Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1544/18.6T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DEVER DE OBEDIÊNCIA
DEVER DE URBANIDADE
Nº do Documento: RP20201544/18.6T8PNF.P1
Data do Acordão: 04/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Consubstancia justa causa de despedimento o seguinte comportamento da A. que, perante uma chamada de atenção pela legal representante da Ré pelo não cumprimento de uma ordem que lhe havia sido dada [e da qual resultou a errada colocação de ilhoses e a devolução, pelo cliente, da encomenda]: lhe disse em tom de voz alto : “Os ilhós davam. Eu meti!”; a A. tinha na mão esquerda a tesoura de costura, e estando a mão da Autora fechada sobre a tesoura, brandiu-a no ar, enquanto gesticulava e dizia com voz alta, estando virada de frente para a gerente da R, e junto desta: “Vai-me despedir? Vai-me despedir? Então despeça-me”; a A. repetiu esta expressão em voz alta e, enquanto gesticulava, chegou a tocar com a mão esquerda, que continha a tesoura e que estava fechada sobre esta, no antebraço da gerente da Ré.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 1544/19.6T8PNF.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1162)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

B… intentou a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra “C…, UNIPESSOAL LDA”, tendo apresentado, ao abrigo do disposto nos arts. 98º-C e 98º-D, ambos do CPT (aprovado pelo DL n.º 295/09 de 13/10), o respectivo formulário opondo-se ao mesmo[1].

Frustrada a conciliação que teve lugar na audiência de partes, a Ré apresentou articulado motivador do despedimento, concluindo no sentido da existência de justa causa para o despedimento e juntou o procedimento disciplinar.

A trabalhadora contestou, negando ter cometido os actos de que foi acusada na nota de culpa e deduziu pedido reconvencional, pedindo que a sanção disciplinar de despedimento seja julgada ilícita e, bem assim, seja a Ré condenada a pagar-lhe a quantia global de 24.140,64€, acrescida de juros à taxa legal de 4% contados desde a data da citação e até efectivo pagamento, assim discriminada: indemnização em substituição da reintegração, no montante de € 10.759,00; trabalho suplementar no valor de € 6.067,56; proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal, no valor de €645,72; férias e subsídio de férias vencidos em 01.01.2019, no valor de € 1.218,00; compensação por horas de formação não ministradas, no valor de € 366,12; retribuição de férias vencidas e não gozadas, no valor de € 84,24; indemnização por danos não patrimoniais, no montante de €5.000,00.

A Ré respondeu pugnando pela licitude do despedimento e pela improcedência parcial da reconvenção quanto aos créditos salariais reclamados pela A, peticionou ainda que a A fosse condenada como litigante de má fé em indemnização de €10.000,00 a seu favor.

Treplicou a A impugnando a matéria de excepção invocada pela R e peticionando a condenação desta como litigante de má fé.

Foi dispensada a realização de audiência preliminar e foi proferido despacho saneador, tendo sido admitido o pedido reconvencional deduzido pela trabalhadora, fixando o objecto do litígio e os temas de prova, rectificado na sessão da audiência de julgamento de 26.09.2019 [conforme respectiva acta].

Realizada a audiência de discussão e julgamento [sessões de 26.09.2019, 29.10.2019, 25.11.2019 e 17.12.2019], foi, aos 21.12.2019, proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:
“Pelos fundamentos expostos, declarando-se regular e lícito o despedimento da trabalhadora B…, decide-se julgar o pedido reconvencional parcialmente procedente e, em consequência, condenar a empregadora, “C…, UNIPESSOAL LDA” no pagamento à Autora das seguintes quantias:
- € 615,66 a título de retribuições das férias, subsídios de férias e de natal proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano de 2019, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde 4/6/2019 e até efetivo e integral pagamento;
- € 1.218,00 a título de férias e retribuição de férias vencidas em 1/1/2019, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde 4/6/2019 e até efetivo e integral pagamento;
- € 321,80 a título de crédito de horas de formação, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde 4/6/2019 e até efetivo e integral pagamento;
- € 83,05 a título de remuneração de 3 dias de férias não gozadas no ano de 2018, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde 4/6/2019 e até efetivo e integral pagamento.
- Tais quantias terão de ser deduzidas da importância de € 92,50, paga à Autora pela Ré, no mês de Março de 2019, e € 125,00, pagos pela R à A no mês de Abril.
- A quantia que se apurar em sede de liquidação de sentença relativamente às horas extraordinárias prestadas pela Autora referidas no ponto 66 da factualidade provada, deduzida das horas em que a Autora faltou ao serviço, referidas nos pontos 55 a 57 da factualidade provada, e descontadas as importâncias pagas à Autora em cartão refeição a título de horas extraordinárias, considerando o valor da retribuição horária da Autora, com os seguintes acréscimos: a) 25 % pela primeira hora ou fracção desta e 37,5 % por hora ou fracção subsequente, em dia útil; b) 50 % por cada hora ou fracção, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado, tudo acrescido de de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde 4/6/2019 e até efetivo e integral pagamento.
Quanto ao demais peticionado pela trabalhadora, decide-se absolver a empregadora do peticionado.
Fixo o valor da ação em € 24.140,64.
Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento.

Inconformada, veio a A. recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
……………………………
……………………………
……………………………

Não foram apresentadas contra-alegações.

A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, ao qual a Recorrente respondeu, dele discordando.

Colheram-se os vistos legais.
***
II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância

