunto.
12 - Dúvidas não tem o arguido recorrente que nenhum dos fundamentos elencados no despacho recorrido não consubstanciam ou importam uma dificuldade anormal ou excepcional na marcha do processo ou da fase em que o mesmo se encontrava à data da declaração de excepcional complexidade, pelo que foi violado o disposto no artigo 215.º, n.º 3 do CPP.
13 - O despacho recorrido considerou factores vários com vista à fundamentação da declaração da excepcional complexidade dos autos, sendo certo que, salvo o devido respeito que sempre é devido, nenhuma das causas apontadas constituem fundamento bastante para aferir-se que o processo é excepcionalmente complexo.
14 - Assim, quanto à dimensão dos autos e a extensão/dimensão da acusação pública, bem como, o número de arguidos, a quantidade e a qualidade dos crimes imputados, bem como o rol de testemunhas da acusação, todos estes eram já factores conhecidos à data da prolação da acusação, bem como ainda, à data do despacho que declarou a inexistência de excepcional complexidade dos autos.
15 - A inquirição de testemunhas arroladas pela defesa, após a prolação do despacho de acusação e já em sede de contestação não configura, complexidade anormal do processo, sendo pelo contrário expectável, direito reflexo do Princípio Constitucional da Plenitude das Garantias de Defesa, previsto no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
16 - Pela mesma ordem de razões - cfr. artigo 32.º da CRP e artigo 315.º do CPP, também não existirá nada de anormal ou inexpectável quanto à apresentação de contestações pelos arguidos e requerimentos de prova tendentes às suas defesas.
17 - Quanto aos pedidos de indemnização civil deduzidos nos autos, se o Tribunal a quo entendia que os pedidos cíveis inviabilizam uma decisão rigorosa ou geram incidentes que retardam intoleravelmente o processo penal, o que poderia/deveria fazer é não conhecer dos referidos pedidos cíveis na decisão final - art. 82.º, n.º 3 do CPP, e não alargar, "artificialmente", com tal fundamento, os prazos de prisão preventiva actualmente em curso.
18 - Quanto à alegada existência de pedidos de perda ampliada, não se vislumbra como poderão os pedidos de perda ampliada deduzidos nos autos fundamentar a declaração de excepcional complexidade do processo penal quando, além dos mesmos configurarem um incidente enxertado no processo penal, o especial procedimento previsto pelo respectivo regime legal, assenta, desde logo, numa presunção que opera após condenação pelo arguido dos crimes pelos quais vem acusado!!!
19 - Ao que acresce tais pedidos de perda ampliada terem sido deduzidos apenas quanto a três dos nove arguidos a serem julgados, únicos a quem incumbe, expectavelmente, ilidir a respectiva presunção legal.
20 - Quanto às perícias então em curso, cita-se o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, onde podemos ler o facto de estarem em curso diversos exames periciais só por si não impõe que os autos sejam tidos de "excepcional complexidade", pois então bastaria a solicitação de perícias para tornar regra aquilo que o legislador procurou claramente limitar com a revisão do Processo Penal decorrente da Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro: encurtar substancialmente os prazos de duração da prisão preventiva, sendo que em caso algum a insuficiência de meios humanos e/ou técnicos de investigação criminal pode justificar o sacrifício da privação da liberdade. (cfr. Ac. de 11/10/2010, proferido no processo n.º 128/10.9GAAMR-A.G1, publicado in www.dgsi.pt)
21 - Quanto aos pedidos de habeas corpus os mesmos não tiveram, nem têm qualquer reflexo no regular e normal andamento dos autos, não tendo sido, obviamente, sequer apreciados pelo Tribunal a quo, mas antes, naturalmente pelo Supremo Tribunal de Justiça e fora da fase de Julgamento.
22 - O único factor"imponderável" ocorrido nos presentes autos, foi o retrocesso do mesmo à fase da instrução, já após a remessa dos autos para Julgamento; ora, tanto não se deveu aos arguidos ou à defesa, ou a qualquer excepcional complexidade, mas tão somente à anulação de um despacho judicial que preteriu os direitos de defesa dos arguidos e que foi, por esta razão, anulado com as legais consequências.
23 - Além da excepção de caso julgado formal já devidamente suscitada, indubitável é também que não se verificam ou verificaram quaisquer circunstâncias anormais e/ou excepcionais, que permitissem ou permitam ao Tribunal a quo, declarar a excepcional complexidade dos autos pelo que, o despacho proferido violou também, o disposto no artigo 215.º, n.º 3 do CPP.
Arguido F...
A. Vem o presente recurso interposto do douto despacho que declarou a excepcional complexidade dos presentes autos, porquanto se entende que inexistem os pressupostos que legitimam esta declaração e, igualmente, por se considerar que esse despacho consubstancia uma violação de caso julgado formal, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 620.º, n.º 1, 625.º, 628.º e 666.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 4.º do CPP. Isto porque,
B. Um processo volumoso e uma acusação composta por 355 pontos não se traduzem necessariamente - e, in casu, não se traduzem de todo - num processo que acarrete dificuldades extraordinárias (entendimento perfilhado nos autos pelo despacho do Mmº JIC a fls. 8139 e seguintes, em virtude de ter sido requerida - e indeferida! - a prorrogação do prazo para requerer a abertura de instrução).
C. No que concerne ao número de crimes imputados aos arguidos, novamente, não se compreende como daí se extrai qualquer dificuldade processual anómala, já que o número de crimes permanece inalterado desde a dedução da acusação pública e essa dificuldade, a existir, teria sido certamente manifestada no inquérito e nunca agora, com a investigação concluída.
D. E se é certo que o arguido ora recorrente vem também acusado do crime de associação criminosa, não é menos certo que "o carácter altamente organizado do tipo de crime em investigação, por si só, não é bastante para fundamentar o pedido de excepcional complexidade formulado. Tal carácter altamente organizado que o legislador associa ao tipo de crime objecto dos presentes autos, terá que ser analisado segundo as concretas circunstâncias da presente investigação" (como bem se sustenta no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 04 de Outubro de 2012).
E. Outrossim, não será o incidente de perda ampliada de bens deduzido contra três dos arguidos ou o facto de ter havido lugar à constituição de assistentes e à dedução de quatro pedidos de indemnização civil a ditar a almejada excepcional complexidade, desde logo, porque em qualquer «bagatela penal», há constituição de assistentes e dedução de pedidos de indemnização civil.
F. Sempre com o devido respeito, excepcional é querer fundamentar-se a declaração de excepcional complexidade pelo facto de todos os arguidos terem apresentado contestações (é esta a regra: os arguidos, no exercício dos direitos que a lei lhes confere, contestam e nada de anómalo ou excepcional advém das contestações apresentadas).
G. Não se julga elevado o número de arguidos (9), número esse que permanece inalterado desde o primeiro interrogatório judicial e, ainda que se julgue elevado, por si só, não conduz à excepcional complexidade.
H. Relativamente às mais de duas centenas de testemunhas arroladas, (sendo que 86 delas foram arroladas pelo Ministério Público e quase na íntegra inquiridas em sede de inquérito - sem dificuldades extraordinárias, note-se) refira-se que nesta data todas foram já ouvidas em audiência de julgamento, à excepção de duas testemunhas.
I. E não será anómalo que algumas destas testemunhas tenham requerido o seu depoimento por videoconferência, que hajam faltado ou que não tenham sido prontamente notificadas, pelo que nenhuma dificuldade procedimental, sublinhe-se, extraordinária, sucedeu.
