Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2759/15.3T8STS-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FALTA DE CITAÇÃO
Nº do Documento: RP201809242759/15.3T8STS-B.P1
Data do Acordão: 09/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º680, FLS.390-398)
Área Temática: .
Sumário: I - A ampliação da matéria de facto mostra-se indispensável, quando se tenham omitido dos temas da prova factos alegados pelas partes que se revelam essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo juiz do tribunal “a quo”.
II - Ocorre falta de citação quando o destinatário da citação não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável, recaindo sobre o reclamante o ónus da prova de tal matéria.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Insolv - Falta Citação - 2579/15.3T8STS-B.P1
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Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim
Juízes Desembargadores Adjuntos: Manuel Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto[1] ( 5ª secção judicial – 3ª Secção Cível )
I. Relatório
No presente processo de insolvência B…, residente na Rua …, …, …, em …, Guimarães e C…, residente na Rua …, .., …, em …, Amares, vieram requerer a declaração de insolvência de D… Unipessoal, Lda., NIPC ………., com sede na Av. …, ..., em Santo Tirso.
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Citada a requerida, não veio deduzir oposição.
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Em 17 de novembro de 2015 foi proferida sentença que declarou a insolvência de D… Unipessoal, Lda., NIPC ……….., com sede na Av. …, .., em Santo Tirso.
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Notificada a sentença, veio a requerida deduzir oposição, suscitando a título de questão prévia a nulidade do processado por falta de citação.
Alegou para o efeito e em síntese, que nos processos de insolvência o devedor é citado pessoalmente por carta registada com aviso de receção e compulsados os autos verifica-se que a sociedade insolvente não foi citada como o impõe a lei.
Mais alegou que quando foi ordenada a citação da oponente, esta não tinha meios humanos à data, para rececionar a respetiva citação, porquanto o seu legal representante se encontrava a trabalhar no estrangeiro, o que ocorreu durante o ano de 2015, ao serviço de outras empresas, designadamente, em França onde prestou serviço na empresa “E…” sita em ….
Referiu, ainda, que tentou nesse período encontrar meios económicos e financeiros para relançar a atividade comercial da empresa.
Conclui que a situação descrita consubstancia uma situação de “falta de citação”, nos termos da alínea e) do art. 188º/1 CPC e tem como consequência a nulidade do processado após a petição inicial, como dispõe a alínea a) do art. 187º CPC e alega, ainda, que a falta de citação impediu a opoente de deduzir a sua defesa antes de ser proferida a sentença.
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Proferiu-se despacho que apreciou da nulidade com os fundamentos e decisão que se transcrevem:
“A Requerida, declarada insolvente por sentença proferida a 17.11.2015, veio, por requerimento de 28.12.2015, deduzir oposição, começando por alegar que não “foi citada como o impõe a lei”, alegando que quando foi ordenada a citação da Oponente, esta não tinha meios humanos à data, para rececionar a respetiva citação, porquanto o seu legal representante se encontrava a trabalhar no estrangeiro, não tendo efetivo conhecimento da propositura da ação.
Conclui que o alegado consubstancia uma situação de “falta de citação” nos termos da al. e) do art. 188° do Código de Processo Civil.
As Requerentes da insolvência vieram opor-se à oposição apresentada nos termos constantes do requerimento de 11.01.2016, pugnando pela improcedência da alegada falta de citação e pela inadmissibilidade da oposição apresentada.
Cumpre apreciar e decidir:
Compulsados os autos verifica-se que:
- a presente ação deu entrada no dia 24.07.2015;
- por despacho de 28.07.2015 foi determinada a citação da requerida;
- no dia 29.07.2015 foi remetida carta, por correio registado, para citação da Requerida na morada que consta como sendo a sede da mesma na matricula e que é indicada na procuração junta aos autos pela requerida;
- a carta veio devolvida;
- procedeu-se a nova tentativa de citação da requerida, por correio registado, no dia 07.09.2015;
- a carta veio devolvida, com indicação de não ter sido depositada por não haver recetáculo;
- foi determinada a citação da requerida na pessoa do seu legal representante;
- a carta remetida para o efeito em 16.09.2015, por correio registado, veio devolvida com a indicação de “não atendeu”;
- foi pedida a realização da citação a agente de execução;
- o agente de execução veio juntar ao processo comprovativo da afixação de nota de citação nos termos do artigo 232º/4, do Código de Processo Civil, na morada indicada nos autos referindo expressamente que o fez depois de “ter apurado, junto dos vizinhos residentes na casa mais próxima, que a morada em causa se tratava da habitação dos pais do legal representante da requerida”, apresentando claros sinais de estar habitada. (cf. fls. 72 a 81, que se dão por reproduzidas).
