Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
8817/09.4YYPRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
PENHOR
CONTA CORRENTE
Nº do Documento: RP201202158817/09.4YYPRT-C.P1
Data do Acordão: 02/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O documento que titula o penhor, embora comprove a garantia assim prestada, não constitui título executivo suficiente para fundar uma reclamação de créditos pelo banco garante contra o devedor, ordenante da garantia, por faltar a prova complementar de que a obrigação do garante foi satisfeita.
II - O extracto de uma conta-corrente também não vale como título executivo por não ser constitutivo de obrigações nem estar assinado pelo alegado devedor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 8817/09.4YYPRT-C.P1 – 2º Juízo de Execução do Porto
Rel. F. Pinto de Almeida (R. 1371)
Adj. Des. Teles de Menezes; Des. Mário Fernandes

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
O B…, S.A. veio, na execução em que é exequente C…, Lda e executada D…, reclamar créditos com garantia real.

Pediu que seja reconhecido e graduado como privilegiado o seu crédito até ao limite de € 250.000,00.

Como fundamento, alegou que o referido crédito se encontra garantido por penhor sobre o depósito a prazo n.º ………., penhorado nos autos de execução, crédito esse emergente do pagamento da garantia bancária n.º …-..-……., emitida a pedido da executada D…, Lda., a favor da E…, que honrou em 12/08/2010 pelo valor de € 499.564,02, sendo a executada titular da conta de depósitos à ordem n.º …….. que apresenta na data da reclamação de créditos um saldo negativo de € 4.397.120,62.
Juntou aos autos cópia do contrato de penhor e da notificação efectuada pelo SE e da resposta do Banco a dar conta ao SE de que considerava penhorado à ordem do processo de execução a que a reclamação de créditos foi deduzida por apenso – 3.ª penhora sucessiva – o saldo da conta de depósito a prazo n.º ………. no montante de € 178.681,8, valor já penhorado à ordem do processo n.º 3448/09.1YYPRT, a correr termos no 1.º Juízo – 2.ª Secção dos Juízos de Execução do Porto.

Notificada a executada da reclamação de créditos apresentada, deduziu a mesma impugnação do crédito reclamado, invocando, em síntese:
- ineptidão da petição inicial por o Banco Exequente não ter justificado a origem e natureza do seu crédito, discriminando de onde resultou o alegado saldo negativo da conta (uma vez que o penhor só garantia a utilização a descoberto da conta de depósitos à ordem, e não também débitos de terceiro) e quando pagou a garantia bancária e porquê, se interpelou a executada/reclamada para pagar, etc;
- inexistência ou insuficiência de título executivo, por não resultar do alegado título executivo que as quantias em débito perfaçam o montante peticionado; dada a falta de discriminação da origem dos débitos pode o Banco estar a reclamar créditos ainda não vencidos, o que não é admissível, sendo inexigível a obrigação exequenda;
- inexigibilidade e inexistência da garantia consistente no penhor sobre o depósito a prazo dado que posteriormente a tal contrato de penhor foi contratada hipoteca voluntária sobre imóveis para garantia de todas e quaisquer obrigações a assumir pela executada perante o banco exequente proveniente dos financiamentos aí identificados e de garantias bancárias, entre as quais a n.º …-..-……. e ainda posteriormente outra hipoteca sobre outros imóveis, para garantia dos financiamentos aí identificados e de garantias bancárias, entre as quais a n.º …-..-……., tendo-se extinguido o penhor, por substituído pelas aludidas garantias, o que foi pressuposto da constituição das hipotecas em substituição do aludido penhor, como resulta do facto de o Banco ter efectuado o arresto de tal conta de depósito a prazo, sem menção da garantia emergente de penhor.
Concluiu pela procedência das excepções e improcedência da reclamação.