J. Quanto às requeridas perícias sobre a personalidade, perigosidade e grau de socialização a quatro arguidos, refira-se que foram requeridas pelos arguidos nas suas contestações, o que lhes foi indeferido, sendo mais tarde ordenadas oficiosamente (sessão de 14 de Setembro). Mais importante, essas perícias foram prontamente concluídas e juntas aos autos a 24 de Outubro. K. E ainda que assim não fosse, como bem se relembra no douto Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 11 de Outubro de 2010, "o facto de estarem em curso diversos exames periciais só por si não impõe que os autos sejam tidos de «excepcional complexidade», pois, então, bastaria a solicitação de perícias para tornar regra aquilo que o legislador procurou claramente limitar com a revisão do processo penal decorrente da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro: encurtar substancialmente os prazos de duração da prisão preventiva, sendo que em caso algum a insuficiência de meios humanos e/ou técnicos de investigação criminal pode justificar o sacrifício da privação de liberdade".
L. Por último, reporta-se o douto despacho à "intensidade" da actividade processual, traduzida em sete providências de habeas corpus, sete recursos, dois incidentes de recusa de juiz, uma oposição de embargos de terceiro, cinco reclamações contra a não admissão de recurso, um procedimento cautelar de arresto contra seis arguidos e pelas várias nulidades que têm sido arguidas.
M. Ora, sempre com o devido respeito, a providência de habeas corpus foi decidida no Supremo Tribunal de Justiça (e foi tramitada no mês de Junho com a celeridade que lhe era imposta). O mesmo se diga relativamente aos recursos interpostos, julgados pelos Venerandos Tribunais Superiores e todos - até à data - desprovidos de efeito suspensivo. Ainda, cumpre esclarecer que os incidentes de recusa ocorreram na fase da instrução e, mais uma vez, foram julgados pelos Tribunais Superiores.
N. Os mencionados mecanismos legais, tal como as nulidades arguidas, pelo acabado de referir e porquanto se reportam, somente, ao exercício da defesa dos arguidos e nada de excepcional acarretam para os autos, não devem relevar.
O. Por tudo quanto foi dito, não podemos deixar de concluir que a verdadeira dificuldade - aqui reconhece-se, excepcional - com que se deparou o Tribunal Colectivo foi a de cumprir com o agendamento previsto para produção de prova testemunhal, na medida em que ambicionou ouvir vinte testemunhas por dia e que, por razões óbvias, não logrou (veja-se, a este propósito o despacho proferido na audiência de 13 de Setembro).
P. Ora, na iminência da libertação dos arguidos (caso o Acórdão não venha a ser proferido até ao dia 20 de Novembro próximo) o Tribunal a quo declarou esta excepcional complexidade.
Q. Tal despacho, pelo exposto, viola frontalmente a lei e os direitos do arguido (arts. 32.º, n.º 1 e 2 e art. 28.º, n.º 4 da Lei Fundamental) e opera uma subversão do processo penal, isto porque, a excepcional complexidade do processo tem por consequência - e não por fundamento - a elevação dos prazos máximos de prisão preventiva.
Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio,
R. Pelo menos em duas ocasiões foi já esta questão da excepcional complexidade apreciada nos autos (no despacho do Mmº JIC de fls. 8139 que indeferiu o pedido de prorrogação do prazo para requerer a abertura de instrução e no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que apreciou os recursos interpostos desse mesmo despacho pelos co-arguidos G... e E... - Processo 881/16.6JAPRT-T.G1), sempre se concluindo pela inverificação dos pressupostos da excepcional complexidade.
S. De acordo com o disposto nos arts. 580.º, n.º 1 e 581.º, n.º 1, do CPC, o caso julgado supõe uma tríplice identidade - de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.
T. Ora, in casu, sempre haverá identidade de sujeitos. Pela sua clareza e pertinência, refira-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2015 (Proc. n.º 213/12.2TELSB-F.L1.S1-5): "(...) o despacho que declare a excepcional complexidade reporta-se ao procedimento criminal e aos próprios termos do processo e não a arguidos determinados. Seria irrazoável (e não pretendido pela lei) que tal despacho pudesse produzir no mesmo processo efeitos quanto a uns arguidos e já não quanto a outros, mormente em sede de prazos de duração preventiva ou do inquérito (arts. 215.º n.º 3 e 276.º, do CPP). Se um arguido recorre do despacho que declare a especial complexidade do processo, para efeitos de caso julgado, é como se todos os demais aí arguidos tivessem recorrido, porque em relação a todos se produzem os seus efeitos".
U. No que concerne ao pedido e à "causa de pedir" a identidade é coincidente, considerando que se remete para a declaração da excepcional complexidade do processo e, atendendo a que no despacho proferido pelo Mmº JIC e nos recursos dos co-arguidos já se havia apreciado a materialidade subjacente ao conceito de excepcional complexidade, concluindo-se pela falta dela.
V. Em suma, uma vez que o Tribunal a quo proferiu despacho sobre uma questão já apreciada nos autos e transitada em julgado perante idêntico quadro factual e jurídico (pois não vislumbra o recorrente qualquer alteração entre a prolação dessas decisões e a declaração de excepcional complexidade). Em bom rigor,
W. É de convir que à data em que foi proferido o despacho do Mmº JIC e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, o processo já era igualmente volumoso, já tinha sido deduzida acusação pelos mesmos crimes contra os mesmos arguidos, os assistentes já tinham assumido essa qualidade processual, as inúmeras diligências de investigação estavam concluídas, as perícias encontravam - se juntas aos autos e o rol constante da acusação pública já era vasto. Ora,
X. Certamente não serão as perícias à personalidade dos arguidos - as quais, reitere-se, foram ordenadas pelo Tribunal a quo e foram rapidamente concluídas - ou as contestações apresentadas a impor dificuldades extraordinárias aos autos.
Y. Do mesmo modo, não serão as providências de habeas corpus, os recursos interpostos (julgados pelos tribunais superiores) e as habituais nulidades arguidas em audiência a tornar este processo especialmente complexo face a qualquer outro.
Z. Em suma, o andamento deste processo em nada se desvia do normal andamento de qualquer outro, sem dificuldades de maior. E por ser assim,
AA. É forçoso concluir que o douto despacho recorrido violou o disposto nos artigos 620.º, n.º 1, 625.º, 628.º e 666.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 4.º do CPP e não pode, por isso, subsistir.
Arguido G...
A - O Tribunal a quo por despacho proferido nos presentes autos em 26/09/2017, com a ref.ª 385146815, e ao abrigo do disposto no artigo 215º, n.ºs 3 e 4 do Código Processo Penal, declarou o presente processo de especial complexidade.
B - Salvo todo o imenso respeito - que é muito - o despacho de que ora se recorre não faz justiça, pelo que, o recorrente deverá com o presente recurso obter a revogação do despacho proferido pelo Tribunal a quo.
C - O Tribunal a quo violou o direito à liberdade do arguido relativos aos prazos de prisão preventiva, artigos 27º, n.º 1 e 28º, n.º 4, assim como os pressupostos do n.º 3 do artigo 215º do CPP.
D - Violou, também, o princípio do caso julgado formal.
E - O Tribunal a quo, com todo o respeito, não poderá represtinar uma questão, que já fora decidida, violando assim o caso julgado formal.
F- O caso julgado, enquanto pressuposto processual, conforma um efeito negativo que consiste em impedir qualquer novo julgamento da mesma questão.
G - Ora bem, esta questão foi decidida pelo Acórdão proferido neste processo no Acórdão de 24 de Abril de 2017 881/16.6JAPRT-T - "o processo não reveste excepcional complexidade".
H - Não pode o Tribunal a quo invocar o número de volumes do processo, as peças processuais existentes e/ ou a actividade processual.
I - Não podemos na balança da justiça colocar em conflito a salvaguarda dos direitos fundamentais dos arguidos com os interesses subjacentes ao julgamento do presente processo.