É a seguinte a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância:
A) Instruída e discutida a causa, com relevo para a decisão, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 22 de Março de 2019, no período da manhã, a Ré comunicou, verbalmente, à A. a suspensão preventiva do contrato de trabalho, sem perda de remuneração.
2. No mesmo dia, ainda no período da manhã, a Ré entregou à A., declaração na qual comunicava a suspensão do contrato de trabalho, sem perda de remuneração, enquanto decorria processo disciplinar.
3. No dia 26 de Março de 2019, por meio de carta registada, reiterou e comunicou por escrito à A., a suspensão preventiva do contrato de trabalho, sem perda de retribuição.
4. Por carta registada datada de 27 de Março de 2019, a A. comunicou à Ré que a mesma lhe comunicou a suspensão do contrato de trabalho, tendo emitido declaração onde constava tal suspensão, sem perda de remuneração enquanto decorria processo disciplinar.
5. Mais refere a trabalhadora, naquela comunicação que, não tendo, por isso, comparecido nas instalações da empresa, aguardaria a entrega da nota de culpa para exercer a sua defesa.
6. Por carta registada datada de 29 de Março de 2019, a entidade patronal comunicou à trabalhadora que lhe havia sido instaurado o competente processo disciplinar, remetendo-lhe o documento de fls. 36 a 40.
7. Nessa comunicação a Ré informou igualmente a A. que era intenção da empresa proceder ao seu despedimento.
8. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 12 de Abril de 2019, a A. remeteu à Ré, a resposta à nota de culpa.
9. Por comunicação de 23 de Abril de 2019, entregue em mão às testemunhas indicadas pela Ré na nota de culpa, recebidas pelas mesmas em 24 de Abril de 2019, foi agendada a audição/inquirição de testemunhas para o dia 02 de Maio de 2019, entre as 14h30 e as 15h30.
10. Por carta registada datada de 24 de Abril de 2019 foi remetida à A., comunicação pela instrutora do processo disciplinar, dando-lhe conhecimento da recepção da resposta à nota de culpa e informando-a, que havia sido designado o dia 02/05/2019 entre as 14h30 e as 16h00, para produção de prova e correspondente inquirição das testemunhas.
11. Igualmente foi comunicado à A., que a instrutora recepcionou correspondência de email por parte da entidade patronal daquela, datada de 17/04/2019, acompanhada de nota de crédito n.º NC ./., concedendo-lhe prazo para, querendo, pronunciar-se sobre os mencionados documentos.
12. Por e-mail datado de 29 de Abril de 2019, remetido pela sociedade de advogados D…, para a instrutora do processo disciplinar, a A. solicitou esclarecimento sobre a possibilidade de estar presente, acompanhada de advogado, na inquirição de testemunhas agendada para o dia 2 de Maio de 2019 e, em suma, impugnou o teor dos emails e da nota de créditos juntos aos autos.
13. Por e-mail, remetido a 29 de Abril de 2019, para a sociedade de advogados supra identificada, a instrutora do processo disciplinar informou, em suma, que não obstante as regras do procedimento disciplinar não via inconveniente na presença da trabalhadora ou do seu mandatário, em sua representação, devidamente mandatado, tudo sem prejuízo do vertido na resposta à nota de culpa, falta de indicação de prova por parte da trabalhadora e preceitos aplicáveis à produção de prova testemunhal.
14. Na data, hora e local designados para a inquirição de testemunhas, a A. não compareceu. nem se fez representar por qualquer mandatário.
15. Na data, hora e local designados procedeu-se à inquirição das testemunhas indicados pela Ré, as quais prestaram declarações perante a instrutora do processo sobre os factos vertidos na nota de culpa, assinando no fim os respectivos autos.
16. No dia 6 de Maio de 2019 a instrutora do processo proferiu o correspondente relatório final, no qual a mesma conclui, atenta a prova aduzida ao autos, terem-se verificado todos os pressupostos legalmente exigíveis à aplicação da sanção disciplinar de despedimento da aqui A.
17. Por carta registada datada de 09 de Maio de 2019, a aqui Ré, remeteu à A. o relatório final, supra mencionado, e a decisão de despedimento, com justa causa, acompanhada da declaração modelo RP5044, referente à declaração de situação de desemprego, com o motivo de cessação do contrato de trabalho “justa causa de despedimento por facto imputável ao trabalhador”.
18. A sociedade C…, Unipessoal Lda. é uma sociedade unipessoal por quotas que tem como objecto social a fabricação de calçado.
19. A referida sociedade admitiu ao seu serviço, em 10-09-2001, a Autora B…, para sob sua ordem, conta e direcção, exercer as funções de operadora de mesa, incumbindo-lhe a execução, entre outras, das tarefas de colar e aparar obra, cozer obra manualmente e colocar ilhós.
20. A Autora aufere a retribuição mensal base de 609,00€.
21. No passado dia 21 de Março de 2019, a sócia gerente da R dirigindo-se à Autora solicitou-lhe que quando terminasse de colocar os ilhós que tinha disponíveis, na mesa, para colocar na obra que se encontrava em execução, testasse a colocação de outros ilhós que naquele momento lhe disponibilizou e que eram diferentes dos que aquela vinha colocando,
22. Advertindo-a expressamente que, após colocação, lhe mostrasse a peça para que aferisse se a mesma cumpria os critérios solicitados pelo cliente.
23. No dia 22 de Março de 2019, entre as 09h30 e as 10h00, quando a gerente da Ré se deslocou junto da Autora para lhe solicitar que lhe mostrasse a amostra em causa, uma vez que aquela entretanto nada lhe tinha dito ou exibido, constatou que, não só não eram cumpridos os critérios solicitados pelo cliente para aquela obra, como também, a Autora havia já colocado os referidos ilhós em grande parte da obra em, pelo menos.
24. A gerente da Ré confrontou a Autora com tal facto, dizendo-lhe que lhe havia solicitado expressamente que, antes de prosseguir com a colocação daqueles ilhós, lhe mostrasse como é que os mesmos ficavam na peça.
25. A Autora retorquiu que como tinha ilhós suficientes para colocar na obra e achando que os mesmos davam bem procedeu à devida colocação dos mesmos.
26. Entretanto a gerente da Ré dirigiu-se junto do seu marido, E…, que exerce as funções de encarregado na empresa, exibindo-lhe uma amostra das peças que a Autora detinha naquele momento na mesa, a fim de que o mesmo desse o seu parecer acerca da qualidade do trabalho e bem assim se as peças cumpririam os critérios exigidos pelo cliente,
27. Tendo, aquele, igual opinião à da gerente da Ré, ou seja, que era visível, evidente e notória a diferença daqueles ilhós, em obra, comparativamente com os que aquela havia colocado anteriormente e que, muito provavelmente, tais peças não seriam aceites, e consequentemente, devolvidas pelo cliente.
28. Pelo que, o marido da Ré dirigiu-se junto da Autora e solicitou-lhe que parasse imediatamente de colocar tais ilhós, apesar de apenas estarem em falta cerca de uma a duas dezenas de pares para concluir a referida obra (encomenda).
29. Quando a gerente da Ré se aproximou de novo da Autora, esta disse-lhe em tom de voz alto: “Os ilhós davam. Eu meti!”.
30. A Autora tinha na mão esquerda a tesoura de costura, com o bico virado para baixo, e estado a mão da Autora fechada sobre a tesoura, brandiu-a no ar, enquanto gesticulava e dizia com voz alta, estando virada de frente para a gerente da R, e junto desta: Vai-me despedir? Vai-me despedir? Então despeça-me”.
31. A Autoria repetiu esta expressão em voz alta e também embatia com a mão esquerda que continha a tesoura e estava fechada sobre esta no antebraço da gerente da Ré.
32. A gerente da Ré disse-lhe, a dado passo para a Autora se ir embora, porque estava de castigo.
33. Ao que a Autora respondeu sempre em, voz alta: “De castigo? De castigo? Quantos dias?”.
34. “Já devias ter saído!”, respondeu a gerente da Ré.
35. Entretanto a Autora dirigiu-se ao seu cacifo, onde permaneceu alguns minutos, acabando por sair de dentro das instalações da empresa, permanecendo, todavia, no exterior, junto das mesmas.
36. Seguidamente, o marido da gerente da Ré, dirigiu-se à Autora comunicando-lhe verbalmente que a mesma estava suspensa, sem perda de remuneração, enquanto estava a decorrer um processo disciplinar pelo sucedido, entregando-lhe para o efeito uma declaração comunicativa desse facto, solicitando-lhe que aquela assinasse outro exemplar, como prova de ter recebido tal documento.
37. A Autora recusou-se a assinar a prova de entrega da mencionada declaração.