O Credor reclamante apresentou resposta a fls. 57 e seguintes, invocando que a executada não impugnou a reclamação de créditos em tudo idêntica apresentada no processo que corre termos no 2.º Juízo do Tribunal de Ponta Delgada sob o n.º 450/09.7TBPLD, pelo que nos termos do art. 868.º, n.º 4, do CPC os créditos e respectivas garantias reais reclamadas nesse processo haver-se-ão como reconhecidas e serão graduadas nos termos do n.º 4 do art. 868.º do CPC.
Em resposta, pronunciou-se pela improcedência da arguida ineptidão dado que o exequente interpretou devidamente o requerimento de reclamação, tendo apresentado contestação, alegando que o exequente comunicou à executada, em 02/08/2010, a interpelação do beneficiário da garantia para o banco exequente proceder ao seu pagamento, solicitando à executada a informação relevante, sob pena de o Banco ter que honrar a garantia, tendo em 14/09/2010 informado a executada e os avalistas do pagamento efectuado, interpelando-os para liquidarem a mesma, o que não aconteceu.
Pronunciou-se pela existência de título executivo, constituído pelo contrato de penhor, por as quantias em dívida ao Banco exequente, provenientes da garantia bancária já honrada pelo Banco e do descoberto em conta serem muito superiores ao valor estipulado no contrato de penhor; improcedência da arguição de iliquidez e inexigibilidade do título por a quantia reclamada ser líquida e o título apresentar todos os requisitos de exequibilidade, referindo o contrato de penhor expressamente as responsabilidades que garante e na reclamação de créditos ser alegada a proveniência dos mesmos.
Mais alegou que as hipotecas não se destinaram a qualquer substituição do penhor mas sim ao reforço das garantias, não havendo qualquer acordo para a extinção do penhor.

A exequente apresentou impugnação dos créditos reclamados aderindo à impugnação de créditos apresentada pela executada.

Na sentença foi julgada improcedente a excepção de ineptidão da p.i. e, conhecendo-se do mérito, por falta de apresentação/existência de título exequível, nos termos do art. 865.º, n.ºs 2 e 3, do Cód. Proc. Civil, decidiu-se não admitir a reclamação apresentada, não se julgando verificados os créditos reclamados.

Discordando desta decisão, dela interpôs recurso o reclamante, tendo apresentado as seguintes