J - Viola, assim, o Tribunal a quo o artigo 32º, n.º 2 da CRP, atacando o direito de defesa do arguido na medida em que utiliza os seus mecanismos de defesa para lhe impôr uma prisão preventiva mais alargada.
K - Ademais, não se compreende que numa fase em que a prova carreada para os autos tem que ser corroborada pela inquirição de testemunhas, peritos e porventura pela audição dos arguidos exija uma especial complexidade no processo. A dimensão e actividade no processo não é per si condição sine qua non para ser declarada a especial complexidade.
L - Num processo com as características do presente não existe uma anormal complexidade, aliás na presente data a "Produção de prova está concluída", de 04 Setembro de 2017 a 26 de Outubro de 2017, toda a dimensão processual probatória foi alvo de análise pela acusação, pelos assistentes e pela defesa.
M - Outro dos factores tidos em conta são os pontos constantes na Acusação - 355 (trezentos e cinquenta e cinco).
N - Constatamos que a maior parte dos pontos não dizem respeito aos crimes imputados aos arguidos.
O - Mais uma vez, não poderá o Tribunal a quo utilizar este argumento para declarar a especial complexidade.
P- Quanto aos crimes imputados com o devido respeito até esperávamos que o Tribunal a quo fala-se do carácter altamente organizado dos crimes em investigação, contudo, compreende-se que não o tenha feito, assumindo que de facto ele não existe...
Q - Escuda-se no número de crimes imputados aos arguidos que, evidentemente, não é fundamento bastante, mais uma vez a quantidade a sobrepor-se d legalidade.
R - Ainda, de referir que, o número de 09 arguidos para além de nada "anormal", é bastante reduzido, principalmente estando acusados em co-autoria, a prova em sede de julgamento não é individualizada o que não acarreta nenhum esforço suplementar ao Tribunal a quo.
S - O número de testemunhas, e sem querer tornar este recurso demasiado repetitivo, em nada cria uma morosidade excepcional e/ou anormal, veja-se que a prova produziu-se em menos de 02 (dois) meses.
T - Relativamente à realização de perícias sobre a personalidade, perigosidade e grau de socialização a quatro dos arguidos importará referir, desde logo, que as mesmas já decorreram, aliás, não existiu nenhuma morosidade na sua conclusão, não existe no presente processo qualquer diligência necessária a realizar.
U - Esta perícia consistiu numa entrevista clínica, exame do estado mental e consulta de peça processuais o que revela o carácter directo e expedito da mesma, não se trata de uma diligência a realizar, mas sim uma diligência já realizada, e era previsível a sua rapidez, não pode o Tribunal a quo escamotear esse conhecimento previsível de celeridade.
V- Rematando, estamos em fase de julgamento, a investigação e a instrução foram realizadas sem sequer se colocar esta questão da especial complexidade. Foram realizadas estas fases atempadamente e de uma forma "normal".
W - A decisão de declaração de especial complexidade do processo (que conduz à elevação do prazo de prisão preventiva quando o procedimento for cumulativamente por um dos crimes referidos no n.º 2 do art. 215 do CPP) depende da verificação de determinados pressupostos, indicados na lei de forma exemplificativa (e não taxativa).
X - Isso mesmo decorre da circunstância da declaração de excepcional complexidade não funcionar ope legis, mas antes depender da mediação/intervenção de um juiz (assim se garantindo os direitos fundamentais das pessoas e melhor salvaguardando o direito à liberdade e segurança, consagrado constitucionalmente no art. 27º, n.º 1, da CRP, o qual apenas pode ser restringido, tendo presente o princípio da proporcionalidade e o disposto no artigo 18º, n.ºs 2 e 3 da CRP).
Y- Daí que, a decisão judicial que declare a excepcional complexidade de determinado processo não pode ser entendida como uma forma de ganhar tempo ou de manter "artificialmente" uma prisão preventiva, o que infelizmente está a suceder.
Z - Violando, frontalmente, o direito a uma decisão em prazo razoável e com a própria eficácia do processo penal e das finalidades que lhe estão subjacentes, artigo 20º, n.º 4 e artigo 32º, n.º 2 da CRP e, ainda, o princípio da legalidade (artigo 3º da CRP), assim como os princípios da proporcionalidade, da necessidade e da adequação (artigo 18° da CRP).
3. Admitidos os recursos, por despacho datado de 8/11/2017, responderam o Ministério Público e as assistentes H... e I..., todos sufragando a sua improcedência e manutenção do decidido, aquele sem alinhar conclusões – argumentando no essencial que “os processos não são realidades estáticas, têm uma dinâmica própria e a realidade que agora se apresenta é bem diversa daquela que foi apreciada pelo M.mo JIC” estando verificados os requisitos para a declaração de especial complexidade do processo sem qualquer violação de caso julgado formal – e rematando estas a motivação com as conclusões que se transcrevem:
Resposta Assistentes H... e I...
1ª - Nos presentes autos a "excecional complexidade" do procedimento apenas se verificou na fase do julgamento, em virtude da intensidade de utilização de meios processuais e pela anormal quantidade de diligências processuais a realizar -vd. n.ºs 3 e 4, art. 215.º CPP
2.ª - Do despacho ora impugnado foram interpostos seis recursos, o que demonstra, por um lado, a anormal complexidade do processo e, por outro lado, que os arguidos tudo têm feito para tentar retardar ao máximo o normal andamento do mesmo, de forma a serem ultrapassados os prazos máximos de prisão preventiva.
3.ª - A declaração de "excecional complexidade" operada em sede de julgamento não viola a força de caso julgado material, uma vez que o substrato material do procedimento é hoje diferente daquele verificado em sede de inquérito -vd. arts. 619.º, 620.º, 625.º, 628.º e 666.º CPC, ex vi do art. 4.º CPP
4.ª - Essa declaração não tem por fundamento a elevação dos prazos máximos de prisão preventiva, apenas é a consequência normal e legalmente prevista para processos como os dos presentes autos e, portanto, não viola o direito dos arguidos a um processo justo, célere e equitativo - vd. n.º 4, art. 20.º, n.º 4, art. 28º e n.ºs 1 e 2, art. 32.º CRP
5ª - A "excecional complexidade" do procedimento não foi decretada em função da maior ou menor proximidade do termo do prazo da duração máxima de prisão preventiva e, por isso, não deve ser declarada a inconstitucionalidade dos n.ºs 3 e 4, art. 215º CPP, quando interpretados nesse sentido.
4. Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento dos recursos, louvando-se nos fundamentos constantes do despacho recorrido e da resposta do Ministério Público da 1ª instância.
5. Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, responderam os arguidos B..., reiterando a tese do recurso interposto, e C..., assinalando a celeridade na emissão do parecer e bem assim o facto da decisão final ter sido proferida, na 1ª instância, no prazo de cerca de 1 mês, para concluir pela não existência de qualquer complexidade dos autos aqui em causa, mantendo tudo o que explanou no recurso.
6. Realizado exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência que decorreu com observância do formalismo legal, nada obstando à decisão.
***
II- FUNDAMENTAÇÃO
1. É consabido que, para além das matérias de conhecimento oficioso [v.g. nulidades insanáveis, da sentença ou vícios do art. 410º n.º 2, do citado diploma legal], são apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [v. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Tomo III, 2ª ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt].
Assim, no caso sub judicio, pese embora a apresentação de recursos autónomos, as questões suscitadas são idênticas e reconduzem-se à da inexistência dos requisitos para a declaração de especial complexidade dos autos [todos os arguidos] e da violação de caso julgado formal anteriormente formado [todos os arguidos excepto o C...].