38. Em 09 de Abril de 2019, por correio electrónico, a empresa F…, S.A. reclamou da Ré o defeito na obra do plano de fabrico 094, com data de entrega para 25/03, guia de transporte n.º ./.., devido a terem sido “entregue com vários pares com defeito (nomeadamente ilhós diferentes dos constantes da amostra aprovada), solicitando nota de crédito correspondente a 30% do valor acordado da totalidade da encomenda, mais a repetição dos referidos 115 pares (pelarias, ilhós, fitilhos, linhas e mão de obra)”.
39. A Ré emitiu a favor da empresa E…, S.A., NIPC ………, nota de crédito N.º NC ./., datada de 24 de Abril de 2019, no montante de 3174,29€, com 11/80 referência ao abatimento de 30% ref.ª 5454 PL 94 e gastos extras com materiais (pele, ilhós, forro) e mão-de-obra.
40. Já em encomenda anterior, do mesmo modelo e para o mesmo cliente, em inícios/meados de Fevereiro de 2019 haviam sido colocados ilhós mal apertados.
41. A A./Trabalhadora não tem antecedentes de ordem disciplinar,
42. A A é vista como uma trabalhadora séria, honesta e competente;
43. A A auferia subsídio de refeição em vale de refeição no valor diário de 2,50€.
44. Ao serviço da Ré/EE a A./Trabalhadora praticava o seguinte horário de trabalho Segunda a Sexta-feira, das 08,00 horas às 12,30 horas e das 14 horas às 17,30 horas;
45. A Ré não pagou à Autora a título de proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal do ano da cessação do contrato.
46. E bem assim, as férias e respectivo subsídio de férias vencidas em 01/01/2019.
47. No ano de 2018, a A./Trabalhadora não gozou 3 dias de férias.
48. Ao longo dos últimos 3 anos a Ré/EE proporcionou à A/Trabalhadora em 10/05/2014, 15/11/2015 e 27/11/2017, a A./Reconvinte recebeu formação nas seguintes áreas, “segurança higiene e saúde no trabalho”, “suporte básico de vida” e “prevenção e protecção contra incêndios”, cada uma delas com duração de 4 h, num total de 12 h.
49. Em Novembro de 2015, A/Reconvinte e Ré/Reconvinda acordaram entre si, que a entidade patronal, a partir daquela data e com efeito retroactivo ao mês de Outubro de 2015, efectuaria, mensalmente, o pagamento do montante diário de 6,00€, em cartão refeição, “sendo que de tal valor apenas 2,50€ se referem efectivamente a tal subsídio (refeição), destinando-se os restantes 3,50€ a pagamento de horas extras”, como consta do doc. 1 junto com o articulado motivador e que tem por integralmente reproduzido.
50. Tal montante diário era ultimamente de 6,25€.
51. Tendo sido aceite por todos os trabalhadores, o pagamento de compensação por trabalho extraordinário em cartão refeição.
52. Efectuando-se no final do mês os eventuais acertos, em função do trabalho suplementar efectivamente prestado, naquele período.
53. Foi igualmente aceite, por todos os trabalhadores, que caso tivessem de faltar ao trabalho, a entidade patronal não procederia ao desconto no respectivo salário de tais faltas, justificadas ou não, e que os trabalhadores compensariam tais faltas com prestação de trabalho fora do horário normal.
54. O salário da Autora/Reconvinte era de:
- 505,00€ até Agosto de 2015, inclusive, e de 515,00 € a partir de Setembro, sendo o respectivo valor hora de – 2,91€ e 2,97€;
- 530,00€ de Janeiro de 2016 a Outubro de 2016, inclusive, e de 550,00€, a partir de Novembro, sendo o respectivo valor hora de 3,05€ e de 3,17€;
- 557,00€ de Janeiro de 2017 a Agosto de 2017, inclusive, e 580,00€ a partir de Setembro, sendo o valor hora de 3,21€ e 3,34€; - 580,00€ no ano 2018, sendo o valor hora de 3,34€;
- 605,00€ de Janeiro de 2019 a Março de 2019, e 609,00€ no mês de Abril de 2019, sendo o valor hora 3,49€ e 3,51€.
55. Por outro lado, a A/Reconvinte, no período em referência 2015-2019, faltou nas seguintes datas, justificando tal falta:
DIA TEMPO COMPROVATIVO
14/07/2015 30min Doc. 2
13/11/2015 2h30min Doc. 3
07/03/2016 2h00 Doc. 4
03/05/2016 3h30min Doc. 5
21/07/2016 1h30min Doc. 6
22/11/2016 3h00 Doc. 7
13/12/2016 4h30min (manhã) Doc. 8
13/03/2017 3h30min (tarde) Doc. 9
25/05/2017 1h00 (tarde) Doc. 10
29/05/2017 3h00 (manhã) Doc. 11
01/06/2017 1h00 Doc. 12
22/06/2017 3h30min (tarde) Doc. 13
26/06/2017 2h30 (manhã) Doc. 1411/53
11/07/2017 1h30min (manhã) Doc. 15
13/07/2017 1h00 (tarde) Doc. 16
06/09/2017 1h00 (tarde) Doc. 17
24/11/2017 1h00 (manhã) Doc. 18
27/11/2017 2h30 (manhã) Doc. 19
09/01/2018 4h30min (manhã) Doc. 20
21/02/2018 4h30min (manhã) Doc. 21
18/07/2018 3h00 (manhã) Doc. 22
56. Entre 18/01/2016 e 21/01/2016, esteve de férias, gozando 4 dias de férias referentes a 2015, doc. 23.
57. Por outro lado, entre 29/11/2016 e 10/12/2016 a A./reconvinte esteve de baixa médica,
58. Entre 14/03/2017 e 17/03/2017 faltou ao trabalho devido ao falecimento de seu pai, G…, doc. 25.
59. Entre 03/04/2017 e 04/04/2017 faltou ao trabalho devido ao falecimento de sua tia, H…, doc. 26.
60. A A entre Maio de 2016 e Maio de 2019 faltou nas seguintes datas não justificando a falta:
DIA TEMPO
18/15/2016 4h30min
21/07/2016 2h00
27/03/2017 2h30
21/04/2017 4h30
23/05/2017 1h30
24/05/2017 3h00
25/05/2017 2h30min (manhã)
08/06/2017 4h30
07/07/2017 3h30
11/07/2017 1h30
05/09/2019 30min
30/10/2010 1h00
14/11/2017 3h30
15/11/2017 4h30
18/12/2017 3h30
22/12/2017 3h30
23/01/2018 3h30
02/05/2018 3h00
05/07/2018 2h00
29/10/2018 1h00
21/12/2018 3h30
61. A empresa teve ao seu serviço, nesse lapso temporal entre 30 a 26 trabalhadores.
62. A A./Reconvinte, em 2019-07-01, começou a trabalhar para a I….
63. No mês de Março de 2019, a A./ Reconvinte apenas trabalhou 13 dias completos.
64. A R./ reconvinda transferiu no mês de Março para a conta da A./reconvinte a quantia de 125,00€ referente ao cartão de refeição, pagando a mais o montante de 92,50 €.
65. No mês de Abril de 2019, a Ré procedeu por lapso à transferência da quantia de 125,00€ para a conta da A./ reconvinte.
66. A A praticou os horários de trabalho constantes dos registos de tempo de trabalho de fls. 157 a 174, que aqui se têm por integralmente reproduzidos, entrando e saindo do serviço nas horas e datas ali consignadas.
67. A R pagou à A importâncias relativas a subsídios de alimentação e horas extraordinárias em cartão refeição, em montante não concretamente apurado, para cada uma dessas rúbricas.
* * * *
B) Instruída e discutida a causa, com relevo para a decisão, resultaram não provados os seguintes factos
i) Aquando do referido em 40.) dos factos provados, a empresa Ré teve que desmanchar as peças, retirar o fitilho e apertar de novo os ilhós.
ii) Nessa altura a gerente da Ré mostrou à Autora as peças em causa, a qual reconheceu que tinha visto que os ilhós estavam mal apertados, mas que deixou seguir para a colocação do fitilho.
iii) Pelo que, a gerente advertiu a Autora de que o serviço estava mal executado, ao que a mesma respondeu, “estou de consciência tranquila, venha para aqui você!”.
iv) Na data dos factos constantes da nota de culpa, a A./Trabalhadora encontrava-se a colocar ilhós tamanho nº 9 conforme lhe havia sido ordenado pela gerente da Ré/EE;
v) Tendo acabado os ilhós, pediu à gerente da Ré/EE mais ilhós, tendo esta ido buscar outros e entregue à A./Trabalhadora ilhós tamanho nº 8;
vi) Pelo que, após constatar que os ilhós eram de outro número, a A./Trabalhadora informou a gerente da Ré/EE que o nº correcto era o 9 e não o 8;
vii) Ao que a gerente da Ré/EE anuiu, e foi buscar ilhós tamanho nº9, mas numa tonalidade diferente;
viii) E, de seguida, deu instruções à A./Trabalhadora para colocar aqueles ilhós em todos os pares em que aquela se encontrava a trabalhar, mas que eram menos de 100;
ix) Outros trabalhadores da Ré também colocavam ilhós.
x) De segunda a quinta-feira, a Ré/EE apenas permitia a saída da A./Trabalhadora a partir das 19horas.
xi) A forma como a A./Trabalhadora foi despedida pela Ré/EE, provocou-lhe tristeza e aborrecimento, sofrendo o constrangimento de ter sido feito de forma inesperada, injustificada e injusta, e com conhecimento de todos os colegas de trabalho;
xii) A A./Trabalhadora sentia necessidade de se afastar de todas as pessoas com quem diariamente convivia, fechando-se sozinha em casa, evitando qualquer contacto social, o que a deixou muito constrangida e até deprimida.
xiii) A A./Reconvinte, num passado recente vendeu um imóvel sua propriedade, recebendo o correspondente preço da sobredita venda, motivo por que não corresponde à verdade que aquela tenha deixado de poder cumprir ou honrar compromissos assumidos.
xiv) A Ré/reconvinda sempre se disponibilizou para pagar à A./reconvinte os créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho que os vincula e que a mesma peticiona a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal referentes ao ano 2019, férias e subsídio de férias vencidos a 1 de Janeiro de 2019 e correspondentes ao ano anterior, 3 dias de férias,
xv) E só ainda não efectuou o pagamento desse crédito porque a mesma não o quis receber, dando a correspondente quitação.
xvi) Todo o trabalho suplementar prestado pela A./Reconvinte, foi pago.
***
III. Fundamentação

