Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
735/16.6T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM MOURA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO BIOLÓGICO
QUANTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RP20210322735/16.6T8STS.P1
Data do Acordão: 03/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – É o dano e a sua gravidade, revelada na amplitude e intensidade do sofrimento suportado pela vítima, o parâmetro fundamental a considerar na determinação do quantum de indemnização por danos não patrimoniais, pois é precisamente esse sofrimento que se pretende compensar através da indemnização.
II – Perfila-se como justo e equilibrado, situando-se dentro dos padrões geralmente seguidos nos tribunais superiores, o montante de € 10.000,00 (dez mil euros) fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais, considerando que: i) nenhuma parcela de culpa na produção do acidente pode ser imputada ao lesado; ii) o sinistrado sofreu múltiplos traumatismos (escoriações) na cabeça, braço direito e costas; iii) esteve com incapacidade total durante 49 dias e com incapacidade parcial (primeiro, de 30% e depois de 20%) durante 57 dias; iv) submeteu-se a várias sessões de fisioterapia; v) o “quantum doloris” suportado foi fixado em grau 4 numa escala progressiva de 1 a 7; vi) o défice funcional permanente de que ficou a padecer em resultado das lesões sofridas no acidente foi fixado em 2 (dois) pontos percentuais;
III - O dano biológico redunda numa diminuição psicossomática da pessoa, nele se incluindo factores susceptíveis de afectar as actividades laborais, recreativas, sociais, a vida sexual e sentimental, e assume um carácter dinâmico, na medida em que tende a agravar-se com o avançar da idade da pessoa lesada, produzindo consequências quanto à extensão do dano não patrimonial e/ou dano patrimonial.
IV - Normalmente, o dano biológico implica uma perda ou a diminuição da capacidade funcional geral do lesado que, embora sem uma correlativa redução da capacidade para exercer a sua actividade profissional e sem repercussão nos rendimentos que nesta aufere, vai exigir um esforço acrescido ou irá traduzir-se numa maior penosidade no desempenho dessa actividade, pelo que esse dano deve ser valorado como dano patrimonial.
V – Não pode ser, de novo, ressarcido o lesado em acidente de viação e, simultaneamente, acidente de trabalho, o lesado que, no âmbito do processo instaurado na jurisdição laboral, recebeu indemnização pela incapacidade parcial permanente de 2 (dois) pontos percentuais (2%) em consequências das lesões sofridas no acidente, tal como foi ressarcido do dano patrimonial traduzido nas perdas salariais no período de incapacidade temporária.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 735/16.6T8STS.P1
Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Santo Tirso (J1)

Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. Configuração da acção
B…, devidamente identificado nos autos, intentou, em 02.03.2016, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra “Companhia de Seguros C…, S.A” (agora, “D…, S.A.”, sua actual denominação social), peticionando a sua condenação a pagar-lhe uma indemnização no montante de € 40.000,00, acrescido de juros de mora.
A indemnização peticionada visaria reparar danos que sofreu em consequência de acidente de viação ocorrido nas circunstâncias de modo, tempo e lugar descritas na petição inicial, acidente em que interveio o veículo ligeiro de matrícula ..-..-FV, no qual seguia como passageiro.
A proprietária do veículo FV transferira para a ré a responsabilidade civil decorrente de danos causados a terceiros em virtude da circulação dessa viatura automóvel com a celebração de contrato de seguro válido e eficaz ao tempo do acidente.
O sinistro foi considerado, também, acidente de trabalho e, no âmbito do respectivo processo, recebeu da seguradora ré (que também assumira a responsabilidade decorrente de acidentes laborais transferida pela, então, sua entidade patronal) tudo o que lhe era devido.
Pretende, aqui, ser ressarcido pelos danos não cobertos pelo seguro de acidentes de trabalho, quer os danos patrimoniais (dano patrimonial futuro e diferenças de salário), quer os danos não patrimoniais.

2. Oposição da ré
A ré apresentou contestação, defendendo-se por impugnação.
Aceitou a culpa do condutor do veículo FV (do seu segurado) na eclosão do acidente em causa e a responsabilidade que assumiu por força do contrato de seguro que com a “E…, L.da” celebrou, mas contesta as indemnizações peticionadas pelo autor, já por não ser devida (indemnização pelo dano decorrente da incapacidade parcial permanente), já por considerar excessivo o montante reclamado (indemnização por danos não patrimoniais).
Alega que no processo de acidente de trabalho foi fixada ao autor a pensão anual de 244,4472€, obrigatoriamente remível, a que corresponde o capital de remição de 3.674,98€, que pagou em 16.06.2015, pelo que a pretensão daquele redunda numa dupla indemnização pelo mesmo dano (incapacidade parcial permanente) resultante das lesões sofridas no acidente.

3. Saneamento e condensação
Realizou-se a audiência prévia, na qual a Sra. Juiz fixou o valor da causa (€ 40.000,00), proferiu despacho saneador tabelar, fixou o objecto do processo e enunciou os temas de prova, admitiu a produção dos meios de prova indicados pelas partes e, por ser imprevisível a demora na realização da perícia (perícia médico-legal) requerida e admitida, remeteu para momento posterior a designação de data para a audiência final.
4. Audiência final e sentença
Realizou-se a audiência final, em uma só sessão, após o que, com data de 23.01.2020, foi proferida sentença[1] com o seguinte dispositivo:
«Pelo supra referido, julga-se parcialmente procedente a presente acção, condena-se a Ré Companhia de Seguros C…, S.A., a pagar ao Autor a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais, absolvendo-se, quanto ao demais peticionado.»

5. Impugnação da sentença
Nem o autor, nem a ré se conformaram com a sentença e contra ela reagiram interpondo recurso de apelação.
Recurso do autor
O autor condensou nas seguintes conclusões os fundamentos do seu recurso:
1) «A responsabilidade do acidente está reconhecida.
2) O acidente foi para o Autor simultaneamente de viação e de trabalho.