*
2. O teor da decisão recorrida é o seguinte: (transcrição)
I
Por despacho proferido nos autos a fls. 13.323, o Tribunal, considerando, designadamente, a dimensão dos presentes autos, a natureza, qualidade e quantidade dos crimes imputados aos arguidos, bem como os pedidos de indemnização civil e de perda ampliada deduzidos nos autos, a que acresce o demais processado, e ainda o número de intervenientes processuais, incluindo o das testemunhas já arroladas, ponderou a possibilidade de vir a declarar o presente processo como de especial complexidade, nos termos e para os efeitos do artigo 215º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, pelo que ordenou a notificação do Ministério Público, Assistentes e Arguidos para, no prazo de cinco dias, querendo, se pronunciarem – cfr. artigo 215º, n.º 4 do Código de Processo Penal.
Notificados do despacho, vieram os ditos intervenientes processuais pronunciar-se, em resumo, nos termos que se seguem.
O Ministério Público, a fls. 13.518 e segs., pronunciou-se no sentido de ser declarada a «excepcional complexidade» do processo, alegando a actual realidade processual, diversa da que foi apreciada pelo M.mo JIC em 3.10.2106, tendo em conta o número de testemunhas a inquirir, o incidente de perda ampliada, os pedidos de indemnização civil, as contestações, os recursos, uma reclamação, incidentes de recusa de Juiz, a oposição de embargos de terceiro, o arresto, o fluxo processual intenso, mostrando-se a normalidade das dificuldades processuais ultrapassada.
O assistente J..., a fls. 13.574, pronunciou-se no sentido de ser declarada a «excepcional complexidade» do processo.
O arguido (1) D..., 13.714 e segs., pronunciou-se no sentido de não ser declarada a «excepcional complexidade» do processo, cujos pressupostos não se verificam, invocando também a questão do caso julgado formal.
O arguido (2) B..., a fls. 13522 e segs., pronunciou-se no sentido de não ser declarada a «excepcional complexidade» do processo, cujos pressupostos não se verificam, invocando também a questão do caso julgado formal.
O arguido (3) G..., a fls. 13465 e segs., pronunciou-se no sentido de não ser declarada a «excepcional complexidade» do processo, na medida em que viola o caso julgado formal e o direito dos arguidos a uma decisão no prazo razoável.
O arguido (4) F..., a fls. 13511 dos autos, pronunciou-se no sentido de não ser declarada a excepcional complexidade dos presentes autos porquanto, em resumo, nenhuma dificuldade de investigação foi manifestada até ao momento em que a mesma foi concluído, o número de arguidos e de ofendidos não só não é elevado, como se mantém inalterado desde o primeiro interrogatório judicial, nos autos já foi peremptoriamente afirmado e reafirmado que o processo não se reveste de excepcional complexidade.
O arguido (5) E..., a fls. 13473 e segs., opôs-se à declaração de excepcional complexidade dos presentes autos, por manifesta inadmissibilidade legal (violação do caso julgado formal) e ainda por (in)verificação dos respectivos pressupostos (artigo 215.° do CPP).
O arguido (6) C..., a fls. 13.483 dos autos, pronunciou-se no sentido de não ser declarada a excepcional complexidade dos presentes autos porquanto não se verificam os pressupostos de declaração de especial complexidade dos autos e, tratando-se uma investigação que já findou, com a dedução da acusação, não se justifica objectivamente o consequente alargamento do prazo máximo de duração da medida de coacção de prisão preventiva imposta aos arguidos sujeitos a tal medida mais extrema.
O arguido (7) K..., a fls. 13.350 e segs, pronunciou-se no sentido de não ser declarada a «excepcional complexidade» do processo, cujos pressupostos não se verificam, invocando também a questão do caso julgado formal.
II
Cumpre apreciar e decidir.
A declaração de especial complexidade vem prevista no artigo 215º do Código de Processo Penal.
Dispõe o artigo 215º, n.º 3 do Código de Processo Penal o seguinte:
«1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:
a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação;
b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória;
c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1.ª instância;
d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.
2 - Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para seis meses, dez meses, um ano e seis meses e dois anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime:
a) Previsto no artigo 299.º, no n.º 1 do artigo 318.º, nos artigos 319.º, 326.º, 331.º ou no n.º 1 do artigo 333.º do Código Penal e nos artigos 30.º, 79.º e 80.º do Código de Justiça Militar, aprovado pela Lei n.º 100/2003, de 15 de Novembro;
b) De furto de veículos ou de falsificação de documentos a eles respeitantes ou de elementos identificadores de veículos;
c) De falsificação de moeda, títulos de crédito, valores selados, selos e equiparados ou da respectiva passagem;
d) De burla, insolvência dolosa, administração danosa do sector público ou cooperativo, falsificação, corrupção, peculato ou de participação económica em negócio;
e) De branqueamento de vantagens de proveniência ilícita;
f) De fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito;
g) Abrangido por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
3 - Os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respectivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.
4 - A excepcional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente.»
Conforme resulta da leitura do n.º 3 do artigo 215º do CPP, a lei não estabelece um conceito preciso de excepcional complexidade, podendo esta derivar de diversos factores. O n.º 3 indica, exemplificativamente como factores, o número de arguidos, de ofendidos ou o carácter altamente organizado dos crimes. Conforme refere Maia Costa, no Código de Processo Penal Comentado (pág. 837), «O que importa é a ocorrência de um ou mais factores que determinem, pela vastidão, dificuldade ou demora das diligências a efectuar, uma complexidade anormal do processo, determinando um arrastamento excepcional dos termos processuais. É, pois, a apreciação em concreto das dificuldades e obstáculos opostos à investigação, e não a natureza do tipo de crime investigado, que deve determinar a qualificação do procedimento como de excepcional complexidade.»
Como se afirmou no Ac. do STJ de 26.01.2005 (Rel. Cons. Henriques Gaspar, in dgsi.pt), « A noção de 'excepcional complexidade' do artigo 215º, n.º 3 do CPP está, em larga medida, referida a espaços de indeterminação, pressupondo uma integração densificada pela análise e ponderação de todos os elementos do respectivo procedimento; a integração da noção exige uma exclusiva ponderação sobre todos os elementos da configuração processual concreta, que se traduz, no essencial, em avaliação prudencial sobre factos.»
Consideremos, pois, a dimensão factual do processo no estado em que hoje se encontra e vejamos se as dificuldades do procedimento e da marcha processual, tendo em conta nomeadamente, as dificuldades da investigação, o número de intervenientes processuais, a dimensão do objecto do processo, os incidentes e contingências processuais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, ou a intensidade de utilização dos meios, levam, num juízo de razoabilidade, a declarar o processo como de excepcional complexidade.
Comecemos pela dimensão dos presentes autos. Neste momento o processo é constituído por 45 volumes e perto de 14.000 folhas, a que acrescem vários apensos.
A acusação deduzida pelo Ministério Público, para a qual remete o despacho de pronúncia nos termos dos artigos 307º e 308º do CPP vai de fls. 7651-7756, sendo a matéria de facto constituída por 355 pontos.
Aos arguidos, nos termos descritos na acusação, é imputado o cometimento de múltiplos e variados crimes: 1-crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 299.º, n.º 1 e n.º 3 do Código Penal; 2-crime de furto qualificado, p. e p. pelos art. 203.º e 204.º, n.º 2, al. a) e e), do Código Penal; 3- crime de falsificação ou contrafacção de documento, p. e p. pelos art. 256.º, n.º 1, al. a) e e) e n.º 3, aplicável ex vi art. 255.º, al. a), 2.ª parte, ambos do Código Penal; 4- crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158.º, n.º 1 e 2, al. b) do Código Penal; 5- crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art. 131.º, 132.º, n.º 1 e 2, al. e), h) e j) do Código Penal; 6- crime de profanação de cadáver ou de lugar fúnebre, p. e p. pelo art. 254.º, n.º 1, al. a) do Código Penal; 7-crime de incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas, p. e p. pelo art. 272.º, n.º 1, al. a) do Código Penal; 8-crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. a) e c) do Regime Jurídico de Armas e Munições.