Conclusões (síntese):
I. O Banco Recorrente juntou com a sua reclamação de créditos, o contrato de penhor sobre o depósito a prazo, celebrado em 28.10.2008, entre o Banco reclamante e a executada D…, S.A., a comunicação que o Banco fez ao agente de execução dos presentes autos, no qual considerava penhorada, à ordem dos presentes autos, a conta a prazo nº ………. e, o extracto bancário da conta à ordem da D…, S.A., a qual, apresentava um saldo negativo de € 4.397.120,62.
II. O aqui Recorrente, alegou na sua reclamação de créditos, que a garantia bancária prestada a pedido da executada, à qual tinha sido atribuída o nº. …-...-……., tinha sido honrada pelo Banco, no passado dia 12.08.2010, pelo montante de € 499.564,02, assim, como alegou e juntou o extracto que a executada é titular da conta de depósitos à ordem nº. ……..., sediada numa sucursal do aqui credor reclamante, a qual, apresentava à data da reclamação, um saldo negativo de € 4.397.120,62.
III. Posteriormente, o Banco Recorrente, a convite da Meritíssima Juiz “a quo” juntou ainda aos autos a garantia bancária nº. …-..-……., o documento emitido pela beneficiária da garantia bancária a interpelar o Banco para honrar a mesma, a carta enviada pelo Recorrente à executada a informar que tinha sido interpelado para liquidar a garantia bancária e para a executada se pronunciar, o documento emitido pelo Banco a informar a beneficiária da garantia bancária que tinha liquidado a mesma, bem como, as cartas enviadas à executada e aos avalistas da mesma para liquidarem a responsabilidade proveniente da garantia bancária já honrada.
IV. O Penhor constituído pela executada, a favor do Banco aqui Recorrente, garantia duas obrigações distintas, a garantia bancária, e, o saldo devedor da conta de depósito à ordem da executada.
V. Esse penhor destina-se a garantir um direito de regresso a favor do Apelante, caso viesse a ser accionada a garantia bancária, a qual, conforme foi alegado já foi accionada e honrada pelo Banco, bem como, se destina a garantir a permissão da utilização a descoberto de contas de depósito à ordem da executada, a qual apresentava um saldo negativo de € 4.397.120,62, conforme extracto junto.
VI. O credor é admitido à execução ainda que o seu crédito não esteja vencido.
VII. Ora, os créditos reclamados pelo Apelante eram e são exequíveis, pois, a garantia bancária já foi honrada, e o saldo da conta da executada é negativo.
VIII. Assim, as obrigações garantidas pelo penhor já estão vencidas e são exigíveis.
IX. Das obrigações garantidas pelo Penhor, a garantia bancária, era uma obrigação sujeita a condição suspensiva, situação que a lei bem prevê no seu artigo 666º, nº 3, do Código Civil e que não retira ao credor pignoratício o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, nos termos do nº 1, deste mesmo preceito legal.
X. Nas obrigações condicionais, sujeitas a condição suspensiva, estas só são exigíveis depois da prova da verificação dessa condição, que deve ser alegada pelo credor reclamante, na sua petição de reclamação, o que, aconteceu no presente caso, para que posteriormente a possa provar.
XI. Daí que o art. 804, nºs 1 a 4, exija ao credor exequente a prova da verificação da condição, sem o que a execução não é admissível.”.
XII. Ora, conforme já foi alegado, na petição de reclamação, o aqui Recorrente, alegou que a condição se verificou (já honrou a garantia bancária garantida pelo penhor), facto esse essencial e constitutivo do seu direito.
XIII. E, relativamente à saldo devedor o aqui Apelante, alegou que este era negativo (devedor) e juntou extracto desse extracto, pelo que, salvo o devido respeito, a Apelante dispõe de título exequível.
XIV. Ora, ao alegar que já honrou a garantia bancária e ao alegar que o saldo da conta de depósito era devedor, o aqui Apelante demonstrou que se encontrava munido de título exequível, demonstrou a existência de duas obrigações exigíveis à executada.
XV. Mais, após ter junto os documentos a convite da Ilustre Magistrada, nomeadamente, a interpelação da beneficiaria da garantia e a resposta do Banco à mesma, o aqui recorrente, alegou a realização da prestação a terceiro (beneficiário da garantia), pelo que, se encontra junto aos autos documento que prova a existência da obrigação, a cargo da executada e a favor do Apelante – artº 46º C.P.Civ. (nomeadamente no seu nº1 al.c),
XVI. A obrigação exequenda pode ser simples ou complexa, pelo que, também os títulos executivos podem ser simples ou complexos. Estaremos perante títulos executivos complexos quando a obrigação exequenda exija vários documentos para a sua verificação/demonstração, documentos esses que, podendo ser de natureza diversa, se complementam entre si e nos seus conteúdos e levam à demonstração do crédito/obrigação exequenda.
XVII. Ora, nos presentes autos o aqui Recorrente, aquando da apresentação da sua reclamação juntou aos autos o contrato de penhor, bem como, o extracto bancário da conta da executada, assim como, alegou que já tinha honrado a garantia bancária contra garantida pelo penhor.
XIII. Nos termos do artº 865º do CPC, os pressupostos que legitimam a apresentação da reclamação de créditos assentam na existência de um crédito com garantia real sobre os bens penhorados na titularidade do reclamante e na existência de títulos executivos.
Ora, quanto ao primeiro, foi demonstrada a existência dos créditos reclamados e a existência de penhor para garantia dos mesmos.
Quanto ao segundo, deverá atentar-se que a dívidas reclamadas tem por base um contrato de penhor e os documentos que o complementam, aos quais é conferida exequibilidade pelo artº 46º, nº 1, al. c) do CPC.
XIX. O douto despacho recorrido viola o disposto, nos n.ºs 2 e 3 do artigo 865º do C.P.C., o nº. 1 al) c) do artigo 46º do CPC.
Nestes termos, deve julgar-se procedente a presente apelação e consequentemente ser revogada a Douta decisão apelada, lavrando-se acórdão, que decida no sentido aqui propalado.