- No dia 22.10.2015 o Agente deixou aviso na caixa do correio de que iria voltar para citar dia 26/10/2015 às 10h00 e no dia 26.10.2015 efetuou citação com dia e hora certa.
- Por despacho de 10.11.2015 foi determinado, a fim de conferir maior certeza à informação que antecede, averiguar a morada do legal representante da requerida nas bases de dados disponíveis.
- A morada constante das bases de dados corresponde ao local onde foi efetuada a citação.
- A insolvência da requerida foi declarada dia 17.11.2015.
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Nos termos do artigo 246º do Código de Processo Civil, referente à citação de pessoas coletivas, é estabelecido que “Em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente subsecção, à citação de pessoas coletivas aplica-se o disposto na subsecção anterior, com as necessárias adaptações. 2 - A carta referida no n.º 1 do artigo 228.º é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas. (o que foi efetuado nos autos); 3 - Se for recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência. 4 - Nos restantes casos de devolução do expediente, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º.”
Por outro lado, estabelece o artigo 231º do mesmo diploma que “1 - Frustrando-se a via postal, a citação é efetuada mediante contacto pessoal do agente de execução com o citando.” E o artigo 232º estipula que “se o agente de execução ou o funcionário judicial apurar que o citando reside ou trabalha efetivamente no local indicado, não podendo proceder à citação por não o encontrar, deve deixar nota com indicação de hora certa para a diligência na pessoa encontrada que estiver em melhores condições de a transmitir ao citando ou, quando tal for impossível, afixar o respetivo aviso no local mais indicado. 2 - No dia e hora designados: a) O agente de execução ou o funcionário faz a citação na pessoa do citando, se o encontrar; b) Não o encontrando, a citação é feita na pessoa capaz que esteja em melhores condições de a transmitir ao citando, incumbindo-a o agente de execução ou o funcionário de transmitir o ato ao destinatário e sendo a certidão assinada por quem recebeu a citação. (…) 4 - Não sendo possível obter a colaboração de terceiros, a citação é feita mediante afixação, no local mais adequado e na presença de duas testemunhas, da nota de citação, com indicação dos elementos referidos no artigo 227.º, declarando-se que o duplicado e os documentos anexos ficam à disposição do citando na secretaria judicial. (…)6 - Considera-se pessoal a citação efetuada nos termos dos n.os 2 e 4.”. (o que foi efetuado nos autos).
Atento o disposto nos citados normativos é manifesto que foram observadas nos autos todas as formalidades legais quanto à citação da requerida. É certo que o artigo 188º/1/e) do Código Processo Civil estabelece que se verifica fala de citação “Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável”.
Face ao disposto no citado normativo é manifesto que não pode proceder a alegação da Requerida uma vez que mesmo que se considerasse que a Requerida não chegou a ter conhecimento da citação, tal ocorreu por facto que apenas à mesma é imputável.
De facto, o seu legal representante, antes de se ausentar do país deveria ter diligenciado por quem recebesse a correspondência da Requerida, sendo que não é sequer espectável que uma sociedade passe meses sem receber correspondência, bem como deveria ter comunicado a alteração da sua própria residência nos serviços de identificação civil.
Não tendo cumprido estas obrigações que sobre si impendiam, a falta de citação, a ter-se verificado, foi por facto apenas imputável à requerida.
Pelo exposto, improcede a invocada nulidade de falta de citação e, consequentemente, é válido e regular todo o processado, sendo extemporânea a oposição apresentada e, por isso, inadmissível”.
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A requerida - insolvente veio interpor recurso do despacho.