Foi deduzido incidente de perda ampliada de bens contra três dos arguidos.
Houve constituição de assistentes nos autos.
Foram deduzidos quatro pedidos de indemnização civil.
Os arguidos apresentaram, todos eles, contestações.
Em termos de intervenientes processuais, temos: nove arguidos e mais de 200 testemunhas (ou declarantes) arroladas.
Foi determinada a realização pelo IML de perícia sobre a personalidade, perigosidade e grau de socialização a quatro dos arguidos, diligência essa que se encontra em curso
A actividade processual tem sido intensa, tendo sido interpostos após o primeiro despacho de pronúncia sete pedidos de habeas corpus, e já foram interpostos sete recursos, dois incidentes de recusa de Juiz, uma oposição de embargos de terceiro, deduzidas cinco reclamações contra não admissão de recurso, um procedimento cautelar de arresto contra seis arguidos, e têm ainda vindo a ser arguidas várias nulidades.
Ora, considerando todos estes factores acabados de enunciar, fácil é de ver que a vastidão do processo, determinada pelo volume do mesmo e pela dimensão do objecto do processo; a demora das diligências a efectuar, considerando nomeadamente o número de pessoas a inquirir e as perícias em curso; a intensa actividade processual, dada, designadamente, pelo número e variedade de incidentes processuais (pedidos civis, incidente de perda ampliada, recursos, reclamações, providências cautelares, oposição a estas, reclamações e arguições de nulidades); implicam que se conclua por uma complexidade anormal do processo, a qual determina obrigatoriamente um arrastamento excepcional dos termos processuais e integra o conceito de excepcional complexidade previsto no n.º 3 do artigo 215º do Código de Processo Penal.
Importa, pois, declarar a excepcional complexidade do presente processo.
E a tal não obsta o facto de em fase anterior do processo, em 3.10.2016, se ter concluído, por despacho do Mmo. Juiz de Instrução, confirmado pelo Tribunal da Relação de Guimarães, não ter o presente processo a natureza de especial complexidade.
É certo que o caso julgado formal existe para impedir que no âmbito do mesmo processo recaiam uma ou mais decisões contraditórias com outra que, sendo suscetível de recurso, já tenha transitado em julgado.
Mas também fica fora de dúvida que para se verificar caso julgado importa que o objecto sobre que recaiu a decisão anterior seja idêntico ao da decisão posterior, ou seja que o substracto material sobre que recairá a nova decisão se mantenha substancialmente o mesmo.
Ora, a concreta configuração processual pode sofrer alterações substancialmente importantes, dado o dinamismo próprio do processo penal, em cujas sucessivas fases (inquérito, instrução, julgamento) se produzem frequentemente alterações significativas, em especial quanto à dimensão, número de intervenientes e intensidade de actividade processual, podendo aumentar de forma exponencial a dificuldade do processo.
E quando tal suceda, não se pode dizer que a concreta configuração processual se mantenha a mesma, que o objecto sobre que vai recair a nova decisão seja o mesmo.
Os presentes autos na fase de julgamento e no estado em que hoje se encontram e que acabámos sumariamente de descrever constituem um substrato material objectivamente diverso daquele que foi analisado e decidido em fase de inquérito. O crescendo de dimensão e de dificuldade do processo aumentou exponencialmente, conforme julgamos ter deixado ficar bem claro.
E, se assim, é, se a realidade processual sobre que incide o juízo de declaração de especial complexidade não é a mesma sobre que incidiu anterior juízo, então não há lugar a falar sobre caso julgado formal, porquanto falta um dos elementos constituintes da noção de caso julgado: a identidade de substrato material sobre que incide o juízo de declaração de especial complexidade.
III
Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no artigo 215º, n.º 3 e 4 do Código de Processo Penal, declara-se a especial complexidade dos presentes autos.
Notifique.
*
3. Sendo certo que os actos, trâmites e incidências processuais descritos no despacho recorrido supra transcrito não foram objecto de discordância ou rectificação qualquer dos recorrentes, colhe-se ainda dos elementos juntos aos presentes autos, o seguinte:
a) A 17 de Novembro de 2017, encerrada a produção de prova, feitas as alegações e cumpridos os demais trâmites legais, foi designado o dia 20 de Dezembro de 2017 para a leitura do acórdão respectivo, o que se concretizou, aí ficando determinado que os arguidos aqui recorrentes continuassem a aguardar os ulteriores termos do processo sujeitos à medida de prisão preventiva – v. acta de fls. 1418 e segs. e cópia de fls. 1441 destes autos;
b) Os recorrentes B..., D..., F... e G..., apresentaram requerimento a peticionar a prorrogação do prazo de interposição de recurso por mais 30 dias, com os seguintes fundamentos: (transcrição)
“1. O processo é extremamente volumoso, composto por dezenas de milhares de fls.
2. Igualmente extenso se assume o Douto Acórdão proferido no passado dia 20 de Dezembro de 2017, composto por 268 fls.
3. Foram realizadas 38 sessões de julgamento, as quais se traduzem em milhares de minutos de gravações.
4. É pretensão dos arguidos recorrer da matéria de facto e de Direito, o que implicará sempre um aturado estudo factual e jurídico, com reapreciação da prova gravada.
5. Ora, e atendendo ao circunstancialismo supra referido, o prazo legal de 30 dias para a interposição de recurso afigura-se escasso e incompatível com o exercício condigno da defesa.” - fls. 1453.
c) Tal pretensão foi atendida, por despacho proferido a 29/12/2017, com o teor que se transcreve:
“Uma vez que o presente processo tem especial complexidade declarada nos autos e visto o disposto no art. 107º, n.º 6, do CPP, defere-se às requeridas prorrogações de prazo para recurso por 30 dias.” – fls. 1460.
*
4. Apreciando do mérito
4.1 Da especial complexidade legalmente contemplada
Sendo consabido que “as medidas de coacção são meios processuais de limitação da liberdade pessoal que têm por função acautelar a eficácia do procedimento penal, quer no que respeita ao seu desenvolvimento quer quanto à execução das decisões condenatórias”[1] e que a regra fundamental é a da liberdade, constitucional e legalmente garantida – arts. 27º, da CRP e 191º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal –, não admira que o legislador ordinário tenha delimitado com extremo rigor quer os pressupostos da sua aplicação quer os prazos máximos da sua duração.
Assim e no que ao caso importa, dispõe o artigo 215.º, n.º 1, als. c) e d), do Cód. Proc. Penal que a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1ª instância e um ano e 6 meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.
Prazos esses elevado para, respectivamente, um ano e seis meses e dois anos, nos termos do n.º 2, “em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou por crime:
(…).”
E, concatenando o interesse público da eficácia da investigação e boa administração da justiça com os direitos e garantias do arguido detido, consagrou no n.º 3 do aludido normativo a possibilidade de elevação para dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, respectivamente, cometendo-a, porém, necessariamente, a apreciação e decisão judicial e, ainda assim, limitada às hipóteses de procedimento por um dos crimes referidos no número anterior que se revele de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.
Tal opção mostra-se conforme aos ditames constitucionais, consoante ressalta, entre outros, do Acórdão n.º 287/2005, do Tribunal Constitucional[2], onde ficou sumariado o seguinte:
“A declaração de especial complexidade a que se refere o artigo 215º, n.º 3, do Código de Processo Penal tem por consequência o prolongamento dos prazos de prisão preventiva previstos no n.º 1 do mesmo artigo.