1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, são as seguintes as questões suscitadas:
- Impugnação da decisão da matéria de facto;
- Inexistência de justa causa para o despedimento.

2. Da impugnação da decisão da matéria de facto

A Recorrente impugna a decisão da matéria de facto, pretendendo que os factos dados como provados nos nºs 29, 30 e 31 sejam dados como não provados e que os constantes das als. xi) e xii) da matéria dada como não provada sejam dados como provados.
A Recorrente indicou, pois, os pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, bem como o sentido das respostas pretendidas. Por outro lado, indicou, com reporte aos pontos da decisão da matéria de facto em causa, os meios de prova que tem por pertinentes, assim como indicou os tempos da gravação dos depoimentos testemunhais que invoca correspondentes aos excertos que transcreve.
Deu pois, cumprimento ao disposto no art. 640º, nºs 1 e 2, al. a) do CPC/2013.

2.1. Quanto aos nºs 29, 30 e 31 dos factos dados como provados que a Recorrente pretende que sejam dados como não provados, é o seguinte o teor dos mesmos:
“29. Quando a gerente da Ré se aproximou de novo da Autora, esta disse-lhe em tom de voz alto: “Os ilhós davam. Eu meti!”.
30. A Autora tinha na mão esquerda a tesoura de costura, com o bico virado para baixo, e estado a mão da Autora fechada sobre a tesoura, brandiu-a no ar, enquanto gesticulava e dizia com voz alta, estando virada de frente para a gerente da R, e junto desta: Vai-me despedir? Vai-me despedir? Então despeça-me”.
31. A Autora repetiu esta expressão em voz alta e também embatia com a mão esquerda que continha a tesoura e estava fechada sobre esta no antebraço da gerente da Ré.”
A sustentar a alteração, a Recorrente invoca a decisão, proferida pelo Ministério Público, de arquivamento do inquérito criminal, junta aos autos a 14.10.2019, bem como excertos dos depoimentos das testemunhas J…, K…, L… e M…, que transcreve.

2.1.1. Na fundamentação da decisão da matéria de facto, a Mmª Juiz referiu o seguinte:
“Quanto aos factos vertidos em 21) a 34), teve-se em conta as declarações das testemunhas L…, M…, J…., k…, que estavam na fábrica à data dos factos, estando a trabalhar a escassos metros do local onde a Autora trabalhava, onde ocorreu a discussão entre a Autora e a legal representante da Ré, que tudo viram e ouviram, embora, naturalmente, umas testemunhas tenham prestado mais atenção a uns factos que a outros, mas todas tendo ouvido as palavras que a Autora dirigiu à Ré, o tom de voz alto que empregou, o facto de a Autora ter e brandir a tesoura de costura com cerca de 15 cm de comprimento na mão enquanto falava com tom de voz alto e alterado com a gerente da Ré, sendo que apenas a testemunha K… referiu não ter visto a Autora a atingir a legal representante da Ré no braço, porque a Autora estava de costas para esta testemunha, que não consegui ver bem todos os gestos da Autora nem via integralmente a pessoa da legal representante da Ré, factos estes que foram confirmados por todas as demais testemunhas já referidas. (…). Por último, diremos que a gerente da Ré prestou também declarações de parte, relatando os factos perpetrados pela Autora, (…)”.

2.1.2. Começando pelo documento invocado, consubstancia ele decisão, proferida pelo Ministério Público no âmbito do inquérito criminal desencadeado com base em participação da legal representante da Ré contra a ora A., de arquivamento de tal inquérito. De tal decisão decorre que, para além da denunciante, foram ouvidas as testemunhas K…, L… e M…, cujos depoimentos não teriam corroborado a existência de ameaças por parte da A., aí arguida; e, quanto à tesoura, que esta era um instrumento de trabalho, que a A. a tinha na sua mão enquanto discutia com a legal representante, mas que não a direccionou a esta, nem a atingiu no seu corpo.
Tal documento não tem força probatória plena quanto aos factos em causa, apenas atestando a percepção que o Magistrado do MP retirou das diligências de prova levadas a cabo em tal inquérito e não obsta à convicção a extrair da prova que haja sido feita no âmbito dos presentes autos.