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Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:
1 - A descrição feita no parágrafo ou ponto 10 desse elenco da matéria de facto declarada provada, carece de ser ampliada, conforme resulta do que foi certificado pelo senhor AE a quem foi incumbida a tarefa de realizar a citação da sociedade Requerida/Apelante, o qual certificou o seguinte:“(…) agente de execução nos presentes autos, vem juntar comprovativo da afixação de nota de citação nos termos do nº 4 do art. 232º do CPC, na morada indicada nos autos.
O ora signatário procedeu à afixação após ter apurado, junto dos vizinhos residentes na casa mais próxima, que a morada em causa se tratava da habitação dos Pais do citando. Pelos vizinhos não foi confirmado que o citando resida efetivamente no local.(…)” – “vide gratiae” certidão elaborada pelo AE e a qual se encontra a fls. 72 a 81 dos autos.
2 - Faltará ainda, salvo o devido respeito e mais douta opinião, acrescentar a partir do parágrafo 11º mais os seguintes parágrafos e, ou, pontos aos que aí se encontram elencados, propondo-se a seguinte numeração e redação:
12º - “No dia 26/10/2015 não foi encontrado o citando nem foram encontrados os Pais do mesmo na casa localizada na Rua …, nº …, freguesia de …, concelho de V.N. de Famalicão.” – “vide gratiae” a supra citação certidão de fls. 72 a 81 dos autos e as fotografias que acompanham essa mesma certidão.
13º - “A secção não enviou, até à data da Sentença que decretou a insolvência da Requerida/Apelante, carta registada com indicação de que o duplicado da citação se encontra à sua disposição na secretaria ou que vai com a própria carta.” - “vide gratiae” passos processuais de fls. 82 até à prolação da douta Sentença.
3 - A proposta ampliação do elenco da matéria de facto provada, no que à decisão deste Incidente diretamente diz respeito, resulta dos próprios documentos que se mostram juntos aos autos e cuja validade foi afirmada pelo Tribunal ”a quo”.
4 - Parece-nos assim que dado o disposto no art. 662º nº 1 do N.C.P.C. está aberta a possibilidade, que no caso é uma necessidade, de o Tribunal “ad quem” alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, na medida em que ela resulta daqueles documentos já juntos aos autos e que ninguém impugnou.
5 - Sendo certo que tal alteração da decisão respeitante à matéria de facto através da sua ampliação corresponde a uma mais certa e correta e, sobretudo, adequada decisão sobre a matéria de facto – art. 607º nº 3, nº 4 e nº 5 a ainda 662º nº 1 do N.C.P.C. – estando plenamente dentro dos poderes deste Venerando Tribunal “ad quem”.
Isto Posto,
6 - Nos termos da lei, o agente de execução somente pode prosseguir com a diligencia de citação na modalidade de “citação com hora certa” caso tenha apurado que o citando reside ou trabalha efetivamente no local indicado.
7 - Ora, como resulta evidenciado na certidão lavrada pelo senhor agente de execução, o mesmo não conseguiu apurar a verificação desse primeiro pressuposto e “conditio sine qua non” para poder avançar com a modalidade de citação com hora certa naquela Rua … nº …, freguesia da …, concelho de V.N. de Famalicão.
8 - O que, com segurança, o senhor agente de execução certifica a esse propósito e que diretamente diz respeito ao legal representante da sociedade – que não à própria sociedade a qual, como se sabe, tem sede noutra Rua, noutra freguesia e noutro concelho – é que, “(…) pelos vizinhos não foi confirmado que o citando resida efetivamente no local…”
9 - Naquela habitação quem, eventualmente, residiria seriam os Pais do citando…!
10 - E, salvo o devido respeito e mais douta opinião, tanto basta para demonstrar a irregularidade e a respetiva nulidade decorrente de se ter prosseguido na modalidade de “citação com hora certa” em casa de habitação onde nunca foi encontrada qualquer pessoa e onde se havia apurado não residir o legal representante da sociedade Requerida/Apelante.
Por outro lado,
11 - Importando também ter presente que até à data da sentença não foi cumprido o disposto no nº 5 do art. 231º do NCPC.