Tal declaração, com a consequência inerente em termos de prazo de prisão preventiva, é justificada na perspectiva da lei por especiais dificuldades que a investigação, num caso concreto, possa encontrar. Essas dificuldades revelam-se, por exemplo, na investigação da criminalidade altamente organizada, com envolvimento de vários arguidos e recurso a meios sofisticados reveladores de elevada perigosidade. Em casos deste tipo é suscitada uma ponderação entre os valores de justiça prosseguidos pela investigação e os direitos do arguido sujeito à prisão preventiva que justificará um aumento proporcionado dos prazos da prisão preventiva. Ora, não é contrário à Constituição, de acordo com um parâmetro de proporcionalidade, que nessas situações especiais um certo alargamento dos prazos se verifique. Mas não se esgotam nos casos referidos, porventura paradigmáticos, as possibilidades de aplicação do preceito em causa, podendo circunstâncias várias da investigação justificar idêntica ponderação.”
A última afirmação segue o mesmo caminho da jurisprudência corrente e uniforme dos nossos Tribunais Superiores e, designadamente, deste Tribunal da Relação do Porto, que vem sufragando que o legislador consagrou nesta matéria um conceito amplo, integrado por dois exemplos padrão meramente indicativos, tendo a especial complexidade que ser ponderada caso a caso e segundo as concretas circunstâncias de cada um deles. Ou dito de outra forma, lançou-se mão de uma cláusula geral que será preenchida de forma casuística mediante avaliação global das concretas circunstâncias da ocorrência, de forma a garantir o equilíbrio entre a necessidade de combate ao crime e de perseguição dos criminosos e os direitos do arguido sujeito a privação de liberdade.
Recordando o sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26/01/2005, proferido no processo n.º 05P3114, disponível in dgsi.pt., citado na decisão recorrida e por alguns dos recorrentes:
«1. A noção de “excepcional complexidade” do artigo 215º, nº 3 do CPP está, em larga medida, referida a espaços de indeterminação, pressupondo uma integração densificada pela análise e ponderação de todos os elementos do respectivo procedimento; a integração da noção exige uma exclusiva ponderação sobre todos os elementos da configuração processual concreta, que se traduz, no essencial, em avaliação prudencial sobre factos.
2. A especial complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quando avaliada na perspectiva do processo, considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais, mas na dimensão factual do procedimento enquanto conjunto e sequência de actos e revelação interna e externa de acrescidas dificuldades de investigação com refracção nos termos e nos tempos do procedimento.
3. O juízo sobre a especial complexidade constitui um juízo de razoabilidade e da justa medida na apreciação das dificuldades do procedimento, tendo em conta nomeadamente, as dificuldades da investigação, o número de intervenientes processuais, a deslocalização de actos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, ou a intensidade de utilização dos meios.
4. O juízo sobre a excepcional complexidade depende do prudente critério do juiz na ponderação de elementos de facto; as questões de interpretação e aplicação da lei, por mais intensas e complexas não podem integrar a noção com o sentido que assume no artigo 215º, n.º 2 do CPP.»
*
4.2 Da noção de caso julgado
É consabido que a figura do caso julgado não foi tratada em qualquer dos normativos do nosso sistema jurídico-criminal havendo por isso que recorrer aos princípios gerais estatuídos no Código de Processo Civil, em conformidade com o disposto no art. 4º do Cód. Proc. Penal, sempre com as devidas adaptações e sem esquecer que “...porque o caso julgado, cortando cerce a possibilidade de busca da verdade material, restringe o ideal de justiça em razão da necessidade de segurança, faz-se sentir a sua imodificabilidade com mais rigor no processo civil do que em processo penal, por sua natureza vertido para a justiça real e dificilmente acomodatício às facções de segurança, obtido à custa do sacrifício de valores morais essenciais”[3], se justifica que as regras vigentes quanto ao caso julgado em processo civil não tenham aplicação em processo penal nos mesmos termos.
De harmonia com o disposto nos arts. 577º, al. i) e 580º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, o caso julgado assume natureza de excepção dilatória e ocorre sempre que se verifique a repetição de uma causa depois de a primeira já ter sido decidida por sentença que não admita recurso ordinário.
Nesta sede, é habitual distinguir-se entre caso julgado material [reportado à decisão que recai sobre o mérito da causa] e formal [relativo a decisão sobre a relação jurídica processual].
E, como evidencia o n.º 1, do art. 620º, do mesmo diploma legal, o caso julgado formal apenas tem força obrigatória dentro do processo o que significa que o juiz fica nele vinculado pelas decisões aí proferidas, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz.
Este instituto consubstancia-se na mera irrevogabilidade do acto, ou decisão judicial, que serve de base a uma afirmação jurídica ou conteúdo e pensamento, isto é, uma inalterabilidade da sentença por acto posterior no mesmo processo[4].
No caso julgado formal, a decisão recai unicamente sobre a relação jurídica processual, sendo, por isso, a ideia de inalterabilidade relativa, devendo falar-se antes em estabilidade, coincidente com o fenómeno de simples preclusão[5].
Resumindo e concluindo: O caso julgado formal respeita, assim, a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do procedimento em relação à finalidade a que está adstrito.
Por seu turno, de harmonia com o preceituado no art. 581º, do Cód. Proc. Civil, a repetição da causa assenta na identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, havendo identidade de:
> Sujeitos
Quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica;
> Pedido
Quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; e
> Causa de pedir
Quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.
Transpondo, tal disciplina para a sede criminal importa ter presente que: “Se a máxima ne bis in idem, em matéria criminal, pode assim considerar-se universalmente reconhecida no nosso tempo, pelo menos como valor empírico e utilitário, está, porém, muito longe de ser atingido o termo de uma elaboração destinada a precisar os seu verdadeiro conteúdo e limites.
Dizendo-se, na verdade, que não é lícito renovar a actividade processual a propósito de um facto já definitivamente julgado, logo se põe (...) a questão de determinar o que se deve entender por identidade do facto, tornada, assim, pressuposto da exceptio rei judicatae.
(...) O objecto relativamente ao qual é mister pôr o problema da identidade do facto como pressuposto do caso julgado há-de ser o conteúdo da sentença, não só nos expressos termos em que é formulada, mas ainda naqueles até onde se podia e devia estender o poder cognitivo do tribunal. A força consuntiva de uma sentença relativamente a futuras acusações e processos há-de ser medida pelos devidos limites do seu objecto, ou seja, estender-se até onde o juiz tenha o poder e o dever de apreciar os factos submetidos a seu julgamento”[6].
Consequentemente, aceita-se em termos gerais a noção indicada por Frederico Isasca, no sentido de que “o que transita em julgado é o acontecimento da vida que, como e enquanto unidade, se submeteu à apreciação de um tribunal”.
Em processo penal, o caso julgado formal tutela, pois, aquelas decisões que visam a prossecução de uma finalidade instrumental que pressupõe estabilidade - a inalterabilidade dos efeitos de uma decisão de conformação processual ou que defina nos termos da lei o objecto do processo -, ou, no plano material, a produção de efeitos que ainda se contenham na dinâmica da não retracção processual, supondo a inalterabilidade sic stantibus aos pressupostos de conformação material da decisão.
Quer isto dizer que a verificação dos efeitos de vinculação intraprocessual e de preclusão, têm como requisito essencial a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a relação processual[7].
Assentes estes considerandos genéricos, cumpre descer ao caso concreto.
***
4.3 Dos recursos dos arguidos B..., D..., G... e F...
Consoante se apura do já anteriormente exposto, estes arguidos, ora recorrentes, opuseram-se à declaração de especial complexidade dos autos quando, para efeitos de defesa e contraditório, foram notificados.