Procedeu-se à audição integral dos depoimentos prestados pela legal representante da Ré que, sobre a matéria em causa, nada referiu, bem como das testemunhas J… [trabalhadora da Ré há cerca de 6 anos] e K… [trabalhadora da Ré há cerca de 10 anos], estas arroladas pela A, bem como das testemunhas L…. [trabalhadora da Ré há cerca de 6 anos] e M… [trabalhadora da Ré há cerca de 4 anos], estas arroladas pela Ré.
J… declarou, em síntese, que: não tendo a A., na colocação dos ilhoses, procedido como determinado pela legal representante da Ré [que lhe havia determinado a colocação de apenas alguns para, depois, lhe mostrar para que esta verificasse como ficavam] e chamada a atenção para isso, disse “os ilhoses deram, eu meti” e que, depois, sempre aos “berros”, dizia à legal representante da Ré, “despeça-me, despeça-me” e que, à ordem da Ré de que iria para casa “de castigo”, dizia “vou de castigo?”, “quantos dias?” e que enquanto o dizia, a A. estava “sempre a dar com a tesoura no braço da Ré”, que tinha a tesoura na mão esquerda com o bico para baixo, que gesticulava com a tesoura na mão e que enquanto gesticulava “batia” com as “orelhas da tesoura” no braço direito da Ré, junto ao ombro, que a tesoura “tocava” no braço direito da legal representante; que a tesoura é um instrumento de trabalho, que a A. a usava muitas vezes e que não ouviu ameaças.
K… referiu, em síntese, que: a A. falava mais alto do que a legal representante da Ré; que aquela dizia “despeça-me”, que esta lhe disse “vais para casa de castigo” e que aquela dizia “vou de castigo, quantos dias?”, que a A. tinha a tesoura na mão e que fazia gestos para a legal representante, mas que não viu qualquer agressão, que a A. estava de costas para a testemunha, que só viu e ouviu tais expressões, não viu mais nada.
L… referiu, em síntese: que a A. tinha colocado os ilhoses, mas não o mostrou à legal representante da Ré como esta lhe havia determinado; que esta lhe disse “não te tinha dito para mostrares?”, ao que aquela respondeu “ eu meti, está bem metido e agora?”, que a A. o dizia aos “gritos”, que estava “alterada” e fez um “aparato”, que a Ré estava calma; que a Ré lhe disse “vais de castigo”, retorquindo a A. “quantos dias, quantos dias?”, que a A. falava com a tesoura na mão e que fazia força no braço da Ré, que encostava a tesoura no braço, que andava a “gingar” com a tesoura na mão, que a tesoura tinha o bico para cima; que, enquanto isso, a legal representante da Ré nada disse, estava parada e que ninguém foi ajudar e, mais adiante no depoimento, que a A. perguntava “vou embora, vou embora, quantos dias?” e “tocava com a tesoura no braço”; a pergunta se a A. estaria a ameaçar a Ré, referiu que “bem vistas as coisas, estava a ameaçar” e se estaria a empurrar, referiu que “se calhar até era” para, depois, dizer que a Ré não se mexeu e que a A. “estava a dar, a encostar”, ficando na dúvida se seria no braço direito ou esquerdo.
M… referiu em síntese que: a A. disse “meti os ilhoses, deu bem, qual é o problema”, que a mesma se exaltou, que dizia “despeça-me”; a legal representante da Ré lhe disse para ir embora, que “estava de castigo”, ao que a A. dizia “vou embora, quantos dias”, a falar alto, com a tesoura na mão, que se encostava à Ré, que enquanto falava fazia gestos mexendo com os braços; não viu se empurrava ou batia, apenas que estava encostada à Ré, que não estava sempre a olhar; que apenas viu a fazer gestos com a tesoura, mas não viu que a empunhasse contra a Ré, que aquando do início da altercação, a A. já tinha a tesoura na mão; que o bico da tesoura estava para cima.
Os nºs 29, 30 [à excepção da referência de o bico da tesoura estar virado para baixo] e 31, 1ª parte [“A Autora repetiu esta expressão em voz alta”] decorrem sem qualquer margem de dúvida do conjunto da mencionada prova testemunhal, concretamente dos depoimentos de J…, K… e M..., que corroboraram que a A. proferiu as expressões aí referidas. Essas testemunhas, assim como L…, são também unânimes ao referir que a A. tinha a tesoura fechada na mão e que, enquanto falava com a Ré, em tom alto, gesticulava com a mão que segurava a tesoura.
Não tem pois a Recorrente razão alguma ao pretender que os nºs 29, 30 [à excepção de o bico da tesoura estar virado para baixo] e 31, 1ª parte, sejam dados como não provados, sendo a impugnação, nessa parte, manifestamente infundada.
Já quanto ao bico da tesoura estar virado para baixo ou para cima, fica-se-nos a dúvida sobre tal facto, sendo que se a testemunha J… referiu que o bico estaria para baixo, já M… e L… referiram que o estava para cima, para além de que, na fundamentação da decisão da matéria de facto, nada é dito quanto à razão de se ter fundamentado no depoimento daquela e não destas. Assim, e na dúvida quanto a tal facto, deverá a referência ao mesmo ser eliminada.
Quanto ao segmento do nº 31 em que se refere que a A. “também embatia com a mão esquerda que continha a tesoura e estava fechada sobre esta no antebraço da gerente da Ré”:
Sem prejuízo do que se dirá quanto à expressão “embatia”, o referido segmento é corroborado pelos depoimentos das testemunhas J… e L…. E, por outro lado, dos depoimentos das testemunhas K… e M… não resulta que tal não tenha ocorrido. Com efeito, K… referiu que não viu uma vez que a A. estava de costas para ela e, M…, que nem sempre esteve a olhar, não se vendo razão para dar o referido ponto como não provado. Acresce que M… referiu que, embora não tendo visto, a A. se encontrava encostada à Ré. Ora, se assim era, e gesticulando a A. com a tesoura na mão, é de todo aceitável que haja tocado na Ré. E a isso não obsta também o facto de J… ter dito que a tesoura estava com o bico para baixo e L… que estava com o bico para cima. Trata-se de uma discrepância num pequeno aspecto que pode facilmente resultar de confusão das testemunhas, designadamente tendo em conta o tempo decorrido, a perspectiva de onde visionaram ou outra razão e que não afecta o juízo no sentido de que a A. haja tocado na Ré.
Todavia, o que se nos afigura é que a expressão “embatia” sugere uma intensidade e/ou intencionalidade quanto ao facto em questão ou, pelo menos, uma certa ambiguidade quanto ao mesmo, podendo induzir que a A. “batia” com a mão que tinha a tesoura no braço da Ré. Ora, não se nos afigura que tal juízo seja sustentado em prova suficientemente segura, tanto mais que se a A. tivesse ameaçado ou posto em perigo a legal representante da Ré e/ou tivesse repetidamente batido com a tesoura no braço desta, afigura-se-nos que tal não poderia deixar de ser apercebido pelas mencionadas testemunhas, assim como essa alegada “agressão” não teria merecido uma atitude de total passividade por parte da legal representante que, ao contrário de continuar parada, de braços em baixo e não dizendo à A. para parar [como também decorre dos depoimentos testemunhais, inclusive dos de J… e L…], se teria tentado defender ou, pelo menos, afastado, não sendo o comportamento desta consentâneo, de acordo com as regras da experiência comum, com esse “bater” repetido da tesoura no seu braço como parece que, pelo menos aparentemente, as testemunhas J… e L… pretenderam fazer crer. E J… afirmou também que não viu a A. apontar a tesoura à legal representante da Ré e L… que a legal representante não disse nada, não disse para parar, que ninguém foi ajudar. Acresce que, no essencial, decorre da mencionada prova testemunhal que a tesoura era um instrumento de trabalho, não resultando que a A. não o tivesse já na mão e/ou que tivesse nele pegado no início ou durante a altercação com a intenção de o brandir e ameaçar a legal representante.
O que resulta, com segurança, é que enquanto a A. gesticulava com a tesoura fechada na mão, tanto mais que se encontrava próximo da Ré, chegou a tocar com a mão onde tinha a tesoura fechada no braço da Ré.
Assim sendo, entende-se ser de alterar o nº 31 dos factos provados, que passará a ter a seguinte redacção:
31. A Autora repetiu esta expressão em voz alta e, enquanto gesticulava, chegou a tocar com a mão esquerda, que continha a tesoura e que estava fechada sobre esta, no antebraço da gerente da Ré.