12 - Efectivamente, somente após ter sido proferida a douta sentença que decretou a insolvência da sociedade Requerida/Apelante, viria a ser enviada carta registada dirigida ao legal representante da sociedade e para a alegada morada dos seus Pais, contendo cópia da P.I. e também logo cópia da douta sentença, e onde se escreveu:“Assunto: Citação – (AR cit) Nos termos do disposto no art. 228º do CPC, fica V.Exa. citado, na qualidade de administrador da insolvente, D…, Unipessoal, Lda., para, no prazo de 10 dias, deduzir oposição, querendo, à presente ação de insolvência, ficando advertido de que na falta de oposição consideram-se confessados os factos alegados na P.I. podendo a insolvência vir a ser decretada (nºs 1 e 5 do art. 30º do CIRE).
Com a oposição deverá juntar e, ou, requerer todos os meios de prova que achar pertinentes para prova da sua solvência, ficando obrigado a apresentar todas as testemunhas arroladas cujo número não pode exceder os limites previstos no nº 1 do art. 511º do CPC…”
13 - Carta registada e nota de citação essa em que a sociedade Requerida/Apelante confiou e acreditou corresponder ao que se lhe queria comunicar, e também por isso, cuidou de elaborar e apresentar os autos dentro do prazo legal a Oposição decorrente desta nota de citação.
Assim, aqui se reafirma:
14 - A omissão da citação desse ato processual, acarreta a nulidade do mesmo, bem como dos que subsequentemente tenham sido praticados – aplicação conjugada do disposto nas supra citadas normas legais e ainda nos arts. 195º e segs. do N.C.P.Civil -.
15 - Não sendo admissível que a citação na modalidade de “citação com hora certa” possa ter lugar na casa de habitação de pessoas estranhas ao funcionamento da sociedade mesmo que sendo os Pais do legal representante dessa sociedade – “vide gratiae” neste sentido o Ac. TRC de 8/05/2007: Proc. 1486/04.0TBAVRC1.dgsi.net.
Pois,
16 - A citação é um ato processual essencial que visa assegurar o direito de qualquer pessoa se defender ou deduzir oposição, de molde a evitar que se seja surpreendido por uma decisão judicial não esperada, tudo como corolário lógico do princípio do contraditório (art. 3° nº1) - in Antunes Varela, Manual de Processo Civil, pags 266 e 267.
17 - As nulidades, no caso da citação, são desvios jurídicos que ultrapassam o mero ritual formal, para atingirem, aos olhos da lei, a causa-final do ato, a que já nos reportámos, ou seja, o chamamento da pessoa acionada, de forma esclarecedora, para que possa, efetivamente, defender-se.
18 - Tal cuidado era imposto pelo próprio teor do artº 12º nº 2 do CIRE, pelo princípio da segurança jurídica e pelo direito à defesa da requerida que é reflexo do princípio constitucional de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva – artigo 20º CRP -.
Pelo que,
19 - A irregularidade cometida na opção de realizar a citação da sociedade Requerida na modalidade de “citação com hora certa” mas na casa de habitação dos Pais do legal representante da sociedade Requerida, acabou por traduzir-se na denunciada falta de citação da sociedade requerida, impedindo a mesma de, antes da data em que apresentou a Oposição, se pronunciar sobre o articulado das Requerentes e de se defender do mesmo, tendo ficado desse modo postergado, como supra já se invocou, o cabal exercício do seu direito de defesa.
20 - Assim, o douto despacho recorrido, salvo o devido respeito e mais douta opinião, violou e, ou, interpretou erradamente o disposto, entre outros, nos arts. 191º, 195º e segs., 227º, 231º, 232º nº 1 do NCPC aplicáveis “ex vi” do art. 17º do CIRE, e art. 20 da CRP.
Termina por requerer o provimento do recurso e a revogação da decisão recorrida, declarando-se a nulidade da citação perante o alegado pela apelante.
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Não foi apresentada resposta ao recurso.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação.
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No Tribunal da Relação proferiu-se despacho que convidou a apelante a pronunciar-se sobre a proposta de não admissão do recurso, por intempestivo.
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A apelante veio pronunciar-se no sentido de ser tempestivo e documentou o pagamento da taxa de justiça.