A executada contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Questões a resolver:

Discute-se no recurso se o Banco reclamante dispõe de título executivo que sirva de base à reclamação deduzida.

III.

Na sentença recorrida, foram considerados os seguintes documentos (para além dos que acima foram referidos):
- o original do documento, datado de 10 de Março de 2010, em que o Banco exequente, em resposta a ordem de arresto emanada do processo 298568/09.8YIPRT-A da 1.ª Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia em que é exequente/requerente a aqui exequente/reclamada C…, L.da., e executada a aqui reclamada/executada D…, S.A., considera arrestada à ordem do aludido processo, entre outros, a conta de depósito a prazo n.º ………. – fls. 110;
- a proposta de garantia bancária no montante de 5.500.000,00 Dirhams solicitada pela executada, tendo como beneficiário a E…, junta a fls. 159 frente e verso, que aqui se dá por reproduzida;
- certidões da CRPredial relativas aos prédios com hipotecas a que se referem as escrituras juntas pela executada/reclamada na impugnação à reclamação de créditos apresentada – fls. 168 a 249 dos autos de reclamação;
- cópia do original e respectiva tradução do documento titulador da transferência do montante de 5.500.000,00MAD (cinco milhões e quinhentos mil Dirrã Marroquinos) do B… para o F… (Ex-G…) em 16/08/2010 – fls. 121 e 122 e fls. 267 e 268;
- cópia da carta registada com a.r. enviada pelo Banco reclamante à sociedade executada/reclamada D…, S.A., com data de 2 de Agosto de 2010 e aviso de recepção respectivo, assinado em 05/08/2010, em que comunica à sociedade reclamada que foi «(…) interpelado para, ao abrigo da Garantia bancária n.º …-..-……. prestada a pedido de D…, S.A., a favor de E… pagar a quantia de MAD 5.500.000,00 (Cinco milhões Quinhentos mil Dirames) por alegado incumprimento de V.as Ex.as do contrato respectivo.», solicitando «(…) que no prazo de 2 dias a contar da recepção da presente nos informem do que tiverem por conveniente, sob pena de, decorrido tal prazo, este Banco se ver forçado a honrar o pagamento da quantia solicitada e a exercer, pelos meios de que dispõe, o seu direito de sobre a mesma.» - documentos juntos a fls. 123 e 124 dos autos de oposição, que aqui se dão por reproduzidos;
- cópia da carta registada com a.r. enviada pelo Banco reclamante à sociedade executada/reclamada D…, S.A., com data de 14 de Setembro de 2010, e aviso de recepção respectivo, assinado em 17/09/2010, em que comunica à sociedade reclamada que «(…) honrou em 12 de Agosto de 2010 a garantia bancária n.º …-..-……. (…) prestada a pedido de V.ª Ex.ª em favor do beneficiário E…, no valor de € 499,564,02 (MAD 5.500.000,00).», interpelando a reclamada/executada para que proceda à liquidação da referida responsabilidade, no montante de capital de € 499.564,02, a que acrescem juros e outros encargos, no prazo de 8 dias, sob pena de remetermos o dossier a Contencioso, no prazo de 8 dias, com vista à cobrança coerciva daquele crédito (…)» - documentos juntos a fls. 131 e 132 dos autos de oposição, que aqui se dão por reproduzidos;
- carta datada de 28 de Setembro de 2010 enviada pela executada/reclamada ao Banco reclamante em resposta à carta com data de 14 de Setembro de 2010 a interpelá-la para pagamento do valor de € 499,564,02, junta a fls. 142 a 144, cujo teor aqui se dá por reproduzido;
- extracto combinado da conta bancária n.º ……. sediada no Banco reclamante, respeitante ao período de 2010/08/02 a 2010/08/31, junto a fls. 135 a 137 dos autos de oposição, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
- certidão extraída do processo de reclamação de créditos com o n.º 450/09.7TBPLD-B em que é reclamante do B…, S.A. e reclamado o D…, S.A., certificando que a reclamada foi citada da reclamação de créditos em 12-07-2010 e não houve qualquer impugnação, não tendo ainda havido sentença de graduação de créditos – fls. 271 a 283 dos autos de reclamação.