E, confrontados com o despacho subsequente a decretar a especial complexidade de que discordavam, interpuseram recurso para este Tribunal da Relação do Porto, visando a respectiva revogação, por entenderem, designadamente, que não se verificavam os requisitos necessários para o efeito.
Todavia, após a interposição dos recursos que ora se apreciam, confrontados com a decisão final condenatória, proferida pelo tribunal a quo, todos eles formularam requerimento a solicitar a prorrogação do prazo de interposição de recurso por mais 30 dias, sem citarem qualquer dispositivo legal que tal permitisse.
Os prazos legais relativos à prática de actos por parte dos sujeitos processuais têm natureza peremptória, pelo que o seu decurso extingue, em regra, o direito de praticar o acto – art. 139º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, ex vi art. 104º, n.º 1 e 4º, do Cód. Proc. Penal.
Na génese desta disciplina está o reconhecimento de que, para além dos direitos da defesa dos arguidos, o processo penal contempla e envolve outros princípios não menos importantes, como o da celeridade e o da prossecução do ius imperium na vertente do interesse público em investigar os crimes e punir os responsáveis, havendo que compaginar os interesses em presença de molde que os primeiros, sofrendo a compressão necessária a acautelar os demais, não sejam inviabilizados ou se tornem de difícil execução[8].
Daí que, a prática do acto, para além do prazo legal, seja admitida, pelo art. 107º, do Cód. Proc. Penal, a título excepcional e se verificadas as condições fixadas, nas seguintes hipóteses:
• Justo impedimento – n.º 2;
• Nos três dias úteis seguintes ao do termo do prazo mediante pagamento de multa – n.º 5 (com referência ao art. 107º-A);
• Quando o procedimento se revelar de especial complexidade – n.º 6.
Neste último caso, a prorrogação do prazo “constitui um modo de satisfazer exigências do processo equitativo, que impõem que sejam dispensadas aos sujeitos processuais condições razoáveis para o exercício dos seus direitos no processo” e “os prazos susceptíveis de prorrogação referem-se a actos enunciados em numerus clausus, em que (…) o processo equitativo justifica maior tempo para a preparação da posição processual (art. 411º, n.ºs 1 e 3 – interposição de recurso”[9].
Neste conspecto, é por demais evidente que os recorrentes B..., D..., G... e F..., pese embora omitindo o suporte legal da pretendida prorrogação do prazo para interposição de recurso, apenas podiam escudar-se para o efeito na já declarada complexidade do processo, que anteriormente repudiaram e até impugnaram judicialmente, por força das consequências que daí advinham relativamente à moldura máxima da medida de coacção de prisão preventiva a que se encontram sujeitos, como decorre da previsão do art. 215º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal.
E, de que o fundamento era esse – e só podia ser esse – ficaram necessariamente cientes (se não o estavam já) quando notificados do despacho que deferiu a sua pretensão.
Quer dizer:
Os ora recorrentes impugnam a declaração de especial complexidade pelos efeitos adversos para o seu estatuto processual – alargamento do prazo máximo de prisão preventiva – mas pretendem usufruir das vantagens que a mesma proporciona em sede de alargamento dos prazos em sede recursiva, o que efectivamente requereram e conseguiram, ao arrepio da boa fé e lealdade processuais.
Impõe-se, consequentemente, a rejeição, sem mais, da pretensão recursiva que tais arguidos apresentaram pois que tal actuação não pode ser acolhida, em termos tais que seria possível contemplar um benefício suplementar a quem, entretanto, por força de requerimento por si realizado, está já a aproveitar da situação contra a qual se manifestou[10].
Obviamente, esta decisão poderá, in casu, não surtir qualquer efeito útil já que subsistem os recursos dos demais dois arguidos que suscitam as mesmas questões e que, a proceder, determinarão a revogação do despacho recorrido[11], com proveito para todos os que se encontram sujeitos a medida de coacção privativa da liberdade.
*
4.4 Da violação do caso julgado formal
[Recurso do arguido E...]
Sustenta o recorrente que o tribunal a quo não podia ter decretado a especial complexidade dos autos porquanto a questão já havia sido suscitada e apreciada anteriormente, a propósito do alargamento do prazo para requerer a abertura de instrução, obtendo resposta negativa, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido a 24 de Abril de 2017, estando em causa a mesma questão e sujeitos processuais, sendo apenas diversa a fase processual (julgamento).
Por seu turno, o tribunal a quo sufragou o entendimento de que o substrato material sobre que incidiu o juízo de declaração de especial complexidade não era o mesmo, considerando não verificada a excepção de caso julgado formal.
Consoante já anteriormente se explicitou, a violação de caso julgado formal apenas pode afirmar-se se não tiver ocorrido alteração superveniente das condições que se verificavam e foram atendidas na decisão inicial.
Ora, pese embora o louvável esforço argumentativo do arguido E..., aqui recorrente, é por demais evidente que não lhe assiste razão.
Na verdade, o simples cotejo do Acórdão proferido a 24 de Abril de 2017, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, cuja cópia certificada inicia o 2º volume deste apenso de recurso (fls. 371 a 386), patenteia ter sido seguida a jurisprudência dominante no sentido de que “o juízo sobre a complexidade do processo é um juízo prudencial, de razoabilidade, de critério de justa medida de apreciação e avaliação das dificuldades suscitadas pelo procedimento” (transcrição fls. 379, 1º parágrafo), pelo que a questão foi balizada pelo tipo de acto processual que estava em causa, ou seja o requerimento de abertura de instrução, aí se afirmando que o prazo legal fixado – 20 dias – para a prática de um acto que se reconduzia à apresentação de uma súmula das razões de facto e de direito da discordância da acusação, eventualmente complementada pela indicação de novas diligências probatórias, apresentação de requerimentos, pedido de novo interrogatório ou apresentação de provas, assegurava ao arguido um processo equitativo, não violando o art. 287º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal o disposto no art. 32º, n.º 1, da CRP, nem tão pouco o art. 6º, da CEDH. E, conclui que a prorrogação do prazo, nos termos previstos no art. 107º, n.º 6, do Cód. Proc. Penal [v.g. especial complexidade], «só deve ser concedida nos casos de manifesta desproporção entre a tarefa de descrever “em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação” e o tempo legalmente disponível para o efeito, não se justificando, a nosso ver, no caso em apreço, a prorrogação denegada pelos despachos recorridos».
Como é bom de ver, não é esse o contexto e substrato material referenciado na decisão ora recorrida, relativamente à questão da especial complexidade, enquadrada num conjunto de circunstâncias que, em parte, não existiam e nem sequer eram previsíveis à data em que a decisão recorrida e confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães foi proferida.
Nestes termos, tem que improceder, por infundada, a assinalada violação de caso julgado formal.
*
4.5 Da especial complexidade dos autos
[Recursos dos arguidos C... e E...]
Havendo consenso a propósito do enquadramento legal e requisitos que enformam a declaração de especial complexidade - conceito que sendo amplo e aberto carece da intermediação garantística de um juiz, a realizar mediante a análise casuística dos elementos do procedimento, com ponderação de todos os dados da configuração processual concreta -, vimos já que o Tribunal a quo e os recorrentes divergem na conclusão a que chegaram sobre a matéria, com o primeiro a considerá-la verificada e os demais a sufragarem o oposto.
Assim, enquanto a decisão recorrida faz apelo ao procedimento processual considerado no seu todo e centra o juízo de prognose formulado na intensidade da actividade processual, os recorrentes questionam a validade da declaração de especial complexidade alegando que a dimensão dos autos, extensão da acusação pública, número de arguidos, quantidade e natureza das infracções imputadas e rol de testemunhas da acusação, eram já factores conhecidos à data em que foi proferido o despacho inicial que arredou a pretendida classificação dos autos como de especial complexidade.