Em consequência do referido, os nºs 30 e 31 passam a ter a seguinte redacção:
30. A Autora tinha na mão esquerda a tesoura de costura, e estando a mão da Autora fechada sobre a tesoura, brandiu-a no ar, enquanto gesticulava e dizia com voz alta, estando virada de frente para a gerente da R, e junto desta: Vai-me despedir? Vai-me despedir? Então despeça-me”.
31. A Autora repetiu esta expressão em voz alta e, enquanto gesticulava, chegou a tocar com a mão esquerda, que continha a tesoura e que estava fechada sobre esta, no antebraço da gerente da Ré.

2.2. Quanto às als. xi) e xii) dos factos não provados, que a Recorrente pretende que sejam dados como provados, invoca a mesma os depoimentos das testemunhas N… e O….
É o seguinte o teor de tais pontos:
“xi) A forma como a A./Trabalhadora foi despedida pela Ré/EE, provocou-lhe tristeza e aborrecimento, “sofrendo o constrangimento de ter sido feito de forma inesperada, injustificada e injusta”, e com conhecimento de todos os colegas de trabalho;”
“xii) A A./Trabalhadora sentia necessidade de se afastar de todas as pessoas com quem diariamente convivia, fechando-se sozinha em casa, evitando qualquer contacto social, o que a deixou muito constrangida e até deprimida.”

2.2.1. No que toca aos segmentos da al. xi) onde se refere “A forma como a A./Trabalhadora foi despedida pela Ré/EE (…)” e “(…) sofrendo o constrangimento de ter sido feito de forma inesperada, injustificada e injusta (…)”, são os mesmos manifestamente conclusivos e valorativos, não devendo, nem podendo, constar da decisão da matéria de facto, a qual apenas poderá conter factos e não matéria conclusiva ou juízos de valor.

2.2.2. Na fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença referiu-se o seguinte:
“Já a matéria descrita em xi) a xii) não logrou adesão de prova, por as testemunhas N… e O… terem referido ao Tribunal que a Autora ficou triste por ter sido despedida, como é natural, embora não tivessem precisado o referido nesses preceitos, tendo antes prestado depoimentos vagos e imprecisos, embora tenham afirmado corresponder à verdade o vertido em 42).”

2.2.3. Procedeu-se à audição integral dos depoimentos das testemunhas N… [amiga da A. e ex-trabalhadora da Ré, de onde saiu há cerca de 4 anos] e O… [amiga da A. há cerca de 4 ou 5 anos, nunca tendo trabalhado para a Ré], as quais referiram, em síntese:
N…, que: após o despedimento, acompanhou de perto a A., que esta “estava de rastos”, com “depressão”, que chorava, que mexeu muito com ela e que “dou-lhe muito apoio, chegue a dar-lhe roupinha”. Não obstante, mais adiante no depoimento, quanto a esta última afirmação e questionada sobre quando é tal sucedeu, acabou por esclarecer que a roupa que lhe deu foi antes da questão do despedimento, pelo que, e diga-se, não se compreende que tivesse começado por invocar tal facto quando afinal o mesmo nada tem a ver com o despedimento. Mais disse que a A. está agora a trabalhar, não sabendo desde quando.
O…, que a A. ficou muito abalada psicologicamente, que se “foi abaixo”, ficou “chateada”, não conseguia dormir e que não sabe se a A., depois do despedimento, começou a trabalhar, salientando-se que não deixa de ser estranho que, face à alegada proximidade e acompanhamento da A. por parte da referida testemunha, esta, afinal, não soubesse se a A. se encontrava, ou não, a trabalhar.
Os referidos depoimentos são, como se diz na fundamentação da decisão da matéria de facto, vagos e imprecisos, sendo, no que toca à alegada depressão, manifestamente insuficientes no sentido dessa conclusão, não sendo invocado qualquer relatório médico que o confirme e/ou medicação que fosse tomada pela A., nem resultando do depoimento de N… que tenha esta conhecimentos técnicos suficientes para concluir no sentido de concluir que a A. se encontrava com “depressão”.
Acresce, como já referido, que não deixa de ser estranho que, face à alegada proximidade e acompanhamento da A. por parte da testemunha O…, esta, afinal, não soubesse se a A. se encontrava, ou não, a trabalhar, o que alicerça a dúvida quanto ao real conhecimento da testemunha relativamente aos factos ora em causa.
Por outro lado, as alegadas consequências do despedimento não deixam de ser estranhas se, tal como resultou dos depoimentos das testemunhas J…, K… e M…, a A., aquando dos factos, dizia à legal representante da Ré “então despeça-me”, o que ficou provado e que não indicia no sentido de um “forte abalo psicológico” em consequência do despedimento.
Assim, mantêm-se as respostas constantes das als. xi) e xii) dos factos não provados, nesta parte improcedendo a impugnação..

3. Da (in)existência de justa causa para o despedimento

Na sentença recorrida considerou-se que o comportamento da A. consubstancia justa causa de despedimento, do que esta discorda.