IV.

Segundo dispõe o art. 865º do CPC, o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respectivos créditos (nº 1).
Essa reclamação deve ter por base um título exequível (nº 2).
O credor é admitido à execução, ainda que o crédito não esteja vencido; mas se a obrigação for incerta ou ilíquida, torná-la-á certa ou líquida pelos meios de que dispõe o exequente (nº 7).

A reclamação de créditos pressupõe, assim, que:
- o credor disponha de garantia real sobre os bens penhorados;
- o credor disponha de um título executivo;
- a obrigação seja certa, líquida e exigível[1].

No caso, a garantia invocada é um penhor sobre o depósito a prazo referido na reclamação, penhorado parcialmente na execução.
Essa garantia, não discutida nos autos, confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro – art. 666º nº 1 do CC.
A obrigação garantida pelo penhor pode ser futura ou condicional (nº 3 do mesmo artigo).

Nos termos do art. 45º nº 1 do CPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
De entre os títulos que podem servir de base à execução contam-se, nos termos do art. 46º nº 1 c), os documentos particulares assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto.

O documento particular para se configurar como título executivo deve, pois, obedecer a estes requisitos:
- conter a assinatura do devedor;
- importar a constituição ou reconhecimento de obrigação;
- a obrigação reportar-se ao pagamento de quantia determinada ou determinável por simples cálculo aritmético, à entrega de coisa ou à prestação de facto.

Afirma-se, e bem, na sentença que os documentos juntos com a reclamação não constituem títulos executivos dos créditos reclamados: "trata-se apenas do documento que titula a constituição da garantia real (penhor) sobre os créditos aí identificados e que constituem créditos futuros".
Acrescenta-se, porém, que "os documentos que vieram ulteriormente a ser juntos nos autos, supra referidos, também não constituem títulos executivos ou exequíveis dos alegados créditos: não são títulos exequíveis (…) nem o pedido de emissão da garantia bancária, nem o documento comprovativo do pagamento ao beneficiário da garantia do valor de 5.500.000,00 MDA, nem as cartas enviadas para interpelação da executada/reclamada para pagar ao Banco reclamante os valores pagos por estes ao beneficiário da garantia, nem o extracto da conta bancária n.º …….".

É certo que os documentos referidos, analisados por si, isoladamente, não reúnem evidentemente os requisitos exigidos legalmente para poderem ser considerados títulos executivos: constituindo documentos particulares, teriam de estar assinados pelo devedor e importarem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias - art. 46º nº 1 c) do CPC.
A questão que poderia pôr-se é se esses documentos podem constituir meio de prova complementar do título, nos termos do art. 804º do CPC, cujo regime, tratando directamente da prova da verificação de condição suspensiva, se entende dever estender-se a todos os casos em que a certeza e exigibilidade não resultem do título executivo, mas já se verificam antes da reclamação[2].

Estaríamos então perante um título executivo complexo, "corporizado num acervo documental em que a complementaridade entre dois ou mais documentos se articula e complementa numa relação lógica evidenciada no facto de, regra geral, cada um deles só por si não ter força executiva e a sua ausência fazer indubitavelmente soçobrar a do outro, mas juntos asseguraram eficácia a todo o complexo documental como título executivo.
Se um complexo documental particular, de aparente exequibilidade extrínseca e intrínseca, é recognitivo de uma obrigação pecuniária, exigível e líquida, preenche o título executivo extrajudicial tipificado na al. c) do art. 46º do CPC"[3].