Por outro lado, a inquirição de testemunhas de defesa era expectável e não configura complexidade anormal do processo, o mesmo sucedendo com a apresentação das contestações ou requerimentos por parte dos arguidos, com a dedução dos pedidos de indemnização civil ou perda alargada de bens, esta apenas contra três arguidos e assente em presunção que opera após condenação pelos crimes imputados.
Finalmente, o facto de haver perícias em curso também não imporia nem sustenta a referida declaração.
Por sua vez, o arguido C... vai mais longe e afirma que a controvertida declaração foi decidida não porque se verificassem requisitos legais respectivos mas antes no intuito de privar os arguidos de liberdade, por via do alargamento artificial dos prazos de prisão preventiva que estava em vias de se extinguir por aproximação do limite máximo, então, admissível.
Cremos evidente, que o cerne da controvérsia se situa na diferente perspectivação da realidade processual, uma fazendo análise parcelar dos actos praticados e a restante fazendo o cotejo da logística objectiva dos autos com a actividade processual desenvolvida.
Vejamos.
É incontroverso que nos presentes autos se imputam numerosos crimes, de natureza muito variada e gravidade manifesta - entre eles, os de associação criminosa, sequestro agravado, homicídio qualificado, detenção de arma proibida e incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas – parte dos quais se subsumem claramente às definições de criminalidade especialmente violenta e altamente organizada, consagradas no art. 1º, als. l) - com referência à alínea j) - e m), do Cód. Proc. Penal.
Consequentemente, mostra-se verificado o requisito objectivo de elevação do prazo da prisão preventiva - que, aliás, os recorrentes não questionam -, visto estarmos em presença de crimes que integram o catálogo legalmente estatuído para o efeito.
A declaração de especial complexidade, pelas inerentes consequências de elevação dos prazos da medida de prisão preventiva, tem campo de aplicação privilegiado nas fases de investigação e aquisição probatória do processo, ou seja no inquérito.
Todavia, tal não significa que não possa ser proferida em momento diverso, enquanto os autos se encontrem em 1ª instância, de harmonia com a previsão do n.º 4, do já citado art. 215º.
Aliás, importa recordar que o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 683/2014, publicado no DR, Série II, de 27/11/2014, págs. 29851 a 29854, decidiu «não julgar inconstitucional a norma extraída do art. 215º, n.ºs 3e 4, do Código de processo penal (CPP), quando interpretada no sentido de que “pode ser declarada a excepcional complexidade do processo já depois de terminada a fase de julgamento e depois de depositado o acórdão final condenatório”».
É certo que o número de arguidos – 9 – é quase banal não permitindo, por si só, percepcionar um acréscimo excepcional das dificuldades de molde a justificar a impugnada declaração.
E o mesmo se diga quanto ao número de assistentes (2) e demandantes civis (4).
Relativamente ao número de volumes dos autos e respectivos apensos também não vislumbramos que seja determinante para a matéria em apreço já que a quantidade nem sempre implica complexidade.
É muito substancial o número de intervenientes (cerca de duas centenas de testemunhas/declarantes) e vasta a panóplia de meios probatórios, mas tal é apanágio de inúmeros processos judiciais.
Todavia, se desta leitura parcelar resulta a insuficiência para o fim em vista, cremos que reunindo todas as referidas singulares circunstâncias e conjugando-as com a variedade de incidentes da instância (arresto, perda alargada de bens, embargos de terceiro) e toda uma panóplia de reclamações, recursos, pedidos de habeas corpus e invocação reiterada de nulidades e outras invalidades, a demandar actividade processual muito intensa, pois que, ainda que a decisão de parte dessas questões incumba aos tribunais superiores, não é menos verdade que a respectiva tramitação e preparação é da responsabilidade e competência do tribunal a quo, facilmente se intui que um procedimento que poderia ser apenas complexo alcançou o patamar seguinte.
E, o simples cotejo das actas da audiência de julgamento evidencia o denodado mas inglório esforço de conferir alguma celeridade aos trabalhos, o que culminou mesmo na necessidade de proceder ao reagendamento das sessões respectivas, logo no dia 13/9/2017.
Acresce ainda que a amplitude do objecto do processo, determinou uma ampliação assinalável de meios probatórios[12] e das dificuldades do procedimento, seja pela natureza muito diversa, seja ainda pelas especificidades que comportam e que impõem uma disponibilidade temporal que não se compagina com os prazos regra estabelecidos pelo legislador.
Na expressão feliz, plasmada na resposta do Ministério Público, “os processos não nascem excepcionalmente complexos, tornam-se especialmente complexos”.
Foi o que aconteceu nos presentes autos em que a reunião de uma série de circunstâncias que, por si só, implicariam apenas um labor esforçado, ditou uma complexidade anormal do processo, por sua vez associada a um arrastamento e delongas inusitadas dos termos processuais, que justificam cabalmente a declaração de especial complexidade nos autos.
Assim, mostra-se infundada a pretensão dos recorrentes de verem revogada a decisão recorrida porquanto esta é consentânea com todos os elementos da configuração processual concreta, estando verificados os pressupostos da declaração de excepcional complexidade do processo previstos no art. 215º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal.
***
III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, negar provimento aos recursos e manter a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes com 5 (cinco) UC de taxa de justiça, cada um – art. 513º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e Tabela III Anexa ao Reg. Custas Processuais.
*
[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP[13]]

Porto, 7 de Fevereiro de 2018
Maria Deolinda Dionísio
Jorge Langweg
__________
[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. II, pág. 254.
[2] Disponível in dgsi.pt.
[3] Cavaleiro Ferreira, “Curso de Processo Penal”, Volume III, pág. 88.
[4] Castro Mendes, "Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil", pág. 16.
[5] Alberto dos Reis, "Código de Processo Civil, Anotado", vol. V, pág. 156)
[6] Cfr. Eduardo Correia, A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Almedina, pág. 303 e segs.
[7] V., a este propósito, mais desenvolvidamente, Damião da Cunha, “Caso Julgado Parcial” pág. 143, e Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, pág. 34 e segs.
[8] Cfr., Ac. STJ, de 11/10/2007, Proc. n.º 07P3852, disponível in dgsi.pt.
[9] Henriques Gaspar, Código de Processo penal, Comentado, Almedina, 2014, págs. 355/6, nota 5.
[10] V., neste sentido, Ac. STJ, de 3/11/2011, Proc. n.º 16/09.1GBBRG-D.S1, cujos fundamentos seguimos de perto.
[11] Cumpre anotar que embora se entenda que a prorrogação do prazo de interposição de recurso, uma vez requerida e deferida, aproveita a todos os sujeitos processuais, se considera que a conclusão supra exposta quanto aos arguidos requerentes não é oponível, nem legalmente adequada, aos demais visto que não praticaram qualquer acto intrinsecamente contraditório nesta sede, nem a obtenção do eventual benefício - dos elementos juntos a este apenso de recurso não resulta se os arguidos E... e C... interpuseram recurso e, tendo-o feito, se socorreram do prazo alargado - resulta de acto pessoal.
[12] A título meramente exemplificativo cumpre anotar que a presunção em que assenta a perda ampliada de bens é ilidível e que o arguido C..., no âmbito do seu direito de defesa e contraditório de tal pretensão, fez juntar aos autos cerca de 200 páginas de documentos.
[13] O texto do presente acórdão não observa as regras do acordo ortográfico – excepto nas transcrições que mantêm a grafia do original – por opção pessoal da relatora.