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Solicitadas informações junto do tribunal de 1ª instância e uma vez fornecidas, notificou-se a apelante para proceder ao pagamento da multa, ao abrigo do art. 139º/6 CPC.
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A apelante procedeu ao pagamento da multa conforme consta de fls. 70.
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Dispensaram-se os vistos legais.
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Cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- ampliação da decisão de facto;
- nulidade da citação.
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2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
- a presente ação deu entrada no dia 24.07.2015;
- por despacho de 28.07.2015 foi determinada a citação da requerida;
- no dia 29.07.2015 foi remetida carta, por correio registado, para citação da Requerida na morada que consta como sendo a sede da mesma na matricula e que é indicada na procuração junta aos autos pela requerida;
- a carta veio devolvida;
- procedeu-se a nova tentativa de citação da requerida, por correio registado, no dia 07.09.2015;
- a carta veio devolvida, com indicação de não ter sido depositada por não haver recetáculo;
- foi determinada a citação da requerida na pessoa do seu legal representante;
- a carta remetida para o efeito em 16.09.2015, por correio registado, veio devolvida com a indicação de “não atendeu”;
- foi pedida a realização da citação a agente de execução;
- o agente de execução veio juntar ao processo comprovativo da afixação de nota de citação nos termos do artigo 232º/4, do Código de Processo Civil, na morada indicada nos autos referindo expressamente que o fez depois de “ter apurado, junto dos vizinhos residentes na casa mais próxima, que a morada em causa se tratava da habitação dos pais do legal representante da requerida”, apresentando claros sinais de estar habitada. (cf. fls. 72 a 81, que se dão por reproduzidas).
- No dia 22.10.2015 o Agente deixou aviso na caixa do correio de que iria voltar para citar dia 26/10/2015 às 10h00 e no dia 26.10.2015 efetuou citação com dia e hora certa.
- Por despacho de 10.11.2015 foi determinado, a fim de conferir maior certeza à informação que antecede, averiguar a morada do legal representante da requerida nas bases de dados disponíveis.
- A morada constante das bases de dados corresponde ao local onde foi efetuada a citação.
- A insolvência da requerida foi declarada no dia 17.11.2015.
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3. O direito
- Da ampliação da decisão de facto -
Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 5, pretende a apelante a ampliação da decisão de facto, por entender que para a boa decisão da causa se justifica reproduzir excertos da nota de citação elaborada pelo agente de execução e ainda, a data em que foi expedida a carta registada com indicação de que o duplicado da citação está disponível na secretaria do tribunal, com a menção do prazo de citação e data em que se considera citado.
Nos termos do art. 666º/2 c) CPC mostrando-se indispensável ampliar a matéria de facto, deve o tribunal da Relação alterar a decisão da matéria de facto, se a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Não sendo possível fazer uso de tal faculdade, deve o tribunal anular a decisão.
A ampliação da matéria de facto mostra-se indispensável, quando se tenham omitido dos temas da prova factos alegados pelas partes que se revelam essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo juiz do tribunal “a quo”[2].
Os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na ação ou na exceção.
Os factos complementares são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte.
Ambos integram a categoria de factos principais porque são necessários à procedência da ação ou exceção, por contraposição aos factos instrumentais, probatórios ou acessórios que são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos[3].
Em conformidade com o critério legal, a ampliação da matéria de facto tem de ser indispensável, o que significa que cumpre atender às várias soluções plausíveis de direito, o enquadramento jurídico em face do objeto do recurso e ainda, com a possível intervenção e interpretação do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art. 682º/3 CPC.
No caso concreto a apelante pretende introduzir nos factos provados a seguinte matéria de facto:
1 - Pelos vizinhos não foi confirmado que o citando resida efetivamente no local.(…)”.
2 - 12º - “No dia 26/10/2015 não foi encontrado o citando nem foram encontrados os Pais do mesmo na casa localizada na Rua …, nº …, freguesia de …, concelho de V.N. de Famalicão.”
3 - 13º - “A secção não enviou, até à data da Sentença que decretou a insolvência da Requerida/Apelante, carta registada com indicação de que o duplicado da citação se encontra à sua disposição na secretaria ou que vai com a própria carta”.