3) O risco de acidente de trabalho e de acidente de viação estavam transferidos para a Ré.
4) Por acidente de trabalho e pela TNI, foi atribuída ao Autor uma incapacidade de 2%.
5) Pelo que, a Ré pagou ao Autor o capital de remissão respetivo, no montante de € 3.674,98.
6) As indemnizações por acidente de viação e de trabalho, não são cumuláveis, mas são complementares.
7) A incapacidade fixada ao Autor por acidente de viação, em direito civil, foi de 3 Pontos, com esforços acrescidos.
8) O dano estético foi fixado em 2/7.
9) O quantum doloris em 4/7.
10) E o período de doença foi de 108 dias.
11) Assim, e a título de défice funcional permanente da integridade física e psíquica de 3 Pontos, na vertente do dano biológico, deve ser fixado ao Autor a quantia de € 20.000,00.
12) E a título de danos morais complementares, a quantia de € 20.000,00.
13) A sentença recorrida fez, assim, uma incorreta valoração dos factos quanto à avaliação do dano corporal e da lei, violando manifestamente o disposto no art. 496º e 805º do Cód. Civil».
A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso do autor.

Recurso da ré

Por seu turno, a ré/recorrente sintetizou assim os fundamentos do seu recurso:
«1. O presente recurso visa a reapreciação da decisão acerca da matéria de facto julgada provada pelo Tribunal de 1ª Instância a respeito do facto alegado pela recorrente no ponto 20. da sua contestação e, bem assim, a respeito da decisão proferida acerca do montante indemnizatório arbitrado ao recorrido a título de danos não patrimoniais sofridos com o acidente dos autos;
2. Vem alegado no ponto 20 da contestação de fls…, que “…Por esse motivo, em 16/06/2015, a ora contestante pagou ao autor o indicado capital de remição no valor de 3.674,98€.”
3. Em resposta a esta alegação da recorrida, a Meritíssima Juiz da primeira instância não se pronunciou, no sentido de a julgar provada, nem como não provada, o que se crê ter-se tratado de um lapso do Julgador.
4. De todo o modo, por via da análise do depoimento prestado pela testemunha F…, gestora de sinistros ao serviço da recorrente, conjugado com o documento de fls. 27, consubstanciado no termo de entrega de capital de remição relativo ao processo de acidente de trabalho n.º 157/14.3TTSTS.1, que correu termos nos Serviços do Ministério Público – Trabalho da Maia, facilmente se constata que tais elementos de prova impunham ao Tribunal recorrido a decisão de “provado” sobre o sobredito ponto da matéria de facto controvertida.
5. O depoimento da testemunha F…, gestora de sinistros ao serviço da aqui recorrente, manifestou deter conhecimento pessoal acerca dos pagamentos efectuados por esta última ao recorrido, ao abrigo do processo de acidentes de trabalho identificado nos factos provados da sentença n.º 23.
6. Em especial, relativamente ao pagamento do capital de remição efectuado ao recorrido, a indicada testemunha referiu de forma credível e espontânea que a recorrente pagou ao recorrido a quantia de 3.674,98€ a título de capital de remissão.
(Vide minutos 1:30 a 1:40 do depoimento prestado pela testemunha na sessão de julgamento do dia 05.09.2018)
7. Por outro lado, compulsado o documento de fls. 27 dos autos, cujo teor e respectivas assinaturas não foi impugnado pelo recorrido, verifica-se que do mesmo consta documentado que o aludido pagamento foi efectuado recorrente, no dia 16.06.2015.
8. Tanto a prova que resulta do depoimento da testemunha F…, como a prova que resulta do documento de fls. 27 dos auto, merecem toda a credibilidade, tanto mais que não foram contrariados por quaisquer outros elementos de prova produzidos no processo.
9. Logo, não restam dúvidas de que, no dia 16.06.2015, a recorrente efectuou o pagamento do capital de remição ao recorrido, no valor de 3.674,98€.
10. Por tal motivo, entende a apelante que a decisão acerca da matéria de facto julgada provada deve ser parcialmente revogada e substituída por outra que, alem dos factos julgados provados, jugue provado os factos alegados no ponto 20. da contestação da recorrente com o seguinte teor: “Em 16/06/2015, a ré pagou ao autor o capital de remição no valor de 3.674,98€.”
11. O que se requer.
12. Por uma questão de economia e celeridade processual, dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto julgada provada na sentença recorrida.
13. O Tribunal recorrido fixou em 10.000,00€ a indemnização devida ao autor B… como indemnização da vertente não patrimonial do dano biológico por ele sofrido em consequência do sinistro dos autos, com o que a recorrente não se conforma.
14. Ora, a este propósito, importa começar por fazer notar que, discutida a questão dos autos, apenas resultou demonstrado que em consequência do presente sinistro o autor padeceu de lesões (escoriações sofridas na cabeça, na orelha direita e braço direitos e nas costas), que deixaram, como sequela, uma incapacidade parcial permanente de 2%;
15. As dores físicas e psíquicas desde o acidente até à data da consolidação das lesões foram avaliadas no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente;
16. E padeceu de período de Incapacidade temporária absoluta, desde 21.01.2014 até 11.03.2014; de Incapacidade temporária parcial de 30%, desde 12.03.2014 até 24.04.2014; e de Incapacidade temporária parcial de 20%, desde 24.05.2014 até 09.05.2014;
17. Ora, as indemnizações fixadas a este título devem aproximar-se em casos semelhantes, sob pena de não serem justas, por tratarem de maneira diferente situações idênticas.
18. O Acórdão da Relação de Guimarães, datado de 19.06.2019, e proferido no âmbito do processo n.º 249/14.9TBMNC.G2 entendeu adequado fixar a compensação pelas consequências do dano biológico no campo não patrimonial do autor (vítima de acidente de viação), traduzida na diminuição da sua capacidade para correr, estar muito tempo em pé, fazer força com este, impedindo a actividade desportiva a que se dedicava em tempos de lazer e causando-lhe dores no seu dia-a-dia, nomeadamente com a mudança do tempo, retirando-lhe, em geral, alguma alegria, considerando a sua idade, ainda jovem, traduzido num défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos, em 15.000,00 €.