No caso, o penhor visa garantir o reembolso da quantia que o Banco reclamante satisfizer no âmbito da garantia bancária que acordou prestar a solicitação da executada e, bem assim, a utilização a descoberto de contas de depósito à ordem.
No primeiro caso, foram juntos aos autos o documento de subscrição pela executada da referida garanta bancária e documentos que respeitam à interpelação do Banco garante e à satisfação por este do montante constante da garantia.
No segundo caso, foi junta cópia de extracto bancário demonstrativa do saldo devedor alegado pelo reclamante.
É sabido que as garantias bancárias podem ser acessórias ou autónomas e estas, por sua vez, podem ser simples ou automáticas (à 1ª interpelação).
Aquelas caracterizam-se por uma relação de dependência ou subordinação da obrigação de garantia relativamente à obrigação garantida.
A garantia autónoma é um negócio causal não acessório: "a obrigação do garante não se molda sobre a obrigação principal, quer quanto ao seu objecto, quer quanto aos pressupostos da sua exigibilidade, instituindo antes uma obrigação própria e autónoma, em tudo distinta da do devedor"[4].

Tem sido reconhecido que a garantia bancária autónoma pode constituir título executivo contra o banco garante[5].
Diferente e menos frequente é a situação que se configura nestes autos, de a garantia ser invocada como título pelo banco garante contra o devedor, ordenante da garantia.
Nesta situação, o documento que comprova a garantia prestada não é, obviamente, suficiente para constituir título executivo: faltará, desde logo, a prova complementar de que a obrigação do garante foi satisfeita.
Exemplos desta situação são os casos decididos nos Acórdãos desta Relação de 09.02.2009 e da Rel. de Lisboa de 24.02.2011[6].
Afirma-se naquela decisão que "o art. 865º nº 7 do CPC dispõe que o credor é admitido à execução ainda que o respectivo crédito se não mostre vencido, mas a verificação de uma outra situação de inexigibilidade da obrigação exequenda, que não se identifique com a mera falta de vencimento, não autoriza a reclamação do crédito, como é o caso de o crédito pignoratício se encontrar sujeito a condição suspensiva (art. 270º do CC), de verificação futura e incerta".

Esta solução, bem vistas as coisas, não diverge daquela que acima indicámos: é que a prova complementar tem lugar nos casos em que a certeza e a exigibilidade, não resultando do título, já se verificavam antes da reclamação. Trata-se, portanto, apenas de demonstrar, por ex., que a condição suspensiva já se havia verificado ou que a prestação por parte do credor já havia sido cumprida (nos casos dos acórdãos estava provado que a obrigação do garante ainda não tinha sido prestada e, por isso, o direito de regresso ou reembolso ainda não era exigível)]7].

No caso, porém, parece-nos que será de exigir algo mais, para além da demonstração de que a garantia foi prestada, tendo em conta que o título deve poder servir de base à execução contra o devedor, ordenante da garantia.
O documento junto pelo reclamante respeitava tão só ao penhor, isto é, à garantia de que o mesmo beneficiava quanto ao reembolso da quantia prestada em cumprimento da garantia bancária. Só mais tarde, a convite do Tribunal, juntou documentação complementar, constituída pela proposta da garantia bancária, documento de interpelação e da transferência do montante garantido.
Naquele primeiro documento refere-se que o montante da garantia é destinado a "contra-garantir uma linha de crédito (facilité de caisse) conforme minuta anexa".
Nada mais se vê no texto do documento que possa caracterizar a garantia contratada, desconhecendo-se, por outro lado, os termos do contrato celebrado entre o garante e o devedor (dador da garantia).