A alteração sugerida não se justifica por não se reportar a matéria de facto alegada pela apelante e não revestir interesse para a decisão da causa.
Desde logo cumpre anotar que o tribunal deu por reproduzidas as observações que constam da certidão de afixação dos editais para citação, o que significa que a matéria que se visa introduzir sob o ponto 1 está já incluída na sequência de factos provados. Por outro lado, a alteração sugerida não se mostra fiel à anotação que consta da certidão, pois para além de se referir que “[p]elos vizinhos não foi confirmado que o citando resida efetivamente no local.(…)” escreveu-se, ainda, “[n]o entanto, a habitação apresenta sinais evidentes de ser habitada, sendo inclusivamente, percetível a existência de animais domésticos como um cão e várias galinhas”.
Por outro lado, resulta provado ( e não impugnado ) que a morada constante das bases de dados corresponde ao local onde foi efetuada a citação. Mostra-se, por isso, irrelevante para a decisão da causa atender à observação em causa, quando resulta dos documentos oficiais que o legal representante da apelante tem a sua morada no local onde se realizou a citação.
A matéria indicada, sob o ponto 2, não consta da certidão de citação, face aos elementos que instruem o presente apenso.
Quanto aos factos enunciados, sob o ponto 3, por não resultarem de matéria de facto alegada no incidente, não pode a mesma ser atendida e considerada para efeitos de decisão.
Cumpre ter presente que a apelante suscitou o incidente de falta de citação, com fundamento no facto do legal representante se encontrar ausente de Portugal. Não suscitou qualquer irregularidade no ato de citação e apenas alegou no art. 19º, para justificar a tempestividade da oposição deduzida, que só tomou conhecimento do processo com a notificação da sentença que declarou a insolvência, a qual vinha acompanhada da petição.
Conclui-se, assim, que mesmo ponderando as diferentes soluções de direito, os factos indicados não se revelam essenciais para a resolução do litígio e nessa medida não se justifica a requerida ampliação da matéria de facto.
Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 5.
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- Da nulidade da citação -
Nas conclusões de recurso sob os pontos 6 a 20 a apelante insurge-se contra a decisão suscitando a nulidade da citação, por não se observarem as formalidades da citação com hora certa e porque as diligências de citação foram realizadas na morada dos pais do legal representante da apelante, pelo que se verifica por essa via a falta de citação.
O ato de citação, como decorre do art. 219º CPC, constitui o meio pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender.
Em sede de processo de insolvência, não sendo a petição apresentada pelo próprio devedor e não havendo motivo para indeferimento liminar, procede-se à citação do devedor ( art. 29º CIRE ).
O regime do processo de insolvência nada determina sobre as consequência da falta ou nulidade da citação, pelo que, por remissão do art. 17º CIRE, se aplica o regime previsto no Código de Processo Civil.
A falta de citação encontra-se prevista no art. 188º CPC e verifica-se nas seguintes situações: quando o ato tenha sido completamente omitido; quando tenha havido erro de identidade do citado; quando se mostre empregado indevidamente a citação edital; quando se mostre que foi efetuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade; quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.
A nulidade da citação, como determina o art. 191º/1 CPC, ocorre quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei.
Contudo, neste caso, face ao disposto no nº4 do preceito, a arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.
Tal condição, como observa LEBRE DE FREITAS: “ […]constitui a garantia de o regime instituído ser utilizado para realizar o seu escopo ( evitar a restrição ou supressão prática do direito de defesa ) e não para finalidades puramente formais ou dilatórias”[4].
A falta de citação é de conhecimento oficioso (art. 196º), enquanto a nulidade tem de ser arguida pelo réu (art. 197º/1).
No caso dos autos o apelante suscitou o incidente de falta de citação, com fundamento no art. 188º/1/e) CPC, alegando que não recebeu a citação por estar ausente no estrangeiro.
No despacho recorrido considerou-se que a citação foi efetuada com observância das formalidades dos art. 246º, 231º e 232º CPC e ainda, que os fundamentos invocados pelo apelante são imputáveis ao próprio, que se ausentou sem indicar a sua morada e por isso, não podem justificar a falta de citação.