19. Já quanto a outros danos não patrimoniais, nomeadamente às dores que o mesmo sinistrado padeceu, avaliadas num grau 4 (numa escala crescente de 7), assim como pelas dores decorrentes do traumatismo facial esquerdo e torácico anterior, contusão do joelho, do calcâneo e punho direitos, hematomas dispersos, localizados sobretudo na zona do cinto e membros inferiores, fratura do sustentáculo do astrágalo direito que comunica com a superfície articular, cervicalgias, perda do dente nº 27, estando durante três meses em doença, período que mediou entre o acidente e a consolidação das lesões, fez tratamentos médicos e foi submetido a fisioterapia. A localização das lesões sofridas assim como a necessidade de se submeter a fisioterapia e as dores que a Autor padeceu são sofrimentos já de respeito que devem ser compensados. Perante estes padecimentos, se bem que relevantes, não muito prolongados, sendo o “Quantum Doloris” fixado no grau 4 (5), apresenta-se-nos adequada a compensação de 3.000,00 €.
20. O Acórdão proferido no processo 2272/15.7T8CHV.G1, em 01/18/2018: “A compensação de 14.000,00 euros é adequada, necessária, proporcional mas suficiente para compensar os danos não patrimoniais sofridos por lesada de acidente de viação, para cuja eclosão não contribuiu, que à data daquele contava 29 anos e que, por via do acidente, sofreu lesão lacero contusa na testa, que necessitou de 16 pontos exteriores e 8 interiores, com dores por todo o corpo, designadamente na cabeça, com um dia de internamento hospitalar e um dia de incapacidade total para o trabalho e 92 dias de incapacidade parcial, sendo o quantum doloris fixável no grau 3 de 7, e que ficou, como sequelas, a padecer de síndrome pós traumático ligeiro e alterações de memória e cicatriz quelóide na testa, com uma extensão de 3 x 2 cms., com traço cicatricial na sua continuidade de 7 cms., o que lhe determina um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos e um dano estético de grau 4 de 7, sendo desaconselhada a correção, por cirurgia estética, dessa cicatriz, por risco de propensão para a cicatrização patológica, e que faz com que a Autora sinta vergonha dessa cicatriz, tentando-a esconder com o cabelo quando sai à rua.”
21. O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no dia 26-09-2016, na Apelação n.º 595/14.1TBAMT.P1, relatada pela Senhora Juiz Desembargadora Ana Paula Amorim, a qual, se debruçar sobre uma outra situação de gravidade objectivamente maior do que aquela de que ora nos ocupamos: Estava em causa uma situação em que resultaram provados os seguintes factos: “14. Do local do acidente foi o A. levado de urgência para o Hospital … em Penafiel. 15. Neste Hospital foram-lhe prestados os primeiros socorros e efetuados exames radiológicos tendo ainda o A. sido sujeito a intervenção cirúrgica ortopédica, patelectomia parcial supero-medial, e reinserção medial do tendão quadricipital com 2 âncoras 5.0mm. 16. Ali permaneceu internado por um período de 4 dias. 17. Aquando da alta Hospitalar o A. teve que andar com o auxílio de duas canadianas, que usou durante o período de 1 mês. 19. O Autor sujeitou-se a tratamentos diversos, incluindo 53 sessões de consultas e tratamentos de fisioterapia. 20. O A. esteve totalmente impedido de realizar a sua profissão de 24-04-2012 a 24-07-2012 e de 31-07-2012 a 21-08-2012, o que corresponde a uma incapacidade temporária absoluta de 114 dias. 21. O A. conseguiu retomar a sua profissão ainda que com limitações desde 25-07-2012 a 30-07-20120 a 40% e de 22-08-2012 a 12.11.2012 a 20%, o que corresponde a uma incapacidade temporária parcial de 89 dias. 22. O A. nasceu em 30-03-1978. 23. Em consequência do acidente o A. ficou afetado, quanto ao membro inferior direito, de: Cicatriz transversal pré-patelar, normocrómica, com discreta reação queloide, 17cmx1cm de dimensão, avaliável no grau 1 de uma escala de 7 de gravidade crescente; discreta limitação nos últimos graus de flexão (0º-120º), sem dor à palpação, sem derrame articular e sem instabilidade ligamentar e sem atrofia muscular, com gonalgia residual. 24. À altura do acidente o A. exercia a profissão de Carteiro. 25. O seu trabalho consistia em, nomeadamente, carregar o motociclo com a correspondência e deslocar-se quer a pé quer de motociclo de forma a entregar a correspondência. 26. As sequelas de que ficou afetado determinam-lhe uma desvalorização para todas as atividades em geral de 2 pontos em 100 que, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares. 27. O autor deixou de jogar futebol com os amigos por força das sequelas resultantes do presente sinistro. 28. O autor sofreu dores, com as lesões, os tratamentos que foi submetido e as sequelas, fixáveis no grau 5 numa escala de 7 de gravidade crescente. 29. Mais sofreu os aborrecimentos emergentes das sessões fisiátricas e internamentos hospitalares. 33. Em consequência das lesões de que foi vítima, o A. recebeu assistência em vários estabelecimentos médicos, onde teve que se submeter a diversas consultas, exames e tratamentos, nomeadamente de fisioterapia, conforme alegado em sede de p.i., tendo a ora Interveniente pago a estes estabelecimentos médicos toda a assistência prestada ao Autor em consequência deste acidente. Acrescentamos, ainda, o facto de o embate ter ocorrido por facto imputável, a título de culpa exclusiva, ao condutor do veículo segurado, porque na avaliação do dano está presente o carácter sancionatório da indemnização a atribuir. O dano especificamente sofrido de caráter não patrimonial a fixar equitativamente há de ter sempre em conta o pressuposto ético que está na base da obrigação de indemnizar - que é o da sanção da conduta culposa do agente - cfr. arts. 494º, 497º nº2 e 500º nº3 do Código Civil[18]. Apurou-se ainda: 31. No dia e hora em que ocorreu o acidente relatado nos presentes autos, o A. encontrava-se no seu local de prestação de serviço, durante o período normal de trabalho e no desenvolvimento da atividade para a qual tinha sido contratado, razão pela qual, foi, simultaneamente, um acidente de viação e de trabalho. 32. Em consequência, este acidente foi participado ao tribunal competente, Tribunal de Trabalho de Penafiel, onde passou a correr respetivo processo emergente de acidente de trabalho, sob o n.º 2075/12.0TTPNF, tendo a Interveniente aceite, em sede de tentativa de conciliação, a existência e caracterização do acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente, a retribuição transferida, o grau de incapacidade atribuído pelo perito médico do gabinete médico-legal e a quantia reclamada a título de transportes, conforme resulta de auto de tentativa de conciliação realizada em 05.02.2013. Estando em causa na avaliação do dano moral a tutela do direito à integridade física deve ser considerada na referida avaliação não só a desvalorização para todos as atividades em geral – 2 pontos em 100 – como, a própria incapacidade parcial permanente para a concreta atividade profissional. Ponderando o princípio da igualdade e analisando comparativamente os valores arbitrados para a indemnização por danos morais em diversos arestos, justifica-se alterar o valor para a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), por se afigurar o montante adequado para compensar os danos sofridos pelo apelante.”