3.1. Dispõe, como já referido, o artº 351º, nº 1, do CT/2009 que constitui justa causa do despedimento “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, elencando-se no nº 2, a título exemplificativo, comportamentos susceptíveis de a integrarem, designadamente desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto [al. d)]. E, de acordo com o nº 3 do mesmo, “3. Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que sejam relevantes”.
É entendimento generalizado da doutrina e jurisprudência[2] que são requisitos da existência de justa causa do despedimento: a) um elemento subjectivo, traduzido no comportamento culposo do trabalhador violador dos deveres de conduta decorrentes do contrato de trabalho; b) um elemento objectivo, nos termos do qual esse comportamento deverá ser grave em si e nas suas consequências, de modo a determinar (nexo de causalidade) a impossibilidade de subsistência da relação laboral, reconduzindo-se esta à ideia de inexigibilidade da manutenção vinculística[3].
Quanto ao comportamento culposo do trabalhador, o mesmo pressupõe um comportamento (por acção ou omissão) imputável ao trabalhador, a título de culpa, que viole algum dos seus deveres decorrentes da relação laboral.
O procedimento do trabalhador tem de ser imputado a título de culpa, embora não necessariamente sob a forma de dolo; se o trabalhador não procede com o cuidado a que, segundo as circunstâncias está obrigado e de que era capaz, isto é, se age com negligência, poderá verificados os demais requisitos, dar causa a despedimento com justa causa (Abílio Neto, in Despedimentos e contratação a termo, 1989, pág. 45).
Porém, não basta um qualquer comportamento culposo do trabalhador, mostrando-se necessário que o mesmo, em si e pelas suas consequências, revista gravidade suficiente que, num juízo de adequabilidade e proporcionalidade, determine a impossibilidade da manutenção da relação laboral, justificando a aplicação da sanção mais gravosa.
Com efeito, necessário é também que a conduta seja de tal modo grave que não permita a subsistência do vínculo laboral, avaliação essa que deverá ser feita, segundo critérios de objectividade e razoabilidade, segundo o entendimento de um bom pai de família, em termos concretos, relativamente à empresa, e não com base naquilo que a entidade patronal considere subjectivamente como tal, impondo o art. 351º, n.º 3, que se atenda ao quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que ao caso se mostrem relevantes.
Quanto à impossibilidade prática de subsistência da relação laboral, a mesma verifica-se por deixar de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento da relação laboral, quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, de tal modo que a subsistência do vínculo laboral representaria uma exigência desproporcionada e injusta, mesmo defronte da necessidade de protecção do emprego, não sendo no caso concreto objectivamente possível aplicar à conduta do trabalhador outras sanções, na escala legal, menos graves que o despedimento.
Diz Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, 8ª Edição, Vol. I, p. 461, que se verificará a impossibilidade prática da manutenção do contrato de trabalho “sempre que não seja exigível da entidade empregadora a manutenção de tal vínculo por, face às circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele implica, representem uma insuportável e injusta imposição ao empregador.”
E, conforme doutrina e jurisprudência uniforme, tal impossibilidade ocorrerá quando se esteja perante uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, porquanto a exigência de boa-fé na execução contratual (arts. 126º, nº 1, do CT/2009 e 762º do C.C.) reveste-se, nesta área, de especial significado, uma vez que se está perante um vínculo que implica relações duradouras e pessoais.
Assim, sempre que o comportamento do trabalhador seja suscetível de ter destruído ou abalado essa confiança, criando no empregador dúvidas sérias sobre a idoneidade da sua conduta futura, poderá existir justa causa para o despedimento. Como se diz no Acórdão do STJ de 03.06.09 (www.dgsi.pt, Processo nº 08S3085)existe tal impossibilidade quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do primeiro a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.
O apontado nexo de causalidade exige que a impossibilidade da subsistência do contrato de trabalho seja determinada pelo comportamento culposo do trabalhador.
Importa, também, ter em conta que o empregador tem ao seu dispor um alargado leque de sanções disciplinares, sendo que o despedimento representa a mais gravosa, por determinar a quebra do vínculo contratual, devendo ela mostrar-se adequada e proporcional à gravidade da infração.
Há que referir também que dispõe o art. 128º, nº 1, que constituem deveres do trabalhador, designadamente, os de: respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa com urbanidade e probidade [al. a)]; cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias [al. e)].
E, nos termos do disposto no art. 126º, nº 1, do mesmo, “1. O empregador e o trabalhador devem proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações.
Por fim, resta referir que sobre o empregador impende o ónus da prova da justa causa do despedimento – art. 342º, nº 2, do Cód. Civil -, sendo que, nos termos dos arts. 357º, nº 4, e 387º, nº 3, do CT/2009, apenas a poderão fundamentar os factos constantes da nota de culpa ou da resposta à nota de culpa, salvo se se tratar de factos que atenuem ou diminuam a responsabilidade do trabalhador.

3.2. Revertendo ao caso em apreço, com relevância para a questão da justa causa provou-se que:
-18. A sociedade C…, Unipessoal Lda. é uma sociedade unipessoal por quotas que tem como objecto social a fabricação de calçado.
- 19. A referida sociedade admitiu ao seu serviço, em 10-09-2001, a Autora B…, para sob sua ordem, conta e direcção, exercer as funções de operadora de mesa, incumbindo-lhe a execução, entre outras, das tarefas de colar e aparar obra, cozer obra manualmente e colocar ilhós.
- 20. A Autora aufere a retribuição mensal base de 609,00€.
- 21. No passado dia 21 de Março de 2019, a sócia gerente da R dirigindo-se à Autora solicitou-lhe que quando terminasse de colocar os ilhós que tinha disponíveis, na mesa, para colocar na obra que se encontrava em execução, testasse a colocação de outros ilhós que naquele momento lhe disponibilizou e que eram diferentes dos que aquela vinha colocando,
- 22. Advertindo-a expressamente que, após colocação, lhe mostrasse a peça para que aferisse se a mesma cumpria os critérios solicitados pelo cliente.
- 23. No dia 22 de Março de 2019, entre as 09h30 e as 10h00, quando a gerente da Ré se deslocou junto da Autora para lhe solicitar que lhe mostrasse a amostra em causa, uma vez que aquela entretanto nada lhe tinha dito ou exibido, constatou que, não só não eram cumpridos os critérios solicitados pelo cliente para aquela obra, como também, a Autora havia já colocado os referidos ilhós em grande parte da obra em, pelo menos.
- 24. A gerente da Ré confrontou a Autora com tal facto, dizendo-lhe que lhe havia solicitado expressamente que, antes de prosseguir com a colocação daqueles ilhós, lhe mostrasse como é que os mesmos ficavam na peça.
- 25. A Autora retorquiu que como tinha ilhós suficientes para colocar na obra e achando que os mesmos davam bem procedeu à devida colocação dos mesmos.
- 26. Entretanto a gerente da Ré dirigiu-se junto do seu marido, E…, que exerce as funções de encarregado na empresa, exibindo-lhe uma amostra das peças que a Autora detinha naquele momento na mesa, a fim de que o mesmo desse o seu parecer acerca da qualidade do trabalho e bem assim se as peças cumpririam os critérios exigidos pelo cliente,
- 27. Tendo, aquele, igual opinião à da gerente da Ré, ou seja, que era visível, evidente e notória a diferença daqueles ilhós, em obra, comparativamente com os que aquela havia colocado anteriormente e que, muito provavelmente, tais peças não seriam aceites, e consequentemente, devolvidas pelo cliente.
- 28. Pelo que, o marido da Ré dirigiu-se junto da Autora e solicitou-lhe que parasse imediatamente de colocar tais ilhós, apesar de apenas estarem em falta cerca de uma a duas dezenas de pares para concluir a referida obra (encomenda).
- 29. Quando a gerente da Ré se aproximou de novo da Autora, esta disse-lhe em tom de voz alto: “Os ilhós davam. Eu meti!”.
30. A Autora tinha na mão esquerda a tesoura de costura, e estando a mão da Autora fechada sobre a tesoura, brandiu-a no ar, enquanto gesticulava e dizia com voz alta, estando virada de frente para a gerente da R, e junto desta: Vai-me despedir? Vai-me despedir? Então despeça-me”.
31. A Autora repetiu esta expressão em voz alta e, enquanto gesticulava, chegou a tocar com a mão esquerda, que continha a tesoura e que estava fechada sobre esta, no antebraço da gerente da Ré.
32. A gerente da Ré disse-lhe, a dado passo para a Autora se ir embora, porque estava de castigo.
33. Ao que a Autora respondeu sempre em, voz alta: “De castigo? De castigo? Quantos dias?”.
34. “Já devias ter saído!”, respondeu a gerente da Ré.
35. Entretanto a Autora dirigiu-se ao seu cacifo, onde permaneceu alguns minutos, acabando por sair de dentro das instalações da empresa, permanecendo, todavia, no exterior, junto das mesmas.
36. Seguidamente, o marido da gerente da Ré, dirigiu-se à Autora comunicando-lhe verbalmente que a mesma estava suspensa, sem perda de remuneração, enquanto estava a decorrer um processo disciplinar pelo sucedido, entregando-lhe para o efeito uma declaração comunicativa desse facto, solicitando-lhe que aquela assinasse outro exemplar, como prova de ter recebido tal documento.
37. A Autora recusou-se a assinar a prova de entrega da mencionada declaração.
38. Em 09 de Abril de 2019, por correio electrónico, a empresa F…, S.A. reclamou da Ré o defeito na obra do plano de fabrico 094, com data de entrega para 25/03, guia de transporte n.º ./.., devido a terem sido “entregue com vários pares com defeito (nomeadamente ilhós diferentes dos constantes da amostra aprovada), solicitando nota de crédito correspondente a 30% do valor acordado da totalidade da encomenda, mais a repetição dos referidos 115 pares (pelarias, ilhós, fitilhos, linhas e mão de obra)”.
39. A Ré emitiu a favor da empresa F…, S.A., NIPC ………, nota de crédito N.º NC ./., datada de 24 de Abril de 2019, no montante de 3174,29€, com 11/80 referência ao abatimento de 30% ref.ª 5454 PL 94 e gastos extras com materiais (pele, ilhós, forro) e mão-de-obra.
40. Já em encomenda anterior, do mesmo modelo e para o mesmo cliente, em inícios/meados de Fevereiro de 2019 haviam sido colocados ilhós mal apertados.
41. A A./Trabalhadora não tem antecedentes de ordem disciplinar,
42. A A é vista como uma trabalhadora séria, honesta e competente;