Não resulta dos factos provados que o apelante se ausentou para o estrangeiro durante o período de tempo em que se diligenciou pela sua citação, pelo que, demonstrada a citação da insolvente na pessoa do legal representante em conformidade com o critério dos art. 246º, 231º, 232º CPC, por citação com hora certa, conclui-se que não se verifica a nulidade por falta de citação. Não resulta dos factos provados que o destinatário da citação não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável, sendo certo que recaía sobre o apelante o ónus da prova de tal matéria.
Considera-se, por isso, que não merece censura o despacho que indeferiu a nulidade suscitada, por falta de citação.
Apenas em sede de recurso vem a apelante suscitar a nulidade da citação, por inobservância de formalidades legais, que por constituir uma questão nova não será apreciada.
O recurso consiste no pedido de reponderação sobre certa decisão judicial, apresentada a um órgão judiciariamente superior ou por razões especiais que a lei permite fazer valer[5]. O recurso ordinário ( que nos importa analisar para a situação presente ) não é uma nova instância, mas uma mera fase ( eventualmente ) daquela em que a decisão foi proferida.
O recurso é uma mera fase do mesmo processo e reporta-se à mesma relação jurídica processual ou instância[6]. Dentro desta orientação tem a nossa jurisprudência[7] repetidamente afirmado que os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova.
O tribunal de recurso vai reponderar a decisão tal como foi proferida.
Podemos concluir que os recursos destinam-se em regra a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, apenas se excetuando: o caso da verificação de nulidade da decisão
recorrida por omissão de pronúncia (artigo 615º, nº 1, alínea d), do CPC); a existência de questão de conhecimento oficioso; a alteração do pedido, em segunda instância, por acordo das partes (artigo 272º do CPC); e a mera qualificação jurídica diversa da factualidade articulada.
A nulidade da citação não constitui matéria de conhecimento oficioso, como já se referiu e apenas nesta sede foi suscitada, com base em facto que não se provaram.
Conclui-se, assim, nos termos do art. 627º CPC que nenhuma relevância merece, nesta sede, os factos novos que a apelante vem alegar e bem assim, os novos fundamentos de sustentação do incidente, pois os mesmos não foram considerados na decisão objeto de recurso e não são de conhecimento oficioso, sendo certo que ao tribunal de recurso apenas cumpre reapreciar as matérias anteriormente sujeitas à apreciação do tribunal “a quo“ ficando por isso vedado a apreciação de novos fundamentos de sustentação do pedido (matéria não anteriormente alegada). Tal como o juiz da 1ª instância, em sede de recurso, o tribunal “ad quem“ está limitado pelo pedido e seus fundamentos e pela defesa tal como configurados na ação, motivo pelo qual está impedido de conhecer do objeto do recurso nesta parte.
Improcedem, desta forma, as conclusões de recurso, sob os pontos 6 a 20.
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Nos termos do art. 304º CIRE as custas são suportadas pela massa insolvente.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
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Custas a cargo da massa insolvente.
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Porto, 24 de Setembro de 2018
(processei e revi – art. 131º/5 CPC)
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
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[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico
[2] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, pag. 240
[3] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lisboa, Lex, 1997, pag. 77.
MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, ob. cit., pag. 78.
JOSÉ LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA E RUI PINTO Código de Processo Civil Anotado, vol I, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, pag. 467-468.
[4] JOSÉ LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pag. 373
[5] JOÃO CASTRO MENDES Direito Processual Civil – Recursos, ed. AAFDL, 1980, pag. 5.
[6] JOÃO CASTRO MENDES, ob. cit., pag. 24-25 e ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil , vol V, pag. 382, 383.
[7] Cfr. os Ac. STJ 07.07.2009, Ac. STJ 20.05.2009, Ac. STJ 28.05.2009, Ac. STJ 11.11.2003 Ac. Rel. Porto 20.10.2005, Proc. 0534077 Ac. Rel. Lisboa de 14 de maio de 2009, Proc. 795/05.1TBALM.L1-6; Ac. STJ 15.09.2010, Proc. 322/05.4TAEVR.E1.S1(http://www.dgsi.pt).