22. Importa reconhecer que os danos não patrimoniais sofridos pelo recorrido revestem uma gravidade muito menor do que a dos casos acabados de citar.
23. Por conseguinte, considerando a, felizmente, muito menor gravidade das lesões sofridas pelo autor em comparação com os casos citados e os montantes aí arbitrados a título de compensação por danos não patrimoniais, todos factos provados e recorrendo ainda a critérios de equidade, entende a recorrente que o valor da compensação pelos danos não patrimoniais não deverá exceder os 3.000,00€.
24. Assim, considera a Ré que a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo apelado deve ser reduzida para o montante de 3.000,00€, o que se pede.
25. A douta sentença sob censura violou as regras dos artigos 483º, 496º, 562º, 563º e 564º e 566º do Código Civil.»

O autor não contra-alegou.
Os recursos foram admitidos (com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo).
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso
São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo).
Só a ré/recorrente põe em causa a decisão sobre matéria de facto e, apenas, quanto a um concreto ponto: o tribunal teria desconsiderado o facto que alegou sob o n.º 20 da sua contestação, mas, na sua perspectiva, esse facto é relevante e deve integrar o elenco dos provados.
Em matéria de direito, autor e ré coincidem na censura à decisão de fixar em € 10.000,00 o montante da indemnização por danos não patrimoniais: a ré, porque entende que a indemnização adequada será de menos de um terço desse valor; o autor porque considera que a justa indemnização a esse título deve elevar-se para o dobro.
Por último, o autor entende que o tribunal não fixou, e devia ter fixado, uma indemnização por défice funcional permanente da integridade física e psíquica.
São, assim, questões a apreciar e decidir:
- eventual erro de julgamento em matéria de facto;
- o quantum indemnizatório adequado por danos não patrimoniais sofridos pelo autor em consequência do acidente;
- se é de atribuir ao autor indemnização pelo chamado “dano biológico”.

IIFundamentação
1. Fundamentos de facto
Delimitado o thema decidendum, atentemos na factualidade que a primeira instância deu por assente, bem como a que considerou não provada.
A) Factos provados
1. No dia 21.01.2014, cerca das 07,30 horas, o veículo de matricula ..-..-FV, circulava na A3, no sentido …/….
2. Ao passar na zona de …, o condutor do veículo ..-..-FV perdeu o controlo do veículo e entrou em despiste.
3. Por força disso, o veículo capotou em plena auto-estrada.
4. O que deveu ao comportamento do Autor.
5. A culpa pelo embate foi assumida pela Ré, na medida em que lhe estava transferida a responsabilidade civil pela circulação do veículo em que circulava o Autor.
6. O Autor circulava como passageiro do referido veículo, e em consequência do embate sofreu diversos traumatismos.
7. O Autor circulava em trabalho.
8. A apólice de automóvel e a apólice de acidentes de trabalho estavam na mesma seguradora, ou seja, ora Ré.
9. O Autor passou a ser tratado pela Ré, ao abrigo da apólice dos acidentes de trabalho.
10. O Autor já recebeu da Ré, por acidentes de trabalho, aquilo a que tinha direito.
11. Em consequência do embate o Autor sofreu traumatismos múltiplos.
12. Andou em tratamentos nos serviços clínicos da Ré, que lhe deram alta em 09.05.2014.
13. O Autor à data do embate tinha 42 anos de idade.
14. E como vigilante de transportes de valores, auferia um rendimento anual bruto de € 17.462,66.
15. O Autor, logo após o embate, foi socorrido para o Hospital de Famalicão.
16. No qual ficou em observação durante todo o dia.
17. Realizou várias sessões de fisioterapia.
18. Andou em tratamentos desde a data do embate até 09.05.2014.
19. No futuro o Autor vai precisar de medicamentos e tratamentos médicos.
20. O Autor aquando do embate encontrava-se vinculado à empresa E…, Ldª. através de contrato de trabalho que com esta celebrara – se deslocava desde o escritório da sua entidade patronal para a cidade de Chaves, sob as ordens, direcção e fiscalização desta última.
21. Á data do embate, a responsabilidade infortunística em que pudesse incorrer a entidade patronal do autor, por acidentes de trabalho sofridos, encontrava-se transferida para a Ré, por contrato de seguro titulado pela apólice nº. ………..
22. O acidente em apreço foi participado à Ré no âmbito da apólice supra identificada.
23. O indicado acidente de trabalho foi participado pela Ré nos Serviços do Ministério Público junto da Comarca do Porto – Maia – Procuradoria Instância Central – Trabalho, tendo o mesmo sido regularizado no âmbito do processo nº. 157/14.3TTSTS.