Da referida matéria de facto resulta que a A. violou, com gravidade, os seus deveres laborais de obediência e de urbanidade.
Com efeito, tendo-lhe a Ré dito para, após a colocação de alguns ilhoses numa peça, lho mostrar, a A. não o fez, nem se vendo também que tal tenha resultado de qualquer lapso ou incorrecto entendimento na percepção da ordem por parte da A., a qual não apresentou, nem se provou, qualquer justificação para o facto. E, desse facto, resultaram prejuízos para a Ré como decorre dos nºs 38 e 39 dos factos provados.
Mas, mais grave do que isso, foi o comportamento subsequente da A. quando chamada à atenção pela legal representante da Ré relativamente à questão da colocação dos ilhoses. Perante isso, o mais que a A. tinha que fazer, senão mesmo pedir desculpa, seria acatar a chamada de atenção da Ré e justificar por que não teria obedecido à ordem, e não já responder, da forma como fez. Com efeito, perante tal chamada de atenção, a A., ao dizer à legal representante da Ré, em voz alta e gesticulando próximo da mesma com a tesoura fechada na mão, “Os ilhós davam. Eu meti!”, “vai-me despedir? Vai-me despedir? Então despeça-me”, não só adoptou um comportamento descortês e desrespeitoso, como adoptou uma atitude manifestamente exacerbada, exagerada e inaceitável, de “agressividade” verbal, desafio, hostilidade, desafiadora da legal representante da Ré e evidenciando não estar interessada em manter o contrato de trabalho.
Ora, tal não só constitui infracção disciplinar como, pela sua gravidade, consubstancia justa causa de despedimento, tornando objectivamente inexigível à Ré a manutenção da relação laboral e determinando a perda da confiança no futuro comportamento da trabalhadora, requisito este indispensável à continuidade do vínculo laboral e mostrando-se a sanção, pese embora a mais gravosa do leque de sanções disponíveis, adequada e proporcional à gravidade da infracção.
É certo que a A. tinha cerca de 17 anos de antiguidade, não tendo passado disciplinar. Não obstante, ainda que tal constitua factor atendível na ponderação da adequabilidade e proporcionalidade sanção disciplinar do despedimento, a verdade é que não se sobrepõe ou inviabiliza a existência da justa causa de despedimento quando este, pela gravidade da infracção e juízo de impossibilidade/inexigibilidade por parte do empregador em manter a relação laboral, se imponha. Como se impõe no caso em apreço.
Assim sendo, improcedem as conclusões do recurso.

4. A A. havia ainda peticionado a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €5.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.
A procedência de tal pretensão passava, desde logo, pela procedência da questão anterior. Assim, tendo a A. sido despedida com justa causa, improcede necessariamente tal pedido.
De todo o modo, a procedência do mesmo dependia da prova da existência de danos não patrimoniais, pressuposto este necessário do direito indemnizatório, prova essa que a A. não fez.
***
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 27.04.2020
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas
______________
[1] O legislador, no processo especial denominado de “Acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento” introduzido pelo DL 295/2009, de 13.10 (que alterou o CPT) e a que se reportam os arts. 98º-B e segs, não definiu ou indicou a posição processual dos sujeitos da relação material controvertida; isto é, não indicou quem deve ser considerado, na estrutura dessa acção, como Autor e Réu, recorrendo, para efeitos processuais, à denominação dos sujeitos da relação material controvertida (trabalhador e empregador) – cfr., sobre esta questão Albino Mendes Batista, in A nova acção de impugnação do despedimento e a revisão do Código do Processo de Trabalho, Coimbra Editora, págs. 96 e segs. e Hélder Quintas, A (nova) acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, in Prontuário do Direito do Trabalho, 86, págs. 144/145, nota 25. De todo o modo, por facilidade quando nos referirmos à Autora (A.) e Ré (R.) estaremos a reportar-nos, respectivamente, à trabalhadora e à empregadora.
[2] Cfr., por todos, os Acórdãos do STJ, de 25.9.96, CJ, Acórdãos do STJ, 1996, T 3º, p. 228, de 12.03.09, 22.04.09, 12.12.08, 10.12.08, www.dgsi.pt (Processos nºs 08S2589, 09S0153, 08S1905 e 08S1036), da Relação do Porto de 17.12.08, www.dgsi.pt (Processo nº 0844346).
[3] Acórdão do STJ de 12.03.09, www.dgsi.pt (Processo 08S2589).