Ora, podendo considerar-se, face à nacionalidade do beneficiário, que nos encontramos no âmbito do comércio internacional e que, por isso, se tratará de uma garantia bancária autónoma (sendo até comum, nesse âmbito, que o seja à 1ª interpelação)[8], o certo é que essa autonomia se revela essencialmente quanto à garantia em relação à obrigação garantida. No que concerne ao direito de reembolso do garante, haverá de atender-se ao contrato estabelecido entre ele e o devedor/ordenante da garantia.
"O direito de reembolso está subordinado à condição de que o pagamento tenha sido feito nos termos do contrato que liga o garante ao dador da ordem"; "é a esse contrato que temos de recorrer quando pretendemos saber se o garante dispõe do direito de ser reembolsado, e não à garantia autónoma"[9].

Do que fica dito decorre a insuficiência da documentação junta aos autos pelo Banco reclamante: para além da garantia e do cumprimento desta pelo garante (a impugnação deduzida pela executada podia, no caso, ser decidida através do regime previsto no art. 804º do CPC), está em causa o direito de reembolso do garante, exigido ao devedor, dador da garantia, pelo que era imprescindível conhecer também os termos do acordo estabelecido entre estas partes.
O Banco reclamante não juntou esse documento, mesmo depois do convite para apresentar documentação complementar que suprisse a manifesta e completa omissão inicial.
Essa documentação junta não constitui, assim, título exequível suficiente para fundar a reclamação apresentada.

A situação do descoberto em conta não é diferente.
Vem sendo entendido que se trata de contrato – acordo prévio expresso ou mero acordo tácito – pelo qual o banco autoriza, dentro de certos limites, a existência de saldo negativo na conta do cliente[10].
Neste caso, foi junto aos autos apenas o extracto de uma conta bancária que, para além de parcial (parte já de um saldo de € 4.394.306,56), referencia como movimentos tão só as rubricas "garantias e avales".
Estes lançamentos contabilísticos não estão, assim, minimamente concretizados, não tendo a executada contribuído, de alguma forma, para a sua elaboração; nem foram juntos quaisquer documentos subscritos pela executada que possam fundamentar esses lançamentos.

Decorre do disposto no art. 380º do CC que esse documento apenas poderia provar a recepção de pagamentos pelo banco, autor do documento. À face desse documento, como se afirma no Acórdão do STJ de 17.09.92[11], não se pode ter como demonstrado que a executada foi beneficiada com as importâncias levadas a débito nesse extracto de conta corrente da exclusiva responsabilidade da reclamante.
A conta corrente é assim um documento da autoria do Banco reclamante e não é constitutivo ou recognitivo de obrigações, nem está assinado pela executada (alegada devedora)[12].
Não vale também como título executivo.

Improcedem, por conseguinte, as conclusões do recurso.

V.

Em face do exposto, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

Porto, 15 de Fevereiro de 2012
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes
__________________
[1] Exigibilidade não apenas em função do vencimento – cfr. Elsa Sequeira Santos, Reclamação, Verificação e Graduação de Créditos, Themis nº 9, 100.
[2] Cfr. Lebre de Freitas, CPC, Anotado, Vol. III, 249 e 506 e Acórdão do STJ de 04.02.2010, em www.dgsi.pt.
[3] Acórdão do STJ de 05.05.2011, em www.dgsi.pt.
[4] Menezes Leitão, Garantias das Obrigações, 152.
[5] Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, 537; Lopes do Rego, Comentários ao CPC, Vol. I, 2ª ed., 84; Acórdãos do STJ de 13.01.2009 e de 04.02.2010 e desta Relação de 2.11.2000 e de 08.05.2008, todos em www.dgsi.pt.
[6] Publicados em www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5ª ed., 94; Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, 100; Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 11ª ed., 125.
[8] L. Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, 121; Romano Martinez e Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, 3ª ed., 112.
[9] Mónica Jardim, A Garantia Autónoma, 313; também, L. Pestana de Vasconcelos, Ob. Cit., 129.
[10] Engrácia Antunes, Ob. Cit., 506 e 507.
[11] BMJ 419-741.
[12] Acórdão desta Relação de 06.06.2002, CJ XXVII, 3, 194.