24. A Ré proporcionou ao Autor todos os cuidados médicos de que este necessitou para o seu cabal e total restabelecimento, nomeadamente, das escoriações sofridas na cabeça, na orelha direita e braço direitos e nas costas.
25. Como consequência do sinistro dos autos o Autor esteve em situação de:
- Incapacidade temporária absoluta, desde 21.01.2014 até 11.03.2014;
- Incapacidade temporária parcial de 30%, desde 12.03.2014 até 24.04.2014;
- Incapacidade temporária parcial de 20%, desde 24.04.2014 até 09.05.2014;
29. Concluída a recuperação do autor, este teve alta clínica das lesões de que padeceu no sinistro dos autos, tendo-lhe sido fixada a incapacidade parcial permanente de 2%.
30. Os indicados períodos de incapacidade parcial absoluta e de incapacidade parciais temporárias mencionados no ponto 28, deram causa a perdas salariais no valor total de 2.183,37 Euros, que a Ré já pagou ao Autor.
31. Tendo recebido da Ré a indicada quantia global de 2.183,37 Euros, o Autor declarou nada mais ter a receber da Ré em virtude de perdas salariais decorrentes da incapacidade temporária emergente do acidente dos autos.
32. Na sequência da tentativa de conciliação realizada no processo de acidente de trabalho, supra identificado no ponto 26, em 16.06.2015, a ora contestante foi condenada a pagar ao Autor a pensão anual de 244,4772 Euros, obrigatoriamente remível, a que corresponde o capital de remissão de 3.674,98 Euros.
33. O Quantum doloris sofrido pelo Autor em consequência das lesões provadas pelo embate supra enunciada foram fixados em 4/7.

B) Factos não provados

1. O Autor, na sequência do embate descrito nos factos provados apresentasse uma lesão no ligamento do joelho direito.
2. O Autor tenha dores permanentes no joelho, o que obriga a socorrer-se de analgésicos.
3. E tal ruptura do ligamento afecta-lhe a mobilidade do joelho, com tendência a agravar-se com a idade.
*
O n.º 1 do artigo 662.º do CPC põe a cargo da Relação o dever de alterar a decisão sobre a matéria de facto sempre que «os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa» e este preceito (em conjugação com o artigo 640.º, n.º 1) tem sido interpretado no sentido de que, por um lado, à segunda instância não cabe proceder à reapreciação da globalidade dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, pois duplo grau de jurisdição em matéria de facto não significa direito a novo (a segundo) julgamento no tribunal de recurso, e por outro que, se não basta que as provas, simplesmente, permitam, ou até sugiram, conclusão diversa daquela que foi a conclusão probatória a que se chegou na primeira instância, também não se exige um erro notório, ostensivo na apreciação da prova para que a Relação deva proceder à alteração desse segmento da decisão.
A ré/recorrente alegou no artigo 20.º da sua contestação o seguinte:
«Por esse motivo, em 16/06/2015, a ora contestante pagou ao autor o indicado capital de remição no valor de 3.674,98€».
Com base no depoimento da testemunha F…, conjugado com o documento de fls. 27, entende a ré que se impõe a alteração da decisão sobre matéria de facto para que nela seja incluído, como provado, aquele facto.
Na realidade, bastaria o aludido documento (não impugnado) para se ter como provado que, efectivamente, a ré pagou ao autor aquela quantia a título de capital resultante da remição da pensão anual de € 244,4772 em que foi condenada no processo por acidente de trabalho.
Na motivação da decisão, esse é um dos documentos mencionados como tendo servido para alicerçar a convicção do tribunal no juízo probatório formulado.
Deverá, então, concluir-se que houve lapso do julgador ou erro no julgamento da matéria de facto, como sustenta a ré/recorrente?
Ressalvado o devido respeito, afigura-se que nem uma coisa, nem outra.
O facto é relevante para a decisão da causa e, a ter sido omitido, estaria justificado o uso do poder/dever conferido à Relação pelo artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC de ampliar a matéria de facto.
Sucede, porém, que, bem vistas as coisas, o facto em causa consta da factualidade provada, ainda que não exactamente como a ré o alegou.
Com efeito, no ponto 10 ficou provado:
«10. O Autor já recebeu da Ré, por acidente de trabalho, aquilo a que tinha direito»
E no ponto 32 consta, também, como provado que:
«32. Na sequência da tentativa de conciliação realizada no processo de acidente de trabalho, supra identificado no ponto 26, em 16.06.2015, a ora contestante foi condenada a pagar ao Autor a pensão anual de 244,4772 Euros, obrigatoriamente remível, a que corresponde o capital de remissão de 3.674,98 Euros.
Conjugando estes dois factos, fica claro que o autor recebeu da ré o capital de remição no valor de € 3 674,98.
Não há, pois, fundamento para a impugnação da ré.
A única alteração que se impõe (esta sim, devido a lapso manifesto) é no ponto 4 em que consta que (o capotamento da viatura FV) se deveu ao comportamento do autor, quando se pretendeu dizer que foi devido ao comportamento do condutor daquela viatura (que não era o autor).
Assim, o ponto 4 do elenco de factos provados passará a ter a seguinte formulação:
«4 – O que se deveu ao comportamento do condutor do veículo ..-..-FV».

2. Fundamentos de direito
Sendo pacífico que estão verificados, no caso, todos os pressupostos da obrigação de indemnizar por danos não patrimoniais, fixar-nos-emos na determinação do seu montante.
A fixação da indemnização por danos não patrimoniais é sempre tarefa delicada, já porque se trata de determinar o valor pecuniário de bens essencialmente imateriais, já por ausência de um critério de referência suficientemente concreto e objectivo de fixação da justa compensação.
Mas, como se faz notar no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.01.2002 (C.J./Ac.s STJ, X, Tomo I, 62), «a dificuldade de “quantificar” os danos não patrimoniais não pode servir de entrave à fixação de uma indemnização que procura ser justa, correndo o risco, embora, de ser algo aleatória, tanto mais que, neste campo (repete-se) assume particular relevância a vertente da equidade”.
Como é sabido, a indemnização por danos não patrimoniais não tem uma função ressarcitiva (própria da indemnização por danos patrimoniais). A sua função é, essencialmente, compensatória.
Se, cada vez mais, é posta em relevo, também, a sua função retributiva e preventiva (assim, Professor Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil Português”, II, “Direito das Obrigações”, Tomo III, 758), a finalidade primordial da reparação dos danos não patrimoniais é a de proporcionar ao lesado, através do recurso à equidade, uma compensação ou benefício de ordem material que lhe proporcione a aquisição de bens e lhe permita obter um conforto que, de certo modo, atenue o mal sofrido.
Não se trata, pois, de fixar o pretium doloris, mas antes de proporcionar uma compensatio doloris.
Como se ponderou no acórdão desta Relação proferido no processo n.º 313/12.9TBMAI.P1[2], «a compensação arbitrada nestes casos não é o preço da dor ou de qualquer outro bem não patrimonial, mas sim uma satisfação concedida ao lesado para minorar o seu sofrimento, paliativo que numa sociedade que deifica o dinheiro assume naturalmente esta feição».
Por outro lado, importa ter presente que na determinação do quantum indemnizatório do dano não patrimonial, a lei aponta como directriz uma valoração casuística orientada por critérios de equidade (artigo 494.º do Código Civil).
Mas a afirmação de que o montante da indemnização do dano não patrimonial é fixado equitativamente (artigo 496.º, n.º 4, 1.ª parte do Código Civil) não quer dizer livre arbítrio, inexistência de critérios a que o juiz, nessa tarefa delicada, deva atender.
É quase um lugar-comum dizer que na fixação da indemnização por danos não patrimoniais o tribunal deve respeitar as “regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida» e, por outro, os padrões usados – em casos similares – pelos tribunais superiores.
O autor, ora recorrente, formulou um pedido de € 20.000,00 e, em sede recursiva, insiste nesse montante, argumentando que, em resultado do acidente, sofreu lesão do ligamento do joelho direito que lhe provoca dores permanentes, obriga-o a usar analgésicos e afecta a sua mobilidade, situação que tende a agravar-se com a idade.
No entanto, esses factos não integram o aglomerado factual considerado provado, que o recorrente não impugnou.
O montante de € 10.000,00 foi assim justificado pelo tribunal:
«O dano é, o prejuízo que um sujeito jurídico sofre ou na sua pessoa, ou nos seus bens.
Esse prejuízo poderá ser susceptível de ser avaliado em dinheiro e, nessa medida, constituirá um dano patrimonial.
Caso se esteja perante um interesse de outra natureza, em rigor insusceptível de avaliação pecuniária, o prejuízo designa-se como não patrimonial ou moral.
Nesta segunda hipótese, pese embora a compensação pecuniária não seja susceptível de reparar o prejuízo sofrido, ainda assim a mesma deve ter lugar como forma de compensação que contrabalance o mal sofrido.
Como sabemos, face ao nosso ordenamento jurídico dá-se prevalência à reconstituição natural – artigo 562º do Código Civil, pelo que, a indemnização em dinheiro, apenas deve ser estabelecida quando não seja possível a reconstituição natural ou esta for demasiado onerosa – artigo 566º do Código Civil.
Por fim, para que o dano seja indemnizável é forçoso que ele seja consequência do facto, ilícito e culposo no domínio da responsabilidade subjectiva extra-obrigacional, ou seja, tem sempre que haver uma ligação causal ou nexo de causalidade entre o facto e o dano para que o causador do facto seja obrigado a indemnizar o prejuízo causado.
A teoria consagrada no nosso ordenamento jurídico – artigo 563º do Código Civil – é a teoria da causalidade adequada.
Assim, de acordo com a versão mais corrente da teoria da causalidade adequada, deve ser tida como causa do dano aquela circunstância que, dadas as regras da experiência e o circunstancialismo concreto, em que se encontrava inserido o agente (tendo em atenção as circunstâncias conhecidas ou cognoscíveis pelo agente), se mostrava apta, idónea ou adequada a agravar o risco de produção desse dano.
É então necessário que o facto seja adequado à produção do dano, isto é que o facto tenha tornado mais provável a verificação do prejuízo, ou seja, tenha agravado o risco da sua verificação.
Ora, no que concerne à vertente situação, cumpre referir que a Ré indemnizou o Autor, no que concerne aos danos patrimoniais pelo mesmo sofrido.
Nos termos do disposto no artigo 496º do Código Civil, prevê que: “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
Destarte, atendendo ao quantum doloris sofrido pelo Autor que corresponde à valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela vítima durante o período de danos temporários, isto é, entre a data do evento e a cura ou consolidação das lesões; fixável no grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes e o tipo de traumatismo.
Face ao exposto, os danos não patrimoniais peticionados pelo Autor merecem a tutela do direito.
De acordo com o preceituado no artº. 496º., nº. 4 do Código Civil: “O montante de indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artº. 494º.; no caso de morte, podem ser atendidas não só danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores”.
Preceitua o artº. 494º. do Código Civil: “Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e o lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.
Face ao exposto, atendendo ao Quantum Doloris sofrido pelo Autor, fixado em 4/7, e ao supra enunciado nos citados preceitos legais, julgamos adequado fixar a indemnização a receber pelo Autor, pelos danos não patrimoniais, no montante de 10.000,00 Euros, a pagar pela Ré».
Apesar de algumas considerações desajustadas, a fixação daquele valor indemnizatório está, satisfatoriamente, fundamentada.
É o dano e a sua gravidade, revelada na amplitude e intensidade do sofrimento suportado pela vítima o parâmetro fundamental a considerar, pois é precisamente esse sofrimento que se pretende compensar através da indemnização.
A compensação deve, então, ser proporcional à gravidade do dano, apreciada objectivamente, «não sendo de acolher pretensões manifestamente excessivas, mas também excluindo tendências banalizadoras dos valores e interesses morais, como a saúde, a integridade física, o bem-estar, etc., que se pretende defender»[3].
Quanto à factualidade relevante para avaliar da gravidade do dano, temos que, em consequência do acidente, o autor sofreu traumatismos múltiplos, sem que se tenha especificado em que consistiram (a única lesão que o autor concretizou – ligamento do joelho direito – foi considerada como não provada), embora haja uma referência a «escoriações sofridas na cabeça, na orelha direita e braço direito e nas costas»
Não foi longo o período de recuperação das lesões sofridas: cerca de 3 meses e meio (de 21.01.2014 a 09.05.2014), sendo
- 49 dias (de 21.01.2014 a 11.03.2014) com incapacidade total;
- 41 dias (de 12.03.2014 a 24.04.2014) com incapacidade de 30%;
- 16 dias (de 24.04.2014 a 09.05.2014) com incapacidade de 20%.
O autor também não concretizou a que intervenções e tratamentos médicos foi submetido e apenas se sabe que foi socorrido no Hospital de Famalicão, onde ficou em observação durante todo o dia (do acidente) e fez várias sessões de fisioterapia.
Importante para aquilatar da gravidade das lesões é o “quantum doloris” suportado pelo autor, que foi fixado em grau 4 numa escala progressiva de 1 a 7 e o défice funcional permanente de 2 (dois) pontos percentuais (2%) que ficou a padecer em resultado das lesões sofridas.
Neste enquadramento fáctico, face à natureza e (pouca) gravidade das lesões sofridas pelo autor, considera a seguradora da ré que o justo valor da indemnização por danos não patrimoniais é de € 3 000,00, posição que teria respaldo em dois acórdãos da Relação de Guimarães (um de 19.06.2019 e outro de 01.10(?).2018) e no acórdão da Relação do Porto de 26-09-2016 (processo n.º 595/14.1TBAMT.P1)[4], que teriam fixado indemnizações de montante idêntico ao arbitrado neste processo, apesar de se reportarem a situações bem mais graves que a presente.
Em boa verdade, nos mencionados acórdãos da Relação de Guimarães os montantes fixados são significativamente superiores: € 18.000,00 (€ 15.000,00 por “dano biológico no campo não patrimonial” + € 3.000,00 por outros danos não patrimoniais) no primeiro e € 14.000,00 no segundo, apesar de, aparentemente, a gravidade das lesões e das suas consequências (designadamente quanto a sequelas permanentes) ser idêntica a esta que aqui se nos apresenta.
Igual é o valor indemnizatório fixado no citado acórdão desta Relação, que incidiu sobre uma situação em que as lesões, aparentemente, foram mais graves, apesar de terem sido idênticos o período de doença, o quantum doloris (5/7) e a incapacidade parcial permanente (2 pontos percentuais).
Por outro lado, não é de menosprezar a circunstância de ser uma decisão que tem mais de quatro anos.
Para evitar excesso de subjectivismo e grandes disparidades nos valores fixados a título de compensação devida por este tipo de danos, é curial conhecer as tendências da jurisprudência e não sair dos padrões geralmente adoptados, naturalmente sem esquecer a ideia fundamental de equidade e os critérios que a lei aponta, nomeadamente o grau de culpa e a gravidade do dano.
Nessa perspectiva, versando sobre casos bastante similares, podemos mencionar os acórdãos do STJ de 29.01.2015 (Revista n.º 384/09.5 TCFUN.L1.S1) em que foi fixada indemnização de € 15.000,00 (o lesado i) sofreu traumatismo torácico e da cintura escapular esquerdo, com impotência funcional do ombro e braço esquerdo; ii) esteve 16 dias internado; iii) sofreu dores intensas (num quantum doloris de 4 graus numa escala de 7) e ainda sente dores; iv) necessitou da ajuda de terceira pessoa e necessitará de tratamentos médicos; v) poderá vir a sentir sequelas decorrentes da agravação das lesões; vi) sofreu um dano estético avaliável em 3 numa escala de 7; vii) apresenta sequelas que o limitam na esfera do lazer e do convívio social, que representa um grau de repercussão permanente avaliável em 3) e de 27-11-2018 (Revista n.º 125/14.5TVLSB.L1.S1) que fixou o valor da indemnização em € 17.000,00 ((i) o autor exerce função de Director de um Banco; (ii) à data do acidente, tinha 47 anos de idade; (iii) por força do acidente, ficou a padecer de um défice funcional de 3 pontos, causador de acréscimo de esforço físico no desenvolvimento da actividade que exercia, com redução na sua capacidade económica geral e para execução de tarefas quotidianas, mesmo para além da idade da reforma; (iv) no dia do acidente, 01-02-2011, foi submetido a intervenção cirúrgica; (v) no dia 14-10-2011, foi submetido a intervenção cirúrgica para remoção do material de osteossíntese; (vi) por via das lesões sofridas, teve dores de grau 4, numa escala crescente de 7 graus; (vii) esteve internado durante 9 dias; (viii) necessitou de ajuda de terceira pessoa para tomar banho, subir e descer escadas, e de canadianas; (ix) e, foi sujeito a tratamentos de fisioterapia) e, ainda, o acórdão da Relação de Lisboa de 19.04.2018 (processo n.º 1633/12.8 T2SNT.L2-6) que fixou em € 10.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a sinistrada que, «no momento do acidente, tinha onze anos de idade, que teve um quantum doloris de 3 em 7; longo período de «Défice Funcional Temporário Parcial» – 280 dias; emergência de «Défice Funcional Permanente da Integridade Físico Psíquica» fixado em 2 pontos com repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer».

Ponderando todos estes factores, considerando, ainda, que não pode ser imputada ao autor a mínima parcela de culpa na produção do acidente, perfila-se como justo e equilibrado o montante de € 10.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por ele sofridos que a primeira instância arbitrou, o qual se mostra em sintonia com os padrões que têm sido seguidos.
*
Pretende, ainda, o autor que lhe seja atribuída uma indemnização de € 20.000,00 «a título de défice funcional permanente da integridade física e psíquica de 3 Pontos, na vertente do dano biológico» (conclusão 11.ª).
Esta pretensão do autor parece assentar na ideia do “dano biológico” reparável como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial e não patrimonial.
Porém, não é esse o entendimento que tem prevalecido na jurisprudência[5] que encara o chamado “dano biológico” como sendo um dano real ou dano-evento que não deve ser qualificado como dano patrimonial ou não patrimonial, mas como tendo consequências que se enquadram numa dessas categorias, ou em ambas.
Nesse sentido se expressou o STJ no seu acórdão de 17.10.2019 (Revista n.º 683/11.6TBPDL.L1.S2 - 6.ª Secção, Cons. Ricardo Costa): «I - O chamado dano biológico ou corporal, enquanto lesão da saúde e da integridade psico-somática da pessoa imputável ao facto gerador de responsabilidade civil delitual, traduzida em incapacidade funcional limitativa e restritiva das suas qualidades físicas e intelectuais, não constitui uma espécie de danos que se configure como um tertium genus na dicotomia danos patrimoniais vs danos não patrimoniais; antes permite delimitar e avaliar os efeitos dessa lesão – em função da sua natureza, conteúdo e consequências, tendo em conta os componentes de dano real – enquanto dano patrimonial (por terem por objecto um interesse privado susceptível de avaliação pecuniária) ou enquanto dano moral ou não patrimonial (por incidirem sobre bem ou interesse insusceptível, em rigor, dessa avaliação pecuniária)»[6].
O dano biológico redunda numa diminuição psicossomática da pessoa, nele se incluindo factores susceptíveis de afectar as actividades laborais, recreativas, sociais, a vida sexual e sentimental, e assume um carácter dinâmico, na medida em que tende a agravar-se com o avançar da idade da pessoa lesada, produzindo consequências quanto à extensão do dano não patrimonial e/ou dano patrimonial.
Normalmente, o dano biológico implica uma perda ou a diminuição da capacidade funcional geral do lesado que, embora sem uma correlativa redução da capacidade para exercer a sua actividade profissional e sem repercussão nos rendimentos que nesta aufere, vai exigir um esforço acrescido ou irá traduzir-se numa maior penosidade no desempenho dessa actividade, pelo que esse dano deve ser valorado como dano patrimonial.
Por outras palavras, uma limitação funcional ou incapacidade permanente decorrente de lesões sofridas num acidente, mesmo que daí não decorram perdas salariais ou outras remunerações, fundamenta a atribuição de indemnização por danos patrimoniais com base na consideração de que o dano físico, determinante dessa incapacidade, exige do lesado um esforço (físico e psíquico) suplementar para obter o mesmo resultado do trabalho realizado.
Foi nessa base que o autor recebeu da seguradora a quantia de € 3.674,98, correspondente ao capital de remição da pensão anual de € 244,4772 por lhe ter sido reconhecida uma incapacidade parcial permanente de 2 (dois) pontos percentuais em consequências das lesões sofridas no acidente, apesar de não ter sofrido qualquer perda salarial por força dessa incapacidade permanente. Sofreu perdas salariais, mas no período de incapacidade temporária e, também, foi ressarcido desse dano patrimonial no âmbito do processo de acidente de trabalho.
Por isso, a esse título, nenhuma outra indemnização lhe é devida, pois, de contrário, estaria a ser ressarcido duas vezes pelo mesmo dano, como bem se decidiu na sentença recorrida.
Aliás, o que parece decorrer da alegação de recurso do autor é que este fundamenta a sua pretensão indemnizatória no facto (não provado) de ter sofrido lesão do ligamento lateral do joelho direito que lhe teria determinado um défice funcional permanente da integridade física e psíquica de 3 (três) pontos percentuais (e que na petição inicial alegou ser de 7 pontos percentuais).
Também nesta parte, improcede o recurso do autor.

III - Dispositivo
Por tudo o exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedentes, quer o recurso do autor B…, quer o recurso da ré “D…, S.A.” e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
As custas dos recursos ficam a cargo de cada um dos recorrentes, face ao seu decaimento total (artigo 527.º, n.os 1 e 2, do Cód. Processo Civil).
(Processado e revisto pelo primeiro signatário).

Porto, 22.03.2021
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
________________
[1] Notificada às partes mediante expediente electrónico elaborado em 24.01.2020.
[2] Relatado pelo Desembargador Carlos Gil e subscrito pelo aqui relator, enquanto adjunto.
]3] Ac. desta Relação de 17.09.2009, proferido no processo n.º 1943/05.0TJVNF.P1, acessível em www.dgsi.pt
[4] Este, relatado pela Sra. Desembargadora Ana Paula Amorim, que aqui intervém do como adjunta.
[5] Na doutrina, os autores consagrados nem sequer se lhe referem. O Professor A. Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil, II Direito das Obrigações, Tomo III, Almedina, 2010, pág. 752) limita-se a uma nota de pé de página a propósito da “lamentável” Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, dizendo que nela se usa «o tão inestético quão inexplicável termo “danos biológicos” para designar os danos corporais.
[6] No mesmo sentido, o Ac. STJ de 20.10.2019 (Revista n.º 7614/15.2T8GMR.G1.S1, Cons. Henrique Araújo): «I - Ao dano biológico não pode ser conferida autonomia enquanto tertium genus e, por essa razão, todas as variantes do dano-consequência terão de traduzir-se sempre num dano patrimonial e/ou num dano não patrimonial. II - Assim, o défice funcional, ou dano biológico, representado pela incapacidade permanente resultante das lesões sofridas em acidente de viação, é suscetível de desencadear danos no lesado de natureza patrimonial e/ou de natureza não patrimonial».